quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Esponja inteligente: forças que configuram organizações eficazes

Ontem, enquanto ouvia uma pessoa falar sobre as possibilidades de interação que existem hoje na web, em particular sobre a possibilidade de espalhamento de novos processos organizacionais por meio das redes sociais de forma mais restrita, ou na web de forma mais ampla, minha imaginação foi disparada. comecei a pensar em uma imagem das organizações como esponjas que absorvem aquilo que está ao seu redor, na tentativa de sobrevivência e crescimento.

Pensei: será esta uma boa metáfora para o entendimento de como as organizações podem se configurar em formas estáveis em nosso mundo organizacional?

Imediatamente, o palestrante perdeu minha atenção, e eu me pus a divagar sobre quais seriam as forças condutoras que levariam a configurações organizacionais estáveis. Obviamente, essa divagação passou a ser inspirada. também, no famoso modelo de configurações estruturais de Mintzberg, que já comentei em outro post nesse blog.

Após minha divagação, devidamente anotada em meu celular que assumiu as funções de antigos blocos de papéis para anotações, fui buscar informações sobre as esponjas.

Interessante! Embora simples, elas também se configuram em diversas formas:

As esponjas (Filo Porifera) são animais bentônicos sésseis (fixos no substrato). Possuem uma fisiologia bastante simples na sua contrução. Utilizam células flageladas chamadas coanócitos para promover a circulação da água através de um sistema de canais exclusivo do filo, o sistema aquífero, ao redor do qual seu corpo é construído. Esta corrente de água traz partículas orgânicas que são filtradas e digeridas. São geralmente sustentadas por um esqueleto mineral formado por espículas, que são estruturas de sílica ou carbonato de cálcio cujo tamanho pode variar de poucos micrometros a centímetros. Existem no entanto diversas variações. Em algumas este esqueleto pode ser contituído por calcáreo maciço, naquelas que são chamadas esponjas coralinas. Em outros, conhecidas como esponjas córneas, por fibras de espongina, uma proteína do tipo do colágeno. A definição simples que é geralmente mais aceita para este grupo é: "Animais filtradores e sedentários, que se utilizam de uma única camada de células flageladas para bombear água através de seu corpo" (Bergquist, 1980). 
Apesar de sua morfologia simples e do seu baixo grau de organização, as esponjas apresentam uma enorme diversidade de formas e cores nas mais diferentes tonalidades. Estão sem sombra de dúvida entre os mais belos e admirados invertebrados marinhos, apesar de raramente serem reconhecidas por olhos não-treinados. De modo geral, esponjas têm uma ou mais aberturas exalantes circulares (ósculos), e muitas espécies têm sistemas de canais subsuperficiais semelhantes a veias. Muitas espécies são compressíveis, e a superfície é frequentemente híspida (com extremidades das espículas atravessando parcialmente a superfície) ou conulosa (com pequenas elevações cônicas) (http://acd.ufrj.br/labpor/1-Esponjas/Esponjas.htm#Caracteristicas).

Embora sedentárias, as esponjas são uma metáfora organizacional interessante por sua característica de sistema aberto, em constante interação com seu ambiente, do qual extrai insumos e expele resíduos. Afinal, é isso que as organizações fazem!

Então, quais seriam as forças que se manifestam nas organizações que passo a chamar de esponjas intelgientes? Inteligentes, por que, ao contrário das esponjas naturais, são capazes de, por meio de suas partes humanas, fazerem escolhas baseadas em razões que vão além do instinto.

A primeira força é o que chamo de interação. As esponjas inteligentes desenvolvem mecanismos ou processos que facilitam sua interface com outras esponjas inteligentes que povoam o mundo organizacional, além de outras entidades e instituições presentes na sociedade. É por meio dessa interação que pode ocorrer a segunda força: absorção.

A força da absorção é manifestada na capacidade que as esponjas inteligentes têm de recolher para seu interior, informações, recursos materiais, financeiros, pessoas que passarão a ser aplicados internamente, como parte do esforço de buscar a perenidade no ambiente. Junto com a absorção, atua quase que ao mesmo tempo, uma terceira força denominada seleção.

