terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Estudos sobre Empreendedorismo no Brasil - Parte 2: Como estávamos antes da REGEPE

Hoje continuei a trabalhar com os dados do levantamento feito no SPELL (www.spell.org.br) sobre a produção brasileira no campo do empreendedorismo. Dessa vez os dados foram referentes ao periódo compreendido entre 2009 e 2011, o triênio imediatamente anterior à criação da REGEPE.

Nesses três anos, a quantidade de artigos publicados foi um pouco menor, 120 textos em 47 periódicos. O crescimento na produção entre os dois períodos ficou próximo de 30%. Onze periódicos foram responsáveis por pouco mais da metade dessa produção, com destaque para a Revista da Micro e Pequena Empresa e a Revista de Administração e Inovação. Dezessete revistas publicaram pelo menos um artigo por ano no período, totalizando dois terços dos textos publicados entre 2009 e 2011. Este número coincide com o encontrado no período mais recente. Todavia, nenhum periódico assumiu uma posição tão destacada quanto foi a REGEPE entre 2010 e 2014.

Periódico
Artigos
Revista da Micro e Pequena Empresa
10
Revista de Administração e Inovação
8
Revista de Administração Contemporânea
6
Revista de Administração Mackenzie
6
Revista de Negócios
6
Cadernos EBAPE.BR
5
Revista Gestão Organizacional
5
Gestão & Regionalidade
4
Revista Brasileira de Estratégia
4
Revista Gestão e Planejamento
4
Turismo Visão e Ação
4
Rev. Adm. UFSM
3
Revista de Administração da UNIMEP
3
Revista de Administração de Empresas
3
Revista de Ciências da Administração
3
Revista Eletrônica de Gestão Organizacional
3
Revista Ibero-Americana de Estratégia
3

O número de pesquisadores que conseguiram publicar pelo menos três artigos no período foi menor do que no triênio mais recente. Entre 2009 e 2011, apenas 10 pesquisadores conseguiram esse feito. Em conjunto, a produção desses pesquisadores representou 32% do total. De novo entre as cinco pesquisadoras mais produtivas do período, encontra-se apenas um pesquisador,

Nome
Artigos
Hilka Vier Machado
8
Rivanda Meira Teixeira
6
Fernando Gomes de Paiva Jr
5
Vânia Maria Jorge Nassif
4
Amelia Silveira
3
Emerson Antonio Maccari
3
Mariane Hoeltgebaum
3
Norma Pimenta Cirilo Ducci
3
Paulo da Cruz Freire dos Santos
3

Um destaque devo fazer para as minhas amigas Hilka Machado e Rivanda Teixeira: nos seis anos de produção, as duas pesquisadoras estão com 14 e 13 artigos, respectivamente. Altamente produtivas! 

Por fim, nesse período encontrou-se o mesmo padrão em termos de produção coletiva em nosso campo de estudos. 63% dos textos foram escritos por  dois ou três autores, enquanto que quase 18% dos trabalhos tiveram quatro autores. Autorias individuais foram apenas 12 textos.

Com esse post meu caro leitor, o retrato da produção brasileira sobre empreendedorismo vai se formando. No próximo post, será a vez de relatar os dados do periódo entre 2005 e 2008, completando uma década de produção. Foram 100 artigos publicados, totalizando 375 textos em 10 anos!

domingo, 30 de novembro de 2014

Estudos sobre empreendedorismo no Brasil - Parte 1: quem e onde se publica?

Entre e agosto e dezembro desse ano, fui convidado a ministrar uma disciplina de Empreendedorismo no curso de doutorado em Administração da Universidade Positivo. A abordagem que adotei junto com os dez doutorandos, a maioria deles professores e professoras da UEPG, foi fazer um estudo da produção recente em empreendedorismo no Brasil. Para isso, escolhemos 40 artigos publicados entre 2012 e 2014 em periódicos do campo da Administração. Discutimos quatro textos por encontro. Além dos textos selecionados, a discussão foi enriquecida por textos adicionais escolhidos pelos próprios doutorandos e por mim.

Está sendo um exercício interessante, embora algumas vezes um pouco frustrante. O último encontro será no próximo dia 2. A turma e eu estamos descobrindo que a qualidade da produção acadêmica sobre empreendedorismo no Brasil ainda é muito baixa. Entre os quarenta textos, talvez, 25% deles tenham sido conduzidos de forma cuidadosa e com resultados que ajudam a avançar no campo do conhecimento. Independente da abordagem de pesquisa adotada, quantitativa, qualitativa ou mista, mais da metade dos textos deixam a desejar quando são lidos com um olhar um pouco mais crítico. Onde será que nós, editores de revistas da área de Administração estamos errando? Há muito texto que não poderia ter sido publicado! Estamos ainda na infância do desenvolvimento dos estudos em empreendedorismo no Brasil? Será que a partir da quantidade conseguiremos chegar à qualidade?

Refletindo sobre estas questões, me coloquei uma tarefa: fazer uma revisão e avaliação da produção brasileira no campo do empreendedorismo. Um projeto de longo prazo, mas imagino quem em cerca de dezoito meses já possa ter alguns resultados que espero sejam uteis não só para mim, mas para a comunidade de pesquisadores do empreendedorismo no Brasil.

