sexta-feira, 27 de julho de 2012

Escolha de Sofia e modelo de forças competitivas de Porter



Certa vez fui procurado por uma ex-aluna em Curitiba que estava enfrentando uma situação empresarial peculiar e não estava muito segura de como agir. Ela era uma aluna que sempre participava ativamente das aulas e, quando teve que enfrentar esta situação, lembrou-se de um evento que contei em sala sobre a época em que trabalhei com meus pais. Era uma situação que envolvia certo conflito com um fornecedor e que contei aos alunos no dia em que estava falando das cinco forças competitivas do modelo de análise da indústria de Michael Porter.
Depois de formada, Sofia, esse é seu nome, abriu uma butique feminina localizada em um bairro de alto poder aquisitivo em Curitiba em sociedade com sua irmã mais velha. As duas irmãs aproveitaram o apoio financeiro oferecido pelo pai, comerciante bem sucedido em outro ramo de negócio, que contava com a participação do filho mais velho na gestão. Como algumas vezes acontece, as duas haviam percebido que não teriam espaço em uma provável sucessão no negócio do pai quando esse se ausentasse. Aliás, Sofia decidira fazer administração porque desejava iniciar um negócio próprio. Sua irmã já havia trabalhado em uma butique quando brigara com o pai e decidira ir atrás de seu próprio destino.
Assim, as duas acabaram unindo forças - o conhecimento adquirido por Sofia na graduação e a experiência de três anos da irmã - e abriram as portas da empresa voltada para um público feminino de poder aquisitivo mais elevado, classe média-alta. Depois de anos trabalhando, ficaram conhecidas no mercado, a empresa tinha se estabilizado, as duas irmãs conseguiam ter um bom padrão de vida e sentiam-se realizadas. Além disso, tinham conseguido devolver os recursos iniciais que o pai emprestara para elas na abertura da empresa. A butique era uma loja multimarcas e graças ao bom trabalho das duas, havia até alguma marcas que eram exclusivas delas na região em que atuavam.
Foi então que, certo dia, Sofia foi procurada por José Carlos que lhe fez uma proposta. José Carlos gostaria de comprar 50 peças da marca NEWLOOK, um dos fornecedores da loja de Sofia. José Carlos tentara fazer a compra diretamente com o fabricante, mas esse não aceitou o pedido. Ocorre que José Carlos, além de varejista, é também fabricante de roupas femininas e é conhecido por adotar uma prática não muito legítima no mercado: comprar roupas de outros fabricantes e colocar sua marca antes de revendê-las. Os clientes da fábrica de José Carlos são, na sua maioria, as chamadas “sacoleiras” que compram de diversos fornecedores em shoppings atacadistas para vender no varejo. Sofia é revendedora também das roupas fabricadas pela empresa de José Carlos. E, além disso, a NEWLOOK era uma de suas marcas exclusivas naquela região.
Pois é, não por acaso, lembrei-me do filme “Escolha de Sofia” em que Meryl Streep faz o papel de uma polonesa que viveu em um campo de concentração. Sob a direção de Alan J. Pakula, esse filme de 1982 rendeu a Meryl Streep um dos diversos Oscars de sua carreira. Atuando com Kevin Kline e Peter Macnicol, a personagem de Meryl tem segredos que guardam uma escolha difícil que teve que fazer no passado.  Prisioneira, em certo momento, teve que escolher se a filha ou o filho deveria ser enviado para execução no campo de concentração. Kevin Kline faz o papel de namorado de Sofia, Nathan, e Peter Macnicol é Stingo, o novo vizinho que se torna amigo do casal e acaba se apaixonando por Sofia. Um filme que deve ser revisitado!
É claro que a escolha de Sofia, a empreendedora, não tem o mesmo nível de dificuldade que a da personagem vivida por Meryl. Mas, Sofia queria minha ajuda: o que fazer?
A princípio a situação vivida por Sofia e sua irmã apresentava um dilema moral: trair a confiança de um fornecedor que havia dado exclusividade a elas na região, vendendo uma quantidade de atacado para um empresário de comportamento não muito confiável. Será que José Carlos retiraria as etiquetas da NEWLOOK e colocaria as de sua própria marca?
