domingo, 30 de março de 2014

QUASE DOIS ANOS DE REGEPE: UM PEQUENO BALANÇO

Há pouco mais de três anos, em fevereiro de 2011, foi criada a Associação Nacional de Estudos em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas – ANEGEPE. Este era um sonho antigo compartilhado com alguns amigos ao longo de quase uma década! Em novembro de 2001, por ocasião do encerramento do II EGEPE – Encontro de Estudos sobre Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, em Londrina, fiz uma menção à necessidade de criarmos uma associação de pesquisadores brasileiros atuantes nesses dois campos de conhecimento e, junto com ela, um periódico científico dedicado a essas temáticas.

Graças à generosidade daqueles que estavam na Assembleia de criação da ANEGEPE, coube a mim fazer uma introdução falando dos antecedentes que acabaram conduzindo àquela reunião na casa de Vânia Nassif e a aprovação de criação da ANEGEPE. Um pouco dessa história está registrada no sítio eletrônico da ANEGEPE em www.anegepe.org.br.

Em nossa primeira reunião, discutimos a possibilidade de criação imediata da Revista da ANEGEPE. Um pouco inseguros sobre as condições que teríamos para dar conta dessa iniciativa, analisamos até a possibilidade de adotar uma revista já existente para se tornar o periódico científico da ANEGEPE. Não chegamos a uma decisão nessa reunião.

Na minha volta para Curitiba, depois de conversar com a Jane Mendes Ferreira, que já estava atuando como professora do Departamento de Administração Geral e Aplicada da UFPR, fiz uma proposta para a diretoria da ANEGEPE de criarmos a Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas – REGEPE e me ofereci para atuar como seu primeiro editor. Sentia um forte desejo de me envolver com essa iniciativa que, para mim, era uma espécie de continuação dos esforços que tinha feito nos anos inicias do EGEPE: Maringá (2000); Londrina (2001); Brasília (2003) e Curitiba (2005). Minha proposta foi aceita e Jane assumiu o papel de Editora Adjunta. Aliás, sem o apoio da Jane essa revista teria demorado um pouco mais para surgir.

Na semana passada, foi realizado o VIII EGEPE na cidade de Goiânia. De acordo com o que me contaram foi um sucesso! Muito bem conduzido por Cândido Borges e Emil Hoffmann. Não pude ir para Goiânia devido a compromissos que me prenderam a Curitiba. Na história do EGEPE, deixei de comparecer apenas ao que aconteceu em Recife (2010), conduzido por meu amigo Fernando Paiva e a este de Goiânia.  Além daqueles em que estive envolvido com a organização, consegui participar do EGEPE em São Paulo (2008) e Florianópolis (2012).

Agora em 2014, em breve, Jane e eu deveremos concluir a edição do volume 2 da REGEPE que corresponde a 2013. Depois, também em breve, Jane assumirá o papel de Editora responsável pelas edições de 2014 e 2015. Ficarei no papel coadjuvante de editor adjunto nos próximos dois anos. Mas, não se enganem! Eu serei coadjuvante mesmo, mas Jane nesses dois anos fundadores da REGEPE foi a protagonista, atriz principal! Só não levou os créditos por isso. Injustiça que espero estar reparando agora! Foi ela quem se debruçou sobre o SEER, sistema de editoração eletrônica de revistas, resolvendo as dificuldades que enfrentamos nesse período. Foi ela, também, quem conduziu a maior parte das avaliações dos trabalhos por nossos pares. E principalmente, foi ela quem estruturou as cinco edições, deixando a mim a tarefa de escrever o editorial de cada edição. Meu muito obrigado a Jane, amiga de valor inestimável cujo apreço me faz muito feliz!

Hoje, em fins de março de 2014, dediquei algum tempo para levantar alguns dados sobre a REGEPE. Vinte e sete artigos foram publicados nos cinco números publicados até hoje: três edições de 2012 e duas edições de 2013. Setenta e quatro autores foram os responsáveis por essa produção que tivemos o privilégio de tornar público.  E o dado mais significativo, pelo menos para mim: 12.580 acessos aos trabalhos publicados pela REGEPE, ou seja, mais de 570 acessos por mês ao longo de 22 meses.