Dei a partida hoje nesse propósito. Comecei fazendo uma busca no SPELL (www.spell.org.br) para descobrir o tamanho recente da produção brasileira no tema. Usei um critério de busca simples, adotando o termo empreendedorismo e restringindo a busca por artigos que contivessem essa palavra no título ou em palavras-chave. No período entre 2009 e a data de hoje (30/11/2014) encontrei 275 artigos. Vai ser uma tarefa longa, mas tenho a impressão que me divertirei com ela! Vamos ver no que dará!

Uma primeira coisa me chamou a atenção. Ao fazer o download desses artigos fui prestando atenção nos títulos e tenho uma impressão, que ainda vou verificar é claro, de que boa parte desses textos estão falando de administração e não de empreendedorismo. Mas, por enquanto, vamos aceitar que todos tratem do empreendedorismo, já que este termo aparece nas palavras-chave ou nos títulos dos artigos. É uma evidência de que, pelo menos na visão dos autores, o empreendedorismo está sendo o foco da análise. Mas, o que significa o empreendedorismo e quando realmente o fazemos é uma ssunto que mereça nossa reflexão.

Pra começo de conversa, decidi fazer um primeiro levantamento de quantos autores estão envolvidos no estudo do empreendedorismo no Brasil. Decidi me concentrar, em primeiro lugar, na produção dos três últimos anos (2012 a 2014). Você pode querer saber por que? Fiz essa escolha, porque em 2012 foi quando surgiu a Revista de Empreendedorismo e Pequenas Empresas (REGEPE), da qual fui o primeiro editor e, agora, continuo apoiando a atual editora, Jane Mendes Ferreira, como editor adjunto. Minha intuição e experiência com o tema no Brasil me diziam que a REGEPE, depois desses três anos, já seria responsável por parte significativa da produção brasileira em empreendedorismo.

Vamos aos números então, pois acredito que você já deve estar se enchendo com essa introdução tão longa, não é mesmo?

Nesses quase três anos, foram publicados 155 artigos em 54 periódicos nacionais. Embora não seja, acredito, toda a produção brasileira, é um número razoavelmente grande de periódicos, o que me permite supor que seja representativo da produção brasileira total. A REGEPE publicou 27 artigos, ou seja, 17,4 % do total. Contando com a REGEPE, dez periódicos trouxeram a público pouco mais da metade dessa produção, 81 artigos. O restante dos trabalhos está pulverizado entre 44 revistas acadêmicas/científicas. Dezessete periódicos publicaram pelo menos três artigos sobre empreendedorismo entre 2012 e 2014. Estes podem ser um primeiro alvo para quem está pensando em publicar resultados de pesquisa ou reflexões sobre o empreendedorismo:

Periódicos
Artigos
Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas
27
Revista Pensamento Contemporâneo em Administração
10
Revista de Administração
7
Revista de Administração Contemporânea
7
Revista de Ciências da Administração
7
Revista da Micro e Pequena Empresa
6
R. Adm. FACES Journal
5
Pretexto
4
Revista de Negócios
4
Revista Ibero-Americana de Estratégia
4
Administração Pública e Gestão Social
3
Cadernos EBAPE.BR
3
Desenvolvimento em Questão
3
Estratégia e Negócios
3
Rev. Adm. Pública
3
Revista de Administração e Inovação
3
Revista Gestão Organizacional
3

Esta produção toda deveu-se ao esforço de muitos pesquisadores! A produção acadêmica sobre empreendedorismo no Brasil é um esforço coletivo. Somente dez artigos foram de autoria de apenas um autor. O padrão mais comum está entre 2 e 3 autores, 99 artigos. Há uma razoável presença também de 4 e 5 autores por artigo, 43 publicações. Seis autores por artigo foram mais raros. Isto se deve, também, ao fato de que muitos periódicos não aceitam mais que cinco autores por texto. O que na minha opinião é uma bobagem! No total foram 378 estudiosos do empreendedorismo que conseguiram publicar entre 2012 e 2014 nessas revistas brasileiras. Já imaginou esse povo marcando presença no próximo Encontro sobre Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas!

Finalizando, talvez vocês queira saber quem são os pesquisadores que mais publicaram neste período. Pode ser uma boa estratégia se aproximar deles caso você seja um novato no campo. Quinze pesquisadores publicaram pelo menos um artigo por ano nesse período. Eles estão listados a seguir. Este escriba que vos escreve tem o prazer de estar entre eles. Mas, cá entre em nós, eu já estou perdendo o fôlego! É duro acompanhar essa tropa de elite! Especialmente as mulheres, que são quatro entre os cinco mais produtivos, ou deveria eu dizer entre as cinco mais produtivas, há apenas um pesquisador! Me perdoa essa Cândido?

Autor
Artigos
Rivanda Meira Teixeira
7
Candido Borges
6
Hilka Pelizza Vier Machado
6
Cristina Dal Prá Martens
4
Gláucia Maria Vasconcellos Vale
4
Alex Fernando Borges
3
Cristiana Fernandes De Muylder
3
Fernando Antonio Prado Gimenez
3
Henrique Mello Rodrigues de Freitas
3
Juvêncio Braga de Lima
3
Louis Jacques Filion
3
Marcos Hashimoto
3
Saulo Fabiano Amâncio Vieira
3
Tales Andreassi
3

Por enquanto é isso! Essa primeira parte é só para dar um gostinho do que vem por aí!

