sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Economia Criativa: primeiras reflexões sobre o caso do cinema


O fenômeno do empreendedorismo não é recente. Empreender é um ato humano que pode ser notado em qualquer atividade que reúna grupos. Desde os primórdios da humanidade, quando os seres humanos se juntaram, pode-se dizer que foram criados empreendimentos para permitir a realização de tarefas sociais.
A sociedade contemporânea é marcada por um ritmo acelerado de mudança. O mundo em que vivemos está se transformando continuamente. Alterações nos hábitos de consumo da população, mudanças demográficas, o surgimento de novas tecnologias e sua incorporação em produtos e serviços causam impactos profundos nas organizações de negócios ameaçando sua sobrevivência ou oferecendo novas oportunidades de crescimento, bem como abrindo espaço para o surgimento de novas empresas, ou para o desenvolvimento de iniciativas empreendedoras em organizações já existentes.
Esse fenômeno tem sido estudado em diversos contextos. Mais recentemente, a Economia Criativa tem sido foco de atenção dos pesquisadores, tanto por sua potencial contribuição ao desenvolvimento econômico e social quanto por suas peculiaridades no modo de atuação das organizações que nela se incluem (KIRSCHBAUM et al, 2009).
Leitão (2013), ao fazer a apresentação de uma edição do Cadernos do CEOM dedicada à Economia Criativa, inspirando-se em Celso furtado, ressalta que “se tomarmos a arte como forma de vida, se resgatarmos na criatividade humana uma energia sem finalidade, talvez tivéssemos aí um bom mote para qualificar a palavra economia como criativa, uma economia voltada à inclusão produtiva e, sobretudo, às dinâmicas sociais de fusão entre o criar e o viver".
Ora dedicar-se ao estudo do empreendedorismo, para mim, sempre teve um sentido inclusivo. Sempre desejei entender a ação empreendedora, a partir dos desejos e motivações do indivíduo empreendedor. No entanto, pouco me preocupei, até recentemente, com o aspecto de manifestação cultural no empreender. Ao me dedicar ao estudo do cinema, vislumbro uma possibilidade de juntar o útil ao agradável! Compreender a ação empreendedora em um espaço onde a lógica de negócio se emparelha à lógica da criação cultural. Como conciliá-las?
As organizações de produção cinematográfica estão incluídas na chamada Economia Criativa. De modo geral, sua forma de organização centra-se em três grandes eixos: a concepção de um novo produto (filme); a produção do filme; e a sua distribuição (exibição em salas de cinema, outros espaços e outras formas de disseminação).
O mercado brasileiro de distribuição e exibição de filmes é crescente. Em estudo preliminar, recentemente divulgado, a ANCINE informa que o ano cinematográfico de 2012, compreendendo 52 semanas cinematográficas entre a primeira sexta-feira do ano (6 de janeiro de 2012) e a primeira quinta-feira de 2013 (3 de janeiro de 2013), estabeleceu um recorde na arrecadação das salas de exibição, atingindo R$ 1,6 bilhão de reais, crescimento de 12,13% em relação a 2011 (ANCINE, 2013). Nesse período foram lançados pelas empresas distribuidoras 330 filmes, dos quais 83 eram produções brasileiras. O total de filmes lançados ficou pouco abaixo do ocorrido em 2011, 339 filmes. No entanto, naquele ano o número de filmes brasileiros que entraram em exibição foi de 99, o que significa que em 2012 houve uma queda de 16,2% no número de filmes brasileiros em lançamento. Essa queda refletiu-se na participação dos filmes brasileiros em termos de público e arrecadação das salas de exibição. Em 2011, os filmes brasileiros atingiram 12,4% do público e 11,4% da renda, ao passo que em 2012, os resultados foram 10,6% e 9,7%, respectivamente (ANCINE, 2013).
Um aspecto característico das organizações cinematográficas é que estas estão continuamente envolvidas em projetos que têm prazo determinado para realização. Isto implica, possivelmente, em formas distintas de organização em comparação com empresas tradicionais de mercado. Assim, este contexto diferenciado pode ser objeto de estudo, contribuindo para um entendimento ampliado de como as organizações de produção cinematográfica se estruturam para terem um desempenho bem sucedido e continuado na sociedade.
Paiva Júnior, Cunha e Guerra (2013), comentando sobre o empreendedor cultural do filme, a partir da análise do caso de Pernambuco, ressaltam que “dentre as atividades culturais, o cinema se destaca por suas peculiaridades de sobrevivência, uma vez que se demanda um alto custo para produção de um filme, existe certa carência de alternativas para captação de recursos financeiros que viabilizem sua realização e entraves para a circulação dos filmes no mercado exibidor” (p. 97).
Assim, começo a estudar as formas como as organizações de produção cinematográfica podem se configurar por meio de decisões que articulem em sua atuação aspectos do empreendedorismo e da economia criativa, em seus três eixos centrais: concepção, produção e distribuição. Para entender a gestão das organizações de produção cinematográfica, considero necessário analisá-las sob uma perspectiva da abordagem das configurações. A abordagem das configurações tem permeado os estudos organizacionais especialmente nas duas últimas décadas e se estabelecido como uma perspectiva voltada para a investigação de conjuntos de atributos que representam arquétipos ou gestalts organizacionais. Nesse sentido, o ponto de partida dessa abordagem teórica repousa no entendimento de que “organizações são consideradas entidades complexas cujos elementos de estrutura, estratégia e ambiente possuem uma tendência natural de se combinar em estados “quânticos”, ou “configurações” (MILLER; FRIESEN,1984, p. 1).
Procuro parceiros nessa empreitada. Quer juntar-se a mim?

