segunda-feira, 30 de abril de 2012

O começo: entre o cinema e a gestão de pequenas empresas

Para Cleufe

Iniciei meu curso de graduação em administração na Universidade Estadual de Londrina em agosto de 1977. Após ter estudado engenharia durante um ano e meio em São José dos Campos e Física por um semestre na UNICAMP, retornei a Londrina ao final de 1976 com o firme propósito de procurar um novo curso. Meu desejo era fazer vestibular para um curso de comunicação e tentar enveredar pelos estudos na área do cinema.
Desde adolescente o cinema me atraiu fortemente. Lembro-me de comentar uma vez com meu amigo Helvécio quando retornávamos de uma sessão vespertina de cinema:
_ Sabe o que eu acho engraçado. Os filmes que a crítica gosta eu não gosto. O filme que eu gosto a crítica não gosta!
Helvécio riu muito e confirmou:
_ Fernando, comigo é a mesma coisa!
Com o passar dos anos, o hábito de ir ao cinema foi se consolidando e, hoje em dia, muitas vezes, os críticos e eu gostamos das mesmas coisas. Mas, de vez em quando, aquilo que gosto não agrada alguns críticos. Mas, embora o cinema seja uma presença marcante em minha vida, sendo até fonte de inspiração para certas interpretações minhas sobre questões empresariais, não é minha intenção escrever sobre isso agora.
Naquele ano do retorno à casa paterna, passados os períodos festivos e as férias, certo dia minha mãe me perguntou:
_ Fernando, não está na hora de preparar a viagem de volta a Campinas?
Isso ocorreu por meados de fevereiro de 1977. Era o momento que eu temia: revelar a meus pais que não queria continuar o curso na UNICAMP. Com o passar dos dias, como já era usual com meus irmãos, comecei a ajudar meus pais no supermercado que tinham. Nesse ambiente de trabalho familiar, as coisas começaram a se acalmar e algum dia tive a ideia de fazer vestibular para o curso de administração da UEL. Fui à busca do conhecimento que poderia me ajudar e a meus pais na administração daquela pequena empresa.
Passados os quatro anos da graduação, logo após a formatura, veio o convite para me tornar professor. Nos primeiros anos, me dividia entre a empresa e a universidade. Depois acabei me dedicando exclusivamente à universidade. Fiz mestrado, doutorado, ocupei cargos de gestão, mas sempre procurei estudar a gestão em pequenas empresas nesse tempo todo. Terá sido uma espécie de compensação por ter abandonado a gestão do supermercado de meus pais? Não sei! Talvez Freud explique!
A primeira pesquisa que fiz sobre a gestão de pequenas empresas foi feita em parceria com Cleufe Pelisson. Durante muitos anos, os alunos de administração da UEL tinham que fazer um estágio como conclusão do curso. Nesse estágio havia um roteiro de diagnóstico que os alunos deviam aplicar a uma empresa. Após o diagnóstico, uma área da empresa era escolhida para o desenvolvimento de ações administrativas sob a supervisão de uma equipe de professores do Departamento de Administração. O meu estágio foi na empresa de meus pais.
Conversando com a Cleufe, tivemos a ideia de fazer uma pesquisa sobre os problemas de gestão nas pequenas empresas de Londrina. Com essa finalidade, utilizamos os relatórios dos estágios dos alunos de administração da UEL que totalizavam 287, em pequenas empresas, no período de uma década, entre 1978 e 1987. Com a aprovação do departamento, Cleufe e eu enfrentamos a tarefa de ler 141 desses relatórios e fizemos uma lista dos problemas que eram relatados, classificando-os por setor da empresa (Produção, Finanças, Marketing, RH, Administração Geral).
A lista era muito grande! Cleufe e eu queríamos criar uma classificação desses problemas que fosse além das áreas funcionais. Pensávamos bastante, trocávamos ideias, debatíamos com colegas, mas não conseguíamos chegar a uma proposta com que nos sentíssemos confortáveis. Um dia, cheguei para a Cleufe e falei:
_ Cleufe, acho que encontrei a solução. Sonhei com ela!
É verdade. Na noite anterior, havia sonhado com aquele problema que estava nos incomodando e a solução veio com o sonho: classificar os problemas em estratégicos, administrativos e operacionais conforme apresentado por Ansoff em seu livro “Estratégia Empresarial”.  Concluímos a pesquisa, fizemos o relatório, e uma versão resumida foi publicada na Temática, número 5, de julho de 1988, com o título “Taxonomia dos problemas das pequenas empresas de Londrina”. A Temática foi uma revista criada por alguns professores do Departamento de Administração da UEL, por sugestão do Marcos Tito e, infelizmente, deixou de ser editada há alguns anos. É uma pena!
Enfim, a vida foi passando, os anos correndo, eu fui mudando de cidade em cidade, mas algumas coisas permaneceram: as amizades, entre as quais a de Cleufe é muito valiosa, e o desejo de continuar pesquisando esse intrépidos empreendedores e suas pequenas empresas maravilhosas.
Os mais antigos devem ter percebido a brincadeira com o título de um filme da década de 60 do século passado, dirigido por Ken Annakin, cujo título em portugês é “Os intrépidos homens e suas máquinas maravilhosas”. Não poderia concluir esse post sem falar de cinema!

domingo, 29 de abril de 2012

Autores involuntários? ou "Há só uma porta para o universo acadêmico?"