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A BELEZA NO EMPREENDER

Nessa vida de pesquisador vou buscando ver além daquilo que me mostram os olhos e minha razão interpreta. Para isso, me apoio na emoção, essa experiência humana que os cientistas teimam em afastar da explicação científica. Mas, como sou teimoso, também, de vez em quando dou espaço para que a emoção me ajude na busca do entendimento do empreendedorismo. Uma das realizações humanas, que por ser conscientemente intencional, nos distingue de outros seres viventes. Pelo menos daqueles que compartilham nossa jornada nesse planeta Terra, que por enquanto são os únicos que conhecemos.

No último sábado, dia 15, feriado nacional, estive em Londrina, cidade onde nasci e fiz meus estudos. Foi também nessa cidade que comecei minha carreira de professor e pesquisador da gestão de pequenas empresas e, depois, do empreendedorismo. Na Concha Acústica, próximo ao prédio de apartamentos no qual mora minha mãe teve uma apresentação da Orquestra de Londrina de Viola Caipira São Domingos Sávio. A orquestra é conduzida pelo maestro Edson, que na abertura do show comentou sobre a alegria de estarem se apresentando naquele espaço. A orquestra já conta com alguns anos de vida. Os ensaios semanais ocorrem em dois lugares. Um deles, por coincidência, é a antiga sede da Associação Médica de Londrina, hoje abrigando um espaço cultural do SESI, que fica em frente à praça onde está a Concha Acústica. Segundo o maestro, durante os ensaios da orquestra, ele, por muitas vezes, imaginou o dia em que os violeiros por ele conduzidos estariam na Concha Acústica que enxergava através das janelas da sala de ensaios. Para um bom observador, era visível nos olhos do maestro a emoção vivida naquela instante.

Embalado pelas músicas que a orquestra ia tocando fui tomado por uma inspiração: há no empreender uma beleza! Entre tradicionais canções caipiras, o maestro nos apresentou outros ritmos: o batuque ou samba caipira, o valseado, o cururu e outros cujo nome não guardei. À minha frente, eu via a beleza se materializando e não pude deixar de associá-la à necessidade de realização. Essa dimensão foi sugerida por David McClelland no começo dos anos 60 do século passado, como um dos principais motivadores do comportamento empreendedor. Mas, minha ousadia quase sexagenária, me fez pensar que há algo antecedente que ajuda a explicar o comportamento empreendedor da qual não falou McClelland. Antes da necessidade de realização, passei a acreditar que empreender é guiado pela nossa constante busca da beleza. Esse conceito tão relativo que a sabedoria popular já imortalizou no velho ditado: quem ama ao feio, bonito lhe parece.
                                                                                                                         
Mas, a leitora ou leitor, com certeza me alertaria:

_ Fernando, você está falando de um empreendimento cultural, que provavelmente não tem finalidade lucrativa. Além do mais é um empreendimento voltado para uma das artes que mais nos emocionam, a música. Assim é fácil enxergar a beleza no empreender. Mas, será que ela existe em outros tipos de empreendimentos mais tradicionais, vamos dizer, onde o dinheiro é a meta de resultado mais objetiva?

Pois é, o problema de escrever para gente inteligente é esse: nunca se dão por satisfeitos! Teimam em colocar senões, poréns, noentantos, vejabens, contudos e todavias no meio da conversa! Deixando-me em uma sinuca de bico, leitor e leitora espertos! Será que consigo sair dessa! Vou tentar. O máximo que pode acontecer é eu gastar um pouco mais da bateria do computador, enquanto exerço essa deliciosa arte de refletir e escrever aguardando o vôo que me levará de volta para Curitiba.

O que não escrevi no começo é que a apresentação da Orquestra de Viola Caipira estava acontecendo como uma das comemorações que marcavam os cinco anos de criação da Rota do Café. Esta é um roteiro turístico que foi criado no norte do Paraná por um conjunto de empreendedores rurais que preservam a história e cultura das antigas fazendas de café que fizeram a fama de Londrina e região nos anos 50 e 60. Café, o famoso ouro verde que tanta riqueza trouxe para esta parte do Paraná e que uma geada negra dizimou em um inverno mais rigoroso. Isto se deu no final da década de 50, se não me falha a memória. Memória que li nos livros é claro, pois nessa época eu ainda era uma criança com dois ou três anos.

Antes da apresentação da orquestra, a coordenadora desse grupo de empreendedores fez uma breve apresentação do que é a Rota do Café. Nesta apresentação, com a presença de sete representantes dos empreendimentos rurais, percebi nos olhos da oradora a mesma emoção que estava nos olhos do maestro. Ela discorreu sobre a Rota do Café de uma forma tão bela. De novo enxerguei em seu relato a busca da beleza guiando a necessidade de realização das mulheres e dos homens empreendedores ali presentes. A beleza dos objetivos e da forma como foi surgindo a Rota do Café.

Mas, sei que o amigo leitor e a amiga leitora ainda não estão satisfeitos. Assim, faço mais um esforço de memória e vou buscar no passado momentos de conversas com empreendedoras e empreendedores. Reencontro nessas memórias, outros exemplos em que a beleza se exibiu para meus olhos, mas não dei muita bola. Por exemplo, as cinco empreendedoras de Cascavel que entrevistei sobre as suas jornadas, dois ou três anos atrás. Algumas delas me mostraram o belo no que estavam empreendendo. Enxerguei esta beleza na forma como tentavam cativar clientes, estimular colaboradores, envolver filhos e filhas na empresa, na busca de um diferencial que marcasse a trajetória empresarial. A busca da beleza guiou essas mulheres também em suas ações empreendedoras.