Na tabela abaixo estão os dados de acesso de cada artigo, classificados por média de acessos mensais:

TÍTULO
ACESSOS
ACESSOS/MÊS
EMPREENDEDORISMO ACADÊMICO NO BRASIL: UMA AVALIAÇÃO DA PROPENSÃO À CRIAÇÃO DE EMPRESAS POR ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS
1101
79
CARACTERÍSTICAS EMPREENDEDORAS: UM ESTUDO DE CASO COM FARMACÊUTICOS UTILIZANDO O MODELO DE MCCLELLAND
778
56
MULHERES EMPREENDEDORAS: COMPREENSÕES DO EMPREENDEDORISMO E DO EXERCÍCIO DO PAPEL DESEMPENHADO POR HOMENS E MULHERES EM ORGANIZAÇÕES
222
56
COMPETÊNCIAS EMPREENDEDORAS EM FRANQUIAS: ESTUDO DE MULTICASOS EM SERGIPE
220
55
EMPREENDEDORISMO SUSTENTÁVEL: PROPOSIÇÃO DE UMA TIPOLOGIA E SUGESTÕES DE PESQUISA
658
55
INOVAÇÃO SOCIAL E ESTRATÉGIAS PARA A BASE DA PIRÂMIDE: MERCADO POTENCIAL PARA EMPREENDEDORES E PEQUENOS NEGÓCIOS
205
51
A PESQUISA SOBRE INOVAÇÃO EM SERVIÇOS NO BRASIL: ESTÁGIO ATUAL, DESAFIOS E PERSPECTIVAS
486
41
PERFIL EMPREENDEDOR: ESTUDO SOBRE CARACTERÍSTICAS EMPREENDEDORAS DE MOTORISTAS FUNCIONÁRIOS, AGREGADOS E AUTÔNOMOS DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS.
476
40
IDENTIFICAÇÃO DE ELEMENTOS CULTURAIS NA AQUISIÇÃO DE UMA EMPRESA FAMILIAR POR UM FUNDO DE PRIVATE EQUITY: UM ESTUDO DE CASO
153
38
RBV E EMPREENDEDORISMO: PERMUTAÇÕES CONTRIBUTIVAS
535
38
ORIENTAÇÃO EMPREENDEDORA COMO INDICADOR DO GRAU DE EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO: FATORES QUE CARACTERIZAM OS INTRAEMPREENDEDORES E INFLUENCIAM SUA PERCEPÇÃO.
524
37
RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL NA HOTELARIA: A VISÃO DE EMPRESAS DE DISTINTOS PORTES E ENTRE SEUS DIFERENTES NÍVEIS HIERÁRQUICOS
147
37
POLÍTICA NACIONAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO: AVALIAÇÃO DO MARCO REGULATÓRIO E SEUS IMPACTOS NOS INDICADORES DE INOVAÇÃO
431
36
REPRESENTAÇÕES FEMININAS DA AÇÃO EMPREENDEDORA: UMA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA DAS MULHERES NO MUNDO DOS NEGÓCIOS
729
35
SEDIMENTANDO AS BASES DE UM CONCEITO: AS COMPETÊNCIAS EMPREENDEDORAS
682
32
PREVISÃO DE INSOLVÊNCIA EM MICRO E PEQUENAS EMPRESAS UTILIZANDO INDICADORES CONTÁBEIS
434
31
AMBIENTE DE INOVAÇÃO: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE TRÊS UNIDADES DE UMA ORGANIZAÇÃO DO SETOR METAL-MECÂNICO
336
28
A CRIAÇÃO DE NEGÓCIOS POR EMPREENDEDORES JOVENS: ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS NO ESTADO DE SERGIPE
556
26
PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA SOBRE EMPREENDEDORISMO SOCIAL ENTRE 2000 E 2012
512
26
EVOLUÇÃO DO CAPITAL SOCIAL EMPREENDEDOR DOS SPIN-OFFS UNIVERSITÁRIOS
524
25
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA SUCESSÃO EMPREENDEDORA EM EMPRESAS FAMILIARES: UM ESTUDO MULTICASO
521
25
AVALIAÇÃO DE COMPETITIVIDADE E GERENCIAMENTO DE DESTINOS TURÍSTICOS: UMA APLICAÇÃO NO SUL DO BRASIL
289
24
UMA ABORDAGEM SOBRE O PAPEL DAS REDES PARA PEQUENAS EMPRESAS E SOBRE OS EFEITOS NO APRENDIZADO DE EMPREENDEDORES
494
24
PRÁTICAS GERENCIAIS DE PEQUENAS EMPRESAS INDUSTRIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO
443
22
O PAPEL CONSTRUTIVO DAS INCUBADORAS NO ALINHAMENTO ESTRATÉGICO E MERCADOLÓGICO DAS EMPRESAS INCUBADAS E GRADUADAS
392
20
PROPOSIÇÃO DE UM NOVO MÉTODO DE SELEÇÃO DE MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS DE BASE TECNOLÓGICA (MPEBT)
377
19
A IDENTIDADE EMPREENDEDORA NO CONTEXTO DE EMPRESAS DE PEQUENO PORTE
355
18

Sinto um profundo sentido de realização por ter me envolvido nessa aventura! David McClelland estava certo ao chamar nossa atenção para a famosa “necessidade de realização”.

