Feriado
é tempo de ver filmes! Comecei minha jornada de cinema assistindo a Pierrot Le Fou de Godard em casa, depois
fui ao cinema ver Faroeste Caboclo.
No dia seguinte, foi a vez de assistir a’O
amante da Rainha. Cinema francês, brasileiro e dinamarquês. Esta mistura mexeu
com as ideias, pôs o cérebro a funcionar.
Godard,
em Pierrot Le Fou, faz em seu filme
de 1965, sua homenagem ao cinema. Passeia por diversos gêneros e estilos –
comédia, musical, surrealismo, gangsteres, drama. Ferdinand e Marianne buscam,
no sul da França, o que a sociedade não lhes oferece. Faroeste Caboclo, filme nacional lançado em 2013, inspirado na
música de Renato Russo e dirigido por Renê Sampaio, retrata impossibilidades da
vida ao contar a estória do encontro e paixão, em nossa capital federal, entre
João do Santo Cristo e Maria Lucia, vividos por Fabrício Boliveira e Ísis
Valverde. Plano piloto e Ceilândia, dois mundos distantes, mas geograficamente
próximos, são o palco deste Romeu e Julieta
brasileiro. Mais uma vez, a sociedade separa aqueles que o coração uniu. Por
fim, O Amante da Rainha dirigido por Nikolaj
Arcel. Terceiro casal dessa narrativa, Caroline Mathilde, casada com Christian
VII, rei da Dinamarca, se apaixona pelo médico do rei, Johann Struensee. As
personagens são interpretadas por Alicia Vikander e Mads Mikkelsen nessa
produção de 2012. Struensee é um iluminista que, após ganhar a confiança do
rei, se aproveita de sua loucura para destituir o Conselho Real. Christian VII
acaba dando plenos poderes ao médico que, guiado pelas ideias iluministas, introduz
alterações na vida do povo dinamarquês. Da paixão entre Caroline Mathilde e
Johann Struensee nasce uma filha. Descoberta a traição, igreja e nobreza voltam
ao poder e desfazem os avanços sociais implantados.
Traição,
paixão e transformação. Absurdo, violência e poder. Temas que perpassam as três
histórias. Qual é o espaço do indivíduo e do coletivo em nossa sociedade
capitalista. Como conciliar nossos desejos e aspirações individuais com a do
outro. França de 1965, anos 70 no Brasil, último quarto do século XVIII na
Dinamarca. Espaços e épocas distintas, mas com a mesmas questões humanas mal
resolvidas.
Godard,
em 1965, já comentava sobre o consumismo. Nos momentos iniciais de Pierrot Le Fou, Ferdinand caminha entre
os convivas de uma festa que dialogam com frases que são retiradas de propagandas
de produtos. Deliciosamente surreal! Faroeste
Caboclo mostra a impossibilidade do rompimento das barreiras sociais e de
raça. A futilidade das tentativas de aproximação entre dois mundos. N’O Amante da Rainha surge a esperança do
iluminismo. O conhecimento científico se opondo à tradição e à religião. O
primeiro round dessa luta é vencido
pelos iluministas, no segundo vencem religião e nobreza. E depois?
E a
responsabilidade social corporativa? Onde entre nesse texto? Você me pergunta.
Eu respondo: Justamente agora, leitor impaciente!
Volto a
esse tema! Mais uma vez, a esperança de que seja esse o caminho. Será que vou
conseguir superar meu ceticismo? Será que essas três histórias de amor
impossível ajudam a encontrar uma saída? Pouco provável, mas não custa tentar. Como
diria Goulart de Andrade: vem comigo!
Estamos
em busca de um desenvolvimento sustentável. Um desenvolvimento que, no dizer de
Veiga (Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. 3ª. ed. Rio
de Janeiro: Garamond, 2008), pode
permitir que cada indivíduo revele suas capacidades, seus talentos e sua
imaginação na busca da auto realização e da felicidade, mediante esforços
coletivos e individuais, combinação de trabalho autônomo e heterônomo e de
tempo gasto em atividades não econômicas...maneiras viáveis de produzir meios
de vida não podem depender de esforços excessivos e extenuantes por parte de
seus produtores, de empregos mal remunerados exercidos em condições insalubres,
da prestação inadequada de serviços públicos e de padrões subumanos de moradia
(p. 80-81).
No campo
da Administração, parece que a resposta a essa busca é a institucionalização da
Responsabilidade Social Corporativa. Já que se abandonou a derrubada do
sistema, vamos aperfeiçoá-lo. É isso possível?
Para
alguns é! Por exemplo, Aligleri, Aligleri e Kruglianskas (Gestão
socioambiental: responsabilidade e sustentabilidade do negócio. São Paulo:
Atlas, 2009) apresentam uma boa síntese da temática da gestão socioambiental
demonstrando como esta evoluiu a partir das premissas da responsabilidade
social e do relacionamento com stakeholders. Para esses autores a
preocupação com posturas socialmente corretas, ambientalmente sustentáveis e
economicamente viáveis estará cada vez mais presente entre os temas de gestão. (p.
8). Isso implica dizer que há um desafio presente na gestão das organizações: observar
o atendimento aos critérios de responsabilidades econômica, legal, ética e filantrópica
propostos por Carrol (The pyramid of corporate social responsibility: toward
the moral management of organizational stakeholders. Business Horizons,
v. 34, n. 4, p. 39-48, 1991).
Mas, em
um mundo, onde as paixões escapam ao domínio da temperança será isso possível?
Tenho sentimentos conflitantes sobre isso. Por um lado, muitas vezes, sou
descrente. Por outro, algumas vezes, confiante. Jean Luc Godard, Renê
Oliveira e Nikolja Arcel despertaram as duas forças conflituosas em movimento
no meu cérebro. Desse conflito surge a síntese: a esperança.
Em
Pierrot Le Fou há uma cena inspiradora. Ferdinand, interpretado por Jean Paul
Belmondo, e Marianne, por Anna Karina, estão em uma estrada, conversando dentro
do carro em movimento. São vistos por trás. Ferdinand comenta sobre fala de
Marianne: as mulheres só querem
divertimento. Marianne responde: para
quem você está falando? Ferdinand responde: para a plateia. Marianne olha para trás em direção à câmara.
Momento sublime, suavemente irônico, em que Godard revela a câmara ao
espectador e nos lembra que o que vemos é um filme. Será que os administradores
que discursam sobre responsabilidade social corporativa não estão falando só
para a plateia?
Em
Faroeste Caboclo a tragédia nos lembra da impossibilidade do convívio.
Pessimista, reforça minha descrença. Duzentos anos depois do nascimento dos
ideais iluministas, as desigualdades permanecem! Caminhamos tão lentamente!
Por fim
a esperança d’O Amante da Rainha. O
filme é uma carta de Caroline para seus dois filhos, Frederick e Louise
Augusta. Separada dos dois pelo exílio, Caroline conta para eles a sua história
e conclui: sei que vocês me deixarão orgulhosa.
Outras gerações serão
capazes de fazer o que não fizemos? Espero que haja tempo!