segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Novo site da ANEGEPE

Vejam o novo site da Associação Nacional de Estudos em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas: http://www.anegepe.org.br/

Rotunda de Vitor Meireles: o primeiro crowdfunding da indústria criativa no Brasil

Há poucos anos, a literatura de empreendedorismo vem abordando um fenômeno aparentemente recente: o crowdfunding. Em poucas palavras, um empreendedor que tem uma idéia de negócio ou projeto social, mas não conta com recursos financeiros suficientes para iniciá-lo, busca o apoio de pequenos investidores que darão uma contribuição financeira em troca de alguma recompensa futura. O crowdfunding está sendo chamado de financiamento coletivo ou colaborativo no Brasil. Este tipo de financiamento parece ser ideal para projetos que demandam um investimento financeiro de menor porte.
A atividade tornou-se mais popular pelas facilidades de comunicação que o advento da INTERNET propiciou. Um exemplo interessante de espaço para busca de financiamento colaborativo é o site Impulso (http://www.impulso.org.br/pt/explore) criado pelos idealizadores da Aliança Empreendedora (http://www.aliancaempreendedora.org.br).
A indústria criativa é outro tema que tem atraído a atenção dos pesquisadores e estudiosos do empreendedorismo. Essa temática já é explorada há pelo menos duas décadas, mas recentemente tem atraído um nível mais intenso de atenção da academia. Uma das razões para isso é que as áreas de negócios relacionadas à indústria criativa - atividades onde o conhecimento e a criatividade são ingredientes fundamentais de empreendimentos bem sucedidos - são responsáveis por parcelas cada vez maiores da economia de muitos países.
Na indústria criativa, penso que um aspecto essencial que se une aos dois anteriores é a colaboração entre inúmeros parceiros. A aplicação da criatividade e do conhecimento em produtos ou serviços utéis à sociedade envolve o trabalho de muitas pessoas criativas. É o caso por exemplo, da indústria de software, da área de Design, e dos projetos nas atividades artísticas e culturais: teatro, cinema, literatura, museus, entre outros. Muitas iniciativas recentes na área de atividades artísticas e culturais têm buscado financiamento por meio do crowdfunding.
Tenho refletido sobre a junção desses dois fenômenos e estou iniciando uma investigação, ainda de forma preliminar, sobre como se configuram projetos e empresas culturais. Minha idéia é explorar as dimensões de recursos, estrutura e estratégia que se alinham em configurações bem sucedidas de empreendimentos culturais. Meu primeiro olhar será sobre as atividades teatrais e de cinema em Curitiba.
Essa reflexão inicial tem sido apoiada por leituras aleatórias de textos que encontro sobre o assunto. Nesses dias comecei a leitura de um livro de Vicente de Paula Araújo - A Bela Época do Cinema Brasileiro - cuja segunda edição foi publicada pela Editora Perspectiva em 1985, mas publicado originalmente em 1973. Nesse livro, o autor apresenta resultados de um pesquisa histórica situando a origem do cinema no Brasil. Para contar a chegada do cinema no Brasil, Araújo faz uma descrição muito interessante dos tipos de divertimento que a população do Rio de Janeiro tinha acesso no século XIX. O cinema surge como um novo divertimento para o povo. Só mais tarde é que irá adquirir um status de arte.
Surgido em 1895, com a criação do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, aparelho que tinha melhores capacidades técnicas que seus antecessores, o cinema chegou muito rápido ao Brasil. Vieira nos conta que já em 1896 aconteceram projeções de pequenos filmes usando aparelhos semelhantes ao cinematógrafo. A pesquisa de Vieira aponta o dia 08 de julho de 1896 como a data da primeira exibição de "vistas animadas" no Rio de Janeiro. Essas exibições eram feitas em espaços temporários. A primeira sala de exibição fixa no Rio de Janeiro foi fundada em 15 de julho de 1897 e chamava-se Salão de Novidades de propriedade de Germano Alves e Pascoal Segreto. Já em outubro do mesmo ano, Germano vendeu sua parte a Pascoal e foi para Petrópolis criar uma nova sala fixa chamada Salão Bragança, inaugurada em 11 de outubro de 1897. (p. 93-97).
A primeira filmagem feita no Brasil foi obra de Afonso Segreto, irmão de Pascoal, que fora enviado por este à França para comprar equipamentos de filmagem, dando inicio às filmagens em 19 de junho de 1898. Chegando de navio, ao desembarcar, Afonso Segreto usou os equipamentos para filmar as fortalezas e navios de guerra (p. 108).
Mas, antes do cinema, havia vários divertimentos. Vieira aponta "as touradas, jogo da bola, cavalhadas, brigas de galo, circo de cavalinhos, concertos musicais, procissões, bailes de máscara, corridas de cavalo, representações teatrais...". Enforcamentos também eram uma espécie de divertimento da população! (p. 26).
Um divertimento muito diferente eram os panoramas. Segundo Araújo, o panorama "é um enorme quadro esférico em que o espectador, colocado no centro, como se estivesse no alto de um morro, vê todo o horizonte" (p. 31). Vitor Meireles teve seu primeiro panorama, segundo Araújo, exposto na Exposição Universal de Paris em 1989, retratando um panorama da cidade do Rio de Janeiro (p. 32).
Mas, a vida de Vitor Meireles não foi fácil, conforme nos conta Araújo. Com a implantação do regime republicano e a reforma do ensino artístico, Vitor Meireles foi exonerado de seu cargo de professor e passou a fazer exibições públicas de seu panorama para sobreviver. Ocupou um pavilhão no Largo do Paço cedido pela municipalidade em 1891. Nesse espaço fez um segundo panorama retratando a Entrada da Esquadra Legal, inaugurado em 1894. Mas, em 1898 Vitor Meireles teve que desocupar o espaço da prefeitura (p. 32-34).
Foi nesse momento de sua vida que Vitor Meireles resolveu empreender e construir uma rotunda panorâmica, que pretendia inaugurar em maio de 1900, para expor o quadro que estava pintando sobre o descobrimento do Brasil com 115 metros de circunferência. (p. 34).
Graças à investigação de Vicente de Paula Araújo para seu livro é que tomo conhecimento da, talvez, primeira iniciativa de crowdfunding da indústria criativa no Brasil. Pois, como relata Araújo, Vitor Meireles não dispunha dos meios para construir sua rotunda panorâmica e divulgou amplamente um plano para isso, exposto à página 35 do livro:
O artista nacional Vitor Meireles de Lima, professor aposentado da antiga Academia das Belas Artes do Rio de Janeiro, no empenho de concorrer para a comemoração do 4o. Centenário do Descobrimento do Brasil, em 1900, propôs-se a construir uma rotunda com dimensão igual à construída em 1890 na praça Quinze de Novembro, representando panoramicamente a memorável data histórica.
Essa rotunda, levantada nos terrenos da chácara do antigo Seminário de São José, com entrada para a rua de Santa Luiza no. 60, acha-se quase concluída. Estava o artista persuadido de poder levar a cabo o seu tentame, por esforço exclusivo seu e nesse empenho não hesitou em empregar todas as suas economias.
Acontece, porém, que, para a conclusão da rotunda, instalação da tela no interior, acessórios de pintura, da plataforma e do terreno natural, é forçoso ainda o dispêndio ou o emprego da soma de 30 contos.
Para evitar o fracasso da tentativa e o aniquilamento de tudo quanto já se acha feito, apela o mesmo artista para o auxílio dos seus compatriotas, amigos e propugnadores da comemoração do 4o. Centenário do Descobrimento do Brasil, solicitando a subscrição, por empréstimo da aludida soma de Rs. 30:000$000, para conclusão do referido panorama, devendo ser as quotas da referida subscrição ou empréstimo remidas em trimestres a partir do dia inicial da exposição, com inclusão de juros à razão de 10% ao ano, contados da data do recebimento das mesmas quotas. Os amigos do artista e subscritores do empréstimo-auxílio receberão um título creditório das quotas com que se dignarem concorrer, título remível com seus juros pelo modo acima indicado.
Para melhor conhecimento da praticabilidade desta idéia, cumpre-me cientificar que o primeiro panorama produziu no primeiro ano, Rs. 91:849$000, e o segundo panorama, logo no primeiro trimestre, Rs. 46:000$000.
Obsequiosamente serão recebidas as inscrições nos escritórios do Jornal do Comércio, Jornal do Brasil, O País, Gazeta de Notícias, Imprensa, Cidade do Rio, Tribuna e Notícia.
 
Rio de Janeiro, 23 de junho de 1899.
(a) Vitor Meireles de Lima.
 

Maravilhoso! Nesse primeiro projeto a apelar pelo crowdfunding pode-se ver a preocupação em expor claramente a idéia, o apelo à responsabilidade social e cultural (comemoração do 4o. Centenário do Descobrimento), a demonstração da competência do empreendedor (professor aposentado) e experiência anterior (dois panoramas), a recompensa aos investidores e a viabilidade do projeto.
Não é belíssimo?



terça-feira, 11 de dezembro de 2012

sábado, 1 de dezembro de 2012

Sustentabilidade e A Montanha Mágica de Thomas Mann

Foi há poucos anos que ouvi falar a respeito do romance A Montanha Mágica de Thomas Mann. Por que será que nos meus anos de formação esse livro não chegou às minhas mãos? Por que minhas professoras e meus professores não me contaram sobre esse livro? Ou será que eu não prestei atenção?

De Thomas Mann só conhecia A Morte em Veneza, pequeno romance transformado em filme inesquecível por Luchino Visconti em 1971. Presenças marcantes de Dick Bogarde como um compositor que vai a Veneza descansar e de Silvana Mangano que representa a mãe de Tadzio, adolescente que passa férias com a mãe e as irmãs naquela cidade italiana. O filme trata da paixão platônica do compositor pelo jovem e aborda a questão do ideal da beleza representado pelo jovem Tadzio e, de forma discreta, trata também do homossexualismo.

Mas, a Montanha Mágica chegou às minhas mãos apenas recentemente. Terminei a leitura, feita em doses homeopáticas quase que diárias, pois a edição em português que li chega às 957 páginas! Esforço prazeroso pois a história de Hans Katorp, jovem que vai visitar o primo Joachin internado em hospital para tubeculosos nos Alpes suíços é emocionante. Chegando lá, tem sua estadia prolongada em função do diagnóstico de que é portador da mesma doença do primo. O livro narra os setes anos em que Hans viveu nesse espaço e aborda, de forma sublime e magistral, a relação subjetiva que temos com o tempo e as inúmeras facetas dessa maravilhosa jornada que é a vida humana: amor, política, ciúme, prazer, dor, sexo, morte, guerra, religião, filosofia, artes, música, medo, humor, doença, saúde, desdém, repulsa, vingança, ou seja, quase tudo que se puder pensar que faça parte do ser humano. Até mesmo a sustentabilidade que parece uma discussão tão recente!

Pois é, em uma passagem do romance, Mann fala do projeto de um escultor austríaco que, em conversa com Hans Kastorp, se mostrara tão fanaticamente envolvido com idéia, mas não evidenciava propensão concreta a realizá-lo. Será que Mann, por meio desse personagem, já estava nos alertando sobre a dificuldade inerente à realização da busca da sustentabilidade em nossa sociedade?