Quer mais um exemplo? Na semana passada conduzi um debate com três jovens empreendedores: o criador de uma revista de disseminação científica, um dos fundadores de uma escola de empreendedorismo e uma consultora de empresas. Isto foi durante O V encontro sobre Inovação e Empreendedorismo na UFPR. Na história de cada um deles houve momentos em que a beleza se manifestou. Cada um a seu jeito, com seus empreendimentos, buscava um mundo melhor. Mas, você já parou pra pensar o que significa um mundo melhor? Entre outras coisas, um mundo melhor tem que ser um mundo mais belo!

O argumento ainda está fraco, pouco racional, eu sei! Além do mais, está chegando a hora do embarque. Vou parar por aqui. Prometo que não vou escrever nada depois, nem revisar o texto antes de postá-lo em meu blog.

Mas, você que me lê há de concordar: falar da beleza envolve muito mais a sensibilidade do que a razão. Não lhe convenci? Não importa, mas para mim, a partir de agora, tenho mais alguma coisa para observar em minhas conversas com as mulheres empreendedoras e com os homens empreendedores: a beleza no empreender. Afinal de contas, quem ama o feio, bonito lhe parece!

P.S.: Meu voo foi atrasado em três horas! Mas mantive a promessa feita acima. O texto não sofreu edição antes de vir parar aqui.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Pesquisa quantitativa ou qualitativa em empreendedorismo: qual o seu partido?

Nietzsche em O Anticristo: maldição contra o cristianismo, redigido em 1888, quase ao final do livro, na seção 55, escreveu: Já faz tempo que propus que se considerasse se as convicções não seriam inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras (Humano, demasiado humano I, seção 483)... Chamo de mentira não querer ver algo que se vê, não querer ver algo da maneira que se vê... Esse não querer ver o que se vê, esse não querer ver da maneira que se vê, é quase a condição primeira de todos que são partidários em algum sentido: o homem de partido se torna necessariamente mentiroso (p. 105, do volume 721, da Coleção L&PM Pocket, 2012).

Ao ler este trecho hoje dentro de um ônibus, a caminho de mais um encontro da disciplina de Empreendedorismo e Organizações Empreendedoras que estou conduzindo para uma turma de doutorado em Administração na Universidade Positivo, não pude deixar de associá-lo ao momento eleitoral que estamos vivendo no Brasil nesse mês de outubro. Imediatamente, me vieram à mente, as mais diferentes manifestações a favor de um ou outro candidato que meus contatos no Facebook expuseram, especialmente nos últimos dias que antecederam a votação do primeiro turno. Lembrei-me, obviamente, das escolhas que fiz sobre o que ler e o que não ler, escolhas essas orientadas por minha opção partidária. Nietzsche me soou impressionantemente atual!

Mas, me parece claro, que o irado filósofo (uso irado aqui tanto no sentido tradicional, ou seja, alguém que sente ira, quanto no sentido da gíria atual segundo me informa o wiktionary, isto é,  muito bom, muito legal, que agrada bastante: muito bonito, muito interessante, muito excitante, muito moderno, muito divertido etc; doido, louco, maluco (http://pt.wiktionary.org/wiki/irado) ao usar a expressão partidário não o fez com o sentido de seguidor de uma orientação política professada por um partido político como vemos em nossa sociedade contemporânea. O sentido de partidário em O Anticristo se refere a aquele que se posiciona como simpatizante, adepto ou defensor de uma determinada visão da realidade como esta se revela à sua percepção.

Assim, depois do encontro da disciplina de doutorado, durante o qual pudemos discutir cinco texto sobre empreendedorismo publicados recentemente no Brasil fiquei pensando que, certamente, a afirmação de Nietzsche poderia ser usada para qualificar os pesquisadores partidários de estratégias de pesquisa. De forma simplificada, nos Estudos Organizacionais em geral, e no caso específico do Empreendedorismo, há dois partidos: os positivistas e os antipositivistas. Há muitas possibilidades de desenvolver estudos positivistas, assim como as há para estudos antipositivistas, mas uma distinção central entre os dois partidos reside no uso de métodos quantitativos pelos primeiros e métodos qualitativos pelos últimos.

Durante a condução da disciplina, os doutorandos e eu optamos por uma estratégia de aprendizagem que está centrada na leitura de 40 artigos publicados nos últimos três anos em periódicos brasileiros. Já chegamos à metade da tarefa, e tivemos a oportunidade de refletir sobre ensaios teóricos, estudos empíricos orientados por uma abordagem positivista e outros pelo antipositivismo. Em nossas discussões, pude observar como é difícil valorizarmos favoravelmente (ia escrever positivamente, mas quero evitar a confusão de termos) aqueles textos que apresentam informações que não se ajustam às ideias de nosso partido. Nietzsche me parece incisivamente acurado. Parece que nos recusamos a ver o que lemos ou da maneira que lemos.

Mas, será que há saída para esse prognóstico NIetzschiano? Estamos fadados a mentir enquanto pesquisadores em decorrência das escolhas ontológicas e epistemológicas que fazemos?