Referências:

ANCINE Agência Nacional do Cinema. Informa de Acompanhamento de Mercado. Disponível em http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/dados2012/dezembro/Informe-anual-2012-preliminar.pdf.

KIRSCHBAUM, C.  et al Indústria Criativa no Brasil. São Paulo: Atlas, 2009.

LEITÃO, C. Apresentação ou Reflexões Furtadianas sobre Economia Criativa Brasileira. Cadernos do CEOM, v. 26, n, 39, p. 7-10, 2013.

MILLER, D.; FRIESEN, P. Organizations: a quantum view. New Jersey: Prentice-Hall, 1984.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas - Volume 2, número 2

Lançado mais um número da REGEPE - Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas. Leitura de alta qualidade!
http://www.regepe.org.br/index.php/regepe/issue/current

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Sem plano de negócios

Ainda não li, mas gostei da forma de disseminação:

http://semplanodenegocios.lucca.co/

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A Freira e a Taxista - entre a eficiência e a eficácia!


Minha irmã, Kilda, me enviou hoje essa pequena anedota que serve bem para ilustrar o dilema entre eficiência e eficácia na administração, em particular nas pequenas empresas. Kilda a recebeu a de uma amiga.

"Em uma cidade do interior, viviam duas mulheres que tinham o mesmo nome: Flávia. Uma era freira e a outra taxista. Quis o destino que morressem no mesmo dia. Quando chegaram ao céu, São Pedro as esperava. 
-  O teu nome?
-  Flávia
-  A freira?
-  Não, a taxista.
São Pedro consulta as suas notas e diz:
-  Bem, ganhastes o paraíso. Leva esta túnica com fios de ouro. Pode entrar. A seguinte...
-  O teu nome?
-  Flávia
-  A freira?
-  Sim, eu mesma.
-  Bem, ganhastes o paraíso... Leve esta túnica de linho. Pode entrar.
A religiosa diz:
-  Desculpe, mas deve haver algum engano. Eu sou Flávia, a freira!
-  Sim, minha filha, e ganhastes o paraíso. Leve esta túnica de linho...
-  Não pode ser! Eu conheço a outra Flávia, Senhor. Era taxista, vivia na minha cidade e era um desastre! Subia as calçadas, batia com o carro todos os dias, conduzia pessimamente e assustava as pessoas. Nunca mudou, apesar das multas e repreensões policiais. E quanto a mim, passei 65 anos pregando todos os domingos na paróquia. Como é que ela recebe a túnica com fios de ouro e eu esta?
-  Não há nenhum engano - diz São Pedro. É que, aqui no céu, adotamos uma gestão mais profissional do que a de vocês lá na Terra...
-  Não entendo!
-  Eu explico. Já ouviu falar de Gestão de Resultados? Agora nos orientamos por objetivos, e observamos que nos últimos anos, cada vez que tu pregavas, as pessoas dormiam. E cada vez que ela conduzia o táxi, as pessoas rezavam! Resultado é o que importa."

