quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Uma análise de configurações nos resultados do GEM 2022/2023

Hoje foi divulgado o Global Entrepreneurship Monitor 2022/2023 Global Report: Adapting to a “New Normal”. Neste documento, elaborado pelo GEM Consortium, há informações sobre diversos aspectos da atividade empreendedora em 49 países. Neste post vou analisar as informações que tratam das Condições da Infraestrutura Empreendedora (Entrepreneurial Framework Conditions) e do Índice do Contexto Nacional Empreendedor (NECI) que é calculado com base nestas condições.

As condições que potencializam (ou dificultam) a criação de novos negócios em uma determinada economia, e que são avaliadas por especialistas de cada país, conforme descritas no documento (GEM, 2023), são as seguintes:

1.     Financiamento Empreendedor: existem fundos suficientes para novas startups?

2.     Facilidade de Acesso ao Financiamento Empresarial: esses fundos são de fácil acesso?

3.     Política Governamental (Suporte e relevância): promovem e apoiam startups?

4.     Política Governamental (Impostos e burocracia): os novos negócios estão sobrecarregados?

5.     Programas de Empreendedorismo do Governo: existem programas de apoio à qualidade disponíveis?

6.     Educação Empreendedora na Escola: as escolas introduzem ideias de empreendedorismo?

7.     Educação Empreendedora Pós-Escola: as faculdades oferecem cursos para iniciar um negócio?

8.     Transferências de Pesquisa e Desenvolvimento: a pesquisa pode ser traduzida em novos negócios?

9.     Infraestrutura Comercial e Profissional: são suficientes e acessíveis?

10.  Facilidade de Entrada (Dinâmica de mercado): os mercados são livres, abertos e em crescimento?

11.  Facilidade de entrada (Encargos e regulamentação): os regulamentos incentivam ou restringem a entrada?

12.  Infraestrutura física: é suficiente e acessível?

13.  Normas Sociais e Culturais: a cultura incentiva e celebra o empreendedorismo?

A média simples das avaliações feitas pelos especialistas desse conjunto de condições é utilizada para calcular o Índice do Contexto Nacional Empreendedor. Assim, nesta edição do relatório, os 49 países foram ranqueados de acordo com o resultado do NECI. Os Emirados Árabes Unidos apresentaram a maior pontuação com 7,2, seguidos por Arábia Saudita e Taiwan com 6,3 e 6,2, respectivamente. Por outro lado, Venezuela (3,2), Brasil (3,6), Irã (3,6) e Togo (3,6) foram os países com menor pontuação no NECI.

O NECI pode ser visto como um indicador resumido da qualidade do ecossistema empreendedor de cada país. Mas, apenas visualizar a posição de cada economia neste ranqueamento me parece uma informação pouco útil. Em meus estudos recentes, tenho defendido a ideia de que é possível identificar configurações distintas das dimensões que caracterizam um ecossistema empreendedor. E, ainda, que pode haver situações em que, apesar de diferentes, algumas configurações podem produzir resultados semelhantes. Para explorar um pouco esta ideia, decidir verificar quais as possíveis configurações que podem ser encontradas ao se analisar um conjunto de indicadores presentes no relatório GEM para os 49 países.

Dessa forma, meu primeiro passo foi extrair do relatório todas as variáveis para as quais havia informações numéricas. No relatório estão presentes 39 variáveis que indicam, em sua maioria, percentuais da população entre 18 e 64 anos de cada país, em aspectos relacionados à ação empreendedora, motivações, intenções, atitudes, expectativas de resultados dos empreendedores e desempenho em termos de geração de empregos, inovação e internacionalização, entre outros. Desse amplo conjunto de variáveis escolhi algumas para realizar uma análise de clusters visando identificar diferentes configurações dos países: três variáveis de autopercepção dos respondentes sobre: existência de oportunidades para empreender no país, facilidade de iniciar um negócio e se o respondente possui conhecimento e habilidades necessárias para empreender; uma variável sobre número de saídas dos empreendedores de negócio com ou sem continuidade do negócio e o NECI. As três variáveis de autopercepção, de certa forma, trazem a avaliação dos respondentes sobre as condições para empreender em seu país e, assim, complementam a avaliação feita pelos especialistas indicada pelo NECI. O número de saídas dos negócios foi escolhido para representar o estado geral da economia em termos de sobrevivência dos negócios existentes.

Como em toda análise de clusters, várias soluções são possíveis. Entre as alternativas que surgiram, escolhi a solução de quatro grupos que apresentou menor variação na quantidade de países de cada grupo. Na tabela apresento a composição de cada cluster e as médias nas variáveis utilizadas para sua identificação;

Cluster

Países

NECI

OPOR

FACI

COHA

SAID

1

(12 países)

Brazil, Colombia, Croatia, Guatemala, Mexico, Morocco, Puerto Rico, Romania, Togo, Tunisia, Uruguay, Venezuela

3,9

63,1

42,7

72,3

6,9

2

(15 países)

China, Cyprus, Germany, Greece, Hungary, Iran, Israel, Japan, Latvia, Lithuania, Republic of Korea, Serbia, Slovak Republic, Spain, Taiwan

5,0

36,9

32,1

45,6

3,8

3

(10 países)

