quinta-feira, 25 de março de 2021

A HETEROGENEIDADE DOS ECOSSISTEMAS EMPREENDEDORES MUNICIPAIS DO BRASIL

A Endeavor Brasil, desde 2014, tem realizado pesquisas sobre a situação dos ecossistemas empreendedores em nível municipal que integram uma série de publicações sobre o Índice de Cidades Empreendedoras. No primeiro ano do estudo, foram pesquisadas 14 capitais brasileiras. Em 2015, este número subiu para 32 cidades brasileiras, entre as quais 22 capitais. Estas cidades e capitais se mantiveram nos relatórios de 2016 e 2017. Enfim, três anos depois, a pesquisa de 2020 atingiu as 100 cidades brasileiras com maior população e foi feita em parceria com a Escola Nacional de Administração Pública (Enap).

O Índice de Cidades Empreendedoras pretende indicar quais as cidades que têm um ambiente mais adequado para o desenvolvimento do ecossistema empreendedor. Baseado em sete pilares, ou determinantes, além de ranquear as cidades investigadas, ele permite entender pontos fortes e pontos fracos de cada ecossistema empreendedor. Suas informações e análise podem ser uteis tanto para os formuladores de políticas públicas de empreendedorismo quanto para empreendedores atuais ou potenciais. Para os primeiros aponta os pilares que demanda atenção e esforços de melhorias. Já para os últimos permite o conhecimento de oportunidades para empreender em ecossistemas empreendedores mais favoráveis. Os pilares que compõem o Índice de Cidades Empreendedoras estão descritos no quadro 1.

Quadro 1: Pilares ou determinantes do Índice de Cidades Empreendedoras

Pilar

Indicadores

Variáveis

Ambiente regulatório

Tempo de processos

Tempo de viabilidade de localização

Tempo de registro, cadastro e

viabilidade de nome

Taxa de congestionamento

em tribunais

Tributação

Alíquota interna do ICMS

Alíquota interna do IPTU

Alíquota interna do ISS

Qualidade da gestão fiscal

Complexidade burocrática

Simplicidade tributária

CNDs municipais

Atualização de zoneamento

Infraestrutura

Transporte interurbano

Conectividade via rodovias

Número de decolagens por ano

Distância ao porto mais próximo

Condições urbanas

Acesso à internet rápida

Preço médio do m2

Custo da energia elétrica

Taxa de homicídios

Mercado

Desenvolvimento econômico

Índice de desenvolvimento Humano

Crescimento médio real do PIB

Número de empresas exportadoras

com sede na cidade

Clientes potenciais

PIB per capita

Proporção entre grandes/médias e

médias/pequenas empresas

Compras públicas

Acesso a capital

Capital disponível

Operações de crédito por município

Proporção relativa de capital de risco

Capital poupado per capita

Inovação

Inputs

Proporção de mestres e doutores em C&T

Média de investimentos do BNDES e da Finep

Infraestrutura tecnológica

Patentes

Tamanho da economia criativa

Outputs

Proporção de funcionários em C&T

Contratos de concessão

Tamanho da indústria inovadora

Tamanho das empresas TIC

Capital humano

Acesso e qualidade da mão de obra básica

Nota do Ideb

Proporção de adultos com pelo menos o ensino médio completo

Taxa líquida de matrícula no ensino médio

 

Proporção de adultos com pelo menos o ensino superior completo

Proporção de alunos concluintes em cursos de alta qualidade

Acesso e qualidade da mão de obra qualificada

Nota média no Enem

Proporção de matriculados no ensino técnico e profissionalizante

Custo médio de salários de dirigentes

Cultura

Imagem do empreendedorismo

Satisfação em empreender

Probabilidade de abertura de negócios dados oportunidade e recursos

Facilidade pessoal para abertura e

manutenção de negócios

Conhecimento de riscos na abertura de novos negócios

Pesquisas sobre empreendedorismo

Apoio familiar ao empreendedorismo

Conhecimento sobre processos de abertura de negócios

Grau de esforço para se tornar empreendedor

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Endeavor (2021)

 

A partir dos dados coletados para cada uma das variáveis, as cidades foram ranqueadas no computo geral e, também, para cada um dos determinantes. No quadro 2, estão listadas as dez cidades com melhor ranqueamento no índice geral e nos sete pilares individualmente.