Meu muito obrigado à comunidade brasileira de estudiosos do empreendedorismo e da gestão de pequenas empresas pela confiança e pelo convívio salutar e fraterno nesses anos todos.


Pequenas editoras x grandes

http://www.gazetadopovo.com.br/m/conteudo.phtml?tl=1&id=1458044&tit=Literatura-contra-a-mare

domingo, 9 de março de 2014

A cuidadora de Sócrates

Em memória de Robinho, irmão de Sara.

Seu bom humor deixará  saudades!

Lara, biscatinha ou biscatona? Essa pergunta me pôs a pensar sobre a construção do sentido que damos às nossas vivências.

Paulo e eu estávamos tomando um chope na praça de alimentação de um shopping em Maringá, quando uma moça com uma bandeja na  mão pediu licença para compartilhar nossa mesa:

_ Posso sentar aqui? Daqui vinte minutos entro no trabalho. A praça está cheia.

_ Fique à vontade, eu disse.

Paulo e eu continuamos a botar o papo em dia. De repente, entre um gole de chope e uma batata frita, pergunto o nome da moça concentrada em seu almoço.

_ Lara. E o seu?

_ Eu sou o Fernando. Ele o Paulo. Você trabalha no shopping?

_ Não. Estudo técnica de enfermagem e trabalho como cuidadora. Cuido de um senhor idoso. Começo meu trabalho daqui a pouco.

Nesse ponto da conversa, o celular do Paulo toca. Era a esposa avisando que éramos esperados para almoçar na casa da sogra. Somos concunhados, o que significa que compartilhamos a sogra..

Passa o dia, de noite ligo pro Paulo, perto das nove e meia:

_ Paulo, já foi dormir? Eu perguntei.

_ Ainda não.

_ Então vou dar uma passada aí. Preciso comprar minha passagem de volta para Curitiba.

Precisava usar a INTERNET. Marinelva, nossa cunhada, vai comigo. Sara fica com a mãe, lhe fazendo companhia enquanto esperamos a chegada do corpo de Robinho que falecera em um acidente na Bahia.

Em casa de Paulo, conversamos sobre a morte. De repente surge a questão da velhice. Da velhice a conversa retorna à morte. Robinho, aos 44, morreu muito cedo. Mas, é a velhice que nos assusta mais que a morte.

Nessa altura da conversa, Paulo lembra da morte de Sócrates, o filósofo, não o futebolista. Para Paulo, o ato de Sócrates tomar cicuta poderia ser interpretado como uma escolha alternativa à velhice. Um sentido diferente àquele atribuído por muitos estudiosos, o de que Sócrates decidiu observar a lei, essa construção social que erigimos para tentar ordenar a vida coletiva. Para muitos, Sócrates era  um legalista, o que justificaria sua escolha. Teria Sócrates decidido por sua morte ao invés dos riscos da velhice? Não temos resposta a essa pergunta. Mas,  ela pode ser buscada em motivações distintas, razoavelmente verossímeis.

Comento:

_ Será que a escolha de Sócrates teria sido outra se naquela época houvesse cuidadoras?

Minha pergunta surge da lembrança do encontro com Lara. Conto brevemente a história do encontro com Lara aos demais que participavam da conversa. De vozes femininas, surgem duas afirmações:

_ Biscatinha! Uma disse.

_ Biscatona! Ecoou outra.

Lembrei-me da teoria de personalidade de George Kelly, que em 1955 propôs a Teoria dos Construtos Pessoais. Nesta teoria, Kelly defendeu a ideia de que os humanos constroem o significado de suas vidas por meio de um sistema de construtos. Esse sistema de construtos baseia-se na criação de categorias que usamos para classificar nossos eventos, coisas e pessoas com que convivemos.

As categorias surgem das similaridades e diferenças que percebemos no que vivenciamos. Uma forma de pensar parecida com a de um cientista. Os construtos que criamos são bipolares. Segundo Kelly, para o mundo ser compreensível, uma ideia só faz sentido se compreendemos o seu oposto. Gordo ou magro, bonita ou feia, triste ou alegre, limpo ou sujo, santa ou devassa, biscatinha ou...