Ouvi rumores de que em uma instituição de ensino federal, uma aluna de pós-graduação processou seu orientador por este ter encaminhado para um periódico acadêmico e conseguido a publicação de um artigo baseado em seu trabalho de conclusão de curso, não sei se dissertação ou tese. É claro que o orientador tomou o cuidado de incluir a aluna como coautora do trabalho, mas aparentemente esta não concordou com essa atitude do orientador, pois não foi consultada sobre o interesse em ter uma publicação de seu trabalho no formato de artigo.
O resultado desse processo eu não sei, mas há algumas instituições que estão solicitando que os ingressantes em seus cursos de mestrado e doutorado assinem uma autorização para que o seu trabalho de dissertação ou tese seja convertido em artigo e encaminhado para publicação, se o pós-graduando não tomar essa iniciativa em determinado prazo. Para mim é algo simplesmente inacreditável! Amazing! Como diria minha amiga Gertrud, professora de inglês, que a cada dez palavras em suas falas insere uma na língua inglesa.
Será esse tipo de atitude, mais um sintoma dessa busca insana pela produção acadêmica custe o que custar que tem assolado os programas de pós-graduação brasileiros, na tentativa de atingir a meta de pontos trienal que garantem uma boa avaliação na CAPES e, algumas vezes, bônus salariais de variados montantes? É o lema do "publique ou pereça", "publish or perish" na lingua inglesa, que domina os meios de divulgação acadêmica em muitos campos do saber.
Pois é, fiquei muito surpreso com estas novidades. Há muito tempo, os professores da pós-graduação compartilham com seus orientandos inúmeras publicações que se originam dos esforços realizados por ambos em pesquisas que conduzem a uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutorado. Implícito nessa prática está a necessária atuação cooperada pela qual o orientador, além de ter dirigido os esforços de seus orientandos ao longo da pós-graduação, se envolve ativamente na construção das versões resumidas desses trabalhos ou na exploração de aspectos específicos de cada dissertação ou tese que são veiculadas nos periódicos acadêmicos. Mas, a dissertação e a tese são, pelo menos no Brasil e na maioria dos países, de autoria do pós-graduando. Nenhum orientador aparece como autor em uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado, a não ser naquelas que escreveu quando se tornou mestre ou doutor. Ora, a extração de parte de uma tese ou dissertação e sua redação em formato de artigo só pode ser feita por iniciativa de seus autores. A inclusão de orientadores como coautores é algo que só pode ocorrer quando estes realmente se envolvem na redação do artigo. Parece-me tão evidente isso, que encaro a adoção dessas práticas institucionais como uma tentativa desesperada de aumentar a produção científica de um programa de pós-graduação para ficar bem na foto trienal que é enviada à CAPES. A quantidade estaria substituindo a qualidade?
Será que não podemos aceitar o fato de que alguns de nossos orientandos não desejam ter seus trabalhos de mestrado e doutorado divulgados em outros espaços? Será que toda dissertação de mestrado e tese de doutorado apresenta resultados que adicionam conhecimento novo relevante para a academia e devem ser obrigatoriamente divulgados em periódicos acadêmicos? Será que é difícil acreditar que a eficácia de um curso de mestrado e doutorado pode residir no próprio processo de conhecer um campo do saber, em alguma especialidade, que se concretiza objetivamente na produção de um texto final avaliado por uma banca? Será que não podemos acreditar que os novos mestres e doutores passam por esse rito de passagem e, ao longo de suas vidas, terão a competência e a apetência para novos estudos que publicarão se julgarem conveniente e se os editores dos periódicos acadêmicos deixarem? Será que não podemos resistir um pouco a essa pressão pela publicação?
Hoje à tarde assisti ao "Um método perigoso", filme dirigido por David Cronenberg que relata parte da vida de Carl Jung, seu envolvimento com Sabina Spielrein, que foi sua paciente, tornou-se sua amante e depois se formou em medicina indo para sua terra natal na Rússia exercer a psicanálise até 1941, quando foi morta por um esquadrão nazista. O filme retrata também a relação entre Jung e Sigmund Freud, que no inicio foi uma de mestre e discípulo, com a manifesta admiração mútua entre Jung e Freud, mas que depois terminou com um rompimento e distanciamento entre ambos. Duas cenas do filme me chamaram a atenção. Na primeira, quando Jung vai a Viena se encontrar com Freud, o primeiro se refere ao segundo comparando-o ao astrônomo Galileu Galilei, pois como a ele, seus opositores o criticavam sem "ao menos olhar pelo telescópio". Logo depois, na cena seguinte, conversando com Sabina, Jung comenta a resistência manifestada por Freud em considerar outros aspectos na psicanálise além do sexo. Nesse momento Jung comenta: "´Será que não há outras portas para o universo?"
Pois é, eu acho que há muitas portas para o mundo acadêmico! Não obriguemos todos a passarem pela mesma!

sábado, 21 de abril de 2012

Empreendedor individual: oportunidade para mais precarização das relações de trabalho?

