terça-feira, 11 de agosto de 2015

Namorou, perdeu vida! Ou, a Administração, testemunha ocular do embate entre sustentabilidade e competividade

Teve início, na tarde de hoje, a série de quinze encontros de minha nova disciplina no Doutorado em Administração da Universidade Federal do Paraná. Thálita, Rodrigo, Eduardo e Luiz Aurélio são os quatro doutorandos que se juntaram a mim nesse jornada de estudos sobre Empreendedorismo, Sustentabilidade e Inovação.

Nosso objetivo é usarmos as quinze semanas entre hoje e o começo de dezembro para ler, discutir e refletir sobre textos que tratem das possíveis relações entre os três temas. Adotamos uma dinâmica que venho sugerindo aos meus alunos há algum tempo: cada um de nós é responsável pela leitura de um conjunto de textos, elaboração de um resumo, e apresentação do contéudo para os demais. Em conjunto, passaremos por sessenta textos publicados no Brasil e exterior nos últimos quinze anos. 

Hoje, tratamos dos primeiros cinco textos: dois brasileiros e três estrangeiros. Entre as discussões que os artigos suscitaram, acabei sugerindo que parece haver uma tensão entre as noções de sustentabilidade e competitividade que precisa ser resolvida. A sustentabilidade pode ser vista como um estado futuro desejado, resultante de um processo de desenvolvimento sustentável, que reflete um equilíbrio entre as dimensões sociais, ambientais e econômicas da vida organizacional e, de forma mais ampla, da sociedade. Ora, conciliar justiça social no acesso aos frutos do labor humano, com a preservação do ambiente em que vivemos e, ao mesmo tempo, ser eficiente na utilização de recursos financeiros, fazendo com que ganhos econômicos sejam maiores que os gastos, não é tarefa trivial.

Em um dos textos que lemos, os autores sugeriram a articulação da sustentabilidade com modelos de negócios inovadores. Na essência, o argumento deles pode ser sintetizado na ideia de que a sustentabilidade será uma maneira de tornar os negócios mais competitivos. Mas, é a competitividade consistente com a busca da responsabilidade social, um dos pilares do desenvolvimento sustentável?

Em minha opinião, não! Ser competitivo, no limite, é tentar atrair o máximo de riqueza gerada em determinada atividade empresarial para um empreendimento. Ora, essa lógica, pode levar, por exemplo, à eliminação de concorrentes, à geração de oligopólios ou monopólios. Essa eventualidade pode ser vista como uma realidade socialmente justa? Penso que não!

Fiz esta provocação, ainda pouco elaborada, para os meus companheiros de estudo nesses temas. No mínimo, merece uma reflexão, embora deva reconhecer que há muitos aspectos a serem analisados. No entanto, minha intuição me leva a confiar muito nesse sentimento que brotou em meu cérebro nesta tarde.

Em outro texto, quatro pesquisadores brasileiros abordaram a questão da inovação sustentável a partir de uma perspectiva centrada na Teoria Institucional. Ao comentarem sobre o que levaria as organizações a agirem de forma sustentável, sugeriram duas explicações. Estas são baseadas na ideia do isomorfismo organizacional. Para nossos colegas, as empresas fazem ações de responsabilidade social e ambiental motivadas por pressões coercitivas da sociedade ou de outras organizações mais poderosas, o chamado isomorfismo coercitivo. Outra fonte é o chamado isomorfismo mimético, ou seja, algumas organizações imitam o comportamento de outras que, aparentemente, foram bem sucedidas em ações dessa natureza.

Não sou um profundo conhecedor da Teoria Institucional, mas me chamou a atenção que os pesquisadores não fizeram nenhuma menção a um terceiro tipo de isomorfismo que, se não me engano, é um dos pilares das explicações institucionais dadas à vida organizacional: isomorfismo cognitivo/normativo. A organizações podem se tornar semelhantes em suas ações devido à ação de grupos de pessoas que tiveram processos formativos semelhantes em que foi dada ênfase a determinadas normas que devem ser observadas na realização de atividades empresariais. É o caso, por exemplo, de uma formação superior em determinado campo de conhecimento que acaba uniformizando a forma de agir dos profissionais, mesmo que em diferentes organizações.