Desde os anos 90 do século passado, uso essa teoria para tentar compreender os modelos mentais que dirigentes de pequenas empresas desenvolvem para compreender o mundo de seus negócios e tomar decisões baseados neles.

A beleza das ideias de Kelly - olha ai eu em busca da beleza no conhecimento de novo - reside no dinamismo desse sistema de construtos. Cada um de nós desenvolve um sistema de construtos único, mas na interação com outros nossos sistemas vão sendo compartilhados e transformados, um vir a ser contínuo que só a morte interrompe.

O que Lara seria? Muitas categorias poderiam lhe ser aplicadas, dependendo dos modelos mentais únicos de cada pessoa que pudesse presenciar a cena do shopping. Nesse momento senti falta do bom humor de Robinho.

Resposta certa não importa agora! Talvez, essa poderia ser aproximada com um pouco mais de papo com Lara. Um telefonema abreviou essa conversa!

A mesma coisa acontece nas minhas conversas com dirigentes de pequenas empresas. Alguém ou algo faz com que a conversa tenha que ser encerrada. Eu, pesquisador, fico com uma visão parcial de seus modelos mentais. Sempre tenho que reconhecer as limitações do que posso afirmar a partir dessas conversas. É a vida! É a condição constante da busca do conhecimento: a humildade de afirmar que a explicação dada faz sentido, mas pode ser outra.

Enfim, qualquer que seja a Lara, que seja feliz! Ao destino, meu muito obrigado por esse encontro. É provável que um dia, em um futuro muito distante, me lembre de Lara e busque os serviços de uma jovem cuidadora. Como ela mesmo disse em nosso curto encontro:

_ Os homens preferem cuidadoras jovens! (Olha ai um modelo mental se exibindo a um cientista que queira enxergar).

Prefiro isso à cicuta de Sócrates!

terça-feira, 4 de março de 2014

Breve análise sobre a questão do mérito no empreendedorismo

Instigado por um texto de Clóvis Gruner sobre a meritocracia (http://www.chuvaacida.info/2014/02/a-meritocracia-e-uma-utopia.html), registrei no Chuva Ácida uma observação com o seguinte teor:

"Clóvis, esse trecho de comentário que você usou é um tipo de argumento muito presente na literatura de empreendedorismo. De forma simplória, reduzem o ato de empreender a simples questões de apetência e competência, sem nenhuma referência a outros aspectos da desigualdade entre pessoas. Isso me deixa muito angustiado com o nível das discussões acadêmicas sobre o assunto. Obrigado pelo texto."

Eu me referia ao seguinte texto que Clóvis usara como ilustração de uma forma de pensar que deixa de levar em consideração a desigualdade de condições entre as pessoas como reflexo de injustiças sociais:

"Na sociedade de mercado não há essa utopia, há diferenças de classes (como também há nas ditaduras ditas comunistas), porém, quando a sociedade aceita meritocracia e a enxerga com bons olhos, TODOS têm condições de alcançar uma qualidade de vida. 
A ideia de que a riqueza se resume a um bolo fatiado é estapafúrdia! Riqueza produz mais riqueza, a população não tem de se contentar com aquele pedaço do bolo, pois ele se multiplica, basta o cidadão estudar, se qualificar, trabalhar... mas isso poucos querem, então, para muitos, sobra a utopia do comunismo."

Clóvis Gruner, em seu texto no Chuva Ácida, nos apresenta brevemente as condições históricas do surgimento da meritocracia. Reproduzo parte de seu texto que, em minha opinião, é central para a discussão das condições para empreender:

Diferente do comentário que motivou esse texto, a meritocracia não é uma panaceia a justificar a desigualdade social apelando à competência de alguns poucos enquanto acusa, irresponsavelmente, a indolência da maioria. Ela contém, desde o berço, a possibilidade utópica de que as condições objetivas mínimas de igualdade serão asseguradas para que os indivíduos possam, livremente, exercer seus talentos. Daí o projeto, acalentado pelos iluministas do setecentos, de uma educação universal, entendida como condição primária à aquisição das habilidades necessárias para que se pudesse, efetivamente, falar em uma sociedade baseada no mérito.