Vejam o projeto que aparece às páginas 845 e 846 do romance:

Um antigo escultor, natural de uma província da Áustria, homem de certa idade, com um bigode branco, nariz adunco e olhos azuis, concebera um projeto político-finaceiro que caligrafara, sublinhando os trechos decisivos com pinceladas de tinta nanquim. Esse projeto tinha o seguinte objetivo: cada assinante de jornal deveria ser obrigado a entregar no primeiro dia de cada mês uma quantidade de papel de jornal velho que correspondesse a 40 gramas por dia. Isso importaria anualmente a cerca de 1.400 gramas, e em vinte anos em nada menos de 288 quilo, os quais, à base de um preço de 20 pfennigs por quilo, representaria um valor de 57,60 marcos. Cinco milhões de assinantes - assim prosseguia o memorando - entregariam, portanto, em vinte anos a soma formidável de 288 milhões de marcos, dois terços da qual poderiam ser deduzidos das assinaturas, ao passo que o resto, aproximadamente cem milhões de marcos, seriam aproveitados para fins humanitários, como por exemplo, o financiamento de sanatórios populares para tísicos, subvenções para talentos, pobres etc.

Mais à frente, Mann continua a descrição do projeto:

O gesto insensato e a destruição de papel de jornal, que a gente mal-avisada ainda desperdiçava em cloacas ou fogões, constituía alta traição às nossas florestas e um golpe contra a economia nacional. Poupar papel, guardar papel, significaria conservar e economizar celulose, árvores, máquinas, que a fabricação de pasta mecânica e de papel desgastava, como também seriam menos exigidos o capital e o material humano. Acrescia a isso o fato de o papel de jornal velho adquirir facilmente o quadruplo valor pela transformação em papel de embrulho ou em papelão, de maneira que seria capaz de se converter num fator econômico de vasta importância e em fundamento de rendosos impostos estaduais ou municipais, ao passo que os leitores de jornais veriam suas contribuições aliviadas.

Impressionante! Em 1924, em seu romance, Mann já defendia o que hoje denominanmos tripé da sustentabilidade: a preocupação econômica, ambiental e social. Está tudo aí!

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Para que serve a utopia? O Direito ao delírio

Juliana me passou e eu compartilho com vocês. Eduardo Galeano quase perfeito, já que segundo ele mesmo, nós humanos não podemos sê-lo.
Emocionante!
http://www.youtube.com/watch?v=m-pgHlB8QdQ

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Conversas com empresárias: lições de vida no mundo dos negócios

Para Kilda Gimenez, a mãe.

Estou envolvido em um projeto de pesquisa que está estudando as trajetórias de mulheres empresárias no Paraná. Nosso objetivo é tentar descobrir diferentes aspectos sobre a vida empresarial relatada pelo olhar feminino. Para isso, meus colegas e eu entrevistaremos vinte e quatro dirigentes de empresas localizadas em cinco cidades do Paraná: Curitiba, Londrina, Maringá, Cascavel e Ponta Grossa.

Como parte desse esforço, ontem estive em Cascavel para cumprir uma agenda de seis entrevistas. Uma das empresárias não pode me atender, mas as outras cinco puderam dispor de um pouco de seu tempo e atenção para um pesquisador que queria, mais do que entrevistá-las, ter a oportunidade de conversar sobre o que significa ser empresária, com pessoas que além desse papel, normalmente exercem outros tão ou mais importantes: mãe, esposa, filha, companheira, tia, etc. Na semana passada, já havia feito uma entrevista em Curitiba.

Fazia tempo que eu não me envolvia nesse esforço de coleta de dados para pesquisa no campo. Percebi como isto estava me fazendo falta! A experiência de ouvir os relatos de cada uma me fez lembrar das entrevistas que fiz para minha dissertação de mestrado, para a tese de doutorado, e algumas outras. Mas, com certeza já tinham passado quase dez anos desde a última entrevista que fiz. Umá década!

Cada história, cada trajetória dessas mulheres é diferente. Uma se envolveu com a empresa porque não aguentava ficar em casa sem fazer nada, enquanto o marido ia para o trabalho. Outra casou-se com um filho de empresária e, pelo estímulo de sua sogra muito empreendedora, abandonou a carreira de professora e foi para a loja da família. A terceira voltou para casa após terminar o curso superior, recebeu um convite da mãe para se juntar a ela na empresa e acabou tornando-se sua sucessora. Teve aquela que junto com a mãe resolveu abrir uma empresa na área onde tinha trabalhado desde pequena com o pai. A separação dos pais dividiu a família e levou ao surgimento de mais uma empresa. Dor levando á realização! Teve o caso daquela que estudou letras, fez uma pós em cinema e resolveu abrir uma empresa nesse ramo. Seus pais foram professores. A última, cansada de ver o ex-patrão fazendo coisas inadequadas para o ramo de negócio em que atuava, resolveu abrir sua própria empresa, tendo o ex-chefe como um anti-modelo. Não quer ser como ele! E, vai muito bem, obrigada! Em oito anos, já tem dezesseis colaboradores atuando com ela e acaba de abrir uma filial em outra cidade.

As conversas abordaram muitos aspectos da vida empresarial: existência de modelos, coisas que gosta de fazer e que não gosta de fazer, como tomam decisões muito importantes, por exemplo, sobre investimentos, relacionamento com os colaboradores, o significado de ser empresária, facilidade e dificuldades no exercício desse papel, possíveis conflitos com os outros papéis sociais, expectativas sobre si mesmas e sobre as empresas, momentos mais críticos e momentos de maior satisfação.

Na diversidade de histórias e acontecimentos surge uma dificuldade para o pesquisador: o que há de comum nessas histórias de vida? Será que cada caso é um caso, e a riqueza do conhecimento está nos aspectos únicos de cada experiência? Ou, é possível encontrar regularidades, coisas que se repetem, não exatamente iguais, mas de forma semelhante, em todas as histórias.

Desafio! O que percebi de comum nessas histórias? Não muito, mas descobertas altamente valiosas e que, talvez, sirvam de inspiração para outras: paixão pelo que fazem, persistência e, até mesmo, obstinação, com o desejo de perenidade da empresa, necessidade de constante busca de conhecimento sobre seu negócio e uma necessidade de realização associada com a capacidade e competência no agir. Tudo isso temperado por um estilo de gestão marcado pela atenção à opinião de colaboradores e construção de relacionamentos de confiança com elas e eles.

Me marcou o que Fátima disse sobre quando perguntei a respeito de momentos de maior satisfação e ela me disse:

_ Um momento inesquecível foi quando um senhor, nosso cliente, me disse certa vez: Lembro de seu inicio, com um salão pequenininho em outra cidade. Fico feliz em ver como sua trajetória foi bem sucedida.

Fátima sentiu-se orgulhosa. com razão! Mais do que o dinheiro, é a necessidade de realização que move aquela que se envolve com negócios. Lição inesquecível para mim!

Mais de uma vez, as conversas com essas mulheres, me lembraram do meu convívio com meus pais na pequena empresa que criaram e mantiveram juntos por quase 40 anos. Em especial, os relatos dessas mulheres gentis me lembraram da trajetória de minha mãe. Professora e contadora, ao casar-se com meu pai, que já tinha um pequeno bar na esquina da Paranaguá com a Goiás em Londrina, começou a se envolver com o negócio do marido. Uma doença afastou-a das salas de aulas, mas não impediu que continuasse trabalhando com o marido. Tornou-se empresária e, assim como essas mulheres que entrevistei, exerceu esse papel com paixão, persistência e serenidade. Ainda hoje se sente muito contente quando reencontra antigos clientes que passam alguns momentos relembrando as atividades do supermercado que dirigiu com meu pai.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Da corrupção - Haikais Darwinianos

I
Por falta de coragem,

O corrupto em potencial

Ficou na vadiagem!

II

Por excesso de medo,

O corrupto temeroso

Ficou no arremedo!

III

Sem oportunidade,

O corrupto ocasional

Ficou na vontade!

IV

Por muita ousadia

O corrupto, na prisão,

Ganhou estadia!


V

Crente na evolução,

O humanista sentiu

Grande desilusão!

VI
 
Mas, reza a lenda,

Que a biologia ajuda

Entender a prebenda!

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Dez haikais cínicos

I

Dos stakeholders,

os interesses aparecem

só nos folders!


II

Ética nos negócios?

Só depois de grande

lucro dos sócios!


III

Empoderamento?

Vem em conjunto de

muito sofrimento!


IV

Em nossa era,

responsabilidade social

é uma quimera!


V

Multifuncionalidade.

Enriquecimento do cargo ou

mais produtividade?


VI

Gestão participativa

surge, quase sempre,

na fase terminativa.


VII

Nem alquimista,

para a sustentabilidade,

acha pista!


VIII

Mais que um tema,

empresa cidadã, na administração,

é só um lema!


IX

Autonomia

e autogestão? Só

quando o cão mia!


X

No entanto, enfim,

para os sonhadores,

esperança sem fim!

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O encontro da coragem com a prudência: um texto multimídia sobre encontros, empreendedorismo e gestão

Encontros podem ser inspiradores. Nos últimos dias passei por alguns momentos da vida que podem ser reduzidos a encontros que fizeram a mente divagar. Assistindo ao delicioso e belísimo filme de Christophe Honore, As Bem Amadas, com Chiara Mastroianni e Catherine Deneuve (vejam trailer em http://www.youtube.com/watch?v=K_I8srnRHVM), uma cena de encontro entre pai e filha me despertou a imaginação. Catherine e Chiara interpretam mãe e filha (Madeleine e Véra) em um história que dura quase 50 anos. Milos Forman é o pai na fase adulta e Rasha Bukvic na infância e adolescêcia de Véra. Em uma conversa entre Milos Forman e Chiara, o pai diz algo assim para a filha (não me lembro da frase exata):

_ Você tem coragem e prudência. Duas virtudes centrais para o ser humano. A coragem é ser capaz de tentar fazer algo, mesmo sabendo que poderá não dar certo.

Empreender e gerenciar uma empresa ou organização são ações que precisam equilibrar as duas virtudes. Como está na wikipedia (me rendi a ela!), a prudência pode ser encarada como o exercício do julgamento sadio em questões práticas (http://pt.wikipedia.org/wiki/Prud%C3%AAncia). Sem usar essas palavras, já falei sobre a tensão entre a mudança e a permanência na gestão de pequenas empresas. A coragem de inovar (mudar) precisa ser balisada pela prudência, assim como é também a prudência que inspira a coragem da permanência do modo como se faz as coisas em qualquer organização.

Além de sair do cinema com uma sensação de bem-estar pela fruição de um sessão cinematográfica inspiradora sobre a vida em geral, fiquei com essa idéia na cabeça: será que já se abordou a questão da coragem no empreendedorismo? Chegando à minha sala, ao final da tarde, antes de ir para as aulas de Fundamentos da Gestão das Organizações, fiz uma rápida busca no google. Encontrei um post no Blog do Hashimoto, meu companheiro de ANEGEPE (www.anegepe.org). Texto muito bem escrito, inspirador mesmo, um encontro entre pai e filha que me fez lembrar quando ensinei Paloma e Fernanda a andarem de bicicleta nos tempos que moramos no campus da Universidade de Lancaster na Inglaterra. Um emocionante encontro com o passado inspirado pelo Marcos Hashimoto (http://www.marcoshashimoto.com/apps/blog/show/13774662-seguran-a-ou-risco).

