segunda-feira, 9 de junho de 2014

Carta a uma jovem mestranda

Curitiba, 8 de junho de 2014.

Minha cara,

Já faz algum tempo que vinha planejando lhe escrever. Mas, escrever cartas é uma prática tão rara hoje em dia que fiquei pensando se realmente essa seria a melhor forma de me comunicar com você. Tinha dúvidas. Muitas!

Além disso, pensava também se ainda saberia escrever uma carta. Não consigo me lembrar de quando foi a última vez que escrevi uma. Teria sido a última para meu amigo Zé? Acho que não. Zé e eu nos correspondemos por alguns anos durante nossa juventude. Ambos nascemos em maio de 1957 e nos conhecemos aos 18 anos em São José dos Campos. Depois de um ano e meio de estudos de engenharia, quase que ao mesmo tempo, decidimos nos desligarmos da escola. Não era aquilo que queríamos da vida! Cada um retornou para sua cidade de origem. Ele, São Vicente, eu, Londrina. Escrevíamos semanalmente compartilhando nossos sonhos e esperanças juvenis. Um pouco mais novos que você é hoje, mas apesar das décadas que separam nossas juventudes, creio que tinhamos esperanças iguais às suas.

As cartas para/do Zé foram rareando. Nos reencontramos em São Paulo quando fui fazer meu mestrado. Depois, quando voltei para o Brasil, após quatro anos e meio na Inglaterra, descobri que Zé havia morrido. Me deu uma tristeza imensa. Antes do Zé, na adolescência escrevi muitas cartas. Houve uma menina que morava em Belém do Pará. Poxa! Não consigo lembrar o nome dela! Nunca nos encontramos, mas escrevemos muitas cartas. Houve a Ivvy de Assis, uma espécie de amor platônico, um pouco antes de eu me mudar para São José dos Campos. Nos encontramos em Londrina, mas não rolou nada.

Mas, não é sobre minhas cartas que quero lhe falar. Engraçado, não perco esse vício. Em cartas, sempre usei o verbo falar ao invés de escrever. É claro que estou escrevendo, mas é como estivesse lhe falando. Então tenho que falar e não escrever! Entendeu?

É que ontem me lembrei de você. E me lembrei de você, porque me lembrei de mim mesmo quando fui fazer mestrado. Eram outros tempos! Nossa que frase mais grotesca! É claro que eram outros tempos, mas o que eu quero dizer é que a gente não se preocupava em publicar um artigo para cada disciplina que concluísse. Não! Na verdade, eu só publiquei um artigo que surgiu de minha dissertação. Não publiquei mais nada durante o mestrado todo. E o que é pior, meu orientador não apareceu como co-autor! Afinal de contas, quem escreveu o artigo foi eu. Ou será melhor dizer, quem escreveu o artigo fui eu? Essa nossa língua, às vezes, é meio ardilosa, não?

Olha eu, de novo, fugindo daquilo que quero lhe contar! Vou direto ao ponto.

Ando meio incomodado com essa coisa de que qualquer trabalho acadêmico no mestrado tem que mirar uma publicação! Na verdade não é meio, estou inteiramente incomodado com isso! Esse negócio de publicar virou tão massacrante que agora faz parte até dos regimentos de muitos programas de pós-graduação. Para o mestrando receber o diploma é preciso comprovar a submissão de pelo menos um artigo para um periódico com Qualis. Nossa, eu estou pegando uma ojeriza dessa palavrinha! Qualis, arre!

Tenho a sensação de que transformaram o prazer de aprender em um ofício de publicar. Porra! Me desculpe a indelicadeza. Agora já foi! Não tem como retirar, sem borrar a carta!

Isso não é bom. Não seria muito melhor se você pudesse passar pelo mestrado, aproveitando todos os momentos para construir um conhecimento que lhe fosse interessante? Que você pudesse se esforçar em tentar compreender o seu tema de estudo de forma abrangente? Que a escrita de um artigo surgisse quando você sentisse uma vontade irresístivel de compartilhar com outros uma descoberta que você fez?

Mas, não! Você tem que passar uma boa parte de seu tempo escrevendo artigos, submetendo-os para congressos ou revistas! Muitas vezes, imagino eu, sem muita vontade, mas, fazer o que né? Tem que cumprir as regras!

Durante algum tempo eu também entrei nessa onda. Por isso, estou lhe escrevendo hoje. Eu deveria ter tido outra atitude, mas talvez você saiba como são essas coisas. A gente entra em uma roda-vida, fica sendo parte dessas engrenagens, recebe pressão de um lado, de outro, e quando menos espera, está fazendo parte de uma rotina idiota!

Puxa, me desculpe! Eu não queria que sua caminhada pelo mestrado fosse assim!

Se eu tivesse parado um pouquinho, olhado para trás, teria me visto, mais ou menos com sua idade, tentando conhecer um pouco mais sobre Administração, sem nenhuma pressa em publicar, deixando as ideias amadurecerem, para de repente, se manifestarem em algo que fez sentido para mim.

Pois é, são outros tempos, você pode me dizer! É verdade, mas tente não sucumbir demasiadamente a essa pressão. Faça o mínimo que lhe exigerem e tente concentrar seu esforço em aprender algo que seja significativo para você. Vai valer a pena! Tenho certeza! Pois, quando você menos esperar, vai surgir um texto que vai lhe revelar para o mundo. Os outros textos são conversa para boi dormir! Ou só para inglês ver! Cumprir uma formalidade que puseram no regimento!

Minha cara, acho que você não é capaz de imaginar como lhe falar me fez bem. Estava precisando tirar isso de meu coração!

Mas, enfim, o que eu quero mesmo é que você possa ser feliz como eu fui nos meus estudos. Aproveite esse tempo para descobrir o máximo que puder sobre aquilo que lhe interessa, que lhe deixa curiosa, que lhe atrai a atenção. No final das contas, é isso que importa.

Um afetuoso abraço de seu professor.