Nesse mundo virtual que compartilhamos, minha observação fez com que Vinicius Atz, mestrando em Administração na UFPR, me apresentasse, pelo Facebook, uma dúvida, embora afirmasse concordar com o texto de Clóvis:

"Minha dúvida é como não ligar o conceito de empreendedorismo com o de meritocracia, visto q até na competição entre empresas entra o mérito"

Em seguida sugeriu que esse poderia ser um tema de post neste blog.

Minha resposta ao Vinicius foi:

"Sim, mas a meritocracia tem que se dar a partir de uma igualdade de condições para desenvolver competências. É uma boa sugestão de tema pro meu blog. Abcs."

Aceitando a sugestão do Vinicius, fiquei pensando se haveria evidências desta minha afirmação. As coincidências da vida, fizeram com que no dia seguinte chegasse às minhas mãos um exemplar do Relatório Executivo do GEM 2013 – Empreendedorismo no Brasil. Neste documento encontrei alguns dados interessantes que podem ser evidências do efeito da desigualdade social no empreendedorismo brasileiro.

Na tabela 1.3, o relatório apresenta as taxas específicas de empreendedorismo inicial conforme algumas variáveis sociodemográficas. Essas taxas indicam o percentual da população brasileira entre 18 e 64 anos envolvidos com a criação ou gestão de um empreendimento inicial, ou seja, empreendimentos que surgiram há mais de três e menos de 42 meses.

Para os empreendedores iniciais, a faixa de renda familiar indica que quanto maior esta for, maior é o percentual de empreendedores neste segmento da população. Isto é, para rendas familiares de menos de 3 salários mínimos (SMs), a taxa foi de 16,8% da população entre 18 e 64 anos. Na faixa entre 3 e 6 SMs esta subiu para 18,3%. Entre 6 e 9 SMs, chega a 22,6%, caindo para 18,8% para rendas familiares acima de 9 SMs.

Ou seja, há quase que uma relação linear positiva entre faixa de renda da família e envolvimento do indivíduo com a criação de um novo empreendimento. Parece-me que isto pode representar uma relação entre desigualdade social e condições para empreender.

Uma outra relação, em forma de U, aparece quando se analisa o nível de escolaridade dos empreendedores iniciais. Para aqueles cuja escolaridade é menor que o segundo grau completo, a taxa foi de 17,0%. Com escolaridade de segundo grau completo, a taxa subiu para 18,5%. No entanto, para as pessoas com escolaridade maior que segundo grau completo, a taxa caiu para 15,8%.

De novo, uma possível relação entre desigualdade, agora medida pelo acesso à educação e condições para empreender.

Os estudos do GEM apresentam uma segunda distinção relevante para essa exploração inicial entre meritocracia e empreendedorismo. A motivação para empreender é dividida em duas classes: por oportunidade ou por necessidade. Conforme exposto no próprio texto do relatório, “os empreendedores por necessidade são aqueles que iniciam um empreendimento autônomo por não possuírem melhores opções de ocupação, abrindo um negócio a fim de gerar renda para si e suas famílias. Já os empreendedores por oportunidade são os que identificaram uma chance de negócio e decidiram empreender, mesmo possuindo alternativas de emprego e renda”.

Em geral, empreendimentos motivados por necessidade têm menores chances de sobrevivência do que aqueles motivados por oportunidade.

Na tabela 2.3, o relatório apresenta a distribuição dos empreendedores iniciais segundo a motivação para empreender e características sociodemográficas. Nessa relação, a meu ver, surgem indicadores que podem revelar a falácia da meritocracia no empreendedorismo como principal aspecto da explicação do sucesso empreendedor.

Em primeiro lugar, quanto maior a escolaridade da pessoa, maior é a taxa de motivação por oportunidade. Em segundo lugar, quanto maior a renda familiar do empreendedor inicial, maior é a taxa de empreendedorismo por oportunidade. A tabela abaixo mostra essas relações:

Característica Demográfica
Motivação para Empreender
Oportunidade
Necessidade
Grau de Escolaridade
Menor que segundo grau completo
61,2
38,8
Segundo grau completo
77,5
22,5
Maior que segundo grau completo
92,1
7,9
Faixa de Renda
Menos de três salários mínimos
62,5
37,5
3 a 6 salários mínimos
81,8
18,2
6 a 9 salários mínimos
93,8
6,2
Mais de 9 salários mínimos
92,2
7,8
Fonte: Extraído do Relatório Executivo Empreendedorismo no Brasil 2013

Esta aí uma oportunidade de pesquisa que merece ser explorada! 

Vinicius Atz, muito obrigado pela sugestão de post.