Foi nesse momento, que um segundo incômodo em relação à sustentabilidade voltou a se manifestar em meu cérebro. É um incômodo quase físico! Ora, se pretendemos levar as empresas a se comportarem de forma sustentável, precisamos convencer os futuros administradores que sua prática profissional deverá ser orientada por princípios consistentes com o desenvolvimento sustentável. Esse é o papel principal das escolas de Administração! Estamos conseguindo fazer isso? Acho que não!

Nosso encontro terminou às cinco horas da tarde. Passo em minha sala, termino um trabalho que estava fazendo, vou para o ponto de ônibus, embarco no Portão/Cabral, chego no Terminal Cabral e às seis e quinze estou a caminho de casa em um Inter2. Me coloquei em pé, próximo a uma das portas, pois desembarcaria no próximo tubo. Não pude deixar de ouvir a conversa de dois adolescentes, perto dos seus 16 anos.

Um deles comentava com o outro como estava super atarefado. Tanta coisa para fazer, estudar inglês, aprender computação, tarefas das disciplinas, a importância de dominar o Excel, o Office, mesmo que só o básico. Contou para o amigo:

_ Meu pai trabalha em uma grande empresa. Sempre tem oportunidades de estágio. Outro dia, tinha dois candidatos em iguais condições, mas um deles dominava o Excel, a outra não. Quem ficou com a vaga? O rapaz que sabia Excel. A menina dançou!

O amigo só ouvindo. O outro continuou:

_ 24 horas é pouco. Se você dorme, não faz! Se faz, não dorme!

_ É. Disse o outro. O tempo é curto. Ainda mais agora que estou com namorada.

_ Namoro? Namorou, perdeu vida!

Fiquei estupefato com a resposta do primeiro. Chegamos no tubo onde eu desceria. O jovem com namorada desceu à minha frente. A namorada esperava por ele na saída do tubo. Ela até que não era muito bonita, mas pensei comigo:

_ Quem está perdendo vida é o idiota que ficou no ônibus!

Estamos fazendo muito mal aos nossos jovens com essa conversa de competitividade. Vamos falar mais de sustentabilidade para eles?


sábado, 1 de agosto de 2015

Sobre a confiança: dos negócios à educação em negócios (talvez sobre uma crença).