Quadro 2: Cidades de melhor desempenho no Índice das Cidades Empreendedoras e nos pilares

Indicador

Cidades

Índice das cidades empreendedoras

São Paulo; Florianópolis; Osasco; Vitória

Brasília; São José dos Campos; São Bernardo do Campo; Jundiaí; Porto Alegre; Rio de Janeiro

Ambiente regulatório

Macapá; Vitória; São Gonçalo; São Paulo; Boa Vista; Campos dos Goytacazes; Niterói; Praia Grande; Rio de Janeiro; Belford Roxo

Infraestrutura

São Paulo; Recife; Limeira; São Bernardo do Campo; Franca; Jundiaí; Santos; Guarulhos; Mogi das Cruzes; Brasília

Mercado

Jundiaí; Canoas; Brasília; São José dos Campos; Mauá; Diadema; São Paulo; Camaçari; Osasco; Campinas

Acesso a capital

São Paulo; Osasco; Porto Alegre; Rio de Janeiro; Belo Horizonte; Florianópolis; Curitiba; Vitória; Brasília; Vila Velha

Inovação

Florianópolis; Caxias do Sul; Campinas; Joinville; Limeira; Curitiba; São Bernardo do Campo; Porto Alegre; São José dos Campos; Niterói

Capital humano

Florianópolis; Vitória; Niterói; Juiz de Fora; Palmas; Santa Maria; Curitiba; Jundiaí; Belo Horizonte; Vila Velha

Cultura

Porto Velho; Manaus; Rio Branco; Maceió; Recife; Caruaru; Jaboatão dos Guararapes; Olinda; Paulista; Petrolina

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Endeavor (2021).

Observação: Os dez ecossistemas empreendedores de melhor desempenho no índice geral estão assinalados em negrito nos pilares em que também se destacaram

 

Pelas informações que constam no quadro 16, pode-se perceber que os ecossistemas empreendedores municipais apresentam muita heterogeneidade. Em primeiro lugar, os pilares que mais contribuíram para um melhor desempenho dos dez primeiros não foram muito numerosos. O pilar do acesso a capital é que contou com maior número das dez cidades de melhor índice geral, também nele mais bem posicionadas. Foram sete cidades, pela ordem de posicionamento no pilar: São Paulo; Osasco; Porto Alegre; Rio de Janeiro; Florianópolis; Vitória; e Brasília.

Outro pilar contou com cinco dos dez melhores ecossistemas empreendedores bem ranqueados. Foi o pilar de mercado, que contou com a participação de: Jundiaí, Brasília, São José dos Campos, São Paulo e Osasco. Aliás, neste pilar das dez cidades mais bem colocadas, sete são do estado de São Paulo, o maior mercado do Brasil.

Outros dois pilares - infraestrutura e inovação - tiveram a presença de quatro dos dez melhores ecossistemas empreendedores entre os de melhor desempenho nestas dimensões. O pilar de infraestrutura incluiu São Paulo, São Bernardo do Campo, Jundiaí e Brasília. Também na dimensão da infraestrutura, o estado de São Paulo teve a maiorias dos melhores ecossistemas, ou seja, oito entre dez municípios. São Paulo é reconhecido como o estado de melhor infraestrutura de transportes e comunicação no país. O pilar de inovação, por sua vez, contou com a presença de Florianópolis, São Bernardo do Campo, Porto Alegre e São José dos Campos.

Por fim, na análise dos municípios presentes em cada pilar, o de cultura teve um perfil muito diferente dos demais. Nenhum dos dez melhores ecossistemas empreendedores se destacou neste pilar. Aliás, este pilar contou com a presença, entre os dez melhores, de cidades apenas do norte (Porto Velho (RO); Manaus (AM); e Rio Branco (AC)) e nordeste (Maceió em Alagoas; e Recife, Caruaru, Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Paulista e Petrolina em Pernambuco).

 Outra forma de heterogeneidade se relaciona aos pontos fortes de cada ecossistema empreendedor. Assim, São Paulo que assumiu a primeira posição no índice geral, quando se analisa a presença nos sete pilares, vê-se que a cidade esteve entre as dez melhores em apenas quatro (ambiente regulatório; infraestrutura; mercado; e acesso a capital).

Florianópolis, por sua vez, segunda classificada no índice geral, esteve entre os dez melhores ecossistemas empreendedores em apenas três pilares (acesso a capital; inovação; e capital humano).  

Osasco, município da região da Grande São Paulo, foi o terceiro colocado no índice geral, mas esteve apenas entre os dez melhores nos pilares de mercado e acesso a capital.