India, Indonesia, Netherlands, Norway, Oman, Poland, Qatar, Saudi Arabia, Sweden, United Arab Emirates

5,5

76,5

76,5

62,4

7,6

4

(12 países)

Austria, Canada, Chile, Egypt, France, Luxembourg, Panama, Slovenia, South Africa, Switzerland, United Kingdom, United States

4,8

52,9

61,2

59,4

6,0

Legenda: NECI – Índice do Contexto Nacional Empreendedor; OPOR – Percentagem da população entre 18 e 64 anos que percebe boas oportunidades para empreender na área em que vive; FACI - Percentagem da população entre 18 e 64 anos que considera fácil abrir um negócio em seu país; COHA - Percentagem da população entre 18 e 64 anos que julga ter conhecimento, habilidades e experiência para abrir um negócio; SAID – saídas de negócios com ou sem continuidade.

 Como se pode perceber pelos números na tabela, os clusters se diferenciaram em média de NECI, sendo a menor média do cluster 1 e a maior do cluster 3. Os clusters 2 e 4 tiveram médias muito próximas neste indicador. O cluster 3 também teve maiores médias em percepção de oportunidades para empreender e facilidade para empreender. Por outro lado, na questão das oportunidades para empreender, houve diferença entre os outros três clusters, sendo a segunda maior para o cluster 1, seguido pelo cluster 4 e por último o cluster 2. Na facilidade para empreender, as posições foram diferentes, com o cluster 4 em segundo lugar, seguido pelos cluster 1 e 2. Na variável que indicou o julgamento dos respondentes sobre conhecimento, habilidades e experiência para empreender, a ordem de classificação foi cluster 1, 3, 4 e 2. Por fim, nas saídas de negócios, o maior percentual foi do cluster 3, seguido, na ordem, pelos clusters 1, 4 e 3. No entanto, neste indicador o melhor desempenho corresponde ao menor valor, que foi alcançado pelo cluster 2. Em síntese, embora não tenha feito um teste de significância das diferenças de médias, a princípio os agrupamentos identificados parecem ser bem distintos entre si.

Agora, será que há indicadores de desempenho em que os clusters possam ter tido resultados semelhantes. De novo, sem preocupação com um rigor estatístico, escolhi alguns dos indicadores presentes no relatório para avaliar esta questão. Os resultados estão na próxima tabela.

Cluster

TEA

INTER

INOA

INOC

INOW

SAIDP

SAIDN

EXPAC

1

18,3

1,2

3,4

0,9

0,4

0,7

4,3

4,6

2

9,4

1,1

1,3

0,9

0,4

0,8

2,1

2,1

3

11,6

1,7

2,1

1,0

0,5

2,0

3,9

4,1

4

13,1

1,4

2,7

1,3

0,8

1,4

3,1

3,4

Legenda: TEA - Percentagem da população entre 18 e 64 anos envolvido com a abertura de um novo negócio entre 3 e 42 meses; INTER - Percentagem da população entre 18 e 64 anos envolvido com TEA que antecipam ter 25% ou mais de faturamento do exterior; INOA – Percentagem da população entre 18 e 64 anos envolvido com TEA com produtos/serviços novos para a área de atuação; INOC - Percentagem da população entre 18 e 64 anos envolvido com TEA com produtos/serviços novos para o país; INOW - Percentagem da população entre 18 e 64 anos envolvido com TEA com produtos/serviços novos para o mundo; SAIDP - Percentagem da população entre 18 e 64 anos que saiu de um negócio que teve continuidade; EXPAC - Percentagem da população entre 18 e 64 anos envolvido com TEA com expectativa de gerar 6 ou mais empregos.

Os dados desta tabela revelam uma situação interessante. Todos os clusters, exceto o 2, teve desempenho médio superior em ao menos dois indicadores quando comparado com os demais. No caso do cluster 2, este teve apenas o melhor desempenho em saídas de negócios com encerramento das atividades. Para este indicador, o melhor desempenho é o de menor valor. O cluster 1 teve melhores médias em TEA, inovação na área de atuação e expectativa de geração de empregos. O cluster 3, por sua vez, foi o melhor em expectativa de faturamento no exterior e saídas de negócios com continuidade. Por fim, o cluster 4 foi o melhor em inovação em produtos/serviços no país e no mundo.

Por outro lado, há alguns indicadores em que alguns dos clusters tiveram desempenho muito semelhante. Por exemplo, em expectativa de faturamento no exterior, os clusters 1 e 2 estão muito próximos. Muita semelhança de desempenho para os cluster 1, 2 e 3 ocorreu nos indicadores de inovação em produtos/serviço no país e no mundo.

Embora, eu não tenha seguido protocolos de testes estatísticos mais robustos nesta análise, creio que estes resultados ajudam a exemplificar a possibilidade de aplicar a abordagem das configurações em pesquisas sobre ecossistemas empreendedores, bem como ilustrar as possibilidade de equifinalidade com configurações distintas.

Referência

GEM (Global Entrepreneurship Monitor) (2023). Global Entrepreneurship Monitor 2022/2023 Global Report: Adapting to a “New Normal”. London: GEM.

* Agradeço ao amigo Edmundo Inácio Júnior por ter rodado as análise de clusters para mim. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

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