A figura do Empreendedor Individual foi estabelecida pela Lei Complementar 128/2008 e entrou em vigor em 01/07/2009. Segundo dados disponíveis no MPE Data (www.mpedata.com.br), mantido pelo SEBRAE, no dia 15 desse mês já haviam 2.294.095 emprendedores individuais formalizados junto à Receita Federal do Brasil e Previdência Social. Comparado com o número de micro e pequenas empresas optantes pelo SIMPLES, na mesma data, os empreendedores individuais equivalem a 36,5% das MPEs regidas pelo SIMPLES (6.282.629). Duas categorias distintas que no conjunto totalizam 8.576.734 unidades empresariais que se beneficiam de vantagens tributárias e previdenciárias muito relevantes para sua permanência no mercado e justas considerando-se a contribuição que dão para o desenvolvimento econômico e social do país.
No Portal do Empreendedor (http://www.portaldoempreendedor.gov.br/modulos/perguntas/empreendedor.htm) mantido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o cidadão brasileiro pode obter muitas informações e orientações sobre os requisitos, benefícios e procedimentos necessários para sua formalização como empreendedor individual. Há nesse portal uma relação de 467 atividades que podem ser desenvolvidas por empreendedores individuais devidamente formalizados. Nessa relação extensa encontram-se algumas atividades que tradicionalmente são exercidas por proprietários de micro e pequenas empresas, tais como, comerciante de artigos de armarinho, açougueiro, confeccionador de carimbos, fabricante de alimentos prontos congelados, fabricante de esquadrias metálicas, proprietário de cantinas, quitandeiro, entre outros.
Todavia, há um aspecto dessa iniciativa governamental que atendeu aos anseios de inúmeras associações de micro e pequenas empresas espalhadas por todos os estado brasileiros que me chamou a atenção. Nessa lista de atividades possíveis para empreendedores individuais, encontram-se outras que são típicamente desenvolvidas por empregados de empresas dos mais variados portes. Por exemplo, a lista inclui cabeleireiros, esteticistas, manicures, azulejistas, carpinteiros, eletricistas, funileiros, marceneiros, maquiadores, e muitos mais. Essa possível confusão entre a denominação de um cargo em muitas empresas e a denominação de atividades de empreendedores individuais pode ser aproveitada para uma precarização mais acentuada das relações de trabalho em nossa sociedade.
Recentemente, fui a um grande salão de beleza localizado em um shopping center em Curitiba para cortar meu cabelo e aparar a barba. Conversando com o profissional que me atendia, perguntei como era a relação de trabalho dele com a empresa. Este me contou que até pouco tempo atrás tinha uma relação de contrato de prestador de serviço autônomo com a empresa. Mas recentemente, a empresa fez com que todos os profissionais se formalizassem como empreendedores individuais e o contrato passou a ser entre dois tipos de empresa.
A relação anterior que no meu entendimento de leigo já não era muito correta, expondo a empresa a possíveis ações trabalhistas, passou a ser menos arriscada para a empresa. No entanto, para os profissionais a relação continuou sendo uma relação de emprego disfarçada.
Quando se pensa sobre o significado de ser empreendedor individual, não é possível deixar de pensar em alguém que tem ampla autonomia sobre a forma e os momentos em que oferecerá seus serviços ao mercado. Não é o que se vê nesse caso! Nessa relação de contrato com os empreendedores individuais, a empresa contratante exige desses empreendedores o cumprimento de horário de trabalho e a observância de escalas de serviço, determinando quem vai estar prestando serviços aos sábados, domingos e feriados. A relação é tão semelhante com uma de empregado que o profissional me disse que o contrato prevê seis dias de trabalho com uma folga semanal.
Ora, me parece que isso é mais um mecanismo, que pode ser utilizado pelas empresas na precarização das relações de trabalho, que surge em nosso modo de vida capitalista. Essa empresa, por meio desse esquema, está se desobrigando de pagamento de contribuições previdenciárias, férias e seus abonos, 13o. salários e FGTS. Fico pensando o quanto essa prática pode estar disseminada após quase três anos da entrada em vigor dessa nova modalidade de pessoa jurídica!
Ser empreendedor tornou-se um sonho que é cada vez mais disseminado pela imprensa como uma das possíveis soluções para o desemprego crônico que marca praticamente todos os países do mundo. Periodicamente, uma vez ao ano, quando são divulgados os dados da pesquisa Global Entrepreneurship Monitor nos enchemos de um orgulho ufanista, pois o Brasil sempre está entre os países com maior taxa de atividade empreendedora. Isso dá ainda mais força para a divulgação do empreendedorismo como a cura de muitos males econômicos e sociais.
Ao ver hoje em dia, uma preocupação crescente com a sustentabilidade da sociedade, fico intrigado com algo que me parece ser deixado de lado. Não é possível termos uma sociedade sustentável se não assumirmos a responsabilidade que todos temos com aquelas pessoas que são excluídas do mercado. A resposta que oferecemos a essas é a vã esperança de se tornarem empreendedores de si mesmos! Se não conseguirem, a culpa é deles mesmos. Não se esforçaram o suficiente!
Às vezes me deixo abater pela predominância de pensamentos simplórios como esse na academia brasileira que estuda o empreendedorismo. A maioria dos professores é repassadora de uma crença ingênua de que basta darmos uma formação empreendedora aos nossos jovens que muitos dos nossos problemas serão resolvidos. Essa formação empreendedora está invariavelmente baseada na elaboração de um plano de negócio. O que é claramente insuficiente para auxiliar alguém a se tornar empreendedor em uma sociedade que se deseja sustentável!
De vez em quando, usam as estatísticas para demonstrar essa possibilidade gloriosa: já temos quase 2.300.000 empreendedores individuais no Brasil! São mais de 700.000 ao ano! Mas, eu me pergunto: quantos desses estão vinculados a relações de trabalho que se assemelham a empregos, mas deixam de ter os benefícios que teriam caso fossem empregados?

domingo, 15 de abril de 2012

Competição e cooperação entre pequenas empresas: um texto inspirado por teias de aranhas

Um fenômeno da natureza atraiu minha atenção certa manhã. Enquanto trabalhava com amigos em Brasília, observei um conjunto de sete teias de aranha que se esparramavam entre as copas de duas árvores. Cada teia com sua aranha, o conjunto formava uma imagem complexa e inspiradora. Fiquei imaginando o momento em que um infeliz inseto se prendesse em uma das teias entrelaçadas. Imediatamente, sete aranhas estariam se encaminhando para a origem do distúrbio dessa intricada rede. Não importa qual delas chegaria primeiro, mas o destino do inseto já estaria traçado: terminar nas garras de uma delas!

Essa imagem me trouxe à mente, em primeiro lugar, a idéia de uma rede de pequenas empresas. Imaginei que as aranhas poderiam representar, cada uma delas, pequenas empresas, e o emaranhado de suas teias uma rede de cooperação de pequenas empresas. A união delas permitiria compartilhar esforços e recursos na busca de uma maior competitividade no mercado. Assim como essas aranhas, com suas teias entrelaçadas, têm aumentadas suas chances de sobrevivência em função da maior probabilidade de obter insetos em sua cadeia alimentar, as pequenas empresas quando se unem seja em centrais de compras, seja em sua relações com o mercado consumidor, têm suas expectativas de sucesso empresarial ampliadas.

Essa noção de cooperação entre empresas tem sua logica residente em uma idéia muito simples que foi exposta de forma precisa pelo Prof. Sérgio Baptista Zaccarelli em seu livro "Estratégia e Sucesso nas Empresas". Para o Prof. Zaccarelli, o sucesso de uma empresa depende de dois fatores: a qualidade do negócio em que atua e a qualidade de sua administração. Essa relação se dá de uma forma que quanto maior for a qualidade do negócio, menor pode ser a qualidade da administração da empresa para se ter sucesso. Por outro lado, se a qualidade do negócio não é muito boa será necessário um esforço maior para se obter sucesso por meio da qualidade da administração que deve compensar a qualidade insuficiente do negócio.

Ações de cooperação entre pequenas empresas são uma forma de melhorar a qualidade do negócio em que atuam. A cooperação permite maior poder de negociação com fornecedores, obtendo melhores condições de compra. Permite, ainda, enfrentar em melhores condições as ações competitivas de grandes concorrentes. Por outro lado, além da cooperação, as pequenas empresas em rede competem entre si. Nesse momento é que a qualidadade da administração se manifesta levando a melhores ou piores resultados.