Deliciosamente instrutiva, não?

A distinção entre eficiência e eficácia, provavelmente, é um dos conhecimentos que se transmite logo nos primeiros momentos a estudantes de administração. Do ponto de vista conceitual, é uma diferença muito simples. Eficiência está relacionada a fazer certo as coisas, enquanto que eficácia é fazer a coisa certa. O que isso quer dizer, é que ser eficiente significa realizar as atividades e processos em uma organização de forma a utilizar corretamente e sem desperdícios todos os recursos e ferramentas necessários para cada tarefa organizacional. Por outro lado, ser eficaz significa atingir os objetivos relacionados à existência da organização. No caso de uma empresa, ser eficaz é oferecer a um mercado produtos ou serviços que sejam realmente desejados. 

É claro que a situação ideal, do ponto de vista da administração, está na combinação constante dos dois aspectos: ser eficaz e ser eficiente. Nas grandes empresas, em geral, essa combinação não é tão difícil de ser mantida. Nas pequenas empresas, no entanto, isto é mais complicado! A falta de recursos, ferramentas ou, até mesmo competências  podem afetar a eficiência. Mas, se temos que sacrificar algum dos dois, o aconselhável é abrir mão da eficiência. A eficácia não pode jamais ser abandonada.

Assim, nada mais natural que a taxista recebesse a túnica com fios de ouro. Para São pedro, a eficácia das ações residia em conseguir um maior número de preces e orações. A freira não estava sendo nem eficiente, nem eficaz! Não conseguia pregar de forma a manter a atenção das pessoas e estas não se sentiam motivadas a orar. Por outro lado, a taxista, não era nem um pouco eficiente, mas, do ponto de vista da igreja, era eficaz: todo mundo rezava quando a via!

É o que digo para minha professora de tênis, quando faço um smash todo torto:

_ Não fui eficiente, mas fui eficaz. Ganhei o ponto!

Mas, isso é história para outro post. Ainda vou escrever algo sobre a relação entre tênis e administração. Aguardem.


sábado, 23 de novembro de 2013

Perto da Concha Acústica: o Cachorro-quente que virou Pitbull!