Nos meus estudos de empreendedorismo tenho tentado trilhar um caminho que busca conciliar abordagens qualitativas com quantitativas. A investigação no campo do empreendedorismo tem, em minha opinião, e na forma como tento construir meu conhecimento nesse campo, espaço para explicações singulares e explicações coletivas, generalizações teóricas e generalizações estatísticas, medidas e interpretações. Essa minha lida com os opostos, já me permitiu alcunhar-me de pesquisador Macunaíma, um pesquisador sem nenhum caráter. Me sinto confortável com isso. Ou melhor me sentia até hoje!

Depois de ler esse trecho de Nietzche, fiquei perplexo! Afinal, parece que sou apenas mais um tipo de partidário. Nem positivista, nem antipositivista, mas Macunaímico! Portanto, mentiroso?

P.S.: O que me consola é que, pensando bem, nem Nietzsche escapou dessa! Ao escrever o Anticristo se revelou partidário. Portanto, mentiroso?

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Eu sou palavroso? Dificuldades de um escritor para públicos distintos!

Sou professor de administração há mais de 30 anos, para ser mais exato, em agosto desse ano completei 33 anos de atuação no ensino e pesquisa em Administração. Entre 1977 e 1981, enquanto fazia minha graduação em Administração na Universidade Estadual de Londrina, publiquei algumas crônicas e pequenos textos em uma seção da Folha de Londrina que era editada pela jornalista Ana Aromatário. A seção tinha o título de “Qual é a deles?” e destinava-se à publicação de textos de leitores do jornal. Não era uma seção de cartas do leitor! Mas, uma seção em que muitos leitores escreviam sobre temas que lhes interessavam. Publiquei algumas vezes nessa seção. Eram textos não acadêmicos, mas em alguns deles tratei de questões relacionadas á Administração. Muitas vezes recebi comentários elogiosos sobre o que escrevi naquela época.
Depois de concluir meu mestrado na Faculdade de Economia e Administração comecei minha carreira de escritor acadêmico. Meu primeiro texto científico foi publicado na revista Temática – Estudos de Administração, em 1984, quando escrevi sobre a relação entre ecologia de empresas e fomento econômico. A Temática foi uma publicação do Departamento de Administração da UEL que deixou de existir. Dois anos depois, publiquei um artigo na Revista de Administração da USP, no qual relatei estudo feito sobre atividades de apoio à pequena empresa no Reino Unido. Desde essa época, peguei gosto pela pesquisa e publicação acadêmicas. Nesses trinta anos, foram mais de cinquenta artigos de cunho acadêmico/científico! Uma boa produção que tem sido referenciada por outros estudiosos. Isto me deixa muito feliz!
Mais recentemente, por meio desse blog, voltei à escrita menos acadêmica ou menos científica. Aqui tenho registrado minhas reações e comentários a temas que estudo na Administração, mas tenho evitado ser muito rigoroso em termos científicos. Esse é o espaço para minhas emoções se juntarem ao uso da razão. Alguns dos textos que aqui publiquei têm me causado muito mais prazer do que trabalhos acadêmicos que são muito importantes em minha carreira de pesquisador. É outra forma de expressão!
Mas, às vezes, tento misturar os estilos em uma mesma publicação. No ano passado, por exemplo, graças à compreensão de seus editores, publiquei um texto na edição inaugural da Organizações e Sustentabilidade (http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/ros/article/view/15798) no qual teci reflexões sobre sustentabilidade e responsabilidade social corporativa a partir do cinema. Escrever o parágrafo inicial desse texto foi um momento quase mágico para mim. Sem nenhuma falsa modéstia, sugiro que você dê uma olhada nesse texto.
A regra geral que tenho seguido, no entanto, é tentar adequar o estilo à publicação, ou seja, ao seu público. Foi o que pensei estar fazendo quando, dois meses atrás, ajudei Sara a descrever um estudo de caso sobre capital social e empreendedorismo em um texto que submetemos a uma conferência sobre empreendedorismo que acontecerá na Espanha no próximo mês. Meu julgamento foi que estávamos preparando um texto para uma reunião acadêmica ou científica. Seguimos o script da produção de um texto acadêmico. Introdução, desenvolvimento e conclusão bem articuladas por uma boa base teórica e descrição cuidadosa dos procedimentos do estudo. Na conclusão reforçamos o que o caso nos ensinou sobre essa relação. Mas, parece que me enganei. Como descobri isso?
Ontem recebi o resultado da avaliação do trabalho. Ele foi aceito para apresentação no evento. Infelizmente, como o anúncio da aprovação veio um pouco tarde, Sara e eu não poderemos participar da conferência. Eu ia tentar levantar recursos para custear minhas despesas de viagem. A parte de Sara seria coberta por nós. Mas, não há mais tempo para isso junto aos órgãos de fomento brasileiros. Assim, tivemos que desistir da participação e da publicação do trabalho.
A essa altura você deve estar se indagando:
_ Se o trabalho foi aceito, onde está o engano?
Pois é meu caro leitor ou minha cara leitora, apesar de bem sucedido, descobri que a linguagem não estava adequada ao público pelo comentário que o(a) avaliador (a) fez sobre o nosso texto. Eis o comentário:
Bem, julgo que o artigo é de aceitar. Porém, parece-me, em geral demasiado palavroso. Apesar, disso, acho que a maior parte do conteúdo é, já, aceitável.
A única secção que, creio eu, deve ter uma modificação é dedicada à revisão bibliográfica. Parece-me claramente demasiado extensa. A meu ver, deve ser reduzida ao mínimo indispensável - conter apenas o que esteja diretamente ligado ao estudo de caso em causa.
O que é dito nas restantes seções poderia ser dito em menos palavras e de uma forma mais clara. Porém, do meu ponto de vista, tem já qualidade suficiente.
Ora veja você! Parece que Sara e eu não precisávamos ter dedicado tanto esforço a demonstrar a relação do caso estudado com a literatura e tampouco discutir o que o caso trouxe de novo para o entendimento da relação entre capital social e empreendedorismo. Parece-me que era esperada apenas a descrição de um caso prático bem sucedido. Erramos no estilo, mas acertamos no alvo: o trabalho foi aprovado!
Só fiquei um pouco chateado de ter sido adjetivado como palavroso! Sabe o que isso quer dizer no português brasileiro? Prolixo! Eu podia ter ido dormir sem essa ontem à noite!
Ah! Outra coisa:
_ Espero não ter sido palavroso nesse post!