No entanto, embora essa noção de cooperação entre pequenas empresas seja comumente estudada na literatura de administração, a imagem das teias de aranhas tão próximas se assemelha, de forma mais adequada penso eu, a uma concentração geográfica de pequenas empresas. Em muitas cidades, observa-se a coexistência de pequenas empresas que competem em um mesmo mercado em espaços geográficos muito restritos. Em Curitiba, por exemplo, há as lojas de sapatos da Rua Teffé, na sua maioria pequenas empresas. Outro aglomerado de pequenas empresas em Curitiba ocorre na rua 24 de maio com suas lojas de materiais de informática, vídeo e som. São Paulo, onde fiz meu mestrado, tem muitos exemplos, entre os quais me ocorre a Rua José Paulino, no Bom Retiro, com sua concentração de lojas de roupas e acessórios. Maringá, outra cidade em que morei, tem na rua Pedro Tacques uma concentração de lojas voltadas para a comercialização de produtos e serviços automotivos.

Essa concentrações geográficas são um fenômeno empresarial interessante. Elas ocorrem em geral, de forma espontânea, com o comportamento imitativo de indivíduos empreendedores que vêem um caso de sucesso em determinado local e decidem instalar uma nova empresa nas proximidades. Na maioria das vezes, essas concentrações ocorrem por facilidades de acesso a algum tipo de matéria-prima quando se tratam de empresas manufatureiras. No caso do comércio, o grande afluxo de consumidores é, em geral, o principal motivo da repetição desse comportamento empreendedor.

O interessante nesses casos é que o comportamento empresarial predominante é a competição, mas esporadicamente podem surgir casos de cooperação entre as pequenas empresas ali localizadas. A disputa pela atenção do consumidor com mix de produtos diferenciados, atrativos promocionais, preços diferentes é a tônica. Mas, junto a esses esforços competitivos surgem movimentos de cooperação em torno da realização de esforços compartilhados de comunicação com o mercado, articulação concertada para agilizar a realização de benfeitorias públicas na região, comemoração de datas festivas com apresentações artísticas que atraem público e, provavelmente, maior consumo. Nesses esforços coletivos os custos são compartilhados e os ganhos de cada empresa acabam dependendo principalmente de sua capacidade administrativa de se preparar e atuar nesses momentos.

É nesse sentido que associo a concentração de teias de aranhas nas copas daquelas duas árvores à concentração de pequenas empresas. Na maior parte das vezes, o consumidor é o foco da atenção gerencial e, dessa forma, as mais agéis em atendê-lo acabam se beneficiando mais da concentração. Igualmente, são as aranhas mais agéis que chegarão mais depressa ao infeliz inseto emaranhado em suas teias.

Por fim, de novo quero citar o Prof. Zaccarelli que, junto com os professores Ruy Leme e Adalberto Fischmann, publicou o livro Ecologia de Empresas que li no  inicio dos anos 80 quando fiz meu mestrado na Faculdade de Economia e Administração da USP.  Sem essa leitura, essas sete teias de aranha não teriam passado de um fenômeno natural interessante para mim. Certamente a leitura desse livro, que três décadas atrás me marcou profundamente, e as idéias nele apresentadas me ajudaram a fazer essas relações hoje.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Mulher gosta de carinho e tem medo de barata

Retornando a Mossoró para concluir meu módulo no Doutorado na UFERSA, tomei conhecimento de um sucesso da banda Solteirões do Forró. Ao entrar no carro dirigido por Cláudio Nogueira, motorista que veio me buscar no hotel, uma música tocava e Cláudio, rindo muito, me disse:
_ É verdade. Preste atenção! É verdade o que a letra diz.

Essa banda foi criada em 2005 e uniu o forró tradicional com o eletrônico, Tem como vocalistas Zé Cantor e Taty Girl. Entre seus sucessos, encontra-se "Você não vale nada" que foi tema de uma personagem feminina em novela global, a Norminha de Caminho das Indias. A música que tocava no rádio era "Eu descobri", com os seguintes versos: eu descobri que mulher gosta de carinho. Carro carinho, sapato carinho, vestido carinho, jantar bem carinho... na voz de Zé Cantor. Depois na voz de Taty Girl, a letra continuava: eu descobri que tenho medo de barata. Roupa barata, jóia barata, bolsa barata, viagem barata. Dei boas risadas com a música e o humor do Cláudio. Uma mensagem bem humorada aos homens que precisam descobrir do que gostam aquelas que pretendem conquistar.

Essa letra, por incrível que pareça, me fez pensar sobre uma das razões de sucesso de pequenas empresas varejistas que conseguem sobreviver por muitos anos no mercado. É o caso, por exemplo de pequenas lojas de roupas, em especial, as femininas que costumam manter ao longo dos anos um grupo expressivo de clientes fiéis. As proprietárias dessas lojas, em geral são mulheres, desenvolvem uma capacidade extraordinária de saber as preferências e desejos de cada cliente, sendo muitas vezes dirigidas em seus processos de compras por pensamentos do tipo: "Essa peça vai agradar muito a fulana; essa outra a beltrana não vai conseguir deixar de comprar; para a sicrana vou levar essas três, ela vai adorar". Em outras palavras, as dirigentes dessas pequenas empresas, que foram também na maioria dos casos suas criadoras, exercendo o papel de empreendedoras nos estágios iniciais da empresa, conhecem muito bem seu mercado foco. Tive a oportunidade de presenciar cenas desse tipo na Dida-Su, empresa familiar maringaense criada e mantida pela mãe e irmãs de Sara, minha mulher.

Certa vez, uma orientanda de iniciação científica, que estudou comigo, manifestou o desejo de pesquisar sobre a forma como proprietárias de butiques em Maringá enxergavam sua concorrência e como escolhiam uma posição competitiva no mercado. Fernanda, esse era seu nome, voltou muito assustada de suas primeiras entrevistas. Quando começava a conversar com as empresárias, invariavelmente, elas lhe diziam que não tinham concorrentes. Suas ações empresariais eram orientadas pelo conhecimento detalhado que tinham de suas clientes. Não prestavam atenção nas outras butiques. Foi um aprendizado importante para Fernanda, e para mim, também, pois entre as pequenas empresas que estudou, havia algumas que haviam chegado às duas dezenas de anos de existência. Nem sempre, a gestão de pequenas empresas segue os manuais clássicos da literatura estratégica!

Esse tipo de comportamento aparece também em outros pequenos varejos que atendem necessidades de consumo de periodicidade de compra mais intensa, tais como, padarias e confeitarias, quitandas, açougues, peixarias, armazéns, bazares, restaruantes, butecos, entre outros. Seus dirigentes descobrem e valorizam o que desejam os clientes que querem conquistar.