Ontem, 22 de novembro, fiz um lanche em uma das esquinas do centro de Londrina. Voltava, a pé, do lançamento da Revista Organizações e Sustentabilidade cujo editor é o Ivan de Souza Dutra, professor do Departamento de Administração da Universidade Estadual de Londrina..
Tive o privilégio de ser o autor de um ensaio na primeira edição deste novo periódico do Programa de Pós-graduação em Administração da UEL. Por um acaso do destino, estava em Londrina no dia da cerimônia organizada por Ivan, Luis Miguel Luzio dos Santos e Marli Verni.
Ambiente acolhedor e momentos de reencontro com colegas e ex-alunos. Lilian Aligleri também estava lá, com a filhinha de nove meses e Marli, sua mãe. Pena que Luís Antônio, pai de Lilian, não veio. Saudades desse amigo de longa data, professor competente sempre homenageado pelos estudantes.
Ao final do evento, decidi caminhar até a casa de minha mãe onde estou hospedado. Pouco mais de mil metros, a partir de um shopping nas proximidades da rodoviária até Concha Acústica de Londrina, vizinha à Catedral. Os mais jovens devem estar curiosos! O que é uma concha acústica?
Não vi muitas em minha vida. Na verdade, acho que conheço só a de Londrina. É uma construção de alvenaria, convexa, em forma de concha, que fica sobre um palco em uma praça pública. A praça tem cerca de dez fileiras de bancos de concreto. Na Concha Acústica são apresentados shows musicais, peças e outras atrações. Já foi muito usada no passado. Ultimamente, durante as noites, tem sido utilizada como dormitório por sem-tetos.
Mas, o que quero relatar é a história do cachorro-quente que virou pitbull! Subindo pela rua Maranhão notei um aglomerado de pessoas na esquina com Souza Naves, ao lado de um carrinho de cachorro-quente.
Apesar de ter comido e bebido no lançamento da revista, resolvi comer um cachorro-quente. A cena e a fresca brisa noturna me trouxeram lembranças de minha juventude. Sempre que saía das sessões noturnas do Cine Vila Rica, voltava a pé para casa. No caminho, na Avenida Higienópolis, comia um cachorro-quente. Sempre no mesmo carrinho.
Aproximei-me e o lancheiro me disse:
_ Se for comer, põe o nome na lista.
Me passou uma prancheta com uma caneta e folha de papel. Nela já havia mais de 15 nomes. Quando terminou de preparar o lanche que estava fazendo, pegou a prancheta e chamou alguém. Em seguida me avisou:
_ Tem mais dois na sua frente.
_ Não tem pressa, respondi. Não tenho nada pra fazer esta noite.
Na minha vez, ele perguntou:
_ O que vai ser?
_ Duas salsichas, maionese, catchup e mostarda.
_ Pit 2. Não quer milho verde e batata palha?
_ Não. Como você chama o lanche?
_ Pit 2. Pão pequeno com duas salsichas. Pit 1quando tem uma salsicha.
Esse foi o começo do papo. Estimulado por minhas perguntas, o lancheiro me contou que está nisso há 29 anos. Foi office-boy antes de começar a fazer lanche na rua. Há nove anos está nessa área da cidade, mas antes trabalhou na Higienópolis e na Quintino Bocaiúva. Mais ou menos dez anos em cada rua. Nessa altura da conversa é que reconheci a figura:
_ Lembro de você da Higienópolis! Como está a vida?
_ Não está mal. Melhorou nos últimos dez anos quando comecei a fazer sucos. A partir do meio do dia preparo tudo e venho pra rua entre quatro e quatro e meia. Começo perto da delegacia e, mais tarde venho para esse lugar. Os sucos são meu diferencial junto com os lanches maiores: dogão e pitbull.
Nesse momento, chega uma moça com uma criança no colo e um menino ao lado. Uma graça de garoto, quatro anos no máximo, que fala para o lancheiro:
_ Oi Davi. Eu voltei!
Davi sorri e brinca com o menino:
_ Eu vi. Mas achei que era um gatinho.
_ Não era um gatinho. Era eu.
A cena me encantou!
Ao mesmo tempo, chegam três rapazes. Com uma larica danada, um deles pede:
_ Faz três bem regadão!
Davi repete o procedimento:
_ Coloca os nomes aqui, para eu chamar quando for fazer.
Continuo conversando com Davi, agora o chamando pelo nome que aprendi com o garoto. Davi me conta sobre o que conseguiu nesse ofício:
_ Duas casinhas, um carro e uma pequena caminhonete para transportar o carrinho e material.
Parece muito satisfeito. Pergunto se não pensa em ter um espaço próprio, mesmo que seja apenas com uma porta.
_ Não! Gosto da rua, não conseguiria ficar num lugar só.
Aprendo com Davi! Fazer diferente, mas do jeito que gosta. Enquanto conversamos, vários clientes pedem por suco.
_ Ele tem vários, mas o melhor é morango com danone, me diz uma moça.
_ Sou bom no suco, garante Davi.
Chama o primeiro dos rapazes:
_ O que vai ser?
_ Bem regadão, repete o cara.
_ Vai ser o pitbull então. Pão grande, duas salsichas, maionese, catchup, mostarda, maionese verde, milho, frango na chapa e batata palha. Pros três?
_ Sim, respondem os três ao mesmo tempo.
Davi olha pra mim e diz:
_ Tem que dizer o que é, pra não reclamarem depois. O dogão é quase igual. Só não tem o frango.
Quase ao fim da conversa, Davi me ensina um pouco mais. Um dos três jovens pega uma bisnaga de catchup. Davi avisa:
_ Não encosta o bico da bisnaga onde morder.
_ A fiscalização pega no pé? Pergunto.
_ Não, eles estão certos, diz Davi. Na mordida pode estar alguma bactéria.
Em seguida, fala para o jovem:
_ Traz a bisnaga aqui. Vou fazer um potinho para você.
Davi se mostra socialmente responsável e, ainda, consegue customizar o pitbull para o cliente.
O que vi nessa noite? Davi de bem com a vida, trabalhando de segunda a sábado, descansando aos domingos, se sentindo bem sucedido! Sabendo atender, sendo organizado e cortês, socialmente responsável e desenvolvendo seu diferencial.
Nada mais adequado para uma noite em que surgiu a Revista Organizações e Sustentabilidade!
 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Sobre Desafios e Ganas ou Cabelo e Barba em uma Barbearia Portuguesa

