Hoje
foi divulgado o Global Entrepreneurship Monitor 2022/2023 Global Report:
Adapting to a “New Normal”. Neste documento, elaborado pelo GEM Consortium,
há informações sobre diversos aspectos da atividade empreendedora em 49 países.
Neste post vou analisar as informações que tratam das Condições da Infraestrutura
Empreendedora (Entrepreneurial Framework Conditions) e do Índice do Contexto
Nacional Empreendedor (NECI) que é calculado com base nestas condições.
As
condições que potencializam (ou dificultam) a criação de novos negócios em uma
determinada economia, e que são avaliadas por especialistas de cada país, conforme
descritas no documento (GEM, 2023), são as seguintes:
1.
Financiamento
Empreendedor: existem fundos suficientes para novas startups?
2.
Facilidade
de Acesso ao Financiamento Empresarial: esses fundos são de fácil acesso?
3.
Política
Governamental (Suporte e relevância): promovem e apoiam startups?
4.
Política
Governamental (Impostos e burocracia): os novos negócios estão sobrecarregados?
5.
Programas
de Empreendedorismo do Governo: existem programas de apoio à qualidade
disponíveis?
6.
Educação
Empreendedora na Escola: as escolas introduzem ideias de empreendedorismo?
7.
Educação
Empreendedora Pós-Escola: as faculdades oferecem cursos para iniciar um
negócio?
8.
Transferências
de Pesquisa e Desenvolvimento: a pesquisa pode ser traduzida em novos negócios?
9.
Infraestrutura
Comercial e Profissional: são suficientes e acessíveis?
10.
Facilidade
de Entrada (Dinâmica de mercado): os mercados são livres, abertos e em
crescimento?
11.
Facilidade
de entrada (Encargos e regulamentação): os regulamentos incentivam ou
restringem a entrada?
12.
Infraestrutura
física: é suficiente e acessível?
13.
Normas
Sociais e Culturais: a cultura incentiva e celebra o empreendedorismo?
A
média simples das avaliações feitas pelos especialistas desse conjunto de
condições é utilizada para calcular o Índice do Contexto Nacional Empreendedor.
Assim, nesta edição do relatório, os 49 países foram ranqueados de acordo com o
resultado do NECI. Os Emirados Árabes Unidos apresentaram a maior pontuação com
7,2, seguidos por Arábia Saudita e Taiwan com 6,3 e 6,2, respectivamente. Por
outro lado, Venezuela (3,2), Brasil (3,6), Irã (3,6) e Togo (3,6) foram os
países com menor pontuação no NECI.
O
NECI pode ser visto como um indicador resumido da qualidade do ecossistema empreendedor
de cada país. Mas, apenas visualizar a posição de cada economia neste ranqueamento
me parece uma informação pouco útil. Em meus estudos recentes, tenho defendido
a ideia de que é possível identificar configurações distintas das dimensões que
caracterizam um ecossistema empreendedor. E, ainda, que pode haver situações em
que, apesar de diferentes, algumas configurações podem produzir resultados
semelhantes. Para explorar um pouco esta ideia, decidir verificar quais as
possíveis configurações que podem ser encontradas ao se analisar um conjunto de
indicadores presentes no relatório GEM para os 49 países.
Dessa
forma, meu primeiro passo foi extrair do relatório todas as variáveis para as
quais havia informações numéricas. No relatório estão presentes 39 variáveis
que indicam, em sua maioria, percentuais da população entre 18 e 64 anos de
cada país, em aspectos relacionados à ação empreendedora, motivações, intenções,
atitudes, expectativas de resultados dos empreendedores e desempenho em termos de
geração de empregos, inovação e internacionalização, entre outros. Desse amplo
conjunto de variáveis escolhi algumas para realizar uma análise de clusters
visando identificar diferentes configurações dos países: três variáveis de autopercepção
dos respondentes sobre: existência de oportunidades para empreender no país,
facilidade de iniciar um negócio e se o respondente possui conhecimento e habilidades
necessárias para empreender; uma variável sobre número de saídas dos
empreendedores de negócio com ou sem continuidade do negócio e o NECI. As três
variáveis de autopercepção, de certa forma, trazem a avaliação dos respondentes
sobre as condições para empreender em seu país e, assim, complementam a
avaliação feita pelos especialistas indicada pelo NECI. O número de saídas dos
negócios foi escolhido para representar o estado geral da economia em termos de
sobrevivência dos negócios existentes.
Como em toda análise de clusters, várias soluções são possíveis. Entre as alternativas que surgiram, escolhi a solução de quatro grupos que apresentou menor variação na quantidade de países de cada grupo. Na tabela apresento a composição de cada cluster e as médias nas variáveis utilizadas para sua identificação;
Cluster |
Países |
NECI |
OPOR |
FACI |
COHA |
SAID |
1 (12
países) |
Brazil,
Colombia, Croatia, Guatemala, Mexico, Morocco, Puerto Rico, Romania, Togo, Tunisia,
Uruguay, Venezuela |
3,9 |
63,1 |
42,7 |
72,3 |
6,9 |
2 (15
países) |
China, Cyprus, Germany, Greece, Hungary, Iran, Israel,
Japan, Latvia, Lithuania, Republic of Korea, Serbia, Slovak Republic, Spain, Taiwan |
5,0 |
36,9 |
32,1 |
45,6 |
3,8 |
3 (10
países) |
India, Indonesia, Netherlands, Norway, Oman, Poland,
Qatar, Saudi Arabia, Sweden, United Arab Emirates |
5,5 |
76,5 |
76,5 |
62,4 |
7,6 |
4 (12
países) |
Austria, Canada, Chile, Egypt, France, Luxembourg, Panama,
Slovenia, South Africa, Switzerland, United Kingdom, United States |
4,8 |
52,9 |
61,2 |
59,4 |
6,0 |
Legenda: NECI
– Índice do Contexto Nacional Empreendedor; OPOR – Percentagem da população
entre 18 e 64 anos que percebe boas oportunidades para empreender na área em
que vive; FACI - Percentagem da população entre 18 e 64 anos que considera
fácil abrir um negócio em seu país; COHA - Percentagem da população entre 18 e
64 anos que julga ter conhecimento, habilidades e experiência para abrir um
negócio; SAID – saídas de negócios com ou sem continuidade.