Assim como para as esponjas marinhas, nem tudo que é absorvido do ambiente, tem utilidade. Dessa forma, as esponjas inteligentes necessitam exercitar um processo de seleção que avalia a qualidade e a quantidade dos diferentes tipos de recursos que necessita reter internamente e os que não serão internalizados. Essa força se alia a três outras na continuidade do esforço de sobrevivência das esponjas inteligentes: retenção, transformação e extroversão.

A força da retenção está envolvida em assegurar que os recursos necessários estejam presentes no momento em que cada um é necessário às atividades que buscam a sobrevivência da esponja inteligente. Por exemplo, as pessoas extremamente competentes que devem ser estimuladas a ficar trabalhando nessa esponja, resistindo aos apelos de outras esponjas inteligentes.

A quinta força, a transformação, é uma componente da metáfora que é usual na literatura administrtativa. Ora, qualquer esponja inteligente só tem existência estimulada pelo ambiente, quando performa uma transformação nos recursos absorvidos do ambiente e devole a ele outros tipos de recursos que tenham valor. A transformação é parte essencial, mas não única, da sobrevivência esponjal, visto que ela permite a diferenciação entre as esponjas inteligentes justificando sua permanência no ecosistema organizacional.

A sexta força, decorrente da transformação, mas não exclusivamente dela, é a extroversão. Isto é, a capacidade de permitir a fluição de seus produtos/serviços para fora de suas fronteiras. Esse é um processo controlado pela esponja inteligente, mas a extroversão tem também seus traços não controláveis, ou, pelo menos, pouco controláveis. A extroversão de efeitos indesejados no ambiente (poluição, transtornos à comunidade, etc), bem como, a perda de recursos por inefiiciências dos mecanismos e processos ligados à força da transformação, são menos controláveis. Por fim, há também, os não controláveis, que é, por exemplo, a extroversão de talentos para esponjas inteligentes competidoras pelo mesmo tipo de recurso.

Além dessas forças, considero que mais quatro têm papel fundamental na forma como as esponjas inteligentes se configuram em formas estáveis no mundo organizacional: estruturação, articulação, reflexão e regulação.

A estruturação tem a ver com os mecanismos que serão construídos pelas esponjas inteligentes para permitir que as demais forças possam operar em condições relativamente estáveis. É a criação de procedimentos de fragmentação/aglutinação de tarefas com uso de recursos adequados, em conjunto com a formatação de mecanismos de coordenação que forneçam harmonia aos processos de interação, absorçao, seleção, retenção, transformação e extroversão típicos da esponja inteligentes.

A articulação, está ssociada intimamente à força da estruturação, mas diz respeito a algo que poderia ser chamado de estruturação externa. A permanência das esponjas inteligentes no ambiente, depende muito de sua capacidade de relacionamento proveitoso com outros tipos de esponjas inteligentes no mundo organizacional, por exemplo, esponjas fornecedoras de recursos, esponjas que exercerm a mesma função no sistema, esponjas que exercem atividades complementares, etc. Aqui é claro que estou falando, na linguagem não metafórica, de fornecedores, concorrentes, distribuidores, etc.

A reflexão é a força relacionada a dois processos inerentes à inteligência da esponja: a capacidade de aprendizagem e a memória do aprendido. As esponjas inteligentes desenvolvem mecanismos e processos que permitem que, periodicamente, sua trajetória seja analisada, apontando para acertos e fracasso, que devidamente considerados, passam a fazer parte da memória esponjal.

Por fim, a força da regulação é a maneira pela qual a esponja inteligente manifesta sua capacidade de ajuste ao ambiente em que vive. A regulação se reflete em esforços que refletirão em cinco formas de sobrevivência: manutenção, expansão, retração, adaptação ou inovação. Isto é, tentar preservar seu modus operandi como está em função da estabilidade do ambiente; buscar o crescimento ou diminuição quando o ambiente esteja propício ou ameaçador, respectivamente; transformar-se de forma adaptativa, gradual, quando o ambiente se transforma lentamente, ou tornar-se muito diferente porque houve mudanças radicais em aspectos centrais do ambiente.

É na relação entre a esponja inteligente e seu ambiente que surgem as diferentes oportunidades de manifestação das dez forças sucintamente descritas acima. Se você é administrador de uma esponja inteligente ou está pensando em criar uma, reflita um pouco sobre essas forças. Elas te ajudarão a pensar uma configuração esponjal que possa vir a ser mais estável. Boa sorte!