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Capital social ou conexões: juntanto reflexões acadêmicas com empreendedoras

Minha atenção de pesquisador na área do empreendedorismo foi atraída por um tema que já foi objeto de estudo de muitos aqui no Brasil e no exterior: o capital social empreendedor. Minha primeira aproximação a esse tema deu-se quando Sara e eu realizamos um pequeno estudo sobre a criação de uma empresa de cicloturismo em Curitiba - a KuritBike Cicloturismo Urbano (http://novo.kuritbike.com/). A partir de uma entrevista com o criador da KuritBike, procuramos identificar como esse empreendedor usou sua rede de contatos para obter acesso a recursos necessários para a criação e manutenção de sua empresa no mercado. De forma muito resumida, o capital social empreendedor diz respeito aos contatos que um empreendedor ou uma empreendedora utiliza no sentido de obter acesso a recursos (financeiros, informacionais, materiais, de conhecimento, etc) que facilitem o surgimento da empresa em primeiro lugar e, depois, sua permanência bem sucedida no espaço competitivo que é o mercado.

Há uma literatura grande sobre esse tema, mas hoje quero falar de um texto que meu amigo Cândido Borges escreveu em co-autoria com o professor Louis Jacques Filion e que foi publicado no número 1 do primeiro volume da Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas - REGEPE (http://www.regepe.org.br/index.php/regepe/article/view/12). No artigo Evolução do capital social empreendedor dos spin-offs universitários, Cândido e Filion descrevem o resultado de uma pesquisa com oito empresas que tiveram sua origem ligada a alguma instituição de ensino superior, mostrando como o capital social de seus empreendedores foi se tornando cada vez mais diversificado e numeroso conforme as empresas progrediam nas etapas de sua criação. Nesse texto, os dois pesquisadores adotam um modelo que divide a criação de uma empresa em quatro estágios distintos: iniciação, preparação, lançamento e consolidação. 

O trabalho de Cândido e Filion é uma excelente introdução ao tema do capital social empreendedor. Recomendo sua leitura a quem quer começar uma jornada de estudos nesse campo do conhecimento. Além disso, o artigo tem uma escrita de excelente qualidade, tanto do ponto de vista científico quanto do ponto de vista de capacidade de comunicar claramente seus resultados!

Nessa minha vida que junta atividades de professor, pesquisador e gestor, em paralelo aos meus estudos, continuo minhas funções como Coordenador de Empreendedorismo e Incubação de Empresas da Agência de Inovação UFPR. No momento, tenho dedicado muito esforço na condução do curso de extensão Bota pra Fazer, em parceria com o Instituto Endeavor Brasil, destinado à capacitação de estudantes da Universidade Federal do Paraná, cujo objetivo é fazer com que os participantes sejam capazes de se reconhecer como potenciais empreendedores e auxiliá-los no desenvolvimento de sua capacidade empreendedora, na identificação de oportunidades para empreender e na elaboração de um plano de negócio que leve, eventualmente, à criação de uma nova empresa.

Assim, estou revendo o conteúdo desse curso, um pouco a cada dia, visando me preparar para poder conversar com os alunos sobre seu conteúdo e esclarecer eventuais dúvida. Hoje, tive a oportunidade de assistir um vídeo com o depoimento do Marcelo Sales, que faz parte do conteúdo do curso, cujo título é As conexões que movem a vida. Esse vídeo está disponível no seguinte site: https://www.youtube.com/watch?v=JR7Omeoatek.

Marcelo Sales, mais que empreendedor bem sucedido, é um comunicador nato e faz um depoimento cheio de graça e simpatia, além, é claro, de compartilhar muito conhecimento útil para potenciais empreendedores. Foi muito legal poder aprender com ele sobre como sua rede de contatos (conexões) foi importante na construção de seu sucesso empreendedor ao longo de vários momento de sua vida.

A ligação entre o artigo de Cândido e Filion com o depoimento de Marcelo Sales surge fortemente nos trechos em que Marcelo Sales conta sobre as conexões que buscou no mundo dos negócios quando queria tornar efetivas as ideias empreendedoras que tinha junto com seus sócios. Muito legal poder ver como a experiência desse empreendedor é mais um exemplo de que a conclusão do estudo de Cândido e Filion faz todo o sentido, ou seja, para esses autores, o capital social empreendedor passa de uma rede majoritariamente tecnológica a uma rede mais diversificada, que inclui todas as categorias de rede (de suporte, de financiamento e outras) e uma composição contando proporcionalmente com cada vez mais contatos de negócio. 