Mas, tive outros encontros recentes nos últimos dias. Voltei a ser aluno após 35 anos vivendo o papel de professor. Decidi fazer um curso de especialização em cinema e tive meu primeiro reencontro com uma tarefa para casa. A professora Denize nos pediu que fizéssemos um breve comentário por escrito sobre um dos filmes que foram exibidos na edição curitibana do Kinoforum – Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo realizada esse ano. Entre os curtas que assisti durante os três dias que durou o festival, decidi escrever sobre o “Morning Stroll” (Caminhada Matinal), animação concebida e dirigida por Grant Orchard e produzida pelo Studio AKA em 2011 (http://br.bing.com/videos/search?q=you+tube+morning+stroll&view=detail&mid=02FC311965C05C008C2602FC311965C05C008C26&first=0&qpvt=you+tube+morning+stroll).

Com sete minutos de duração, o curta retrata 100 anos de permanência e mudança, por meio de três encontros entre um pedestre e uma galinha em Nova Iorque nos anos de 1959, 2009 e 2059. Com estilos de desenho distintos em cada momento, e com uma trilha sonora muito bem escolhida, o curta me fez pensar sobre essa tensão constante entre mudança e permanência. Embora, com um caráter de distopia, o curta permite que se reflita sobre as transformações que alteraram profundamente nossa sociedade ao longo dos últimos 50 anos, nem sempre para melhor, apontando para uma perspectiva sombria no futuro. Mas, toda essa reflexão é acompanhada de uma forma de humor leve que completa o trio de qualidades do curta: traços e desenhos muito bem feitos, excelente música e mensagem inspiradora.

O terceiro encontro está em um filme que ainda não vi. Paulo Camargo, na Gazeta do Povo de hoje, informa sobre o último filme de Abbas Kiarostami, homenageado na 36a. edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=1313493&tit=Kiarostami-conta-a-historia-de-um-amor-no-Japao). Já estou ansioso, aguardando a chegada desse filme na salas de cinema de Curitiba.

Segundo Camargo:

"A trama gira em torno de uma trombada amorosa inesperada: uma jovem prostituta (Rin Takanashi) conhece um tradutor idoso (Denden), que acabam enxergando, um no outro, um alento, a possibilidade de conseguirem aplacar a solidão na qual estão imersos... pessoas à deriva, se aproximam e encontram um no outro motivos para serem felizes. Ela quer estabilidade, um porto seguro, e ele, a negação da finitude."

A negação da finitude! Essa frase me marcou. Me parece que a gestão é uma tentativa constante de negação da finitude. A organização surge do esforço empreendedor, fertilizada pelo desejo da longevidade, mas muitas vezes assim como nós, a organização morre. O empreendedor/gestor constantemente tenta adiar esse encontro com a finitude que levará sua criação para o inevitável encontro com Hades, no subterrâneo empreendedor. Para tanto, nessa negação da finitude, se vale da coragem e de prudência, enfrentamento do inevitável e porto seguro, ousadia da mudança e crença na permanência.

Um encontro dessa mesma natureza, no mundo da vida real, presenciei anos atrás quando fazia minha caminhada diária pelo Passeio Público em Curitiba. Caminhadas vespertinas, ao som de ruídos diversos emitidos por carros, pessoas e pássaros. Certo dia, caminhando mais lentamento, próximo ao final da caminhada, ouço uma frase de uma prostitua para um senhor idoso, beirando os setenta anos:

_ Mas por dez reais, você quer mais o que?

Uma negociação se aproximava de seu final! Nesse encontro, talvez houvesse ainda a tentativa de negação da finitude por parte do idoso, mas a prostituta com certeza não estava em busca de um porto seguro. Para mim, ela estava, na verdade, tentando preservar um mínimo de dignidade (paradoxal, não?) ao valorizar seu serviço e indicando que, por dez reais, muito não seria feito!

Enfim, talvez o que sobre disso tudo, é persistir. A tensão entre mudança e permanência faz parte da vida humana e a nós cabe apenas lidar com ela. Se possível sendo capaz de, assim como Edith Piaf, não se arrepender de nada, como registrado inesquecivelmente por Cássia Eller?

http://letras.mus.br/cassia-eller/44923/

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Reflexões sobre ensino, pesquisa e extensão

Alguns anos atrás fui convidado para dar uma palestra aos alunos do curso de graduação em Administração da Universidade Estadual de Londrina. Minha amiga Marli, professora do Departamento de Administração da UEL, onde trabalhei durante 17 anos, foi quem fez o convite. Para ela, eu como ex-aluno daquele curso e professor poderia dar um depoimento pessoal sobre a importãncia da pesquisa na formação dos administradores.

Foi um momento muito especial e gratificante para mim. A alegria de reencontrar muitos amigos e colegas de trabalho juntou-se à oportunidadce de demonstrar minha gratidão pelos anos de convívio salutar naquele ambiente acadêmico que me inspirou na busca de uma trajetória de estudos sobre administração de pequenas empresas.

Minha fala se iniciou com palavras sobre meus tempos de aluno de graduação naquela universidade e algumas experiências que deixaram marcas inesquecíveis. Por exemplo, a ida de toda a turma ao cinema com a Professora Terezinha Giovenazzi para assistir 1900 (Novecento) de Bertolucci lançado em 1976. Belíssimo retrato da história italiana, repleta de conflitos,  do começo do século 20 até a segunda guerrra mundial, contada por meio da amizade entre Olmo, interpretado por Gérad Depardieu, e Alfredo, por Robert De Niro, separados ideologicamente devido às origens camponesas do primeiro e latifundiária do segundo. Opondo as visões de mundo socialistas e fascistas, há cenas inesquecíveis nesse belo filme de Bertolucci. Um filme que preciso voltar a ver!

Escrever sobre o filme como uma tarefa da disciplina de Sociologia ministrada pela Terezinha foi, provavelmente, meu primeiro encontro com o cinema como forma de reflexão e conhecimento. Outro momento inesquecível foi quando discordei de uma avaliação feita a resposta de uma pergunta de prova de Economia. O Professor Aristeu não concordou com o que escrevi e não atribuiu nenhum ponto àquela resposta. Na minha opinião minha resposta fazia sentido e passei um final de semana pesquisando sobre economia e buscando autores que tinham argumentos semelhantes ao que eu usara na resposta da prova. Na segunda-feira seguinte entreguei um manuscrito para o Aristeu com minha posição. Mais importante do que a nota, que não foi mudada, penso que foi a descoberta de que eu tinha que ser o ator principal na construção de meu conhecimento. As aulas eram apenas parte desse processo. Os professores eram conhecedores dos assuntos de suas especialidades que além de dirigir meus estudos, podiam servir como fontes de acesso a mais informações. Tento ser assim na minha prática docente!

Mas, voltando ao tema da palestra, defendi naquele dia que a pesquisa é uma das formas de conhecimento que precisam ser experimentadas pelos alunos. Sua importância na formação dos administradores está na interação que esta deve ter com as duas outras forma de aquisição de conhecimento presentes na vida universitária: o ensino e a pesquisa.

Minha tese foi, e continua sendo, que cada uma dessas formas de conhecimento nos permite diferentes compreensões sobre a administração e a vida organizacional. O ensino permite compreender o que é. Ou seja, em geral, a preocupação quando estamos envolvidos em um processo de ensino/aprendizagem está centrada na transmissão de conhecimentos acumulados que permitem ao educando compreender melhor aquilo que é o que está estudando. Por outro lado, a pesquisa leva à compreensão do por que é. É por meio da pesquisa que podemos aprofundar o entendimento do que é, buscando explicações sobre como aquilo que é se tornou o que é. Por fim, a extensão leva para o entendimento do que pode ser. É no trato com a realidade concreta, buscando seu diagnóstico e tentando intervir nela, que a compreensão do vir a ser, ou seja, do pode ser, se torna possível e a formação se  completa, ainda que temporariamente. Este é um ciclo constante que avança por meio do esforço acadêmico individual e coletivo guiados pela esperança da evolução do mundo organizacional em direção ao bem de todos.

Terminei minha fala, lembrando do filme Linha de Passe de Walter Salles e Daniela Thomas de 2008, que rendeu a Sandra Corveloni o prêmio de melhor atriz em Cannes. O filme termina com Reginaldo, interpretado por Kaique Jesus Santos, um dos quatro filhos de Cleuza, vivida por Sandra, dirgindo um ônibus pelos viadutos de São Paulo, à procura do pai que nunca conhecera. Assumindo a direção de sua vida! O que pode ser mais inspirador?





quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Doze Haikais

Inspirado na concisão daltontrevisana e millôriana.

I

Fugiu do ócio,
pensou e arriscou, sem
plano de negócio.

II

Necessidade
ou oportunidade?
Faz sociedade!

III

Da visão futura
surge empresa jovem
que muito dura!

IV

Informática com
inovação gerando
sonho ponto.com.

V

Mais da emoção,
menos da razão, vem a
realização.

VI

Sem inspiração
ou domínio técnico
não há solução!

VII

Foi competindo
que eles ficaram de
dinheiro findo!

VIII

Na localização
é que o padeiro tem
seu ganha-pão.

IX

Longevidade,
na pequena empresa,
é raridade!

X

Micro empresa
ou pequena, às vêzes,
da grande é presa.

XI

Estrategia e ação
vêm do cérebro guiadas
pelo coração.

XII

Ser hospitaleiro,
mais que obrigação, é
dom do merceeiro.

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Para haikais ou
ais de Millôr e Dalton
essas dicas dou:

Hai-kais / Millôr Fernandes. -- Porto Alegre: L&PM, 1997.

111 ais / Dalton Trevisan. -- Porto Alegre: L&PM, 2005.
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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

As empresas mais admiradas do Brasil e a Ética. É possível ser ético com pouca responsabilidade social e baixa preocupação com desenvolvimento sustentável?

A última edição especial de Carta Capital - As empresas mais admiradas no Brasil - foi publicada nesse mês. Com base em na opinião de 1.212 executivos brasileiros e 1.000 latino-americanos, a revista apresenta a lista das empresas mais admiradas em 48 setores de atividades empresariais.
As empresas são classificadas segundo a percepção desses executivos a respeito de sua aderência a treze fatores-chave que, no cômputo geral de importãncia atribuída pelos respondentes da enquete, foram hierarquizados na seguinte ordem:
 
1. Ética
2. Inovação
3. Qualidade de produtos e serviços
4. Respeito pelo consumidor
5. Solidez financeira
6. Qualidade de gestão
7. Desenvolvimento sustentável
8. Compromisso com RH
9. Responsabilidade social
10. Notoriedade
11. Capacidade de competir globalmente
12. Compromisso com o país
13. A mais ativa/presente nas redes sociais
 
As posições desses fatores-chave em 2011 foram um pouco diferentes. Inovação era o mais importante, seguido por qualidade de gestão e respeito pelo consumidor. Ética estava em quinto lugar, responsabilidade social em décimo e desenvolvimento sustentável foi o lanterna em 2011, já que a atuação ou presença em redes sociais não foi avaliada nos anos anteriores. Todavia, em 2010 e 2009, ética estava em primeiro lugar e inovação em terceiro. O que será que aconteceu com a ética empresarial em 2011?
 
Ao ver essa classificação, minha atenção foi despertada para a distância que há entre ética (o fator-chave mais importante) e desenvolvimento sustentável (sétima posição) e responsabilidade social (nona posição). Essa distãncia se repetiu nos anos anteriores. Embora, não haja na revista a explicitação dos significados de cada um desses fatores-chaves, me parece um pouco absurda a valorização da ética estar tão distante da valorização de responsabilidade social e desenvolvimento sustentável. Ora, se entendermos a ética como um comportamento humano dirigido pela busca do bem-estar coletivo, é pouco provável que este possa ocorrer sem que os outros dois valores estejam presentes. Essa reflexão me levou a explorar um pouco mais detalhadamente as informações presentes na publicação.
 