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Uma diretriz para a implantação da Responsabilidade Social Corporativa

Já abordei a questão da Responsabilidade Social Corporativa (RSC) em outros posts desse blog. Retomo a ela, inspirado pela leitura do primeiro volume d´A Correspondência de Fradique Mendes - Memórias e Notas, de Eça de Queiroz, publicado pela primeira vez em 1900, ano da morte de seu autor, escritor português que nasceu em 1845.

Fiz as primeiras leituras de Eça de Queiroz recentemente. O primeiro livro que li de sua autoria for Alves & Cia. A leitura foi muito boa e resolvi ir atrás de outros livro de Eça. Nesse sítio pode-se encontrar informações sobre o autor e sua obra: http://www.brasilescola.com/literatura/eca-queiros.htm.

A leitura d´A correspondência de Fradique Mendes também está sendo prazerosa. Em uma passagem, o narrador relata uma carta de Fradique que, para mim, poderia servir como diretriz estratégica orientadora de qualquer organização cujos dirigentes desejem adotar a RSC como orientação de comportamento empresarial. Vejam como é:

Todos nós que vivemos neste globo formamos uma imensa caravana  que marcha confusamente para o Nada. Cerca-nos uma Natureza inconsciente, impassível, mortal como nós, que não nos entende, nem sequer nos vê, e donde não podemos esperar nem socorro nem consolação. Só nos resta para nos dirigir, na rajada que nos leva, esse secular preceito, suma divina de toda a experiência humana: Ajudai-vos uns aos outros! Que na tumultuosa caminhada, portanto, onde passos sem conta se misturam, cada um ceda metade do seu pão àquele que tem fome; estenda metade do seu manto àquele que tem frio; acuda com o braço aquele que vai tropeçar; poupe o corpo daquele que já tombou; e, se algum  mais bem-provido e seguro para o caminho necessitar apenas simpatia de almas, que as almas se abram para ele transbordando dessa simpatia...Só assim conseguiremos dar alguma beleza e alguma dignidade a esta escura debandada para a Morte. (p.89)

Grande figura esse Fradique Mendes! Um humanista incorrigivel pelo jeito! Criação de um cidadão crítico da sociedade do século XIX. O que será que Fradique diria do mundo atual?

QUEIROZ, Eça A Correspondência de Fradique Mendes, v. 1: memórias e notas. Porto Alegre: L&PM, 1997.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Formação da estratégia em pequenas empresas

Ao longo dos anos, o tema da formação da estratégia em pequenas empresa tem sido foco de meus estudos. Essa preocupação surgiu logo no começo de meus estudos quando olhei para o comportamento estratégico dos dirigentes de pequenas empresas ao fazer meu mestrado na USP.
Desde 2008, venho realizando pesquisas sobre a formação de estratégia em pequenas empresas com base em uma proposição de Bailey e Avery (1998). Nesse texto, os autores propõe que a formação da estratégia em uma organização pode ocorrer com a predominância de uma entre seis dimensões:
a) A dimensão Planejamento associada à ideia de que a estratégia é desenvolvida por meio de um processo de planejamento analítico, intencional e sequencial;
b) Na dimensão Incremental, a estratégia se desenvolve de maneira evolucionária, visando um fim próprio, por meio de um processo iterativo de tentativa e erro;
c) A dimensão Cultural, por sua vez, influencia a formação da estratégia pelos aspectos culturais da organização, manifestados em sua história e pressupostos e crenças compartilhadas entre seus membros;
d) A dimensão Política ressalta o papel de barganhas, negociação e influência entre grupos de interesse internos à organização no desenvolvimento estratégico;
e) Na dimensão Comando percebe-se a presença determinante de um indivíduo poderoso dentro da organização que centraliza as escolhas estratégicas;
f) na dimensão da Escolha Forçada, por outro lado, reconhece-se a influência de pressões externas que limitam a habilidade da organização em escolher sua direção estratégica (p. 182).
Além da proposição do modelo explicativo da formação da estratégia, Bailey e Avery formularam um instrumento de diagnóstico da intensidade de cada uma dessas dimensões em uma organização. Tenho usado, em conjunto com vários pesquisadores, esse instrumento para realizar pesquisas sobre a formação da estratégia em pequenas empresas.
Os resultados têm demonstrado que, em geral, nas pequenas empresas, o processo de formação de sua estratégia assume uma configuração formada pela presença forte de pelo menos três dimensões. Por exemplo, em um estudo realizado em pequenos hotéis de Curitiba observou-se que as dimensões mais fortes foram a incremental, a cultural e o planejamento. No entanto, para as empresas mais jovens a dimensão Escolha Forçada aparece com mais intensidade do que em comparação com as mais velhas.
No ano passado, comecei um projeto em parceria com a Professora Cíntia Möller Araújo da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da UNIFESP. Nesse projeto estamos analisando o processo de formação de estratégia em hotéis localizados nas estâncias turísticas do estado de São Paulo. Um primeiro levantamento, feito em São Roque, com doze empresas hoteleiras produziu resultados um pouco diferentes do estudo com hotéis de Curitiba. Estamos finalizando a análise desses dados que em breve serão publicados em algum congresso ou periódico.
De qualquer forma, esta diferença de resultados, a meu ver, reforça a necessidade de entender o processo de formação de estratégia sob uma perspectiva das configurações conforme exposto em texto publicado na Revista Brasileira de Estratégia em 2011.
Há um conjunto de publicações que estão disponíveis na web e que abordam alguns dos estudos realizados. Veja a seguir as referências, bem como a referência do texto de Bailey e Avery:
 