Este texto foi escrito no dia 18 passado. Em meu celular dentro de um ônibus entre Faro e Lisboa:
Poder viajar para fora do Brasil é uma oportunidade de vida ímpar. Depois de sete dias em Portugal, estou a caminho de Lisboa para a viagem de retorno. Um problema no avião em Faro me colocou em um ônibus que segue pela autopista A2 há cerca de quarenta minutos. Sara cochila a meu lado.
Aproveito para refletir sobre essa semana em que reencontrei Fernanda. Há um mês fora do Brasil, passou por momentos desagradáveis quando, logo na primeira semana, teve sua bolsa furtada. Perdeu algum dinheiro, passaporte, cartões de banco e crédito. Estava desanimada quando nos encontramos em Sevilha. Aos poucos seu semblante foi desanuviando. Passeamos com Sara e Dona Aparecida uma noite e um dia por lá. Depois, no dia seguinte fomos a Lisboa onde passeamos por dez horas.
Hoje, ao deixá-la na rodoviária de Olhão, fiquei feliz ao vê-la pronta para a luta da vida de novo. Cheia de desafios! Com ganas de enfrentá-los! Ao falar com ela no meio da tarde, já estava na Universidade de Sevilha, fazendo seus trabalhos do Mestrado em Comunicação e Cultura.
Ver Fernanda pronta para recomeçar me trouxe à lembrança o encontro com Vitálio, técnico em cabelo, como me informou o crachá em seu guarda-pó. Na quarta pela manhã, dia 13, passeando pelo centro de Olhão, indago por uma barbearia. Um vendedor em uma praça sugere que vá a barbearia do Vitálio. Sigo suas indicações pelas vielas de Olhão e logo a encontro.
De imediato, lembrei-me de seu Lauro e sua barbearia. Personagem de minha infância e adolescência com seu pequeno salão onde eu e meus irmãos estivemos incontáveis vezes. Primeiro com nosso pai e, quando maiores, sozinhos.
O salão do Vitálio tem apenas uma porta. Duas cadeiras antigas de barbeiro ao fundo, de frente para um espelho. Paredes laterais emolduradas por espelhos na altura dos olhos. Abaixo dos espelhos, cadeiras para os clientes. Fotos, gravuras e pequenos quadros enfeitam as paredes.
Ao entrar, havia um par de clientes sendo atendidos e mais dois a esperar. Perguntei a um dos barbeiros se poderiam me atender. Diante da resposta positiva pus-me a esperar.
Vitálio, cujo nome só descobri quando foi me atender, conversava com um senhor mais idoso. De repente sai-me com uma pergunta ao idoso:
_ Quero ver se está com o cérebro a funcionar? O que vem primeiro: o Natal ou o Novo Ano?
A resposta do idoso foi:
_ Natal, ora pois.
_ Errado, disse o Vitálio. O novo ano vem sempre antes do Natal. O Natal vem sempre ao final do ano.
Continuou:
_ Que mês tem vinte e oito dias?
_ Fevereiro.
_ Não. Todos os meses têm vinte e oito dias.
Nesse momento, o outro barbeiro entrou na conversa:
_ Em que mês as mulheres mijam menos?
No meio da risada de todos, o próprio respondeu:
_ Fevereiro, pois tem menos dias.