Em primeiro lugar fui verificar como esses fatores-chave se posicionaram em cada um dos setores. Os dados disponíveis apresentaram a situação para 47 setores. O único setor em que não houve a medição da importância dos fatores-chave foi o de redes sociais. A posição da ética entre os fatores-chave variou de primeiro a sétimo lugar, sendo que em um único setor ela não surgiu como aspecto importante. A ética surgiu como o fator-chave mais importante em 15 setores, ficando em segundo lugar em outros 16 setores. A inovação aparece em primeiro lugar na classificação de 10 setores e em 8 setores no segundo lugar. A seguir vêm respeito pelo consumidor e qualidade de produtos e serviços com oito e seis primeiros lugares, respectivamente. Por fim, compromisso com desenvolvimento sustentável está em primeiro lugar em dois setores e responsabilidade social aparece apenas como segundo fator-chave em um setor.
 
A partir dessa primeira análise, resolvi fazer uma pontuação ranqueada dos fatores-chaves em cada setor. Isso significou atribuir pontos para o fator-chave conforme sua posição na escala de importância, ou seja, 13 pontos para o primeiro lugar, 12 pontos para o segundo, 11 pontos para o terceiro e, sucessivamente, até 1 ponto para a décima-terceira posição. Essa forma de tabulação revelou algumas coisas interessantes do ponto de vista da administração empresarial, apontando diferenças em relação ao posicionamento por percentual de importância atribuída pelos executivos que participaram da pesquisa. Ética manteve-se como o primeiro lugar na combinação dos pontos, mas inovação ficou em terceiro lugar, quase empatando com respeito pelo consumidor. Qualidade de produtos e serviços alterou sua posição de terceiro para quarto lugar. As posições ficaram assim:
 
1. Ética
2. Respeito pelo consumidor
3. Inovação
4. Qualidade de produtos e serviços
5. Solidez financeira
6. Qualidade de gestão
7. Compromisso com desenvolvimento sustentável
8. Compromisso com RH
9. Responsabilidade social
10. Notoriedade
11. Compromisso com o país
12. Capacidade de competir globalmente
13. A mais ativa/presente nas redes sociais
 
Por fim, a análise do conjunto de fatores-chave permite sua classificação em três grupos distintos. Na minha percepção podem ser visualizados fatores-chaves relacionados à forma de competição no mercado, à capacidade de competição e ao compromisso com a sustentabilidade da nossa sociedade.
No primeiro grupo, que pode ser entendido como associado a posicionamento competitivo das empresas de cada setor, encontram-se os fatores-chave: respeito pelo consumidor, inovação, qualidade de produtos e serviços e capacidade de competir globalmente. A presença em redes sociais entraria nesse grupo também, mas como esse fator-chave esteve presente em apenas 13 setores empresariais, frequentemente nas últimas posições, decidi excluí-lo da análise. Isso permitiu um equilíbrio no número de fatores-chave em cada grupo.
 
O grupo referente à capacidade de competição inclui quatro fatores-chave ligado a competências,  recursos tangíveis e intangíveis: qualidade da gestão, solidez financeira, notoriedade e compromisso com RH.
 
O compromisso com a sustentabilidade da sociedade de forma mais ampla é representado também por quatro fatores-chave: ética, responsabilidade social, compromisso com desenvolvimento sustentavel e compromisso com o país.
 
A soma dos pontos atingidos pelos fatores-chave em cada grupo evidenciou que a admiração das empresas pelos executivos se dá principalmente pelos posicionamentos competitivos que enfatizam os aspectos mencionados acima: inovação, qualidade, respeito ao consumidor e competição global. O segundo aspecto de maior admiração é o das competências e recursos. A admiração das empresas devido a seu comprimsso com sustentabilidade mais ampla da sociedade surge apenas em terceiro lugar. Vejam os grupos e pontuação dos fatores-chave:
 
Grupo 1: Posicionamento competitivo (1.540 pontos - 37,1%)
Respeito pelo consumidor (487 pontos)
Inovação (483 pontos)
Qualidade de produtos e serviços (452 pontos)
Capacidade de competir globalmente (118)
 
Grupo 2: Competências e recursos (1.316 pontos - 31,7%)
Solidez fincaceira (411 pontos)
Qualidade de gestão (364 pontos)
Compromisso com RH (301 pontos)
Notoriedade (240 pontos)
 
Grupo 3: Sustentabilidade da sociedade (1.306 pontos - 31,5%)
Ética (546 pontos)
Compromisso com desenvolvimento social (335 pontos)
Responsabilidade social (282 pontos)
Compromisso com o país (143 pontos)

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Empreendedorismo e a servidão moderna

Acabo de assitir ao documentário "Da servidão moderna" que pode ser acessado em http://www.delaservitudemoderne.org./portugues1.html. O documentário é companheiro de um texto que também está em livre acesso no mesmo sítio da internet. A obra de Jean François Brient e Victor León Fuentes, concluído na Colômbia em 2009, com base em texto escrito na Jamaica em 2007, apresenta uma crítica devastadora ao modo de vida dominante em nosso planeta que denominam "sistema totalitário mercante". Tão devastadora que me deixou atordoado e quase que descrente na possibilidade de saída dessa jaula!
Qualquer leitor atento que vasculhe a literatura sobre empreendedorismo, vai encontrar nela traços marcantes de uma ideologia que parece reproduzir as idéias que são o dogma do "sistema totalitário mercante". Será que não há espaço para a crítica social na literatura sobre empreendedorismo?
Eu acredito que sim. Volta e meia encontram-se pessoas tentando discutir a possibilidade da ação empreendedora sob uma lógica não mercantil. Empreendedorismo social, empreendedorismo comunitário, empreendedorismo local e empreendedorismo responsável são expressões que podem indicar ao leitor outras formas de entendimento da ação empreendedora. Mas, é evidente que o discurso dominante nessa literatura reproduz a forma dominante de pensar em nossa sociedade contemporânea.
Ao final do documentário, os autores afirmam que a autogestão nas empresas e a democracia direta na escala comunal constituem as bases desta nova organização que deve ser anti-hierárquica tanto na forma quanto no conteúdo.
É uma antitese que se apresenta à tese dominante. É ainda fraca no seu poder de convencimento das pessoas, mas não é nova. A autogestão já é discutida há décadas no campo da Administração. Qual será síntese que surgirá desse embate?
Não tenho uma resposta a esta questão, mas como já pude explorar em outro post nesse blog, o desenvolvimento sustentável e um repensar da prática da administração, no sentido de uma responsabilidade social efetivamente presente nas empresas, podem ser idéias que estão sendo semeadas para que um novo paradigma germina nesse conflito. Charles Handy, autor que já mencionei anteriormente em outro post, apresentou a noção de que uma organização pode ter uma cultura existencial, onde predominam valores semelhantes aos propostos pelos cineastas. Aliás, essa é, na opinião dele, a forma ideal de organização como se pode ver em seu livro do final da década de 70, "Os deuses da administração".
E aí, também será possível falar de empreendedorismo com ternura!


 

domingo, 30 de setembro de 2012

Frustração, ruptura e medo: dimensões de análise pouco exploradas no empreendedorismo

J. C. Wyatt é uma um mulher de negócios bem sucedida. Executiva de uma grande empresa de consultoria, especializada em fusões e aquisições de empresas, é respeitada por todos e até mesmo temida por alguns. Em suma, protótipo da executiva contemporânea que disputa em pé de igualdade o espaço com seus adversários do sexo oposto. Tem um namorado, com quem divide o apartamento bem localizado em Nova Iorque. Certa noite, recebe uma ligação dizendo de uma herança que chegará no dia seguinte no aeroporto. Algo que sobrou da morte de uma prima distante na Inglaterra. Quando chega ao aeroporto, descobre que a herança é uma menina, ainda bebê e órfã, cujo único parente vivo era J. C. Wyatt.
Inicialmente, Wyatt tenta se desfazer da "herança". Procura uma agência de adoções, que logo arruma um casal que adotará a linda menina. Ao fim da entrevista com o casal, a executiva parece feliz com o resultado e sai caminhando decidida, a passos firmes, mas no meio do caminho, uma ponta de dúvida... Interrompe a caminhada, retorna e cancela a adoção. Uma ruptura na sua vida surge. A princípio ela acha que conseguirá conciliar a vida profissional com os cuidados da criança, mas as coisas não serão tão facéis! Em certo momento, descobre-se preterida na condução de um grande negócio na empresa onde trabalha. Seus constantes atrasos, em função dos cuidados com a criança, deixaram-na menos confiável para o chefe. Com orgulho ferido, ela decide pedir demissão e resolve mudar-se para o interior de Vermont. Compra uma propriedade que vira apenas em uma revista, ao chegar lá descobre que a mesma estava quase em ruínas, mas tinha uma bela e produtiva plantação de macieiras.
É provável que, a esta altura, muitos já tenham descoberto que estou relatando a história do filme Baby Boom, de 1987, com Diane Keaton no papel de J. C. Wyatt, dirigida por Charles Shyer, cujo título em português é Presente de Grego. Já utilizei essa deliciosa comédia romântica, dividida em duas partes, para comentar sobre aspectos do empreendedorismo. Na segunda metade do filme, Wyatt descobre o potencial que tem para construir uma nova empresa com a produção de maçãs de sua propriedade. Entra para o ramo de comidas para bebês. Os momentos iniciais dessa parte do filme, em um roteiro bem montado, nos mostram aspectos relevantes do empreender: a busca de informações sobre o mercado; a experimentação do produto; o desenvolvimento e teste de uma marca; a capacidade de resposta rápida a informações e  tendências de consumo; e a estruturação inicial da empresa. J. C. Wyatt consegue criar um empresa bem sucedida em um negócio dominado por grandes players. Esse sucesso atrai a atenção de uma empresa maior que contrata a antiga empresa de consultoria onde Wyatt trabalhara para negociar uma aquisição. É o momento da volta por cima! Wyatt recebe uma proposta aparentemente irrecusável! Mas, será mesmo? Em um brilhante trabalho de montagem, a personagem vivida por Keaton parece decidida a aceitar, pede licença, se ausenta da reunião, vai ao toalete, lava o rosto e diz:
_ Eu voltei!
Em seguida, sai caminhando decidida, a passos firmes, mas no meio do caminho, uma ponta de dúvida... Interrompe a caminhada, retorna e ... Veja o filme e descubra o final. A única coisa que posso adiantar é que Diane Keaton repete a cena da caminhada de forma magistral, coisa de grandes atrizes.
Hoje, no entanto, refletindo sobre o filme, vejo que o mesmo me permite explorar outros aspectos do empreender, além daqueles mais racionais que enxergava antes. Essa percepção me ocorreu quando estava vendo um documentário brasileiro sobre um poeta, cantor e compositor pernambucano de nome Siba. O documentário dirigido por Caio Jobim e Pablo Francischelli - Siba nos balés da tormenta - relata a trajetória desse artista em constante transformação. Ao tomar contato com a história de Siba, fui despertado para o papel que a frustração e a ruptura desempenham na trilha desse artista. Me pareceu que constantemente Siba busca romper com o que faz, movido talvez por uma frustração ou insatisfação pessoal. Mas, como ele mesmo diz, esses momentos são acompanhados pelo medo de errar.
Defendo a idéia de que empreender é um ato criativo. Assim, de forma metafórica, à semelhança da trajetória de Siba, penso que o empreender também pode surgir de momentos de frustração que levam a algum tipo de rompimento com a vida presente, na tentativa de contruir um futuro diferente. Sem dúvida, é o que aconteceu com J. C. Wyatt em Baby Boom. Mas, acompanhando essa ruptura, lá estava o medo marcando presença na segunda parte da trajetória da personagem.
Na literatura recente sobre empreendedorismo é comum encontrarmos uma distinção sobre a motivação para empreender: por oportunidade ou por necessidade. Empreendedimentos surgem porque alguém percebeu uma oportunidade não explorada no mercado. Mas, também, pessoas empreendem porque precisam sobreviver nessa sociedade capitalista que não lhes oferece um emprego decente. São categorias aparentemente muito abrangentes e bem distintas, mas nem sempre suficientes. Por exemplo, alguém pode empreender porque tem uma necessidade muito grande de transformar a sua vida. A necessidade não tem um caráter unicamente financeiro! Ou, o que parece ser uma necessidade financeira para alguns, para outros não é.
O que leva alguém a empreender por necessidade ou por oportunidade pode ter uma explicação antecedente: será que a frustração e a vontade de romper com a situação vivida podem nos ajudar a entender melhor a motivação para empreender? Eis aí uma questão interessante de pesquisa e, até onde eu sei, pouco explorada!
Junto com a frustração e a ruptura, pode ser que o medo seja uma emoção a ser analisada pelos pesquisadores, já que pelos empreendedores sei que ela é sempre sentida.


sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O estranho caso da autonomia alugada

Uma justificativa que se ouve com frequência de pessoas que buscam abrir sua própria empresa é o desejo de autonomia. Para muitos, ser dono do próprio negócio significa dispor de seu tempo como melhor lhe convir, sem ter que dar satisfações a ninguém, muito menos a um patrão.

No entanto, assim que o envolvimento com uma nova empresa se torna realidade, o(a) empreendedor(a) descobre que a autonomia de que dispõe é muito pequena. Há tantos compromissos a atender, seja em relação a fornecedores ou a clientes, que a sensação de liberdade que era buscada demonstra-se ilusória. Mas, há outros encantos que o empreendedorismo tem para atrair as pessoas, tais como, o senso de realização e a possibilidade de relacionamentos com pessoas. Mas, para aqueles que conseguem conquistar um pouco de liberdade ou autonomia, esta se torna muito valiosa. Ela representa a possibilidade de influir verdeiramente sobre o destino pessoal, como é o caso que relato a seguir.

Há poucos dias estive no Rio de Janeiro participando do encontro anual da ANPAD (Associação Nacional de Programas de Pós-graduação em Administração). No último dia do encontro, peguei um táxi para ir da Barra até o Aeroporto do Galeão. Viagem longa que se tornou muito prazeirosa pela simpatia e bom papo do Robinho do taxi, motorista que estava passando ao acaso em frente ao hotel em que me hospedara e respondeu ao aceno do porteiro do hotel para me pegar.

Logo no começo da viagem, Robinho começou a reclamar da vida:

_ A coisa não está fácil!

Disse ele, e começou a falar de um acidente que tivera no ano passado e de como tivera que se desfazer do carro em função do financiamento que não conseguia honrar todo mês. Imediatamente pensei com os meus botôes:

_ Ih! Lá vem conversa mole de carioca para me arrancar uma gorjeta ao final da corrida.

Mas, continuei ouvindo a história do Robinho. A certa altura ele me falou:

_ Tive que alugar minha autonomia para continuar na praça.

A princípio não entendi bem o que isso queria dizer. Mas, não quis perguntar o que era esse negócio de alugar a autonomia. Robinho continuou dizendo que pegava o carro de um empresário de taxis todo dia às seis da manhã e devolvia às 18 horas. Doze horas de trabalho! Ao final do dia ele tinha que entregar R$ 100,00 para o empresário e o restante da féria do dia era seu. Para mim, pareceu algo muito parecido com o que vários motoristas de taxi já me contaram em outras cidades. O mais recente foi o caso do Raimundo, no mês passado em Salvador, que tinha que pagar uma diária de R$ 150,00 por dia ao proprietário do carro que dirigia. Mas, a história de Robinho era diferente.

_ No final do mês - disse ele - o empresário me paga R$ 1.000,00. É o aluguel da autonomia.

Dessa vez resolvi perguntar:

_ O que é autonomia?

Foi então que Robinho me explicou que autonomia é a licença que ele possui para ser taxista na cidade do Rio de Janeiro. Quando ele passou pela situação ruim causada pelo acidente, quase vendeu a autonomia. Um sujeito lhe ofereceu R$ 150.000,00 por ela. Mas, se tivesse vendido, Robinho acabaria gastando esse dinheiro e acabaria tendo que buscar um outro emprego. Para ele, a autonomia significava a independência, não podia se desfazer dela. Foi então que associei a autonomia com a condição de trabalho autônomo como taxista.

Assim, ficou sabendo da possibilidade de alugar a autonomia. Fez um contrato com o empresário que lhe paga R$ 1.000,00 por mês pela autonomia por um prazo de 24 meses. O carro foi colocado no nome de Robinho que é quem tem o direito de ser taxista. A remuneração pelo carro que o empresário recebe é a diária de R$ 100,00 por dia, durante os 24 meses. Mais de R$ 60.000,00 se forem seis dias de trabalho por semana. Ao final desse prazo, o contrato se encerra, Robinho devolve o carro e volta a ter sua autonomia. E Robinho me disse:

_ Todo mês guardo o aluguel da autonomia. Vou poder voltar a ter meu carro.

E eu completei:

_ E sua autonomia.

Essa história representa de forma bem singela o valor de um recurso raro e dificil de imitar. A autonomia garante as condições de realizar um  trabalho decente, de acordo com as normas, sem precisar se sujeitar a possíveis multas da fiscalização. Representa, também, uma lição de persistência. Para o empreendedor, assegurar recursos essenciais para seu negócio e persistir na busca de sua realização são coisas muito importantes para o sucesso. Robinho, viu que para não se tornar empregado, precisaria alugar seu bem mais valioso naquele momento. E dar um  jeito de poupar essa renda para voltar a ter liberdade no futuro.

Robinho me falou de outras coisas durante a viagem: sua mãe e a reforma de sua casinha, sua esposa, sua filha, sua enteada e de como amarrou um gringo com seus encantos fisicos. A conversa foi tão boa que, além de dar a ele o último exemplar de meu livro, dei também uma boa gorjeta. Foi uma das melhores viagens que fiz até o aeroporto do Galeão!


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Pandora, Medianeras e a esperança no empreendedorismo

Para Simone.
 
Há muitos anos tinha a intenção de me debruçar sobre as histórias da mitologia. Deuses, ninfas, centauros e humanos povoam a literatura e o cinema. De vez em quando encontro uma referência a Zeus/Júpiter, relatos dos trabalhos de Hércules/Astérix na animação, a paixão de Orfeu e Eurídice retratada no Orfeu Negro, a tragédia de Medéia narrada por Shakespeare, filmada por Pasolini e transformada em peça teatral por Chico Buarque e Paulo Pontes na inesquecível Gota D´água, a caixa de Pandora nos Caçadores da Arca Perdida. Mas, sempre sentia uma incompletude e uma vontade de saber mais.
 
Outro dia encontrei uma edição de bolso, em dois volumes, das Melhores Histórias da Mitologia (A.S. Franchini; Carmen Seganfredo, L&PM Pocket, 2012). Será que foi Minerva, a deusa da Sabedoria, que colocou os livros em meu caminho? Não resisti e, mais uma vez, quebrei a promessa de não comprar livros enquanto não concluísse a leitura de vários que estão em minha mesa do escritório, no criado mudo ao lado da cama, e até dentro da mala que me acompanha nas viagens curtas a Brasília. Em algumas horas devorei o primeiro volume. 55 histórias que começam com o Nascimento e Glória de Saturno, cuja morte é relatada no Nascimento e Glória de Júpiter, seguida pela Guerra dos Titãs. Foi delicioso tomar conhecimento de detalhes que não sabia e relembrar coisas que me haviam contado no passsado: o nascimento de Vênus, a desventura de Ícaro, o rapto de Europa. De como a ninfa Quelone se transformou em uma tartaruga por não ter ido ao casamento de Júpiter e Juno, que aliás eram irmãos. As aventuras de Jasão e seu encontro com Medéia e os doze trabalhos de Hércules. De como Minerva transformou Aracne, uma artesã do fio inigualável, em uma aranha que fez a mais bela teia, tudo isso para desespero ainda maior da deusa que não aceitava ser superada por uma humana.
 
Enfim, são muitas as histórias, mas a da Caixa de Pandora me impressionou demais. Tinha comigo a compreensão de que a Caixa de Pandora tinha trazido ao reino dos humanos todas as desgraças e vilanias. E ponto! Mas, a história não é assim tão simples. De forma resumida, Júpiter andava às turras com Prometeu que havia modelado o primeiro homem de barro, além de ter dado aos humanos o acesso ao fogo. Assim, certo dia Júpiter pediu que Vulcano, junto com Minerva, sua mulher, criassem uma companhia para o homem. Os dois criaram Pandora, uma linda mulher, que era quase tão bela quanto a mais bela das deusas. Júpiter ficou muito satisfeito com a criação de Minerva e Vulcano. Em seguida a despachou para o reino dos mortais com um presente em sinal de seu apreço pelos humanos: uma caixa ricamente enfeitada com ouro e prata. Mas era um engodo. Júpiter avisou que Pandora não deveria abrir a caixa nunca. Pandora e a caixa chegaram até Epimeteu, que era o irmão humano de Prometeu e este ficou impressionado com ambas. Levou Pandora e a caixa para seu quarto. Pandora adormeceu e sonhou que abrira a caixa e dela saíram somente coisas belas. Quando acordou não resistiu, abriu a caixa e aí, ... todo mundo sabe o resto da história! Foi um Deus nos acuda! Ou Deuses nos acudam! Da caixa escaparam a Doença, a Gula, a Inveja, a Avareza, a Arrogância, a Crueldade, o Egoísmo, e otras cositas mas!
 
Mas nem tudo estava perdido, em certo momento Pandora conseguiu fechar novamente a caixa e pensou que nada havia sobrado dentro dela. Olhando mais uma vez viu um rosto muito belo e jovem, que Pandora descobriu ser a Esperança.
 
Nesses mesmos dias, minha amiga Simone recomendou muito que eu visse a um filme: Medianeras, filme argentino de 2011 dirigido por Gustavo Taretto. O filme retrata dois jovens, Mariana e Martin, que não se conhecem pessoalmente, cada um com sua vida solitária, até o encontro entre eles. Dividido em três estações - um outono curto, um inverno longo, e a primavera enfim, o filme trata de forma bem humorada e delicada, as buscas típicas de jovens em nossa sociedade contemporânea, mas com ênfase na busca pelo outro, metaforicamente representada pela busca de Wally, em "Onde está Wally?". Filme bem produzido, com ótimas atuações dos personagens, que me emocionou. Para mim, o filme trata da esperança. Apesar de todos os contratempos, enfim chega o momento em que Mariana e Martin se encontram.
 
