sábado, 23 de novembro de 2013

Perto da Concha Acústica: o Cachorro-quente que virou Pitbull!

Ontem, 22 de novembro, fiz um lanche em uma das esquinas do centro de Londrina. Voltava, a pé, do lançamento da Revista Organizações e Sustentabilidade cujo editor é o Ivan de Souza Dutra, professor do Departamento de Administração da Universidade Estadual de Londrina..
Tive o privilégio de ser o autor de um ensaio na primeira edição deste novo periódico do Programa de Pós-graduação em Administração da UEL. Por um acaso do destino, estava em Londrina no dia da cerimônia organizada por Ivan, Luis Miguel Luzio dos Santos e Marli Verni.
Ambiente acolhedor e momentos de reencontro com colegas e ex-alunos. Lilian Aligleri também estava lá, com a filhinha de nove meses e Marli, sua mãe. Pena que Luís Antônio, pai de Lilian, não veio. Saudades desse amigo de longa data, professor competente sempre homenageado pelos estudantes.
Ao final do evento, decidi caminhar até a casa de minha mãe onde estou hospedado. Pouco mais de mil metros, a partir de um shopping nas proximidades da rodoviária até Concha Acústica de Londrina, vizinha à Catedral. Os mais jovens devem estar curiosos! O que é uma concha acústica?
Não vi muitas em minha vida. Na verdade, acho que conheço só a de Londrina. É uma construção de alvenaria, convexa, em forma de concha, que fica sobre um palco em uma praça pública. A praça tem cerca de dez fileiras de bancos de concreto. Na Concha Acústica são apresentados shows musicais, peças e outras atrações. Já foi muito usada no passado. Ultimamente, durante as noites, tem sido utilizada como dormitório por sem-tetos.
Mas, o que quero relatar é a história do cachorro-quente que virou pitbull! Subindo pela rua Maranhão notei um aglomerado de pessoas na esquina com Souza Naves, ao lado de um carrinho de cachorro-quente.
Apesar de ter comido e bebido no lançamento da revista, resolvi comer um cachorro-quente. A cena e a fresca brisa noturna me trouxeram lembranças de minha juventude. Sempre que saía das sessões noturnas do Cine Vila Rica, voltava a pé para casa. No caminho, na Avenida Higienópolis, comia um cachorro-quente. Sempre no mesmo carrinho.
Aproximei-me e o lancheiro me disse:
_ Se for comer, põe o nome na lista.
Me passou uma prancheta com uma caneta e folha de papel. Nela já havia mais de 15 nomes. Quando terminou de preparar o lanche que estava fazendo, pegou a prancheta e chamou alguém. Em seguida me avisou:
_ Tem mais dois na sua frente.
_ Não tem pressa, respondi. Não tenho nada pra fazer esta noite.
Na minha vez, ele perguntou:
_ O que vai ser?
_ Duas salsichas, maionese, catchup e mostarda.
_ Pit 2. Não quer milho verde e batata palha?
_ Não. Como você chama o lanche?
_ Pit 2. Pão pequeno com duas salsichas. Pit 1quando tem uma salsicha.
Esse foi o começo do papo. Estimulado por minhas perguntas, o lancheiro me contou que está nisso há 29 anos. Foi office-boy antes de começar a fazer lanche na rua. Há nove anos está nessa área da cidade, mas antes trabalhou na Higienópolis e na Quintino Bocaiúva. Mais ou menos dez anos em cada rua. Nessa altura da conversa é que reconheci a figura:
_ Lembro de você da Higienópolis! Como está a vida?
_ Não está mal. Melhorou nos últimos dez anos quando comecei a fazer sucos. A partir do meio do dia preparo tudo e venho pra rua entre quatro e quatro e meia. Começo perto da delegacia e, mais tarde venho para esse lugar. Os sucos são meu diferencial junto com os lanches maiores: dogão e pitbull.
Nesse momento, chega uma moça com uma criança no colo e um menino ao lado. Uma graça de garoto, quatro anos no máximo, que fala para o lancheiro:
_ Oi Davi. Eu voltei!
Davi sorri e brinca com o menino:
_ Eu vi. Mas achei que era um gatinho.
_ Não era um gatinho. Era eu.
A cena me encantou!
Ao mesmo tempo, chegam três rapazes. Com uma larica danada, um deles pede:
_ Faz três bem regadão!
Davi repete o procedimento:
_ Coloca os nomes aqui, para eu chamar quando for fazer.
Continuo conversando com Davi, agora o chamando pelo nome que aprendi com o garoto. Davi me conta sobre o que conseguiu nesse ofício:
_ Duas casinhas, um carro e uma pequena caminhonete para transportar o carrinho e material.
Parece muito satisfeito. Pergunto se não pensa em ter um espaço próprio, mesmo que seja apenas com uma porta.
_ Não! Gosto da rua, não conseguiria ficar num lugar só.
Aprendo com Davi! Fazer diferente, mas do jeito que gosta. Enquanto conversamos, vários clientes pedem por suco.
_ Ele tem vários, mas o melhor é morango com danone, me diz uma moça.
_ Sou bom no suco, garante Davi.
Chama o primeiro dos rapazes:
_ O que vai ser?
_ Bem regadão, repete o cara.
_ Vai ser o pitbull então. Pão grande, duas salsichas, maionese, catchup, mostarda, maionese verde, milho, frango na chapa e batata palha. Pros três?
_ Sim, respondem os três ao mesmo tempo.
Davi olha pra mim e diz:
_ Tem que dizer o que é, pra não reclamarem depois. O dogão é quase igual. Só não tem o frango.
Quase ao fim da conversa, Davi me ensina um pouco mais. Um dos três jovens pega uma bisnaga de catchup. Davi avisa:
_ Não encosta o bico da bisnaga onde morder.
_ A fiscalização pega no pé? Pergunto.
_ Não, eles estão certos, diz Davi. Na mordida pode estar alguma bactéria.
Em seguida, fala para o jovem:
_ Traz a bisnaga aqui. Vou fazer um potinho para você.
Davi se mostra socialmente responsável e, ainda, consegue customizar o pitbull para o cliente.
O que vi nessa noite? Davi de bem com a vida, trabalhando de segunda a sábado, descansando aos domingos, se sentindo bem sucedido! Sabendo atender, sendo organizado e cortês, socialmente responsável e desenvolvendo seu diferencial.
Nada mais adequado para uma noite em que surgiu a Revista Organizações e Sustentabilidade!
 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Sobre Desafios e Ganas ou Cabelo e Barba em uma Barbearia Portuguesa