Vim para a Grécia com uma dupla finalidade: participar de um evento científico, durante o qual pude expor os resultados de um estudo sobre formação de estratégia em uma pequena empresa incubada, realizado pelo Luciano Minghini sob minha orientação, e, depois, aproveitar alguns dias de férias na companhia de Sara.
Sara e eu havíamos planejado passar alguns dias em Atenas e aproveitar para excursionar até Delfos e Santorini. Para poder fazer isso, na tarde de segunda-feira, após ter participado do evento pela manhã, saímos em direção à Plaka, um dos bairros mais antigos de Atenas, aos pés da Acrópole. Nossa intenção era encontrar uma agência de turismo em cujo folheto que obtivéramos no hotel vimos os passeios que queríamos fazer.
Mas, acabei me perdendo nas ruelas de Plaka e não encontrei a agência procurada. Por acaso, acabamos chegando às portas de outra. Consultei Sara e decidimos entrar nesta mesma.
Na agência fomos atendidos por um simpático senhor grego, perto dos seus setenta anos. Nos atendeu de forma muito atenciosa, ouviu nossos desejos, sugeriu alternativas, calculou preços, ofereceu serviços de traslado complementares. Além de sua simpatia e cortesia, minha atenção foi atraída pela forma altamente metódica com que realizava seu trabalho. Observei isto para Sara, que é turismologa, e ela me respondeu que era algo esperado neste tipo de atividade. Detalhes que exigem um avanço cuidadoso na prestação do serviço têm que ser observados para que nada seja esquecido.
Ao final de pouco mais de uma hora, deixamos a agência com nossos vouchers de hotel em Santorini, vouchers para o passeio a Delfos, bilhetes de ida e volta de barco, vouchers para o táxi para ir do hotel até o porto de Pireus em Atenas e para o trajeto de volta em nosso retorno. Também, levamos conosco uma agradável sensação de termos recebido um bom atendimento.
Escrevo este texto dentro do speedboat a caminho de Santorini. Ontem fizemos o passeio até Delfos. Tudo acontecendo conforme o planejado por nosso metódico agente de viagem grego. Pela manhã, o taxista nos esperava na recepção do hotel no horário combinado. Desde ontem, na viagem de retorno de Delfos a Atenas, estas ideias estavam se formando em um texto. Mais uma vez, palavras querem sair de meu cérebro e vir a público. Como escritor, meu ofício é fazer-lhes a vontade. Continuo, então!
Na tarde que fechamos o negócio na agência de viagens, enquanto nos dirigíamos à Acrópole de Atenas, comentei com Sara que o negócio de turismo exigia do cliente um alto grau de confiança nos agentes de viagens. Tudo que eu tinha em mãos era alguns papéis! Entre eles, o comprovante de débito de um valor em meu cartão de crédito. Dois estrangeiros em um país cuja língua não dominavam. Tudo que eu ouvia parecia grego para mim! Dessa vez era mesmo!
Aliás, esta viagem para a Grécia, mesmo antes de seu início, exigiu alta dose de confiança. Ao fazer minha inscrição no evento, por comodidade, escolhi a opção de pagar junto com a taxa de inscrição as diárias de hotel. Isso é muito comum em eventos científicos. Só que neste caso, ao fazê-lo eu não tinha informação sobre o local de realização do evento em Atenas e, tampouco, sobre o hotel em que nos hospedariamos. No site do evento havia a informação de que entre uma e duas semanas antes do evento eu receberia as informações. Entre parênteses, em inglês, estava escrito that's the Greek way. Confiei, desconfiando! Paguei pela internet com meu cartão de crédito antecipadamente! Minha ansiedade me levou a consultar os organizadores, por correio eletrônico, três semanas antes do evento. Quer saber a resposta que obtive?
Seria informado entre uma e duas semanas antes do primeiro dia do evento.
E, realmente, foi o que aconteceu! Dez dias antes recebi as informações. O evento já acabou e estamos a caminho de Santorini.
Fiquei refletindo sobre estes acontecimentos. Se pensarmos bem, a confiança é presença constante no mundo dos negócios. Seja na compra de um produto, seja na contratação de um serviço, há sempre a esperança de que algo futuro ocorra. Um tratamento dentário bem feito, uma entrega dentro do prazo, um alimento produzido com higiene, uma roupa que seja durável, etc. Estamos sempre confiando! E, o que é fantástico, pelo menos para mim, é que na imensa maioria das vezes, nossa confiança não é traída! O ser humano parece ser altamente confiável.
Nessa altura do texto, chego à educação para os negócios. É o que tenho feito nos últimos trinta e quatro anos de minha vida como professor de Administração. Isto representa quase sessenta porcento dela!
Na essência, ensinar sobre Administração é discutir sobre como pode o profissional deste campo agir de forma a que a confiança que todos os públicos da empresa nela depositam não seja frustrada. Clientes, fornecedores, empregados e a sociedade em geral desejam apenas isto desses profissionais: não deixem que a confiança depositada em sua organização seja desatendida!
O que está implicito nessa minha interpretação, acredito, é uma forma de enxergar como é o ser humano. Assim como Carl Rogers, compartilho da ideia de que o ser humano é essencialmente bom. São as circunstâncias que o desviam do bem agir, mas cada um de nós humanos, em nossas escolhas, somos guiados na maioria das vezes pela busca do bem estar comum a todos.
É essa crença que me guia na educação para os negócios. Não preciso ser um controlador do comportamento de cada estudante, pois cada um deles está em busca daquilo que imagina ser o melhor para si e para os outros. Meu papel é apontar caminhos alternativos e meios de se informarem para que cheguem ao mesmo destino: um mundo melhor.
No parágrafo acima usei a palavra crença. Em muitas ocasiões, já fui questionado sobre em que acredito. Essa pergunta sempre é feita no sentido religioso. Nesse sentido, não tenho crença alguma. Mas, obviamente, nesse texto minha crença se manifesta. Creio na humanidade. Esta é muito confiável!