BAILEY, A.; AVERY, C. Discovering and defining the process of strategy development. In: AMBROSINI, V.; JOHNSON, G.; SCHOLES, K. (orgs.) Exploring Techniques of Analysis and Evaluation in Strategic Management, Harlow: Prentice-Hall, 1998, p. 181-201.
 
Culti-Gimenez, Sara2011CULTI-GIMENEZ, Sara ; GIMENEZ, F. A. P. . Evidências de configurações na formação de estratégia em pequenos hotéis. Turismo: Visão e Ação, v. 13, p. 380-397, 2011.
 
WALTER, S. A.; ROCHA, D. T. ; HOKAI, S. R. ; ANHAIA, E. A. V. ; GIMENEZ, F. A. P.. O processo de desenvolvimento de estratégias: um estudo de caso comparativo em pequenas empresas de contabilidade. In: Gimenez, F. A. P.; Ferreira, J. M.; Ramos, S. C.. (Org.). Empreendedorismo e Estratégia de Empresas de Pequeno Porte. 1ed.Curitiba: Editora Champagnat, 2010, v. , p. 170-188.
 
Rocha, D. T.2008ROCHA, D. T.; CULTI-GIMENEZ, Sara ; GIMENEZ, F. A. P. . Dimensões do processo de formação de estratégia em pequenos hotéis de Curitiba. REBRAE. Revista Brasileira de Estratégia, v. 1, p. 319-329, 2008.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Carne de Cavalo, Os Miseráveis e Responsabilidade Social Corporativa