Fiquei intrigado com a coincidência! Pandora e Medianeras tratando da esperança! O mais incrível para mim, é que havia decidido escrever esse texto quando li a história da Caixa de Pandora. No entanto, os dias foram passando e não consegui fazê-lo. Será que alguns deuses conspiraram para que eu visse o filme antes de escrever o texto? Creio que deve ter sido um trabalho conjunto de Mercúrio e Juno!
 
Pensando sobre o empreendedorismo, o que eu queria escrever logo após ler a Caixa de Pandora diz respeito à esperança que está embutida nessa ação humana. Quando a empreendedora ou empreendedor se motiva para criar algo novo, qualquer que seja o empreendimento, há sempre a esperança de um mundo melhor. Seja esse mundo tão pequeno quanto aquilo que está ao redor de quem empreende, seja esse mundo tão grande quanto a nossa capacidade de sonhar. Mas, empreender é sempre um ato de esperança. Que esse atos sejam sustentáveis em termos econômicos, sociais e ambientais. Só assim, podemos vencer a força divina de Júpiter e nos aproximar de um convívio humano fraterno e solidário!
 
 

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O crescimento da pequena empresa

Para Rubens e Miriam
 
 
Em muitos de meus textos comento que a decisão de crescer nem sempre está presente no ideário dos dirigentes de pequenas empresas. As histórias que conheci ao longo de minhas três décadas de estudo da gestão de pequenas empresas têm em comum, em sua maior parte, a permanência no pequeno porte. No entanto, algumas vezes ouço relatos de intenção ou desejo de que a pequena empresa criada e dirigida por um(a) empreendedor(a) venha tornar-se grande no futuro.

 
Um caso emblemático e bem sucedido que conheço é o da rede de Farmácias Vale Verde que surgiu em Londrina em meados da década de 80, mas cuja história começou em 1974 com a Farmácia Augusto, fundada pelo Rubens, que fora empregado de uma farmácia tradicional no centro de Londrina antes de abrir seu próprio negócio.
 
Conheço Miriam e Rubens desde 1977. Quando era professor no departamento de Administração da UEL, tive a oportunidade de conduzir uma disciplina com alunos do sexto período do curso de graduação em Administração que se relacionava com o desenvolvimento das organizações. Não me lembro do nome exato da disciplina. Junto com a Cleufe, que dividia a disciplina comigo, eu dava aula para turma da noite e ela para a turma da manhã, resolvemos experimentar uma dinâmica diferente para as aulas. Convidamos Rubens e Miriam para contarem a história da Vale Verde e fazerem uma apresentação dos principais desafios que a empresa enfrentava naquele momento. Isso ocorreu por volta de 1996 ou 1997. Em seguida a essa apresentação, propusemos para os estudantes que se dividissem em grupos e, ao longo do semestre, escolhessem uma área de oportunidade/desafio que houvesse sido relatado pelos empresários e desenvolvem-se propostas de ações para serem executadas na empresa. Ao final da disciplina, cada grupo apresentaria suas propostas e Rubens e Miriam escolheriam as duas melhores para serem efetivamente implantadas e receberem uma recompensa pecuniária simbólica.
 
Foi uma experiência muito gratificante para nós professores que permitimos uma aproximação de nossas discussões teóricas em sala com a realidade empresarial, para os alunos e alunas que tiveram a oportunidade de exercer a prática da administração fazendo um diagnóstico da situação, buscando informações, criando alternativas e estudando formas de lidar com as questões que escolheram, e, também, para Miriam e Rubens que se beneficiaram e a sua empresa com idéias novas que puderam ser implantadas.
 
Mas, o que eu quero relatar é um pouco da história que conheci de perto durante cerca de 20 anos, e à distãncia nos últimos 15 anos. Míriam é irmã de Telma, mãe de minhas filhas Paloma e Fernanda, com quem fui casado durante 17 anos. Assim, devido a esses laços familiares convivemos muito ao longo dos anos.
 
Certa vez Rubens me contou como foi que tomou uma decisão que foi crucial para ele e a empresa. Desde 1974 Rubens tornara-se o proprietário de uma pequena farmácia na Vila Nova em Londrina e era bem sucedido. Tinha uma boa clientela, alguns funcionários, mas ele era o centro da pequena empresa. Fazia de tudo! Comprava, vendia, atendia no balcão, dava ordens, aplicava injeções, aconselhava clientes sobre medicamentos. Enfim, como na maioria das pequenas empresas, não havia uma separação muito clara entre gestão e operações. Essa rotina foi se consolidando ao longo de 10 anos ou pouco mais. Por volta de 1984, surgiu uma oportunidade de comprarem um terreno em uma região mais central de Londrina, na avenida Juscelino Kubitschek.
 
Estimulados por um amigo, que propos sociedade na compra do terreno, Rubens e Miriam fecharam negócio e começaram a pensar na construção de um pequeno prédio no terreno para instalação de uma nova farmácia. Nessa época Miriam trabalhava como administradora de um laboratório de análises clínicas em Londrina. Nunca me esqueço da coragem de ambos em venderem o apartamento e carro que possuíam para investirem na construção. A famosa atitude face ao risco que move muitos empreendedores. Nesse período Carolina já era nascida e eles alugaram um pequeno apartamento enquanto investiam na abertura da nova loja. Decidiram que seria uma nova empresa cujo nome de fantasia ficou Farmácia Vale Verde. Miriam saiu do emprego anterior e começou a dividir com Rubens a administração da nova loja, enquanto Rubens ainda se dedicava também à Farmácia Augusto. Seu tempo se tornou escasso para outra cois que não fosse trabalho. Continuava fazendo de tudo na farmácia Augusto e ainda tinha que orientar o pessoal da Vale Verde que Miriam supervisionava. Mas essa era uma situação não muito confortável!
 
Foi nessa época, que Rubens e Miriam conversando muito perceberam que algo tinha que ser feito. A abertura da Vale Verde indicava uma possibilidade de expansão da empresa. Uma nova oportunidade estava surgindo de abrirem uma filial em local ainda mais central de Londrina. Foi assim que um  dia que Rubens tomou a decisão: quero ser empresário, não posso continuar sendo o "doutorzinho da vila"! Rubens era procurado constantemente pelos fregueses da Farmácia Augusto para orientar sobre medicamentos, o que é comum na maioria das pequenas farmácias. Mas, ele e Miriam queriam mais do que isso, queriam construir uma empresa bem sucedida e maior.
 
Essa decisão implicou em uma reordenação das tarefas de cada um dos dois e, também, dos empregados. A empresa começou a se tornar mais formalizada, com mecanismos de coordenação mais sofisticados. Houve um tempo em que buscaram apoio em um consultor. Novas lojas foram sendo abertas, a complexidade se tornando maior, passaram por períodos difíceis, por momentos mais críticos, mas também tiveram bons momentos. Hoje são 24 lojas e um laboratório de manipulação em sete municipios do norte paranaense. Uma história de sucesso, conduzida por uma casal muito competente, que ao longo dos anos soube compartilhar a gestão de uma empresa de forma eficaz. Aliás, o casal fez parte de um estudo que desenvolvi junto com a Hilka Vier na época que estive na UEM. Fizemos uma análise de alguns casos de empresas bem sucedidas criadas e dirigidas por casais. A Farmácia Vale Verde foi um desses casos estudados. Atualmente, a empresa está passando por um novo período: Carolina, que era uma criança pequena quando isso tudo começou, está assumindo a administração do grupo. Vida longa à Farmácia Vale Verde!

Mintzberg, formas organizacionais e o poderoso chefão

No mês passado, ganhei de presente de Amanda, minha enteada, o livro "O Poderoso Chefão" de Mário Puzo, que foi a origem dos filmes dirigidos por Francis Ford Coppola na trilogia "O Poderoso Chefão". Os filmes já vi várias vezes, inclusive o primeiro, tive a oportunidade de rever dias atrás. O livro não conhecia e fiquei impressionado pela fidelidade entre livro e filmes. Isso não é surpreendente, pois Mario Puzo foi co-autor do roteiro dos filmes junto com Coppola. No entanto, foi muito agradável ler o romance pois, durante a leitura, visualizava as cenas que vi nos filmes. Foi um ótimo presente da Amanda!

Há no livro um capítulo em que Puzo descreve a origem e evolução dos negócios de Don Corleone. Para mim foi muito prazeiroso ver a descrição feita sobre como Vito Andolini, seu verdadeiro nome, tornou-se Don Corleone, chefe de uma poderosa organização com diversos interesses de negócios. Essa descrição me fez lembrar da estória narrada por Mintzberg sobre a Senhora Raku em seu livro "Structure in Fives - Designing Effective Organizations" publicado em 1983. Esse livro é uma versão resumida de estudo realizado por Mintzberg, de três anos de duração, sobre a literatura que tratava de estruturação das organizações. Esta pesquisa se materializou em um livro seminal para os estudiosos das configurações organizacionais - "The Structure of Organizations" - publicado em 1979 pela Prentice-Hall.

Mas, como estava dizendo, Mintzberg relata na parte introdutória de ambos os livros, como a Senhora Raku que fazia cerâmica no porão de sua casa teve que lidar com as necessidades de organizar suas atividades para atender um volume cada vez maior de pedidos para seus potes que se tornaram famosos e bem aceitos no mercado. Isso significou, em um primeiro momento, a contratação de uma assistente para ajudar na preparação do material que seria finalizado pela Sra. Raku, que era a artesã dos produtos demandados pela lojas. Assim, suas atividades informais de ceramista deram lugar a uma pequena empresa. Com o passar do tempo, a empresa foi contratando cada vez mais gente, a produção começou a ter que ser feita também por outros artesãos e criaram-se linhas de montagem. A Sra. Raku teve seu papel dentro da empresa cada vez mais transformado. Sua atividade de artesã diminuía e ela tinha que dedicar uma parte cada vez maior de seu tempo às atividades de coordenação e organização do trabalho das pessoas que passavam a colaborar com a empresa. Certo dia, a Sra Raku decidiu diversificar seus produtos e começou a produzir pisos cerâmicos, tijolos e peças sanitárias, criando três divisões - produtos de consumo, produtos para construção e produtos industriais. Assim, o trabalho da Sra Raku passou a ser o de coordenar as atividades dessas divisões por meio de relatórios de desempenho trimestrais com ações corretivas quando os resultados, em termos de lucratividade e crescimento, estavam aquém do previsto no orçamento anual. Sua pequena empresa de cerâmica tinha-se tornado uma organização grande e complexa.

Mintzberg em seus livros chama nossa atenção para o fato de que a criação de uma estrutura organizacional envolve dois requisitos fundamentais: a divisão do trabalho em tarefas distintas e a coordenação dessas tarefas. Ao contrário do que propunha a maior parte da literatura da época, Mintzberg defendeu que não era possível que houvesse uma resposta única que representasse a melhor estrutura possível para qualquer empresa. E assim surge a proposta de configurações organizacionais de Mintzberg, que nos permite entender que diferentes formas de divisão do trabalho demandam diferentes mecanismos de coordenação e levam à configuração de diferentes formas organizacionais. Quem quiser saber mais sobre essas idéias, pode buscar também a versão em português do " Structure in Fives", cuja segunda edição foi publicada pela Editora Atlas em 2003 sob o título "Criando Organizações Eficazes: estruturas em cinco configurações".