Já no fim da tarde, Cláudio esperava para levar-me de volta ao hotel. De novo, a música que tocava no rádio era de forró. Mas dessa vez, era um sucesso de Luiz Gonzaga que ele mesmo cantava, o "Xote das Meninas". Tenho um CD de Marisa Monte no qual ela canta de forma maravilhosa essa música. Cláudio, que está me parecendo ser um conhecedor do forró, me chamou a atenção para a diferença entre esta música e a que tocava de manhã. Luiz Gonzaga tocava o verdadeiro forró Pé-de-Serra, com o auxílio de sua famosa sanfona, triângulo e zabumba apenas. A banda Solteirões do Forró toca suas músicas com uma maior diversidade de instrumentos que incluem estes e outros eletrônicos. É uma covardia comparar as duas músicas seja pela letra, seja pela sonoridade e riqueza de ritmo. Luiz Gonzaga é imbatível! Mas assim como ele já se foi, esse ano se estivesse vivo estaria completando 100 anos, o forró Pé-de-Serra também praticamente não existe.

Mas, Cláudio, que além de motorista sabe muito de forró, me contou sobre o forró de cota. Um costume antigo, narrado a ele pelo seu avô, em cujas terras na região de Mossoró aconteceram alguns. Antigamente, os bailes de forró não tinham cobrança de entrada como hoje. Eram realizados em espaços mais abertos. Os músicos, antes de tocar, faziam uma coleta entre os homens que estavam no espaço de dança. Mulheres não pagavam! Mas se estivessem no espaço de dança, não podiam recusar uma dança a um cabra! Os homens que queriam dançar faziam suas contribuições e, em seguida, os músicos tocavam algumas músicas, quatro ou cinco. Terminada esta parte, corriam novamente a coleta para uma nova cota de músicas. Engenhoso e democrático! Só pagavam aqueles que iriam dançar, quem não pagava não podia entrar no espaço reservado aos dançarinos. Tinham que esperar a nova cota.
Segundo Cláudio, essa prática não existe mais. Assim como alguns pequenos comércios que antes atendiam bem necessidades que a vida moderna transformou! É o risco do mundo dos negócios: os grandes muitas vezes eliminam os pequenos.

O administrador dividido em dois: empreendedor e gestor na pequena empresa

Entender como pequenas empresas são criadas e mantidas no mercado por longos períodos de tempo é algo que tem me atraído constantemente. Estudar empreendedorismo e gestão de pequenas empresas permite que eu olhe ao mesmo tempo para aspectos da criação de um empreendimento e de facetas de seu crescimento e consolidação ao longo do tempo. Este processo, no meu entendimento, é um ciclo contínuo de criação => gestão => criação => gestão=> criação => gestão... Infinitas vezes? Talvez sim, se os empreendimentos sobreviverem a seus criadores e continuadores. Mas, na maioria dos casos, em algum momento, esse ciclo se interrompe, com o encerramento das atividades.

Fases de transformação são seguidas por fases de consolidação de forma ininterrupta. Julgar qual é a mais importante não faz sentido, pode-se apenas tentar compreender que há momentos para mudar e há momentos para preservar. Há momentos onde a ação é empreendedora e outros onde prevalece a gestão. Em todos os momentos, o que parece ser comum são as incertezas e os riscos. Às vezes parece que ao invés de mudar, o administrador deveria tentar preservar. Outras vezes, aquilo que se preserva parece inadequado em face do que deveria ter se transformado.

Hoje em dia há um discurso dominante na literatura da administração que pode ser sintetizado de forma resumida assim: inovar é a solução para qualquer empresa; sem inovação não há salvação! Por esse discurso somos levados a pensar que a humanidade está constantemente em busca de produtos ou serviços novos e deixando de lado os produtos e serviços antigos. Surgem tantas coisas novas que os marqueteiros nos impelem a comprar e, de repente, parece que os administradores devem deixar de lado o que fazem bem há muito tempo, para fazer o novo. É óbvio que isso é exagerado, e não se pode levar tão a sério as profecias sinistras do “inove ou pereça”. Basta um pouco de bom senso (meus colegas acadêmicos ficam irritados quando uso essa expressão!) para notar o quão incompleta e imprecisa é essa ideia da busca da inovação contínua. Proponho um simples exercício:

Reflita sobre seu comportamento de consumidor: quantas vezes vocês compra produtos novos ou se utiliza de serviços inovadores?; Quantas vezes suas compras estão associadas a produtos tradicionais ou serviços rotineiros?

Não tenho medo de errar ao afirmar que na maioria das vezes, suas compras são de serviços e produtos velhos, feitos da mesma forma e com a mesma utilidade há muitos anos. Nós queremos, ou melhor, precisamos de estabilidade em nossas vidas. Não há “tatu que aguente” viver só à base de inovações! Lembrei-me dessa expressão que ouvi muitas vezes quando criança. Antiga, mas ainda tão apropriada. De onde será que ela veio?

Ora, se estou certo, ou seja, se as pessoas precisam de continuidade e estabilidade em boa parte das suas necessidades de consumo, se eu for um administrador de uma pequena empresa, talvez fosse prudente que eu, além de buscar coisas novas, prestasse muita atenção àquilo que tem sido bem sucedido. Esse é o constante ciclo de criação e gestão que mencionei, não há como só inovar, assim como não há como só fazer o mesmo sempre.

É parecido com a novela “O Visconde partido ao meio” de Italo Calvino, publicada pela primeira vez em 1952. Nessa estória Calvino relata as aventuras do Visconde Medardo que em uma batalha vê-se partido ao meio no sentido vertical do corpo. Graças à equipe médica do campo de batalha a sua parte direita, preservada intacta, conseguiu sobreviver e retornar à sua terra natal. Mas, para agrura de seu povo, essa parte era extremamente malvada. Depois de algum tempo, a parte esquerda que se supunha destruída, retorna também à casa paterna. Ela fora encontrada e curada por alguns eremitas. Ao contrário da outra metade, esta era extremamente generosa. A grande sacada de Calvino foi mostrar que nessa estória nenhuma das duas formas – a bondade pura ou a maldade pura – eram aturadas pelos habitantes. Era preciso dar um jeito de ter uma mistura de novo. A solução calviniana é genial! Leiam o livro e descubram qual foi.