Assistir ao musical Os Miseráveis, dirigido por Tom Hooper, com a participação de Hugh Jackman, Russell Crowe e Anne Hathaway, foi uma experiência emocionante. É claro que o romance de Victor Hugo, do qual o musical da Broadway é uma adaptação que, em seguida, foi transformada no filme, narra uma estória que toca mesmo o mais insensível dos corações. Mas, ver essa história contada no formato de musical, acentua sua dramaticidade e acaba forçando uma reflexão sobre os caminhos humanos nesse planeta que habitamos.
Mas, para mim, Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen, que interpretam a Madame e Monsieur Thénardier estão tão bem ou melhor que Hugh Jackman e Anne Hathaway indicados para Oscar de melhor ator e melhor atriz coadjuvante. O filme também concorre ao Oscar desse ano. O casal vivido por Helena e Sacha, donos de uma estalagem, são apresentados em uma cena hilariante e muito dinâmica, na estalagem que conduzem, fazendo uma séries de trapaças e artimanhas com seus fregueses. Há um momento na cena, em que aparece uma máquina moedora de carnes, com os dois personagens preparando uma mistura que leva de tudo: carne de boi, fígado de cavalo, instestino de porco, rabo de gato, etc. Impossível não lembrar do mais recente escândalo da carne de cavalo encontrada nas lasanhas congeladas comercializadas na Inglaterra como se fossem feitas com carne bovina. Coincidência: o filme também é uma produção inglesa.
Esta cena do filme me trouxe à lembrança a noção da responsabilidade social corporativa. Esse tema é uma das formas com que a literatura em Administração tem abordado a questão da sustentabilidade. Há cerca de três décadas, a academia e a sociedade têm buscado soluções para os problemas de poluição ambiental, desigualdades sociais e desenvolvimento. A busca tem sido de um chamado desenvolvimento sustentável, que se baseia em um tripé: desenvolvimento econômico viável, com preservação do mundo em que vivemos de forma a não prejudicar as gerações futuras e com solidariedade social, visando a diminuição das desigualdades. No que diz respeito às empresas, isso se manifesta em decisões que seguem os princípios da responsabilidade social corporativa, atendendo interesses de todos os stakeholders: proprietários, empregados, clientes, fornecedores, comunidade do entorno. Ou seja, todos que possam ser afetados, positiva ou negativamente, por ações da administração de uma empresa.
Ora, o recente caso da carne de cavalo nas lasanhas congeladas é mais um exemplo de como a responsabilidade social corporativa é dificil de acontecer na prática. Nesse caso, o consumidor tem todo o direito de saber que está comprando gato por lebre, quer dizer, cavalo por boi! Mais ainda, é preciso ter certeza de que a carne não veio de cavalos tratados com substâncias que possam causar dano à saúde humana.
Na época retratada por Victor Hugo, essa discussão ainda não estava presente, o casal Thénardier podia produzir sua carne moída peculiar sem muita preocupação, mas hoje em dia esse comportamento é inaceitável. Mas, o romance de Victor Hugo mostrou uma situação de desigualdade social extrema, que ainda, em muitas partes de nosso mundo, está presente.
Enfim, continuo sendo cético em relação à possibilidade de uma prática de responsabilidade social corporativa nas empresas de nossa sociedade. Para mim, há um conflito primordial entre a noção de sustentabilidade, que orienta a responsabilidade social corporativa, e nosso modo de vida. Sustentabilidade é incompatível com a propriedade privada! Não é possível otimizar decisões que combinem aspectos econômicos, ambientais e sociais. Em nosso sistema de vida, a viabilidade econômica será sempre o fator dominante, e, assim sendo, se não for viável econômicamente, a ação será abandonada, ou terá suas preocupações sociais e ambientais diminuídas.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Túnel do tempo: minhas primeiras reflexões sobre pequenas empresas no século passado

Comemorando um ano de blog, quase 6.000 acessos, referencio vocês às minhas primeiras reflexões sobre pequenas empresas tornadas públicas para a academia brasileira:

Atividades de apoio a pequena empresa: a experiência britânica, RAUSP, v. 21, n. 4, 1986.

Um sistema para apoio à média e pequena empresa brasileira, RAUSP, v. 23, n. 4, 1988.

Acesso gratuiro em http://www.rausp.usp.br/.

Naquele período minhas preocupações estavam em como estruturar as atividades de apoio às pequenas empresas no Brasil.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Uso das TICs: a distância tecnológica das pequenas empresas

O Centro de Estudos sobre as Tecnologias de Informação e de Comunicação (CETIC.br), criado em 2005, realizou pesquisa sobre o uso da TICs por empresas do Brasil. Por meio de amostra de 5.600 empresas com pelo menos 10 empregados, em todas as regiões do Brasil, o estudo revelou alguns aspectos interessantes sobre o uso das TICS por pequenas (entre 10 e 49 empregados), médias (entre 50 e 249) e grandes (250 ou mais) referentes ao ano de 2011. (disponível em http://www.cetic.br/publicacoes/).
 
No que diz respeito as pequenas empresas, 98% delas utilizaram computadores nos últimos 12 meses. Paras as médias e grandes essa utilização atingiu 100%. No entanto, as proporções de pessoas ocupadas que utilizaram computador nas empresas é muito parecida para os três segmentos: pequenas (50%), médias (54%) e grandes (51%). Por outro lado, o acesso remoto aos sistemas de computadores é apenas de 37% das pessoas que usaram computador nas pequenas empresas. Paras as médias e grandes, essas proporções foram, 56% e 78%. Esse é um indicador que evidencia uma distância tecnológica razoável das pequenas empresas em relação às grandes, cujo índice é mais do que o dobro das pequenas.
 