Quanto à trajetória de Don Corleone, esta foi retratada no filme O Poderoso Chefão - Parte II. Mas, no capítulo 14 do romance de Mário Puzo, em 33 páginas, pode-se ver como na ficção também as tarefas da organização de Don Corleone começaram a ser divididas ao longo do tempo e os mecanismos de coordenação foram se sofisticando com o crescimento e o sucesso da Família Corleone. Será que Mintzberg leu "O Poderoso Chefão" quando estava estudando a literatura de estrutura organizacional?

sábado, 11 de agosto de 2012

"Tenda dos milagres" e "O que faz um cientista?" - esse pesquisador se revela.

Para Elza, Zig, Belmiro, Maria Alexandra e Jane

Há algum tempo esse texto vem amadurecendo em minha mente. Ontem, finalmente, um encontro com três amigas e um amigo, durante a defesa da tese de Elza Hofer, funcionou como o catalisador que faltava para que a escrita se concretizasse.
Desde minha infância fui um leitor voraz. Frequentador assíduo das bibliotecas do Colégio Londrinense e do Instituto Filadélfia, onde fiz meus estudos primários e ginasiais, hoje denominados fundamental e médio. Buscava semanalmente livros da literatura brasileira e estrangeira. Nos primeiros anos, guiado pelas professoras, mas na adolescência sendo capaz de exercitar minhas escolhas.
É da adolescência que me ocorrem duas lembranças de leituras: meu primeiro contato com Jorge Amado; e um livro com o título "O que faz em cientista?" de George H. Waltz Jr, publicado em 1964 no Brasil, mas cujo original em lingua inglesa é de 1959.
Em um dos meus aniversários, durante minha adolescência, minha mãe me presenteou com o "Tenda dos Milagres" de Jorge Amado, cujo centenário de nascimento se comemora em 2012. Embora não me lembre com detalhes da estória narrada por Jorge Amado, essa leitura foi tão marcante para mim que após seu término, comecei a buscar outros romance do autor. Li Jubiabá, Teresa Batista Cansada de Guerra, Capitães de Areia, Cacau, O País do Carnaval, entre outros. Capitães de Areia foi transformado em um filme pela neta de Jorge Amado, Camila Amado. Um filme muito bonito, que ao final faz, em minha interpretação, uma homenagem àqueles(as) que escolheram ser professores(as). Um dos meninos que fazia parte do bando "Capitães da Areia" tinha o apelido de Professor.
Em Tenda dos Milagres, há uma personagem central, intelectual negro pouco valorizado no Brasil, Pedro Archanjo, que é revelado aos brasileiros por um estrangeiro, ganhador do prêmio Nobel, que vem à Bahia em busca de quatro livros de Pedro Archanjo. Jorge Amado me conquistou pelo estilo, pela descrição de uma região brasileira, então quase desconhecida para mim, mas também pela constante oposição, em seus livros, entre um desejo libertário muito grande do autor e as forças conservadoras e preconceituosas da elite brasileira. É claro que a linguagem pouco convencional, com alto grau de erotismo em muitas passagens, também atraiu aquele adolescente no final dos anos 60 e inicio dos 70.
Na mesma época, não tenho certeza se foi no mesmo aniversário, Irma, amiga de minha irmã, levou-me de presente um livro que fora comprado por sua mãe, Dona Rina. O livro era o de George H. Waltz Jr. Me lembro até hoje de Irma me dizendo:
_ Fernando, foi minha mãe que comprou. Ela acha que você vai gostar muito.
Dona Rina estava certa! Naquela época já começava a surgir a preocupação que todos temos um dia: o que eu vou ser na vida? Esse livro apresenta pequenas histórias de vida de cientistas americanos. O livro surgiu no contexto da disputa entre Estados Unidos e União Soviética, que em 1959 havia lançado o satélite Sputinik. Segundo o autor a intenção era valorizar para o público em geral a carreira de cientista como uma opção profissional importante. Nas suas próprias palavras:
"Seu principal objetivo é apresentar ao leitor um retrato do cientista exatamente como ele é - uma pessoa que apenas aprecia a ciência, da mesma forma que um advogado gosta das leis, que um médico gosta da clínica ou que um homem de negócios aprecia o movimento quotidiano das transações."
Mas, voltando à minha reflexão, li o presente de Irma e Dona Rina com muita vontade. Tanto é que ele ficou em algum lugar de minha mente e, movido por essa lembrança, procurei um exemplar recentemente, já que o de minha infância sumiu. Tive a felicidade de encontrá-lo em um sebo atrás do teatro Guaíra. Meu primeiro vestibular acabou sendo para Engenharia.
Nessa mesma época, lembro-me que minha mãe decidiu levar todos os filhos para uma sessão de orientação vocacional. Era uma coisa nova que havia surgido e alguém estava oferecendo esse serviço em Londrina. Lá fomos nós para o Colégio Estadual Vicente Rijo, na avenida Higienópolis, pois a orientação vocacional estava sendo feita lá. Lembro-me de ter passado um bom tempo lidando com um formulário imenso. Tinha que indicar minhas escolhas entre conjuntos de palavras, responder perguntas, fazer associações de ideias, e sei lá o que! Depois disso, tinhamos uma sessão de orientação com uma profissional. As palavras que ouvi me perseguem desde então:
_ Fernando, parece que seus interesses lhe dão condições de buscar qualquer área de atuação. Você poderá ir bem nas ciências exatas, nas humanas ou nas biológicas. Ou seja, depois da sessão, apesar do ego inchado (sou um gênio, posso fazer qualquer coisa!), continuei do mesmo tamanho: o que que eu vou fazer?
Refletindo hoje sobre essa memória, talvez eu devesse ter ido atrás da Astrologia! Como todo geminiano, tenho pelo menos duas facetas muito fortes, razão e emoção estão constantemente em luta dentro de mim. É óbvio que isso se reflete em minha vida acadêmica. Pois é, virei professor, algo que nunca passou pela minha cabeça, e que só ocorreu porque em agosto de 1981, dois ex-professores, Nardir e Genésio, resolveram me convidar para ser docente do departamento de Administração da UEL.  Costumo brincar que sou um pesquisador Macunaíma, assim como o anti-herói de Mário de Andrade, sem nenhum caráter! Diferentes abordagens de pesquisa, com métodos quantitativos ou qualitativos, me atraem de igual maneira.
E é nessa linha que ontem aprendi algo com Maria Alexandra Cunha, minha colega no PPAD da PUCPr. Maria Alexandra, ao fazer seus comentários e apreciação crítica sobre a tese da Elza, sugeriu que Elza deveria incluir uma sessão no seu trabalho onde ela se apresentasse como pesquisadora: quem é Elza Hofer? Essa sugestão decorreu do fato de Elza ter adotado uma abordagem interpretativa para estudar a influência da cultura local sobre a exploração de oportunidades empreendedoras. Segundo Maria Alexandra, para que um leitor possa apreciar de forma mais completa um trabalho desenvolvido sob uma perspectiva interpretativa, ele precisa conhecer melhor quem fez as interpretações. Extremamente lógico!
Aliás, foi o que Jane Mendes Ferreira fez em sua tese de doutorado sobre mulheres empreendedoras. Jane também participou da banca junto com  a Zig (Sieglinde Kindl da Cunha) e Belmiro Valverde Jobim Castor. Foi um privilégio para mim, e com certeza para a Elza também, ouvir as críticas, comentários e sugestões desses professores brilhantes.
Foi assim, nesse encontro com essas pessoas maravilhosas, que pude aprender um pouco mais sobre como pesquisar e apresentar o que descobrimos. Aliás, tenho que reconhecer que meus orientandos sofrem as consequencias de uma fraqueza minha: não consigo dar a devida atenção às questões de método e, invariavelemte, meus orientandos aprendem mais sobre isso quando já estão defendendo seus trabalhos.
Mas, a culpa não é minha! Sou geminiano e, mesmo na academia, não consigo resistir a outros apelos que não apenas aos da razão. Há poucos dias assisti no cinema a "Violeta foi para o céu". Filme emocionante que relata a vida de Violeta Parra, essa artista chilena, música e pintora, cujas composições foram imortalizadas por Mercedes Sosa. Violeta teve uma vida curta entre 1917 e 1967. Saiu voluntariamente da vida. No filme, uma frase sua me marcou profundamente: "a criação é um pássaro sem plano de voo, nunca voa em linha reta". Muitas vezes, na pesquisa, esqueço meu plano de voo.
Concluindo, espero que, ao final do esforço de realizar uma dissertação ou tese, além da coerência no discurso escrito e na consistência do relato,  meus orientandos possam ter valorizado a trajetória e tenham feito escolhas que lhes foram significativas. Enquanto isso, esse orientador continua sua busca de equilíbrio entre razão e emoção: a sina de um geminiano!

domingo, 5 de agosto de 2012

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Escolha de Sofia e modelo de forças competitivas de Porter