No caso das pequenas empresas, não há como ser só empreendedor ou só operador de pequenos negócios, termos usados por  Louis Jacques Filion em artigo publicado em 1999. De forma muito esclarecedora, Filion demonstrou as diferenças entre formas de pensar do empreendedor e do gestor de uma pequena empresa. Há momentos para criar e há momentos para gerir, procurando em cada momento superar as incertezas e os riscos nas decisões. As duas formas de pensar devem coexistir. Simples assim, mas nem um pouco fácil! É isso que torna a administração fascinante! Ainda mais quando se trata de pequenas empresas.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Pequenas empresas com vida longa: duas histórias curitibanas


Quando se fala da administração de pequenas empresas uma questão que sempre vem à tona se relaciona com sua vida curta. As estatísticas variam, mas em geral, pode-se dizer que cerca de 80% das pequenas empresas não conseguem completar cinco anos de vida. Assim, quando me deparo com histórias de casos bem sucedidos que conseguem passar da casa das cinco dezenas de existência, minha curiosidade é aguçada. O que explica esse sucesso? Que trajetória seguiram essas empresas e as pessoas que as criaram? Como foi a passagem de geração em geração da família que manteve a propriedade dessas pequenas empresas? E o caso de sucessão fora da família, como se explica que pessoas diferentes dos fundadores conseguiram manter uma pequena empresa por tão longo tempo preservando tradições criadas por seus fundadores e gestores iniciais? Enfim, a lista de coisas que quero saber é longa!

Esporadicamente tenho encontrado relatos de pequenas empresas curitibanas que são longevas. Esses relatos são feitos por jornalistas, sem nenhuma preocupação científica, com seus estilos diferenciados, nos revelando aspectos pitorescos, mudanças que ocorreram ao longo do tempo nessas pequenas empresas, chegando até nos detalhes de como seus produtos ou serviços evoluíram ao longo do tempo. E me ajudando a aprofundar minha compreensão de coisas que a literatura acadêmica conta, mas quase sempre sem graça nenhuma.

Nos últimos meses tive a felicidade de ler alguns desses relatos. Todos eles na Gazeta do Povo, que voltei a assinar recentemente. Escolhi duas para ilustrar alguns aspectos da gestão de pequenas empresas.

Uma das histórias que me chamou a atenção foi relatada pelo colunista José Carlos Fernandes, em um texto muito agradável de ler e intitulado“O alfaiate e sua admirável máquina do tempo” (http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas/conteudo.phtml?tl=1&id=1236541&tit=O-alfaiate-e-sua-admiravel-maquina-do-tempo). José Carlos conta sobre a Alfaiataria Riachuelo, que existe há 80 anos, na Rua Riachuelo, criada por um alfaiate que morava em Ponta Grossa, como nos informa o colunista:

“Se olharem bem, os visitantes vão notar na parede um retrato do general Heitor Borges de Oliveira, espécie de santo padroeiro da Alfaiataria Riachuelo. Nos idos de 1930, em Ponta Grossa, o manda-chuva encomendou do alfaiate G. Matter uma farda. Gostou tanto que o trouxe para Curitiba. Virou febre – todos os homens do Exército queriam se vestir com ele, que era artista e costurava por ofício, para poder fazer o que mais lhe aprazia – pintar telas ao ar livre e pilotar motocicletas, arrancando poeira daquele Paraná em pinheiros.”

Hoje a pequena empresa é administrada por Osvaldo Filho, filho de Osvaldo e sobrinho de Guilherme, filhos e sucessores do fundador da empresa. Nesse longo período a empresa manteve-se especializada em trajes militares, mas a clientela inicialmente restrita aos militares hoje é bem diversificada, ou como bem descreveu José Carlos “... tão sortida quanto um pote de jujubas. Imagino o dia em que um sargento e uma guria blindada a piercings pediram juntos ao balcão, no mesmo tom de voz, “um coturno, por favor”. Tem também a turma do teatro, fashionistas, seguranças carecas ...”

Outra história bacana é a da Confeitaria Blumenau localizada na rua São Francisco que atualmente é comandada desde 1994 por Ilse Baumgart Maiochi uma simpática senhora no vigor de seus 72 anos. Mais uma vez, quem conta a história é José Carlos Fernandes em “Os sonhos e o sonho de Ilse” (http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas/conteudo.phtml?id=1140382). Ilse foi cozinheira da Blumenau, desde 1963, quando trabalhou primeiro com a primeira proprietária, Tecla Probst, e depois com sua sucessora Ertha Weber como relata Rosy de Sá Cardoso em “Os segredos da Confeitaria Blumenau” (http://www.gazetadopovo.com.br/bomgourmet/conteudo.phtml?id=1223670). Antes de Ilse comprar a empresa onde trabalhava, a Blumenau foi propriedade de uma terceira senhora, dona Regina. Nesse caso, o que se vê é uma pequena empresa que ao longo dos anos foi passando de mão em mão, mas Ilse, a cozinheira, ia junto com a empresa, preservando a qualidade e sabor dos pães de casa, strudels, bolos, sonhos e outras delícias. Hoje em dia, além dos tradicionais doces e confeitos, Ilse criou um buffet no almoço para atender a clientela estudantil e outros que passam pela movimentada região onde está localizada a Confeitaria Blumenau.

Enquanto a Alfaiataria Militar manteve-se no âmbito familiar, a Confeitaria Blumenau foi sendo vendida. Assim, duas trajetórias diferentes levam a sucessos parecidos: empresas com vida longa, mantendo-se pequenas e reconhecidas por serviços ou produtos de qualidade. Além disso, algo comum pode ser encontrado nessas duas histórias. Ambas conseguiram se adaptar às mudanças ocorridas na região onde se localizam, conseguindo ao longo dos anos, ofertarem serviços e produtos que atraem ainda hoje aqueles antigos clientes que desejam fazer uma viagem no tempo de suas memórias, bem como os jovens que estudam no prédio histórico da UFPR na Praça Santos Andrade que encontram satisfação para os desconfortos da fome e roupas que lhes permitem construir parte de sua identidade juvenil.

Vida longa a essas e outras pequenas empresas!