Como se pode perceber pelos números na tabela, os clusters se diferenciaram em média de NECI, sendo a menor média do cluster 1 e a maior do cluster 3. Os clusters 2 e 4 tiveram médias muito próximas neste indicador. O cluster 3 também teve maiores médias em percepção de oportunidades para empreender e facilidade para empreender. Por outro lado, na questão das oportunidades para empreender, houve diferença entre os outros três clusters, sendo a segunda maior para o cluster 1, seguido pelo cluster 4 e por último o cluster 2. Na facilidade para empreender, as posições foram diferentes, com o cluster 4 em segundo lugar, seguido pelos cluster 1 e 2. Na variável que indicou o julgamento dos respondentes sobre conhecimento, habilidades e experiência para empreender, a ordem de classificação foi cluster 1, 3, 4 e 2. Por fim, nas saídas de negócios, o maior percentual foi do cluster 3, seguido, na ordem, pelos clusters 1, 4 e 3. No entanto, neste indicador o melhor desempenho corresponde ao menor valor, que foi alcançado pelo cluster 2. Em síntese, embora não tenha feito um teste de significância das diferenças de médias, a princípio os agrupamentos identificados parecem ser bem distintos entre si.
Agora, será que há indicadores de desempenho em que os clusters possam ter tido resultados semelhantes. De novo, sem preocupação com um rigor estatístico, escolhi alguns dos indicadores presentes no relatório para avaliar esta questão. Os resultados estão na próxima tabela.
Cluster |
TEA |
INTER |
INOA |
INOC |
INOW |
SAIDP |
SAIDN |
EXPAC |
1 |
18,3 |
1,2 |
3,4 |
0,9 |
0,4 |
0,7 |
4,3 |
4,6 |
2 |
9,4 |
1,1 |
1,3 |
0,9 |
0,4 |
0,8 |
2,1 |
2,1 |
3 |
11,6 |
1,7 |
2,1 |
1,0 |
0,5 |
2,0 |
3,9 |
4,1 |
4 |
13,1 |
1,4 |
2,7 |
1,3 |
0,8 |
1,4 |
3,1 |
3,4 |
Legenda:
TEA - Percentagem da população entre 18 e 64 anos envolvido com a abertura de
um novo negócio entre 3 e 42 meses; INTER - Percentagem da população entre 18 e
64 anos envolvido com TEA que antecipam ter 25% ou mais de faturamento do
exterior; INOA – Percentagem da população entre 18 e 64 anos envolvido com TEA
com produtos/serviços novos para a área de atuação; INOC - Percentagem da
população entre 18 e 64 anos envolvido com TEA com produtos/serviços novos para
o país; INOW - Percentagem da população entre 18 e 64 anos envolvido com TEA
com produtos/serviços novos para o mundo; SAIDP - Percentagem da população
entre 18 e 64 anos que saiu de um negócio que teve continuidade; EXPAC - Percentagem
da população entre 18 e 64 anos envolvido com TEA com expectativa de gerar 6 ou
mais empregos.
Os
dados desta tabela revelam uma situação interessante. Todos os clusters, exceto
o 2, teve desempenho médio superior em ao menos dois indicadores quando
comparado com os demais. No caso do cluster 2, este teve apenas o melhor
desempenho em saídas de negócios com encerramento das atividades. Para este
indicador, o melhor desempenho é o de menor valor. O cluster 1 teve melhores
médias em TEA, inovação na área de atuação e expectativa de geração de empregos.
O cluster 3, por sua vez, foi o melhor em expectativa de faturamento no
exterior e saídas de negócios com continuidade. Por fim, o cluster 4 foi o melhor
em inovação em produtos/serviços no país e no mundo.
Por
outro lado, há alguns indicadores em que alguns dos clusters tiveram desempenho
muito semelhante. Por exemplo, em expectativa de faturamento no exterior, os
clusters 1 e 2 estão muito próximos. Muita semelhança de desempenho para os
cluster 1, 2 e 3 ocorreu nos indicadores de inovação em produtos/serviço no
país e no mundo.
Embora,
eu não tenha seguido protocolos de testes estatísticos mais robustos nesta
análise, creio que estes resultados ajudam a exemplificar a possibilidade de
aplicar a abordagem das configurações em pesquisas sobre ecossistemas
empreendedores, bem como ilustrar as possibilidade de equifinalidade com
configurações distintas.
Referência
GEM (Global Entrepreneurship Monitor) (2023). Global Entrepreneurship Monitor 2022/2023 Global Report: Adapting to a “New Normal”. London: GEM.
* Agradeço ao amigo Edmundo Inácio Júnior por ter rodado as análise de clusters para mim.