Outro indicador da distância tecnológica entre pequenas, médias e grandes é a utilização de redes de computadores. Embora, 95 % das pequenas tenham algum tipo de rede, em comparação com 99% das médias e 100% das grandes, as proporções de uso, por exemplo, de intranet são muito diferentes: 72% das grandes, 49% das médias e apenas 35% das pequenas.
 
No tópico de uso da internet, as pequenas (97%) estão muito próximas das médias e grandes que alcançaram 100%. Mas a forma de conexão com a internet mostra novamente a distância tecnológica das pequenas. Enquanto, nas grandes empresas a conexão via cabo e móvel (3G) estão presentes em 83% e 74% das empresas, respectivamente, essas tecnologias chegaram a menos da metade das pequenas empresas, sendo 46% com uso de conexão via cabo e 37% da 3G. Essa situação se repete quanto ao uso de link dedicado para conexão: 29% das pequenas, 48% das médias e 82% das grandes.
 
Quanto ao tipo de serviço utilizado pelas empresas na internet, há alguns serviços em que as pequenas empresas se assemelham às médias grandes: enviar e receber e-mails; buscar informações sobre produtos ou serviços; e monitoramento de mercado. Mas, para outros tipos de usos, as pequenas empresas estão razoavelmente distantes das médias e grandes: fazer pagamento e consultas bancárias; acessar outros serviços financeiros; buscar informações sobre organizações governamentais/autoridades públicas; oferecer serviços ao consumidor; uso de mensagens instantâneas; interagir com organizações governamentais/autoridades públicas; treinamento de pessoal; recrutamento interno ou externo; telefone via internet; e realizar entregas de produtos on-line.
 
Mais um indicador chama a atenção pela distância entre os segmentos. A proporção de pequenas empresas que possuem website é 50%, entre as médias chega a 75% e para as grandes é 91%. Ainda em relação ao website, apenas 19% das pequenas e 21% das médias têm controle do conteúdo de suas páginas hospedadas por terceiros.
 
Outro conjunto de indicadores de uso das TICs pelas empresas relaciona-se com o governo eletrônico. A proporção de pequenas empresas que usaram sítios de governo para buscar informação e interagir foi de 90%, em comparação com 96% das médias e 99% das grandes. O detalhe dos tipos de interações realizadas e informações buscadas pelas empresas evidencia, mas uma vez, a distância tecnológica das pequenas empresas comparadas com os outros dois segmentos:
 
Tipo de interação Pequena Média Grande
Pagamentos online de impostos e taxas
57
71
83
Licitação eletrônica
24
34
40
Aquisição de bens ou serviços (leilão)
8
13
17
Outros serviços de e-gov
10
14
13
Informação sobre impostos 64 82 92
64
82
92
Consultar PIS/PASEP e FGTS
63
84
92
Cadastro de inscrição estadual
63
81
90
Situação fiscal e dívida ativa
49
69
84
Licenças e permissões
41
60
74
Consultar a RAIS
32
58
80
Consultar Cadastro Nacional de Informações Sociais
34
52
62
Informações sobre importação e exportação
17
32
52
Os números indicam a proporção de empresas de cada segmento que buscou informação ou teve interação
 
 
Essa rápida análise dos resultados da pesquisa publicada pelo CETIC evidencia a distãncia tecnológica das pequenas empresas no uso das TICs. Esses dados podem servir de base para evidenciar, masi uma vez, a necessidade de políticas públicas que estimulem o uso das TICs por empresas de pequeno porte, visto que as TICs são uma excelente forma de melhoria de competitividade.
 

Por fim, ao ser noticiada na semana passada a inclusão do Programa de Cidades de Digitais no Programa de Aceleração de Crescimento com o objetivo de atender mais de uma centena de municípios com até 50 mil habitantes, esta deve ser uma oportunidade para inserção de um eixo de formação e estímulo aos dirigentes e empregados de pequenas e micro empresas no uso das TICs.
 