Leiam o texto e vejam o vídeo ou vejam o vídeo e leiam o texto. Se aprende muito com ambos!

P.S.: O estudo que Sara e eu realizamos será submetido a algum periódico e espero que um dia esteja disponível para leitura.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Carta a uma jovem mestranda

Curitiba, 8 de junho de 2014.

Minha cara,

Já faz algum tempo que vinha planejando lhe escrever. Mas, escrever cartas é uma prática tão rara hoje em dia que fiquei pensando se realmente essa seria a melhor forma de me comunicar com você. Tinha dúvidas. Muitas!

Além disso, pensava também se ainda saberia escrever uma carta. Não consigo me lembrar de quando foi a última vez que escrevi uma. Teria sido a última para meu amigo Zé? Acho que não. Zé e eu nos correspondemos por alguns anos durante nossa juventude. Ambos nascemos em maio de 1957 e nos conhecemos aos 18 anos em São José dos Campos. Depois de um ano e meio de estudos de engenharia, quase que ao mesmo tempo, decidimos nos desligarmos da escola. Não era aquilo que queríamos da vida! Cada um retornou para sua cidade de origem. Ele, São Vicente, eu, Londrina. Escrevíamos semanalmente compartilhando nossos sonhos e esperanças juvenis. Um pouco mais novos que você é hoje, mas apesar das décadas que separam nossas juventudes, creio que tinhamos esperanças iguais às suas.

As cartas para/do Zé foram rareando. Nos reencontramos em São Paulo quando fui fazer meu mestrado. Depois, quando voltei para o Brasil, após quatro anos e meio na Inglaterra, descobri que Zé havia morrido. Me deu uma tristeza imensa. Antes do Zé, na adolescência escrevi muitas cartas. Houve uma menina que morava em Belém do Pará. Poxa! Não consigo lembrar o nome dela! Nunca nos encontramos, mas escrevemos muitas cartas. Houve a Ivvy de Assis, uma espécie de amor platônico, um pouco antes de eu me mudar para São José dos Campos. Nos encontramos em Londrina, mas não rolou nada.

Mas, não é sobre minhas cartas que quero lhe falar. Engraçado, não perco esse vício. Em cartas, sempre usei o verbo falar ao invés de escrever. É claro que estou escrevendo, mas é como estivesse lhe falando. Então tenho que falar e não escrever! Entendeu?

É que ontem me lembrei de você. E me lembrei de você, porque me lembrei de mim mesmo quando fui fazer mestrado. Eram outros tempos! Nossa que frase mais grotesca! É claro que eram outros tempos, mas o que eu quero dizer é que a gente não se preocupava em publicar um artigo para cada disciplina que concluísse. Não! Na verdade, eu só publiquei um artigo que surgiu de minha dissertação. Não publiquei mais nada durante o mestrado todo. E o que é pior, meu orientador não apareceu como co-autor! Afinal de contas, quem escreveu o artigo foi eu. Ou será melhor dizer, quem escreveu o artigo fui eu? Essa nossa língua, às vezes, é meio ardilosa, não?

Olha eu, de novo, fugindo daquilo que quero lhe contar! Vou direto ao ponto.

Ando meio incomodado com essa coisa de que qualquer trabalho acadêmico no mestrado tem que mirar uma publicação! Na verdade não é meio, estou inteiramente incomodado com isso! Esse negócio de publicar virou tão massacrante que agora faz parte até dos regimentos de muitos programas de pós-graduação. Para o mestrando receber o diploma é preciso comprovar a submissão de pelo menos um artigo para um periódico com Qualis. Nossa, eu estou pegando uma ojeriza dessa palavrinha! Qualis, arre!

Tenho a sensação de que transformaram o prazer de aprender em um ofício de publicar. Porra! Me desculpe a indelicadeza. Agora já foi! Não tem como retirar, sem borrar a carta!

Isso não é bom. Não seria muito melhor se você pudesse passar pelo mestrado, aproveitando todos os momentos para construir um conhecimento que lhe fosse interessante? Que você pudesse se esforçar em tentar compreender o seu tema de estudo de forma abrangente? Que a escrita de um artigo surgisse quando você sentisse uma vontade irresístivel de compartilhar com outros uma descoberta que você fez?

Mas, não! Você tem que passar uma boa parte de seu tempo escrevendo artigos, submetendo-os para congressos ou revistas! Muitas vezes, imagino eu, sem muita vontade, mas, fazer o que né? Tem que cumprir as regras!

Durante algum tempo eu também entrei nessa onda. Por isso, estou lhe escrevendo hoje. Eu deveria ter tido outra atitude, mas talvez você saiba como são essas coisas. A gente entra em uma roda-vida, fica sendo parte dessas engrenagens, recebe pressão de um lado, de outro, e quando menos espera, está fazendo parte de uma rotina idiota!

Puxa, me desculpe! Eu não queria que sua caminhada pelo mestrado fosse assim!

Se eu tivesse parado um pouquinho, olhado para trás, teria me visto, mais ou menos com sua idade, tentando conhecer um pouco mais sobre Administração, sem nenhuma pressa em publicar, deixando as ideias amadurecerem, para de repente, se manifestarem em algo que fez sentido para mim.

