domingo, 17 de maio de 2015

De como a Morte de Dona Duartina me Mostrou a Importância da Visão Sistêmica

No final dos anos 70 do século passado, eu trabalhei durante alguns meses em um laboratório de análises clínicas em Londrina. Ainda estudante de Administração, depois de um desentendimento com meu pai, decidi deixar de trabalhar na empresa familiar - o Supermercado Gimenez - e fui em busca de alguma alternativa. Sem demora, graças a contatos quase familiares (mais abaixo você vai entender), fui contratado para um trabalho administrativo em um laboratório que prestava serviços para todos os hospitais de Londrina.

Minha tarefa inicial era montar um procedimento de registro e controle dos serviços de laboratório que eram feitos para os pacientes internados nos hospitais. Eram tempos em que as facilidades da Internet e outras tecnologias de informação e comunicação não existiam. Não tinha nem computador! Se não me falha a memória, nessa época era tudo feito em máquinas de escrever, calculadoras e folhas de papel. Computador pessoal não tinha sido inventado ainda.

Mirian, irmã de minha namorada (Telma) e administradora formada pela Universidade Estadual de Londrina, era gerente do laboratório e me deu muita autonomia para desenvolver o trabalho. Os exames feitos nos pacientes internados nos hospitais eram solicitados a partir do preenchimento de um formulário onde constavam nome do paciente, nome do hospital e médico solicitante e exames necessários. Preenchido em várias vias, não me lembro quantas, uma dessas vias passou a ser encaminhada para que eu fizesse o registro e, periodicamente, enviasse as informações para que os valores fossem cobrados dos hospitais. Nada complicado! O que eu tinha que fazer era montar um relatório de cada paciente que deixasse o hospital com as informações sobre exames realizados de forma que o setor de faturamento do laboratório pudesse efetuar a cobrança.

Minha primeira tarefa foi criar uma maneira de receber a informação sobre os pacientes que deixassem os hospitais. Como disse, não havia internet naquela época. Assim, a forma que melhor resolvia meu problema era buscar essa informação nos hospitais. Todo dia de manhã, eu fazia a ronda dos hospitais que tinham pacientes atendidos pelo laboratório e pegava uma cópia da relação dos pacientes em alta. Esse giro diário pelos hospitais, de segunda a sexta, era feito na companhia do Cido, motorista do laboratório. Cido era uma companhia agradável e me divertia muito com as histórias de hospital que ele contava. Era ele quem levava os profissionais do laboratório para fazer coleta de materiais para exames.

Naquela época, Londrina não era uma cidade tão grande como hoje. Como londrinense, originário de uma família que veio para Londrina no começo dos anos 40, e filho de comerciantes, conhecia muita gente. Era inevitável que muitos dos pacientes que passavam pelos hospitais e recebiam os exames do laboratório tivessem nomes conhecidos. Particularmente, aqueles que eram fregueses do Supermercado Gimenez. Foi assim, que certo dia, descobri que Dona Duartina, uma simpática velhinha que morava na vizinhança do supermercado de meus pais, cliente que fazia compras quase que diariamente, estava internada na Santa Casa de Londrina. 

Não pude visitá-la, mas sua passagem pelo hospital mostrou-me que o sistema de registro e controle que montara estava falho. Com o passar dos dias, muitos exames foram solicitados pela equipe médica que cuidava de Dona Duartina. Os formulários foram se acumulando, até que um dia deixaram de chegar solicitações de exames para Dona Duartina. Mas, o nome dela não aparecia na relação de alta que diariamente eu colhia na Santa Casa. Depois de mais de uma semana, lendo o obituário da Folha de Londrina, descobri que Dona Duartina havia falecido.

E descobri um erro grave de meu sistema! Eu não estava pegando a lista completa dos pacientes que saíam dos hospitais. Eu havia me esquecido que além da alta, havia outra forma de deixar um hospital, o óbito! Se eu tivesse aplicado a visão sistêmica que eu havia aprendido nas minhas aulas da graduação em administração de forma mais competente não teria feito esse erro. Eu havia aprendido que todo sistema aberto tem entradas e saídas e, para entendê-lo, temos que conhecer tudo que o sistema recebe do seu ambiente (suas entradas) e  tudo que devolve para o ambiente (suas saídas). Minhas informações sobre as formas de saídas de pacientes de hospitais eram incompletas e, portanto, meu sistema de registro e controle também era. Simples assim!

Fiquei mais alguns meses trabalhando no laboratório, mas o apelo da empresa familiar foi mais forte. Acabei retornando para o Supermercado Gimenez. Pouco mais de um ano depois, terminei a graduação, comecei minha carreira de professor no Departamento de Administração da UEL, e comecei meu mestrado em Administração na USP em 1982. Foi lá que aprendi uma forma de descrever um sistema que nunca mais esqueci. Foi em uma disciplina de Sistemas Administrativos, que o Professor Oswaldo Scaico nos mostrou uma forma de descrever um sistema que tem me ajudado a lidar com as diferentes organizações nas quais trabalhei ao longo das últimas três décadas.

Como nos ensinou o Professor Scaico, para entender um sistema temos que pintar suas CORES. Um sistema é um conjunto de Componentes interligados, que tem um Objetivo, transformando sob Restrições, Entradas em Saídas. Como você percebeu, as CORES de um sistema dizem tudo sobre ele. De forma resumida, é claro!