Vitória e Brasília que ocuparam respectivamente, a quarta e quinta posições, também se destacaram entre os dez melhores em apenas três pilares cada um. Vitória se posicionou bem em ambiente regulatório, acesso a capital e capital humano, enquanto Brasília foi bem ranqueada em Infraestrutura, mercado e acesso a capital

Dos cinco municípios restantes que estiveram entre os dez melhores, São José do Campos, na sexta posição, teve bom desempenho em mercado e inovação. A seguir, São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista, teve destaque em infraestrutura e inovação. Na oitava posição ficou Jundiaí, no estado de São Paulo, com bom posicionamento em infraestrutura, mercado e capital humano. Porto Alegre e Rio de Janeiro, ficaram nas duas últimas posições, com a primeira se destacando em acesso a capital e inovação, e o último em ambiente regulatório e acesso a capital.

Curitiba e Niterói, que ficaram na classificação do índice geral em 11º. E 15º., respectivamente, tiveram destaque em três pilares cada uma.  A capital paranaense foi bem-posicionada em acesso a capital, inovação e capital humano, enquanto Niterói se destacou em ambiente regulatório, inovação e capital humano.

Mais cinco cidades desempenharam bem em dois pilares:  Belo Horizonte (14º.); Campinas (12º); Limeira (13º.); Recife (37º.) e Vila Velha (34º.). Belford Roxo. Boa Vista, Camaçari, Campos dos Goytacazes, Canoas, Caruaru, Caxias do Sul, Diadema, Franca, Guarulhos, Jaboatão dos Guararapes, Joinville, Juiz de Fora, Macapá, Maceió, Manaus, Mauá, Mogi das Cruzes, Olinda, Palmas, Paulista, Petrolina, Porto Velho, Praia Grande, Rio Branco, Santa Maria, Santos e São Gonçalo foram a 28 cidades que se destacaram em apenas um dos pilares do índice geral de cidades empreendedoras.

Estes dados trazem um panorama interessante e heterogêneo das 100 maiores cidades em termos de população no Brasil. Outras análises podem ser feitas. Aguarde!

 

Referência

ENDEAVOR/ENAP Índice de cidades empreendedoras Brasil 2020, Disponível em https://endeavor.org.br/ambiente/ice-2020/ 