Este texto foi escrito no dia 18 passado. Em meu celular dentro de um ônibus entre Faro e Lisboa:
Poder viajar para fora do Brasil é uma oportunidade de vida ímpar. Depois de sete dias em Portugal, estou a caminho de Lisboa para a viagem de retorno. Um problema no avião em Faro me colocou em um ônibus que segue pela autopista A2 há cerca de quarenta minutos. Sara cochila a meu lado.
Aproveito para refletir sobre essa semana em que reencontrei Fernanda. Há um mês fora do Brasil, passou por momentos desagradáveis quando, logo na primeira semana, teve sua bolsa furtada. Perdeu algum dinheiro, passaporte, cartões de banco e crédito. Estava desanimada quando nos encontramos em Sevilha. Aos poucos seu semblante foi desanuviando. Passeamos com Sara e Dona Aparecida uma noite e um dia por lá. Depois, no dia seguinte fomos a Lisboa onde passeamos por dez horas.
Hoje, ao deixá-la na rodoviária de Olhão, fiquei feliz ao vê-la pronta para a luta da vida de novo. Cheia de desafios! Com ganas de enfrentá-los! Ao falar com ela no meio da tarde, já estava na Universidade de Sevilha, fazendo seus trabalhos do Mestrado em Comunicação e Cultura.
Ver Fernanda pronta para recomeçar me trouxe à lembrança o encontro com Vitálio, técnico em cabelo, como me informou o crachá em seu guarda-pó. Na quarta pela manhã, dia 13, passeando pelo centro de Olhão, indago por uma barbearia. Um vendedor em uma praça sugere que vá a barbearia do Vitálio. Sigo suas indicações pelas vielas de Olhão e logo a encontro.
De imediato, lembrei-me de seu Lauro e sua barbearia. Personagem de minha infância e adolescência com seu pequeno salão onde eu e meus irmãos estivemos incontáveis vezes. Primeiro com nosso pai e, quando maiores, sozinhos.
O salão do Vitálio tem apenas uma porta. Duas cadeiras antigas de barbeiro ao fundo, de frente para um espelho. Paredes laterais emolduradas por espelhos na altura dos olhos. Abaixo dos espelhos, cadeiras para os clientes. Fotos, gravuras e pequenos quadros enfeitam as paredes.
Ao entrar, havia um par de clientes sendo atendidos e mais dois a esperar. Perguntei a um dos barbeiros se poderiam me atender. Diante da resposta positiva pus-me a esperar.
Vitálio, cujo nome só descobri quando foi me atender, conversava com um senhor mais idoso. De repente sai-me com uma pergunta ao idoso:
_ Quero ver se está com o cérebro a funcionar? O que vem primeiro: o Natal ou o Novo Ano?
A resposta do idoso foi:
_ Natal, ora pois.
_ Errado, disse o Vitálio. O novo ano vem sempre antes do Natal. O Natal vem sempre ao final do ano.
Continuou:
_ Que mês tem vinte e oito dias?
_ Fevereiro.
_ Não. Todos os meses têm vinte e oito dias.
Nesse momento, o outro barbeiro entrou na conversa:
_ Em que mês as mulheres mijam menos?
No meio da risada de todos, o próprio respondeu:
_ Fevereiro, pois tem menos dias.