Assim, o tempo foi passando e chegou minha vez de ser atendido. 
Expliquei como queria cabelo e barba. Não precisei falar muito. O barbeiro só me perguntou o número da máquina para aparar a barba. O resto foi como sempre tivesse me atendido. Perfeito!
Fiz algumas perguntas e descobri que Vitálio tem essa profissão desde os dez anos. Aprendeu com seu pai, que foi ensinado pelo pai também, que aprendera o ofício com seu pai. Há algumas gerações o ofício é transmitido de pai para filhos. Mais recentemente, algumas sobrinhas também se tornaram cabeleiras.
Vitálio no ano que vem completa sessenta e seis anos. Fundou seu salão ha quarenta e um anos. Está pensando em se aposentar. Caso isso ocorra, completará 56 anos de profissão e 42 anos com sua pequena empresa. Fico pensando nos desafios que enfrentou nessa jornada. Com certeza deve ter tido muita gana para enfrentá-los.
Tenho certeza que, além do serviço competente, o clima que vivenciei em cerca de uma hora é um dos aspectos que garantiram a permanência do Vitálio no mercado por tanto tempo.

Feliz de mim que tive o acaso a meu favor me permitindo conhecer Vitálio, o técnico em cabelo!


domingo, 10 de novembro de 2013

Sustentabilidade da Sociedade é preocupação relevante para as empresas mais admiradas do Brasil?

Recebi ontem a edição especial de Carta Capital - As empresas mais admiradas no Brasil, número 16. No ano passado, publiquei um post (http://3es2ps.blogspot.com.br/2012/10/as-empresas-mais-admiradas-do-brasil-e.html) tecendo alguns comentários sobre os resultados dessa pesquisa, decidi repetir a análise hoje,  seguindo os mesmos procedimentos do ano passado.

Nessa publicação, as empresas são classificadas segundo a percepção de mais de 1.200 executivos a respeito de sua aderência a treze fatores-chave que, no cômputo geral de importância atribuída pelos respondentes da enquete, foram hierarquizados de forma distinta em 2013. No ano passado, Ética e Inovação eram os principais fatores-chave, seguidos por Qualidade de Produtos e Serviços, Respeito pelo Consumidor e Solidez Financeira. No último levantamento, a Qualidade de Produtos e Serviços assumiu a liderança do ranking, seguida por Respeito pelo Consumidor, Ética, Inovação e Solidez Financeira. Resultado intrigante! Um rearranjo de prioridades na condução das empresas avaliadas? Parece que sim, pois houve também mudanças de posição em relação aos outros fatores-chave. A classificação dos fatores-chave nos dois anos é apresentada no quadro abaixo:

ORDEM
2012
2013
1º.
Ética
Qualidade de produtos e serviços
2º.
Inovação
Respeito pelo consumidor
3º.
Qualidade de produtos e serviços
Ética
4º.
Respeito pelo consumidor
Inovação
5º.
Solidez financeira
Solidez financeira
6º.
Qualidade de gestão
Qualidade de gestão
7º.
Compromisso com desenvolvimento sustentável
Compromisso com RH
8º.
Compromisso com RH
Compromisso com desenvolvimento sustentável
9º.
Responsabilidade social
Notoriedade
10º.
Notoriedade
Responsabilidade social
11º.
Capacidade de competir globalmente
Compromisso com o país
12º.
Compromisso com o país
Capacidade de competir globalmente
13º.
A mais ativa/presente nas redes sociais
A mais ativa/presente nas redes sociais