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Dando cor ao empreendimento: a busca do equilíbrio entre inspiração e domínio técnico

A capa da Revista Bravo, 176, de abril de 2012, traz uma bela foto de Antonio Fagundes, esse brilhante ator brasileiro, com parte do rosto e da camisa manchados de vermelho. A princípio pode-se pensar que é uma imagem produzida por meio dessas maravilhas tecnológicas da computação que temos à nossa disposição hoje em dia. No entanto, na Carta da Redação, Armando Antenore, redator chefe da Bravo, explica que a capa foi o resultado de um ensaio fotográfico que contou com a generosidade do ator em se submeter a vários banhos de tinta guachee vermelha lançados pela equipe liderada por Valéria Mendonça, editora de fotografia, e Dani de Lamare, produtora.
Nas palavras das duas: "Jogamos copos e copos de guache no rosto do artista até alcançar o efeito que desejavámos. A imagem final talvez pareça milimetricamente calculada, mas o seu impacto está justo no fato de que há nela boa dose de acaso. Ou, se você preferir, de erro. Todos nos preparamos bastante para a missão...Procuramos a tinta mais adequada, montamos a luz, descolamos o figurino minimalista. Mesmo assim, na hora H, as coisas desandaram um pouco..." Depois de várias tentativas, segundo elas, com Antonio Fagundes aguentando firme, a mira do Theo Carias (maquilador) e as lentes do Daniel Klajmic (fotógrafo) "encontraram a perfeita sintonia".
A descrição dessa produção me fez refletir sobre o desenvolvimento da visão empreendedora como guia principal do processo de empreender. O empreendedorismo tem sido descrito recentemente como um processo de criação ou percepção de uma oportunidade que é posteriormente avaliada e explorada com fins empresariais ou sociais. Esse processo, que no meu ver é essencialmente um ato de criação, distinto das fases posteriores de gestão do empreendimento, pode resultar em uma nova empresa, uma nova unidade de negócio em uma corporação, um projeto social ou de governo que atende a uma demanda de parte da população, novos produtos ou processos que são incorporados a organizações já existentes. Filion, o pesquisador canadense, já comentou muito sobre o processso visionário de empreendedores, que para ele também é o início do ato de empreender.
No entanto, a visão do futuro empreendimento é geralmente imprecisa, com contornos indefinidos, e conforme o empreendedor procura transformar a oportunidade em algo concreto, a visão vai se transformando, ajustando-se aos acertos e erros de uma ação humana que não é, nem pode ser, exata, no sentido quantitativo da palavra. Entendo que é um processo muito parecido com a produção da foto de capa da Bravo.
Embora a ação de emprender não possa ser milimetricamente planejada, ela pode, também, assim como a fotografia, se apoiar em uma técnica para que surja eventualmente em um formato próximo da visão imaginada pela pessoa ou grupo de pessoas que empreende. Há na  literatura uma difusão muito antiga do plano de negócio como uma ferramenta que está à disposição daqueles que querem empreender. Nos inúmeros manuais de planos de negócios, apresentam-se diversas técnicas que podem ser usadas no planejamento de um novo empreendimento: análise da qualidade do negócio, posicionamento competitivo, ponto de equilíbrio, fluxo de caixa e taxa interna de retorno, alinhamento entre competências organizacionais e de potenciais colaboradores, divisão de tarefas e criação de mecanismos de coordenação, entre outras.
Mas, não quero comentar sobre plano de negócios que, embora utéis, nem sempre são essenciais para a criação de novos empreendimentos. Para desespero dos consultores, e de alguns pesquisadores, que apregoam sua infalibilidade!
Quando estava fazendo meu mestrado, trés décadas atrás, fiz uma disciplina com o Prof. Scaico, relacionada com a análise sistêmica de organizações. Entre as coisas muito bacanas que aprendi naquela época, me lembro do Prof. Scaico dizendo que para entendermos um sistema, precisamos pintar suas cores. Em seguida nos deu um acrônimo: CORES. Um sistema é um conjunto de Componentes, que tem um Objetivo comum, transformando sob Restrições, Entradas em Saídas. Ou seja, para entender um novo empreendimento, por exemplo, eu preciso saber quais serão suas partes, para que ele vai existir, qual é o seu contexto em termos de facilidades e dificuldades, que recursos necessita para transformar produtos em serviços.
Assim, se uma pessoa envolvida na exploração de uma oportunidade, é capaz de dar as cores para seu empreendimento, a possibilidade do resultado ser positivo, ou seja, o novo empreendimento surgir no mercado ou na sociedade, é maior. A inspiração da visão guiando as escolhas das cores do empreendimento se manifesta em um equilíbrio dinâmico que transforma a visão, depois de vários acertos e erros, em algo concreto que se tornará útil a toda a sociedade. O acaso e a intenção conspiram juntos para que visão e técnica encontrem a perfeita sintonia.

domingo, 1 de abril de 2012

Produtividade e Relevância da Pesquisa em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas no Brasil ou "tudo que vale a pena acontece fora da academia?"