Essa ação governamental se torna ainda mais premente se são considerados os dados sobre uso de serviços de governo eletrônico pelas pequenas empresas. Como o Programa de Cidades Digitais tem o governo eletrônico como uma das suas dimenões centrais, a sua efetividade será também medida pela ampliação do uso desses serviços pelas pequenas empresas, além da população em geral.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E EMPREENDEDORISMO: O CASO DA CHEGADA DO CINEMATÓGRAFO NO BRASIL

É conhecida amplamente a noção de que a evolução tecnológica é fonte de oportunidades para a criação de novas empresas e organizações. Ao longo da história da evolução tecnológica inúmeros exemplos podem ser citados, desde os mais antigos, tais como a criação da lâmpada elétrica e a invenção da imprensa, e os mais recentes, criação da televisão, dos computadores, telefones celulares, e assim por diante.
As oportunidades de negócios que surgem com uma nova tecnologia, vão desde sua aplicação em um novo produto na indústria, passando por empresas de comércio que farão vendas a varejo ou atacado e chegando aos serviços com inúmeras atividades complementares, o mais comum delas sendo a prestação de serviços de manutenção e conserto dos equipamentos associados à nova tecnologia.
A história da chegada do cinema, por meio dos primeiros cinematógrafos no Brasil é um caso interessante. Vicente de Paula Araújo, em 1973, publicou os resultados de sua pesquisa histórica sobre a chegada do cinema no Brasil no livro A Bela Época do Cinema Brasileiro. Esta publicação é um documento histórico, altamente valioso, que apresenta em detalhes um período compreendido entre 1896 com as primeiras exibições das chamadas vistas animadas até dezembro de 1912 com uma indústria cinematográfica brasileira instalada, mas enfrentando dificuldades com a concorrência das empresas norte-americanas e europeias.
O livro de Araújo é bem documentado com textos extraídos dos anúncios feitos pelos empresários do cinema no Brasil e sua leitura, embora enfadonha, alguma vezes, revela a diversidade de empresas que foram surgindo ao longo dos anos.
Na primeira parte do livro – O Cinema chega ao Brasil – o autor relata como diferentes entretenimentos eram buscados pela população até a chegada do cinema que se tornou muito popular, desbancado a preferência de outros entretenimentos junto à população. Aliás, nessa parte do livro Araújo conta a experiência de Vitor Meirelles e seus panoramas que abordei no post  Rotunda de Vitor Meirelles: o primeiro crowdfunding da indústria criativa no Brasil, nesse mesmo blog (http://3es2ps.blogspot.com.br/2012/12/rotunda-de-vitor-meireles-o-primeiro.html).
Mas, é na segunda e terceira partes do livro que se pode vislumbrar o efeito empreendedor da chegada da tecnologia cinematográfica inicial no Brasil naquele ano de 1896 e a criação de salas fixas de exibição a partir de 1897. A segunda parte do livro – O cinema começa no Brasil – relata a primeira filmagem feita em 1898 e cobre o período até 1906. Na terceira parte – O cinema conquista o Brasil – descobre-se sobre a impressionante produção de filmes no Brasil e o surgimento de muitas empresas cinematográficas. Mas, 1912 marca a primeira crise do cinema brasileiro conforme relata Araújo.
Ao longo desse período foram criadas empresas dos seguintes tipos:
1896: no dia 9 de julho é feita a primeira apresentação pública de vistas animadas, a jornalistas, na Rua do Ouvidor, 57 no Rio de Janeiro, sendo aberta ao público no dia seguinte; aparelhos ancestrais do cinematógrafo eram usados em feiras livres e parques de diversões para exibição de vistas animadas; período do cinema ambulante .
1897: uso de diversos aparelhos semelhantes ao cinematógrafo para exibição de vistas animadas em salas de teatros; em julho desse ano, aparece a primeira sala fixa de cinema, usando um cinematógrafo dos irmãos Lumiére no Teatro Lucinda; no mesmo mês inauguração do Salão de Novidades, tendo como sócio Pascoal Segreto cujo irmão faria as primeiras filmagens no Brasil.
1898: no domingo, 19 de junho, Afonso Segreto realiza as primeiras tomadas de vistas animadas do porto do Rio de Janeiro, usando equipamentos que fora buscar em Paris a pedido de seu irmão Gaetano Segreto.