Da mesma forma que no ano passado, chamou  minha atenção a distância entre ética e outros fatores-chave que indicam uma preocupação com os interesses mais amplos da sociedade: Compromisso com desenvolvimento sustentável (oitava posição), Responsabilidade social (décima posição) e Compromisso com o país (décima-primeira). Esse distanciamento me levou a analisar o comportamento dos fatores-chave em cada um dos setores descritos na publicação (47). Para isso, fiz uma pontuação ranqueada dos fatores-chaves em cada setor. Isso significou atribuir pontos para o fator-chave conforme sua posição na escala de importância, ou seja, 13 pontos para o primeiro lugar, 12 pontos para o segundo, 11 pontos para o terceiro e, sucessivamente, até 1 ponto para a décima-terceira posição.

Em seguida, os fatores-chave foram separados em três grupos, como feito em 2012: forma de competição no mercado (Posicionamento Competitivo), capacidade de competição (Competências e Recursos)  e compromisso com a sustentabilidade da nossa sociedade (Sustentabilidade da Sociedade). A presença em redes sociais foi excluída da análise por se fazer presente em apenas 21 setores, frequentemente nas últimas posições. Assim, cada grupo ficou com quatro fatores-chave.

De novo, como no ano passado, foi possível verificar que as empresas mais admiradas devem sua reputação, sob o ponto de vista dos executivos, muito mais a fatores-chave associados a Posicionamento Competitivo e Competência e Recursos e menos à preocupação com a Sustentabilidade da Sociedade. Esse resultado foi um pouco mais acentuado do que em 2012, como pode ser visto no quadro a seguir:

GRUPO
FATOR-CHAVE
2012
2013
PONTOS
%
PONTOS
%
Posicionamento Competitivo
Qualidade de Produtos e Serviços
452,00
37,1
497,50
38,4
Respeito pelo Consumidor
487,00
490,50
Inovação
483,00
420,50
Capacidade de Competir Globalmente
118,00
164,50
Competências e Recursos
Solidez Financeira
411,50
31,7
366,50
32,3
Qualidade de Gestão
364,00
359,00
Compromisso com RH
301,00
322,50
Notoriedade
240,00
273,00
Sustentabilidade da Sociedade
Ética
546,00
31,5
455,00
29,3
Compromisso com Desenvolvimento Social
335,00
301,50
Responsabilidade Social
282,00
247,00
Compromisso com o País
143,00
196,00


Esse resultado é um pouco desanimador par aqueles que pensam na possibilidade da prática de uma administração equilibrada entre os aspectos econômicos, sociais e ambientais. Em 2012, os aspectos sociais e ambientais quase igualaram a importância atribuída aos fatores que indicam uma capacidade competitiva econômica das empresas. No entanto, em 2013, os fatores-chave da Sustentabilidade da Sociedade perderam 2 pontos percentuais. Como será em 2014? Estou começando a gostar de fazer essa análise, mas não sou muito crente na possibilidade de um melhoria significativa na atribuição de importância ao terceiro grupo. Espero estar errado!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

OS 5 Ps DO EMPREENDEDORISMO

Para todos os que me ajudaram a estudar empreendedorismo nos últimos 20 anos.

Passei dois dias e meio na UNICAMP participando de um curso sobre ensino para o empreendedorismo. Conduzido por Shirley Jamieson e Shiba Barakat da Universidade de Cambridge, o curso teve representantes de várias agências de inovação de universidades brasileiras e foi organizado pela INOVA UNICAMP.

Foi uma boa oportunidade de aprendizagem sobre a condução de programas de desenvolvimento de empreendedores. A experiência de Cambridge no tema foi o eixo condutor do curso, mas houve relatos das abordagens dos participantes brasileiros também.

Em determinado momento, um dos participantes mencionou um modelo que contêm três dimensões que explicam o sucesso no empreendedorismo: paixão, habilidades e mercado. Edmundo Inácio Júnior, meu amigo que reencontrei no curso, disse que essa ideia é mencionada por Tina Seelig no livro What I wish I knew when I was 20.