Certa vez fui procurado por uma ex-aluna em Curitiba que estava enfrentando uma situação empresarial peculiar e não estava muito segura de como agir. Ela era uma aluna que sempre participava ativamente das aulas e, quando teve que enfrentar esta situação, lembrou-se de um evento que contei em sala sobre a época em que trabalhei com meus pais. Era uma situação que envolvia certo conflito com um fornecedor e que contei aos alunos no dia em que estava falando das cinco forças competitivas do modelo de análise da indústria de Michael Porter.
Depois de formada, Sofia, esse é seu nome, abriu uma butique feminina localizada em um bairro de alto poder aquisitivo em Curitiba em sociedade com sua irmã mais velha. As duas irmãs aproveitaram o apoio financeiro oferecido pelo pai, comerciante bem sucedido em outro ramo de negócio, que contava com a participação do filho mais velho na gestão. Como algumas vezes acontece, as duas haviam percebido que não teriam espaço em uma provável sucessão no negócio do pai quando esse se ausentasse. Aliás, Sofia decidira fazer administração porque desejava iniciar um negócio próprio. Sua irmã já havia trabalhado em uma butique quando brigara com o pai e decidira ir atrás de seu próprio destino.
Assim, as duas acabaram unindo forças - o conhecimento adquirido por Sofia na graduação e a experiência de três anos da irmã - e abriram as portas da empresa voltada para um público feminino de poder aquisitivo mais elevado, classe média-alta. Depois de anos trabalhando, ficaram conhecidas no mercado, a empresa tinha se estabilizado, as duas irmãs conseguiam ter um bom padrão de vida e sentiam-se realizadas. Além disso, tinham conseguido devolver os recursos iniciais que o pai emprestara para elas na abertura da empresa. A butique era uma loja multimarcas e graças ao bom trabalho das duas, havia até alguma marcas que eram exclusivas delas na região em que atuavam.
Foi então que, certo dia, Sofia foi procurada por José Carlos que lhe fez uma proposta. José Carlos gostaria de comprar 50 peças da marca NEWLOOK, um dos fornecedores da loja de Sofia. José Carlos tentara fazer a compra diretamente com o fabricante, mas esse não aceitou o pedido. Ocorre que José Carlos, além de varejista, é também fabricante de roupas femininas e é conhecido por adotar uma prática não muito legítima no mercado: comprar roupas de outros fabricantes e colocar sua marca antes de revendê-las. Os clientes da fábrica de José Carlos são, na sua maioria, as chamadas “sacoleiras” que compram de diversos fornecedores em shoppings atacadistas para vender no varejo. Sofia é revendedora também das roupas fabricadas pela empresa de José Carlos. E, além disso, a NEWLOOK era uma de suas marcas exclusivas naquela região.
Pois é, não por acaso, lembrei-me do filme “Escolha de Sofia” em que Meryl Streep faz o papel de uma polonesa que viveu em um campo de concentração. Sob a direção de Alan J. Pakula, esse filme de 1982 rendeu a Meryl Streep um dos diversos Oscars de sua carreira. Atuando com Kevin Kline e Peter Macnicol, a personagem de Meryl tem segredos que guardam uma escolha difícil que teve que fazer no passado.  Prisioneira, em certo momento, teve que escolher se a filha ou o filho deveria ser enviado para execução no campo de concentração. Kevin Kline faz o papel de namorado de Sofia, Nathan, e Peter Macnicol é Stingo, o novo vizinho que se torna amigo do casal e acaba se apaixonando por Sofia. Um filme que deve ser revisitado!
É claro que a escolha de Sofia, a empreendedora, não tem o mesmo nível de dificuldade que a da personagem vivida por Meryl. Mas, Sofia queria minha ajuda: o que fazer?
A princípio a situação vivida por Sofia e sua irmã apresentava um dilema moral: trair a confiança de um fornecedor que havia dado exclusividade a elas na região, vendendo uma quantidade de atacado para um empresário de comportamento não muito confiável. Será que José Carlos retiraria as etiquetas da NEWLOOK e colocaria as de sua própria marca?
Para dilemas morais, as ferramentas de administração não oferecem muita ajuda. Talvez, Sofia poderia se inspirar nas teorias que tratam da Responsabilidade Social Corporativa, ou nas que abordam a visão de Stakeholders e decidir de forma a se sentir socialmente responsável ou levando em consideração os interesses de todos os stakeholders. Mais fácil falar do que fazer! Na essência é uma escolha entre o que julgamos certo ou errado no mundo dos negócios.
Mas, se o dilema moral é posto de lado, será que é possível analisar essa situação sob um ponto de vista de qual seria a solução mais vantajosa para a empresa de Sofia? Ou seja, quais as consequências de um sim ou de um não ao pedido de José Carlos?
Foi nesse ponto da conversa que falei para Sofia:
_ Sofia, lembra-se das nossas aulas de estratégia? Lembra-se do modelo das forças competitivas de Porter?
Sofia respondeu:
_ Sim, Fernando. Lembro-me que nessa aula você contou da tentativa que fez de enfrentar a PepsiCo quando estava trabalhando com seus pais. Eles mudaram as condições de negociação, não foi? Não queriam mais vender a prazo, só a vista. Você disse que à vista não comprava, buscou produtos substitutos, mas os clientes só queriam daquela marca! Seus concorrentes tinham e seus clientes começaram a reclamar. Você teve que rever sua decisão trinta dias depois para atender aos clientes. Foi bacana, pois a gente percebeu a ideia de poder de negociação de fornecedores, ameaça de produtos substitutos, intensidade de concorrência e poder de negociação de clientes.
_ Pois é Sofia. Naqueles dias eu ainda não tinha chegado às aulas de estratégia na minha graduação. Talvez você possa analisar a situação que está enfrentando pensando nessas forças: qual o poder da NEWLOOK em relação a vocês? O que eles fariam se descobrissem que você vendeu uma grande quantidade para o José Carlos? De igual forma, qual o poder do José Carlos em relação a vocês, já que ele também é seu fornecedor? Se você fizer essa venda poderá deixar alguns clientes na mão, isso é conveniente? Qual o risco de irem atrás de outras butiques?  Pense nessas coisas.
Depois de algum tempo reencontrei Sofia. Curioso, perguntei o que ela e a irmã tinham feito. Sofia me respondeu:
_ Primeiro a gente se desfez do dilema moral! Essa era uma decisão de negócios que tinha impactos a curto e médio prazo. Podíamos fazer um grande venda e gerar caixa para nossa empresa, que estava necessitando. Por outro lado, havia um risco muito grande, pois a NEWLOOK representava 60% de nosso faturamento. A reação deles poderia nos colocar em dificuldades no médio prazo. Poderiam, por exemplo, tirar nossa exclusividade na região. Ou deixar de vender para nossa empresa. Por outro lado, o fornecimento de José Carlos para nossa empresa era também significativo: 25% do faturamento.
_ E então? Eu perguntei. Ansioso para saber o que tinha acontecido.
Sofia concluiu:
_ Nós atendemos ao pedido de José Carlos. Além de resolver nossa questão financeira de curto prazo, nós descobrimos que a NEWLOOK estava planejando abrir lojas próprias e uma das primeiras seria em nossa região. A gente perderia o fornecimento deles em seis meses Assim, fizemos a venda, pedimos peças extras para atender aos demais clientes e continuamos indo bem.
Gosto dessa história da Sofia, pois além de verdadeira, é um exemplo prático de dilemas que enfrentamos na gestão de pequenas empresas no dia-a-dia. Não temos uma receita única, mas quando aprendemos a pensar estrategicamente, podemos decidir de forma mais consistente, acertar, errar, voltar atrás quando necessário. Além disso, essa história realça a importância de estarmos sempre atentos aos movimentos de nosso mercado. Afinal de contas, essas forças competitivas não são estáticas, ao contrário, são muito dinâmicas. 

P.S.: Se é você professor(a) use essa história como uma atividade em sala. Já fiz isso muitas vezes, dá uma boa dinâmica em grupo. Divida a turma em duas partes e apresente o parágrafo que conta a proposta feita por José Carlos a Sofia. Um grupo deve buscar argumentos a favor e outro grupo contra. Veja o que acontece!

terça-feira, 24 de julho de 2012

Pequenas empresas, Economia e Big Brother no País de Gales

Para Telma, que esteve presente nesse e em outros momentos

No primeiro semestre de 1985, tive a oportunidade de passar seis meses realizando uma pesquisa sobre atividades de apoio à pequena empresa no Reino Unido. Telma e eu estávamos casados há quatro anos, quando ela recebeu uma proposta de fazer um curso de especialização em Biblioteconomia na University College of Wales em Aberystwyth, País de Gales. Para isso ela recebeu uma bolsa de estudos do British Council, por meio de articulações de suas professoras no mestrado em linguistica aplicada da PUC-SP.
Telma foi no segundo semestre de 1984 e eu, que estava atuando como docente nessa época na UEL, consegui uma licença de seis meses para realizar estudos que se relacionavam com minha dissertação de mestrado que fazia junto à FEA-USP.
Foi a primeria vez que saí do Brasil para estudar. Descobri como meus estudos da lingua inglesa na adolescência tinham sido utéis, mas assim mesmo no começo tinha muitas dificuldades para me comunicar oralmente. Lembro-me de certa vez estar em frente da casa onde morávamos em Aberystwyth, quando uma senhora idosa se dirigiu a mim fazendo alguma pergunta. Eu estava de costas, virei-me e disse:
_ Sorry! Não havia entendido o que a senhora me havia perguntado.
Esta me respondeu:
_ Sorry! I didn´t know you were a foreigner. (Desculpe! Eu não sabia que você era estrangeiro.)
Pois é, com apenas uma palavra, a velhinha já me carimbou de estrangeiro. Telma, ao contrário, fluente em inglês, tinha uma habilidade impressionante de se comunicar e muitos chegaram a perguntar a ela, como se fosse inglesa:
_ Where did you meet this Brazilian? (Onde você encontrou esse brasileiro?)
Esse período foi muito significativo em minha vida pessoal e profissional. Foi nessa época que, após uma visita que fizemos à Cidade Luz (Paris), após algum tempo, descobrimos que Telma estava grávida de Paloma, que foi nascer em Londrina em janeiro de 1986.
Mas, minha ida ao País de Gales não foi só para passear e conhecer velhinhas galesas simpáticas. Fiz um estágio junto ao Departamento de Economia da University College of Wales que me deu acesso às instalações da universidade, e em particular à biblioteca. Aberystwyth era também a sede da Biblioteca Nacional do País de Gales, situada no alto de uma colina, não muito longe de onde morávamos. Um prédio belíssimo onde passei muitas horas lendo.
Nesse período, de forma muito autônoma, pude realizar essa pesquisa que me permitiu, por meio de um levantamento, identificar organizações e atividades de apoio à pequena empresa naquela época. Uma versão resumida do relatório de pesquisa que entreguei ao Departamento de Economia da UCW foi publicada em artigo na Revista de Administração, v. 21, n.4, em 1986, sob o título: Atividades de apoio à pequena empresa: a experiência britânica.
Além desse levantamento, tive a oportunidade de fazer um estudo com dados estatísticos sobre as pequenas empresas no Reino Unido entre 1976 e 1982 com base na Business Monitor's Analyses of United Kingdom Manufacturing (local)  Units by Employment Size. Nesse período, a economia inglesa estava em declínio, e os dados que coletei indicaram que o número de pequenas empresas industriais e o total de empregos gerados por elas, em termos proporcionais, se elevaram quando comparados com as grandes empresas. Assim, por exemplo, as empresas que tinham entre 20 e 99 empregados, representavam 67% das empresas em 1976, e 71% em 1982. Por outro lado, as empresas maiores, com mais de 200 empregados, decresceram de 18% para 15% no mesmo período. Quanto à participação no total de empregos, observou-se fenômeno semelhante: as empresas menores passsaram de 18% para 21% dos empregos gerados e as grandes de 68% para 64%.
Outra informação interessante revelada por essa incursão nas estatísticas britânicas, foi que a taxa de decréscimo em termos de empresas e empregos, foi menor para as empresas menores. Por exemplo, as empresas industriais que tinham mais de 200 empregados diminuíram quase 6% no número de unidades e quase 7% no total de empregos gerados. Para as pequenas empresas, esses números foram, respectivamente, 2,38% e 2,31%.
Lembrei-me desse estudo, ao ler notícias sobre as perspectivas mais sombrias para a economia brasileira nos próximos meses. Se esse contexto negativo se afirmar, é bom refletir sobre a importância de reforçarmos os mecanismos de apoio às pequenas empresas. Elas são mais flexíveis e resistem mais aos tempos dificéis.
Desse período de estudos no País de Gales, trago na memória também um fato curioso. Como ficaríamos apenas seis meses na casa que alugamos da Mrs Smith, outra simpática velhinha galesa, Telma e eu resolvemos alugar uma televisão em uma pequena loja que encontrei no centro de Aberystwyth. O proprietário da loja não nos passou nenhuma informação sobre o sistema de licenciamento público para acesso aos canais abertos da televisão no Reino Unido. Passado algum tempo, estava assistindo tv sozinho em casa, e vi um anuncio assustador sendo transmitido. Alguma coisa assim:
"The van detectors are in your area. If you have not paid the tv tax, you may get into trouble" (As vans detectoras estão na sua área. Se você não pagou a taxa de tv, você pode arrumar problemas). Imagine, eu com meu pouco domínio da lingua inglesa naquela época, vendo essa mensagem. Quase que entrei em pânico. Mas, depois de respirar fundo, fui me informar. O dono da loja em que aluguei o aparelho de tv, me explicou que deveríamos pagar a taxa anual cobrada de todo proprietário de tv no Reino Unido. Essa taxa é que custeava a produção e os investimento da famosa BBC. Sabendo disso, regularizei a situação, mas mantive aquele sentimento inicial quando vi o anúncio pela primeira vez: o Big Brother previsto por George Orwell em seu livro 1984 estava se tornando realidade! O governo britânico era capaz de descobrir se eu estava assistindo tv em minha casa, mesmo com as portas fechadas! Esse sim era o verdadeiro Big Brother, não essa coisa ridícula que ocupa um tempo valioso de nossa televisão.