Para dilemas morais, as ferramentas de administração não oferecem muita ajuda. Talvez, Sofia poderia se inspirar nas teorias que tratam da Responsabilidade Social Corporativa, ou nas que abordam a visão de Stakeholders e decidir de forma a se sentir socialmente responsável ou levando em consideração os interesses de todos os stakeholders. Mais fácil falar do que fazer! Na essência é uma escolha entre o que julgamos certo ou errado no mundo dos negócios.
Mas, se o dilema moral é posto de lado, será que é possível analisar essa situação sob um ponto de vista de qual seria a solução mais vantajosa para a empresa de Sofia? Ou seja, quais as consequências de um sim ou de um não ao pedido de José Carlos?
Foi nesse ponto da conversa que falei para Sofia:
_ Sofia, lembra-se das nossas aulas de estratégia? Lembra-se do modelo das forças competitivas de Porter?
Sofia respondeu:
_ Sim, Fernando. Lembro-me que nessa aula você contou da tentativa que fez de enfrentar a PepsiCo quando estava trabalhando com seus pais. Eles mudaram as condições de negociação, não foi? Não queriam mais vender a prazo, só a vista. Você disse que à vista não comprava, buscou produtos substitutos, mas os clientes só queriam daquela marca! Seus concorrentes tinham e seus clientes começaram a reclamar. Você teve que rever sua decisão trinta dias depois para atender aos clientes. Foi bacana, pois a gente percebeu a ideia de poder de negociação de fornecedores, ameaça de produtos substitutos, intensidade de concorrência e poder de negociação de clientes.
_ Pois é Sofia. Naqueles dias eu ainda não tinha chegado às aulas de estratégia na minha graduação. Talvez você possa analisar a situação que está enfrentando pensando nessas forças: qual o poder da NEWLOOK em relação a vocês? O que eles fariam se descobrissem que você vendeu uma grande quantidade para o José Carlos? De igual forma, qual o poder do José Carlos em relação a vocês, já que ele também é seu fornecedor? Se você fizer essa venda poderá deixar alguns clientes na mão, isso é conveniente? Qual o risco de irem atrás de outras butiques?  Pense nessas coisas.
Depois de algum tempo reencontrei Sofia. Curioso, perguntei o que ela e a irmã tinham feito. Sofia me respondeu:
_ Primeiro a gente se desfez do dilema moral! Essa era uma decisão de negócios que tinha impactos a curto e médio prazo. Podíamos fazer um grande venda e gerar caixa para nossa empresa, que estava necessitando. Por outro lado, havia um risco muito grande, pois a NEWLOOK representava 60% de nosso faturamento. A reação deles poderia nos colocar em dificuldades no médio prazo. Poderiam, por exemplo, tirar nossa exclusividade na região. Ou deixar de vender para nossa empresa. Por outro lado, o fornecimento de José Carlos para nossa empresa era também significativo: 25% do faturamento.
_ E então? Eu perguntei. Ansioso para saber o que tinha acontecido.
Sofia concluiu:
_ Nós atendemos ao pedido de José Carlos. Além de resolver nossa questão financeira de curto prazo, nós descobrimos que a NEWLOOK estava planejando abrir lojas próprias e uma das primeiras seria em nossa região. A gente perderia o fornecimento deles em seis meses Assim, fizemos a venda, pedimos peças extras para atender aos demais clientes e continuamos indo bem.
Gosto dessa história da Sofia, pois além de verdadeira, é um exemplo prático de dilemas que enfrentamos na gestão de pequenas empresas no dia-a-dia. Não temos uma receita única, mas quando aprendemos a pensar estrategicamente, podemos decidir de forma mais consistente, acertar, errar, voltar atrás quando necessário. Além disso, essa história realça a importância de estarmos sempre atentos aos movimentos de nosso mercado. Afinal de contas, essas forças competitivas não são estáticas, ao contrário, são muito dinâmicas. 