Assim, o tempo foi passando e chegou minha vez de ser atendido. 
Expliquei como queria cabelo e barba. Não precisei falar muito. O barbeiro só me perguntou o número da máquina para aparar a barba. O resto foi como sempre tivesse me atendido. Perfeito!
Fiz algumas perguntas e descobri que Vitálio tem essa profissão desde os dez anos. Aprendeu com seu pai, que foi ensinado pelo pai também, que aprendera o ofício com seu pai. Há algumas gerações o ofício é transmitido de pai para filhos. Mais recentemente, algumas sobrinhas também se tornaram cabeleiras.
Vitálio no ano que vem completa sessenta e seis anos. Fundou seu salão ha quarenta e um anos. Está pensando em se aposentar. Caso isso ocorra, completará 56 anos de profissão e 42 anos com sua pequena empresa. Fico pensando nos desafios que enfrentou nessa jornada. Com certeza deve ter tido muita gana para enfrentá-los.
Tenho certeza que, além do serviço competente, o clima que vivenciei em cerca de uma hora é um dos aspectos que garantiram a permanência do Vitálio no mercado por tanto tempo.

Feliz de mim que tive o acaso a meu favor me permitindo conhecer Vitálio, o técnico em cabelo!


domingo, 10 de novembro de 2013

Sustentabilidade da Sociedade é preocupação relevante para as empresas mais admiradas do Brasil?

Recebi ontem a edição especial de Carta Capital - As empresas mais admiradas no Brasil, número 16. No ano passado, publiquei um post (http://3es2ps.blogspot.com.br/2012/10/as-empresas-mais-admiradas-do-brasil-e.html) tecendo alguns comentários sobre os resultados dessa pesquisa, decidi repetir a análise hoje,  seguindo os mesmos procedimentos do ano passado.

Nessa publicação, as empresas são classificadas segundo a percepção de mais de 1.200 executivos a respeito de sua aderência a treze fatores-chave que, no cômputo geral de importância atribuída pelos respondentes da enquete, foram hierarquizados de forma distinta em 2013. No ano passado, Ética e Inovação eram os principais fatores-chave, seguidos por Qualidade de Produtos e Serviços, Respeito pelo Consumidor e Solidez Financeira. No último levantamento, a Qualidade de Produtos e Serviços assumiu a liderança do ranking, seguida por Respeito pelo Consumidor, Ética, Inovação e Solidez Financeira. Resultado intrigante! Um rearranjo de prioridades na condução das empresas avaliadas? Parece que sim, pois houve também mudanças de posição em relação aos outros fatores-chave. A classificação dos fatores-chave nos dois anos é apresentada no quadro abaixo:

ORDEM
2012
2013
1º.
Ética
Qualidade de produtos e serviços
2º.
Inovação
Respeito pelo consumidor
3º.
Qualidade de produtos e serviços
Ética
4º.
Respeito pelo consumidor
Inovação
5º.
Solidez financeira
Solidez financeira
6º.
Qualidade de gestão
Qualidade de gestão
7º.
Compromisso com desenvolvimento sustentável
Compromisso com RH
8º.
Compromisso com RH
Compromisso com desenvolvimento sustentável
9º.
Responsabilidade social
Notoriedade
10º.
Notoriedade
Responsabilidade social
11º.
Capacidade de competir globalmente
Compromisso com o país
12º.
Compromisso com o país
Capacidade de competir globalmente
13º.
A mais ativa/presente nas redes sociais
A mais ativa/presente nas redes sociais

Da mesma forma que no ano passado, chamou  minha atenção a distância entre ética e outros fatores-chave que indicam uma preocupação com os interesses mais amplos da sociedade: Compromisso com desenvolvimento sustentável (oitava posição), Responsabilidade social (décima posição) e Compromisso com o país (décima-primeira). Esse distanciamento me levou a analisar o comportamento dos fatores-chave em cada um dos setores descritos na publicação (47). Para isso, fiz uma pontuação ranqueada dos fatores-chaves em cada setor. Isso significou atribuir pontos para o fator-chave conforme sua posição na escala de importância, ou seja, 13 pontos para o primeiro lugar, 12 pontos para o segundo, 11 pontos para o terceiro e, sucessivamente, até 1 ponto para a décima-terceira posição.

Em seguida, os fatores-chave foram separados em três grupos, como feito em 2012: forma de competição no mercado (Posicionamento Competitivo), capacidade de competição (Competências e Recursos)  e compromisso com a sustentabilidade da nossa sociedade (Sustentabilidade da Sociedade). A presença em redes sociais foi excluída da análise por se fazer presente em apenas 21 setores, frequentemente nas últimas posições. Assim, cada grupo ficou com quatro fatores-chave.

De novo, como no ano passado, foi possível verificar que as empresas mais admiradas devem sua reputação, sob o ponto de vista dos executivos, muito mais a fatores-chave associados a Posicionamento Competitivo e Competência e Recursos e menos à preocupação com a Sustentabilidade da Sociedade. Esse resultado foi um pouco mais acentuado do que em 2012, como pode ser visto no quadro a seguir:

GRUPO
FATOR-CHAVE
2012
2013
PONTOS
%
PONTOS
%
Posicionamento Competitivo
Qualidade de Produtos e Serviços
452,00
37,1
497,50
38,4
Respeito pelo Consumidor
487,00
490,50
Inovação
483,00
420,50
Capacidade de Competir Globalmente
118,00
164,50
Competências e Recursos
Solidez Financeira
411,50
31,7
366,50
32,3
Qualidade de Gestão
364,00
359,00
Compromisso com RH
301,00
322,50
Notoriedade
240,00
273,00
Sustentabilidade da Sociedade
Ética
546,00
31,5
455,00
29,3
Compromisso com Desenvolvimento Social
335,00
301,50
Responsabilidade Social
282,00
247,00
Compromisso com o País
143,00
196,00


Esse resultado é um pouco desanimador par aqueles que pensam na possibilidade da prática de uma administração equilibrada entre os aspectos econômicos, sociais e ambientais. Em 2012, os aspectos sociais e ambientais quase igualaram a importância atribuída aos fatores que indicam uma capacidade competitiva econômica das empresas. No entanto, em 2013, os fatores-chave da Sustentabilidade da Sociedade perderam 2 pontos percentuais. Como será em 2014? Estou começando a gostar de fazer essa análise, mas não sou muito crente na possibilidade de um melhoria significativa na atribuição de importância ao terceiro grupo. Espero estar errado!