1899: Inauguração do salão Paris no Rio; utilização do animatógrafo dos irmãos Lumiére; importação de outros equipamentos cinematográficos de Nova Iorque; realização de filmagens diversas por Afonso Segreto.
1900: Pascoal Segreto, devido ao sucesso de seus empreendimentos, passa a ser chamado pela imprensa e população de Ministro das Diversões; apresentação no salão Paris de 100 vistas novas, quase todas nacionais.
1901: surgimento dos cafés-concerto, casas denominadas chopes, que possuíam, como atração para seus frequentadores, cinematógrafos;
1902: surge o cinema-falante, aparelho cinematográfico combinado com o fonógrafo (não era ainda a filmagem com som, mas sincronização de sons e imagens com aparelhos distintos).
1903: Osvaldo de Faria, jovem brasileiro apresenta seu invento que permitia a transformação de correntes elétricas contínuas em alternadas que teria ampla aplicação no cinema.
1904: surge o comércio de vistas a 1$000 o metro; utilização do cinematógrafo e iluminação elétrica na inauguração da Avenida Central no Rio de Janeiro em 7 de setembro;
1905: continuidade do sucesso do cinematógrafo-falante; anúncios de engenheiro-eletricista oferecendo serviço de instalação de aparelhos cinematográficos; programas longos no cinema (4.000 metros de películas no Teatro Carlos Gomes em abril desse ano).
1906: começam a ser feitas filmagens sob encomenda, por exemplo, as filmagens mostrando os autores de um crime que abalou a cidade do Rio em outubro, Rocca, Carletto e Pegatto na casa de detenção.
1907: expansão no número de salas de cinema; chegada ao Brasil de representante do industrial francês Charles Pathé; expansão das filmagens brasileiras.
1908: segundo Araújo, inicio da fase áurea do cinema brasileiro (p. 229); criação de empresa produtora de filmes cantantes (William & Cia); representantes de fábricas europeias e norte-americanas são contratados no Brasil; criação da produtora Photo-Cinematographia Brasileira; produções da Pathé no Rio; grande sucesso d´Os estranguladores, produção da Photo-Cinematographia Brasileira sobre crime ocorrido no Rio (mais de 800 exibições);
1909: muitos filmes brasileiros são bem sucedidos; Joseph Arnaud e Emilio Guimarães embarcam para a Europa para tentar exportar filmes brasileiros.
1910: o teatro sofre com a competição dos cinematógrafos; mais cinemas são inaugurados; a produção nacional, Paz e Amor, chega a 400 exibições; produção nacional crescente.
1911: anúncio de empresa alugando fitas com catálogo de mais de 800 filmagens; Paz e Amor chega à milésima apresentação; surgem as primeiras estrelas do cinema brasileiro; clima de competição entre alugadores e exibidores de fitas; Francisco Serrador firma-se como um grande empresário do cinema em São Paulo.
1912: surgimento dos jornais de atualidades feitos por Alberto e Paulino Botelho; surgimento do Kinemacolor, com fitas coloridas; a Cia Cinematográfica Brasileira de São Paulo compra dois cinemas no Rio; essa empresa se torna representante exclusiva no Brasil de um grande número de produtores estrangeiros; compra mais cinemas em Niterói, Belo Horizonte e Juiz de Fora; anúncio de empresa que compra, vende e aluga filmes; surge o cinema em casa em anúncio de dezembro de 1912 na revista Fon-Fon; desaparece quase que por completo o filme de enredo nacional, restringindo-se a produção brasileira à realização de cinejornais; domínio dos filmes estrangeiros; surgem publicações especializadas em cinema.
Ao longo desses 17 anos, tem-se um panorama completo do surgimento de uma nova forma de entretenimento no Brasil e de sua repercussão em termos comerciais e industriais. É uma história que já se tornou mais que centenária, mas ilustra bem a conexão entre evolução tecnológica e empreendedorismo, com muitos exemplos de inovação naqueles anos.

Pesquisa GEM 2012

Foi divulgado o relatório executivo da Pesquisa Global Entrepreneurship 2012 do Brasil. Este pode ser acessado em http://bis.sebrae.com.br/GestorRepositorio/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/9696c98c23d137fd0d8af1300d9742b0/$File/4226.pdf.