Foi nesse momento que, inspirado por essa ideia, minha atenção focou-se em meu caderno de anotações e minha presença no curso tornou-se apenas um fenômeno físico. Minha mente começou a viajar pelo mundo da imaginação!

Pensei: independente de qual seja o sucesso desejado, o que move empreendedores em direção ao sucesso que almejam?

Comecei a teorizar a partir do modelo citado por Tina Seelig e iniciei minha jornada, à maneira de Mintzberg, para encontrar os 5 Ps do empreendedorismo.

O primeiro P já estava no modelo: Paixão. Não sei o que o modelo diz sobre isso, pois não li o livro de Seelig. Para mim, paixão está relacionada com a dedicação que devotamos a algo ou alguém que nos aproxima da felicidade. A paixão por alguém é, quase sempre, mais gratificante  pois pode ser retribuída, mas no empreendedorismo o objeto de desejo é o empreendimento. Sem a paixão, será difícil surgir a apetência para atender as demandas desse objeto do desejo. Que as vezes pode ser um pouco obscuro! (um pouco de surrealismo Buñueliano).

Mas a paixão, embora necessária, não é suficiente. Ela precisa ser guiada por um Propósito, o segundo P. Para que essa paixão? Onde posso chegar com ela ou quero chegar? O propósito se refere à motivação para empreender. Qual é o objetivo do empreendedor?

Mas, não é só isso. Propósito tem a ver também com a razão de existência do empreendimento. O que é oferecido ao mercado, se for uma empresa, ou a sociedade, se for outro tipo de organização. Ou seja, tem a ver com o que chamo posicionamento co-opetitivo no mercado ou sociedade.

O terceiro P está parcialmente incluído no modelo citado por Seelig. Quando se fala de mercado, não se pode esquecer que mercados são Pessoas. É evidente a ligação do propósito com pessoas. Para ser bem sucedido, o empreendimento deve ter uma oferta capaz de atrair pessoas.

No entanto, essa dimensão extrapola esse sentido de ofertar algo desejado por pessoas. O empreendimento, em geral, necessita de outras pessoas para existir: empregados, sócios, fornecedores, parceiros etc. Para cada tipo de público, ha interações que precisam ser estabelecidas. Como convencer fornecedores a proverem as necessidades do empreendimento? Como atrair e manter pessoas trabalhando no empreendimento seja como sócios ou empregados. Como envolver pessoas de outros empreendimentos em parcerias?

Estas e outras questões conduzem para as Práticas, quarto P que imaginei. Empreender requer um saber fazer que é direcionado por três eixos: imaginar uma nova organização, buscar e articular recursos e tecnologias em um modo de operação e estimular e conduzir pessoas visando atingir objetivos. O quarto P se materializa nas Práticas desse saber fazer. Elas podem se manifestar pelo uso de ferramentas de diagnóstico, planejamento e controle ou são ações que surgem na lida cotidiana com as demandas do funcionamento inicial do empreendimento. Em essência, dizem respeito ao exercício de três papéis empreendedores: criador, organizador e condutor. Papéis pelos quais se manifesta o empreendedorismo individual ou coletivamente.

Enfim o quinto P é o Produto. Todo empreendimento se constrói em torno da capacidade de entregar um produto, tangível ou intangível, para a sociedade de forma mais ampla ou mercado, de forma mais estreita. É no Produto que surge o resultado de Paixão, Propósito, Pessoas e Práticas. De novo, tangível ou intangível, é o vir a ser do produto que justifica o ato de empreender. É devido à complexidade desse vir a ser que nossa sociedade precisa de empreendedores e empreendimentos. Se fosse trivial  não haveria razão para o empreendedorismo.

Assim, terminou minha jornada em busca dos cinco Ps do empreendedorismo. Cheguei onde minha imaginação pode me levar. 

Poderia retornar ao curso com nossas colegas inglesas, mas já está na hora de ir embora! Sobre o que foi a parte final do curso? Não me pergunte. Só meu corpo estava lá!