Pois é, são outros tempos, você pode me dizer! É verdade, mas tente não sucumbir demasiadamente a essa pressão. Faça o mínimo que lhe exigerem e tente concentrar seu esforço em aprender algo que seja significativo para você. Vai valer a pena! Tenho certeza! Pois, quando você menos esperar, vai surgir um texto que vai lhe revelar para o mundo. Os outros textos são conversa para boi dormir! Ou só para inglês ver! Cumprir uma formalidade que puseram no regimento!

Minha cara, acho que você não é capaz de imaginar como lhe falar me fez bem. Estava precisando tirar isso de meu coração!

Mas, enfim, o que eu quero mesmo é que você possa ser feliz como eu fui nos meus estudos. Aproveite esse tempo para descobrir o máximo que puder sobre aquilo que lhe interessa, que lhe deixa curiosa, que lhe atrai a atenção. No final das contas, é isso que importa.

Um afetuoso abraço de seu professor.


domingo, 11 de maio de 2014

A ILUSÃO DO EMPREENDEDORISMO

Há anos, o empreendedorismo está na moda! Ao digitar essa palavra em um mecanismo de busca na Internet, em 0,32 segundos, me foram fornecidos mais de quatro milhões de resultados. O que é ser empreendedor, em mais nove centésimos de segundo, 0,41s, fornece 4,83 milhões de resultados. Quase um milhão desses resultados, pouco mais de 20%, são vídeos. Não é preciso muito esforço para encontrar alguma coisa escrita ou falada sobre empreendedorismo no mundo virtual.

Dias atrás, fui procurado por um jovem que buscava orientação sobre como incubar uma nova empresa. Recém-formado em engenharia, teve uma ideia de um produto que, aparentemente, não existe no mercado. Pensava em se dedicar a esta iniciativa imediatamente, buscando um espaço onde pudesse desenvolver esse novo produto.

Durante nossa conversa, percebi que ele não tinha muita clareza sobre como seu produto seria. Imaginava que seria um produto útil para empresas, mas que também poderia servir a pessoas. O produto, segundo ele, questionado por mim, não envolvia nenhum conhecimento novo em sua área de formação. Era simplesmente a aplicação de algumas fórmulas de domínio público. Era um produto que poderia aferir a qualidade de um insumo básico para muitas de nossas atividades.

Mas, quem estaria disposto a comprá-lo efetivamente? Como ele seria utilizado? Quanto custaria para ser produzido? Por que ninguém havia feito tal produto ainda, já que era tão simples? Conforme eu fazia perguntas a esse jovem, percebia nele uma frustração crescente, uma certa ansiedade, um ar de perplexidade!

Aos poucos, ele foi percebendo que empreender não era algo simples. Sugeri que procurasse um ou mais de seus ex-professores e conversasse com eles sobre o assunto. Ele manifestou a preocupação com o segredo da ideia, alguém poderia fazer seu produto antes dele! Lembrei, novamente, de uma das minhas perguntas: há algum segredo ou conhecimento de difícil acesso? Não, foi a resposta dele.

Procurei mostrar a ele, que ainda não estava no momento dele incubar uma empresa. Ele tinha que buscar muito mais informação do que sabia até aquele momento. A incubação demandaria compromisso de recursos financeiros que seria custoso para ele arcar. Procurei saber de seus antecedentes: o pai é bancário, a mãe toma conta da casa, ele estava buscando uma alternativa para sua vida, algo diferente de ficar se preparando para concurso. Muitos de seus colegas de curso estão fazendo o mesmo: se preparando para concurso!

Tenho quase que 100% de certeza de que este jovem saiu decepcionado de nossa conversa. Meu sentimento foi de irritação com a forma irresponsável com que a opção de empreender é transmitida aos nossos jovens hoje: a ilusão do empreendedorismo!

Torne-se um empreendedor! É o estímulo que estamos dando a nossos jovens. Vejam quantas histórias de sucesso! Você também pode ser um!

Onde estamos errando? Essa é a pergunta que me surgiu após esse encontro com esse jovem. Nossa sociedade, pelos diferentes meios de comunicação, está levando uma quantidade imensa de jovens a acreditar que serão empreendedores, proprietários de seu próprio negócio. Mas, ao mesmo tempo, não estamos sendo capazes de criar as condições para que eles possam ser bem sucedidos como empreendedores. Uma ideia na cabeça, sem uma câmara na mão, não faz um filme! Uma ideia na cabeça, sem recursos, não faz uma empresa.

Vai chegar o dia em que, com um nível adequado de educação, a partir de acesso igualitário aos recursos necessários, nossos jovens poderão usar seus próprios méritos para ter um diferencial em seus desempenhos?

Queria tanto acreditar que, mesmo em um futuro distante, pudéssemos ter uma resposta positiva a essa pergunta. Mas, em nossa sociedade egocêntrica, acho pouco provável que isso venha a ocorrer. O mais provável é que o acesso a recursos que viabilizem sonhos empreendedores continue ainda escasso. Enquanto isso, vamos disseminando esse discurso ilusório, festejando as raras exceções, escondendo os muito fracassos debaixo do tapete.

E, mais desanimador ainda, celebrando o crescente número de micro empreendedores individuais que são apenas registros virtuais de nossa ilusão empreendedora.