sexta-feira, 5 de março de 2021

Antes do Gimenez: memórias que me contaram

Penso que este deve ser o último da série de posts que, muito provavelmente, se tornarão um livro de bolso. Projeto independente que começa a tomar forma em minha mente. Homenagem a meu pai e minha mãe com memórias minhas e de outros. Desejo grande de dar um registro físico a estes escritos digitais.
Como o próprio título indica, não são minhas estas memórias. Ou melhor, são memórias de memórias que me contaram. Uma foi contada, várias vezes, por um professor de matemática que tive no ensino médio. Anos mais tarde, seríamos colegas de universidade. Ele, professor de economia. Eu, de administração.
A segunda memória veio de minha mãe. Entre as muitas conversas que tivemos antes de ela perder sua lucidez, algumas vezes me contou sobre o primeiro flerte entre ela e seu Gimenez. Mais dele do que dela. Mas, ela me contava com emoção e muito humor. Meu pai já era falecido quando ela me narrou esta lembrança pela primeira vez.
Por fim, graças a uma interação no Facebook, a partir de uma lembrança de um amigo de minha infância, Devanir Parra, há uma memória contada pelo meu próprio pai. Acrescida de detalhes que meu tio Antônio, irmão de meu pai, me passou e que aconteceram muito antes da chegada de meu pai a Londrina no começo da década de 40. Memória esta ainda mais avivada por relato de meu primo José Gimenes, filho de outro irmão de meu pai, também José. Então, vamos a elas.
O professor Hermas de Melo, que de vez em quando fazia compras no supermercado Gimenez, já na época dos meus estudos no Ginásio e Científico, me contava a lembrança que tinha de meu pai. Dizia ele que, no começo da vida de meu pai em Londrina, este vendia bananas em uma carroça com a qual circulava pela região. E, sempre, concluía que admirava muito o sucesso de meu pai como comerciante. O estranho dessa memória é que eu, ao menos do que me lembro, nunca confirmei com meu pai se a história era verdadeira. E, também, não me lembro de alguém, além de meu professor de matemática, ter falado disso. De qualquer forma, era uma história que me deixava orgulhoso. Enfim, é uma memória que me contaram.
A segunda memória que me foi contada veio, como disse, de minha mãe. Muitas vezes, ela me contou sobre o primeiro contato que teve com meu pai. No início dos anos 50, ela era professora em Apucarana. Ia e voltava de Apucarana de ônibus. Na volta, o ponto de desembarque era próximo ao colégio Londrinense, onde ela havia estudado, na rua Mossoró quase esquina com a Paranaguá. Nessa época, ela, meus avós e alguns de meus tios e tias já moravam na Espírito Santo, um pouco depois da casa de comércio que meu pai já tinha na esquina da Paranaguá com Goiás. Ela fazia o trajeto da Paranaguá desde a Mossoró até a Espírito Santo a pé. Inevitavelmente passava em frente à mercearia do seu Gimenez.
Certa vez, quando ela por ali passava, um senhor que era contador e para quem ela já havia prestado alguns serviços, estava conversando com o Christovam. Minha mãe e meu tio João eram contadores e alguns anos antes tiveram um escritório de contabilidade. Esse senhor recorria a eles, de vez em quando, nos momentos que tinha muita demanda. Minha mãe cumprimentou o conhecido. E ouviu a seguinte conversa:
_ Fulano, vou me casar com essa moça.
_ Christovam, eu conheço essa moça. Ela é de família. Séria. Não é como as mulheres que você se envolve.
Meu pai era um homem bonito, bem de vida e, segundo me contaram, usava o seu charme, pois quando mudou-se para Londrina já era desquitado. Tinha seus casos. Mas, meu pai assim respondeu:
_ Fulano, falo sério. Quero casar com ela.
Depois de algum tempo, houve a aproximação e eles se casaram em 1953. Houve alguma resistência de meu avô, pai de minha mãe, mas no fim seu Gimenez e dona Kilda foram se casar em Rivera no Uruguai, já que desquitado, de acordo com a legislação da época, ele não poderia se casar novamente. Meu tio Caio e meu avô foram juntos para Rivera. Mas, esta é outra memória!
Por fim, a memória narrada por meu pai. Ele, quando éramos crianças, teve alguns cavalos de corrida que disputavam páreos no Jóquei Clube de Londrina. Era um programa dominical para eu, meus irmãos e minha irmã. Passávamos as tardes de domingo vendo as corridas. Em um dos páreos sempre corria um dos cavalos de meu pai. Pois meu pai contava que, quando ele veio para Londrina, havia uma raia de corridas na rua Antonina. Ele que tinha sido jóquei dos cavalos de seu pai, Antônio Gimenes, em Sertãozinho, também participava das corridas. Devanir Parra, outro dia no Facebook, me perguntou sobre isso e se referiu à raia da rua Paranaguá. Para ser honesto com você, eu sempre achei que fosse na Antonina, mas agora estou em dúvida. Porém, isso não importa. As memórias nem sempre são exatas.
Certa vez, quanfo fui visitar os familiares de meu pai em Sertãozinho, meu tio Antônio nos levou para visitar Dumont, que fica próxima da cidade natal de meu pai. Ele estava conosco. Naquele dia, meu tio Antônio contou sobre o tempo em que meu pai ainda jovem era o jóquei dos cavalos que meu avô criava. Em especial, lembrou do dia em que haveria uma corrida em Dumont, mas não queriam deixar que meu pai participasse da corrida com o cavalo usual, pois era uma barbada. Ou seja, ninguém poderia ganhar deles. Mas, o que ninguém esperava era o que os filhos do seu Antônio, meu avô, fariam. Pintaram o cavalo para se inscreverem na corrida. Parece coisa de filme, mas não deu muito certo.
Aqui, reproduzo o que confirmou meu primo José Gimenes em comentário no Facebook em resposta à minha interação com Devanir Parra:
"Fernando,  fiquei sabendo através do meu pai que o seu pai, meu tio Christovam era o jockey da família Gimenez em Sertãozinho. Depois o tio começou a  crescer muito e ficar encorpado, então o tio Antônio passou a ser o jockey porque era mais franzino. Eles ganhavam muitas corridas na região de Sertãozinho. Meu pai ia catar uma grama especial não sei aonde pra dar pros cavalos de corrida".
Em seguida, ele adicionou:
"Meu pai conta esta história que pintaram o cavalo com alguma tinta de erva pra não reconhecerem o cavalo que era considerado barbada. Só que daí começou a chover e apagou a tinta . Assim acabaram descobrindo que o animal era do Seu Antônio Gimenes".
Os irmãos Gimenez não eram fáceis, não!
Estão aí as memórias das memórias que me contaram. Um bom fecho para este livro que estou planejando.