O VII Encontro de Estudos sobre Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas - EGEPE aconteceu entre os dias 28 e 30 de março passado em Florianópolis. Dessa vez, sob a tutela da ANEGEPE - Associação dos Pesquisadores em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas criada em fevereiro de 2011, a parceria com a UDESC, UNIVALI e FURB contou com apoio do SEBRAE nacional e recebeu recursos da CAPES e da FAPESC. Esse reconhecimento institucional da principal agência de estímulo ao empreendedorismo no Brasil e de duas instituições de fomento à pesquisa, uma nacional e outra estadual, revelam o reconhecimento do EGEPE como um espaço relevante para a troca de conhecimentos e experiências nesse campo.
Uma programação extensa contando com a apresentação de 275 trabalhos, 4 mesas redondas, uma palestra de abertura com Shaker Zahra, pesquisador reconhecido internacionalmente por suas contribuições à compreensão do empreendedorismo, movimentou as instalações da ESAG na UDESC com a presença de quase três centenas de pessoas.
Meu amigo Cândido da Universidade Federal de Goiânia sugeriu a realização de um debate sobre a produtividade e relevância da pesquisa em empreendedorismo e gestão de pequenas empresas no Brasil. Para que isso fosse possível, ele e Éverton, que esteve à frente da organização do VII EGEPE, convidaram Hilka, Juvêncio e eu para iniciarmos a conversa em mesa redonda que aconteceu no dia 30 pela manhã.
Coube à mim dar início à conversa após breve introdução feita pelo Cândido quando ele externou sua motivação para ter feito a proposição da mesa redonda no VII EGEPE. Para Cândido, parece que os pesquisadores vinculados aos dois temas e seus estudos têm tido pouca repercussão fora do âmbito acadêmico. Parece que o mercado e as instituições públicas acabam privilegiando em suas consultas modelos originários de consultorias e de outras fontes para respaldar suas decisões. Ou seja, em outras palavras, estaríamos em uma crise existencial acadêmica?
Inspirado nas palavras de Cândido, me lembrei de um conto de Lygia Fagundes Telles - Jardim Selvagem - no qual Ducha, uma menina que mora com duas tias conta a história de seu tio Ed e sua mulher. Como tio Ed morava afastado da cidade, o contato com ele não era muito frequente, mas certo dia ele chega na casa das irmãs e conta que havia casado. Ducha ficou impressionada e curiosa com a descrição da esposa feita pelo tio ED: um jardim selvagem! Certo dia, ao chegar da escola, Tia Pombinha disse a Ducha que a esposa do tio Ed havia estado lá. Tia Pombinha disse que gostou muito da esposa do irmão e que esta era muito bonita. Ducha chateada com a chance desperdiçada de conhecer o "jardim selvagem" pensou: "As coisas que valiam a pena sempre aconteciam quando estava na escola". Será que as coisas que valem a pena sempre acontecem fora da academia? Essa pode ser a razão da aparente irrelevância das nossas pesquisas?
Mas, a conversa era sobre produtividade e relevância de nossos estudos. Para isso, discorri inicialmente sobre a minha percepção da produtividade em nosso campo de estudo. Por exemplo, o próprio EGEPE representa um avanço produtivo formidável do estudo dos dois temas no Brasil. Em 2000, quando realizamos o primeiro EGEPE na UEM, com o apoio da Hilka, Cleufe, Valdir, Luiz Antonio e Bruhmer, reunimos cerca de 50 pessoas para a apresentação de pouco mais de 30 trabalhos. Doze anos depois, os números relatados acima indicam um crescimento médio de 40% a cada evento. De igual forma, ao consultarmos o Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPQ, usando os termos "Empreendedorismo" e "Pequena Empresa", localizamo na base corrente de 2012, 263 grupos de pesquisa com interesse nesses temas, ao passo que em 2000, ano do primeiro EGEPE, havia 18 grupos de pesquisa registrados no CNPq com trabalhos em empreendedorismo e pequena empresa. Um crescimento extraordinário no período de pouco mais de uma década.
Sobre a relevância, busquei verificar como a produção acadêmica dos líderes dos grupos de pesquisa era referenciada em outros trabalhos. Usando o Google Acadêmico, a partir de uma amostra aleatória de líderes de grupos, o quadro que descobri não foi muito animador! A média de citações do trabalho mais citado de 53 líderes de grupo, encontrados no Google Acadêmico, foi de 2,9. Em uma amostra intencional, focada nos pesquisadores seniores dos dois temas no Brasil, essa média subiu para 11,7. É uma medida muito restrita de produtividade, mas aparentemente indica baixa relevância até mesmo no âmbito acadêmico.
No entanto, no meu entendimento, esse enfoque não é suficiente para falarmos de relevância do conhecimento gerado no Brasil. A preocupação do Cândido revela que essa relevância pode ser encontrada fora da academia também. Infelizmente não pude buscar dados para discorrer sobre isso, mas minha percepção não é tão pessisimista! A questão da relevãncia dos nossos estudos deve ser buscada em uma perspectiva que considere, do ponto de vista do ensino superior, os diversos caminhos que a difusão do conhecimento pode tomar.
Por exemplo, se considerarmos que a atividade universitária se manifesta em ações de ensino, pesquisa e extensão, precisamos buscar evidências de relevância nesses aspectos. Quanto ao ensino, me parece que a expansão da oferta de disciplinas que abordam empreendedorismo ou gestão de pequenas empresas, em nível de graduação e pós-graduação, indicam para mim uma crescente relevância desse tipo de conhecimento na formação de profissionais em diferentes campos que não só as ciências sociais aplicadas. No que diz respeito à pesquisa já se falou acima sobre a questão. Por fim, no que diz respeito à extensão como forma de evidenciar a relevância dos estudos, minha impressão é que este é um espaço que precisamos explorar mais. Apesar de experiências recentes com programas desenvolvidos a nível nacional e em alguns estados, como, por exemplo, os Agentes Locais de Inovação do SEBRAE em parceria com muitas innstituições de ensino superior, o PEIEx da APEXBRASIl, atividades de Extensão Tecnológica Empresarial apoiadas por FINEP, CNPQ e algumas agências de fomento à pesquisa estaduais, há ainda uma baixa intensidade de envolvimento de programas de pós-graduação nesse tipo de atividade. Esse é o espaço que temos que explorar mais, nos aproximando do mercado e da sociedade em geral.
Para finalizar esse post, minha impressão geral é que temos evoluído de forma significativa ao longo dessa última década, mas precisamos disputar a liderança desse processo de difusão de conhecimento com um número cada vez maior de fontes de conhecimento igualmente legítimas: empresas de consultoria, agências de apoio ao empreendedorismo e pequenas empresas, organizações não governamentais, associações empresariais, entre outras. Parece que estamos tendo que enfrentar uma crise de liderança, parecida com a que Nanni Moretti, cineasta italiano, retrata em seu filme Habemus Papam com Michel Picolli no papel de um papa recém-eleito pelos cardeais que entra em crise existencial no momento de sair à sacada do Vaticano para a saudação aos fiéis. Nessa comédia deliciosa e hilariante, Moretti parece falar da crise enfrentada pela igreja católica na liderança espiritual dos indivíduos. Será que a igreja é ainda relevante como guia espiritual?
Quanto às questões terrenas do empreendedorismo e gestão de pequenas empresas, penso que aqueles que estão surgindo mais recentemente na academia terão que enfrentar este desafio. Jovens pesquisadores como Cândido Borges, Emil Hoffmann, Jane Mendes Ferreira, Fernando Paiva Júnior, Éverton Cancellier, Lucila Campos, Edmilson Lima e Adriana Takahashi, entre outros, tem demonstrado muita competência e enfrentarão esse e outros desafios sem muita dificuldade. Além desse, creio que há uma tarefa essencial para essa nova liderança que é auxiliar na distinção conceitual do que é empreendedorismo e gestão de pequenas empresas, quando comparadas com a administração estratégica e a administração de grandes empresas, respectivamente. Que no próximo EGEPE, em Goiânia, março de 2014, tenhamos avançado mais um pouco.