P.S.: Se é você professor(a) use essa história como uma atividade em sala. Já fiz isso muitas vezes, dá uma boa dinâmica em grupo. Divida a turma em duas partes e apresente o parágrafo que conta a proposta feita por José Carlos a Sofia. Um grupo deve buscar argumentos a favor e outro grupo contra. Veja o que acontece!

terça-feira, 24 de julho de 2012

Pequenas empresas, Economia e Big Brother no País de Gales

Para Telma, que esteve presente nesse e em outros momentos

No primeiro semestre de 1985, tive a oportunidade de passar seis meses realizando uma pesquisa sobre atividades de apoio à pequena empresa no Reino Unido. Telma e eu estávamos casados há quatro anos, quando ela recebeu uma proposta de fazer um curso de especialização em Biblioteconomia na University College of Wales em Aberystwyth, País de Gales. Para isso ela recebeu uma bolsa de estudos do British Council, por meio de articulações de suas professoras no mestrado em linguistica aplicada da PUC-SP.
Telma foi no segundo semestre de 1984 e eu, que estava atuando como docente nessa época na UEL, consegui uma licença de seis meses para realizar estudos que se relacionavam com minha dissertação de mestrado que fazia junto à FEA-USP.
Foi a primeria vez que saí do Brasil para estudar. Descobri como meus estudos da lingua inglesa na adolescência tinham sido utéis, mas assim mesmo no começo tinha muitas dificuldades para me comunicar oralmente. Lembro-me de certa vez estar em frente da casa onde morávamos em Aberystwyth, quando uma senhora idosa se dirigiu a mim fazendo alguma pergunta. Eu estava de costas, virei-me e disse:
_ Sorry! Não havia entendido o que a senhora me havia perguntado.
Esta me respondeu:
_ Sorry! I didn´t know you were a foreigner. (Desculpe! Eu não sabia que você era estrangeiro.)
Pois é, com apenas uma palavra, a velhinha já me carimbou de estrangeiro. Telma, ao contrário, fluente em inglês, tinha uma habilidade impressionante de se comunicar e muitos chegaram a perguntar a ela, como se fosse inglesa:
_ Where did you meet this Brazilian? (Onde você encontrou esse brasileiro?)
Esse período foi muito significativo em minha vida pessoal e profissional. Foi nessa época que, após uma visita que fizemos à Cidade Luz (Paris), após algum tempo, descobrimos que Telma estava grávida de Paloma, que foi nascer em Londrina em janeiro de 1986.
Mas, minha ida ao País de Gales não foi só para passear e conhecer velhinhas galesas simpáticas. Fiz um estágio junto ao Departamento de Economia da University College of Wales que me deu acesso às instalações da universidade, e em particular à biblioteca. Aberystwyth era também a sede da Biblioteca Nacional do País de Gales, situada no alto de uma colina, não muito longe de onde morávamos. Um prédio belíssimo onde passei muitas horas lendo.
Nesse período, de forma muito autônoma, pude realizar essa pesquisa que me permitiu, por meio de um levantamento, identificar organizações e atividades de apoio à pequena empresa naquela época. Uma versão resumida do relatório de pesquisa que entreguei ao Departamento de Economia da UCW foi publicada em artigo na Revista de Administração, v. 21, n.4, em 1986, sob o título: Atividades de apoio à pequena empresa: a experiência britânica.
Além desse levantamento, tive a oportunidade de fazer um estudo com dados estatísticos sobre as pequenas empresas no Reino Unido entre 1976 e 1982 com base na Business Monitor's Analyses of United Kingdom Manufacturing (local)  Units by Employment Size. Nesse período, a economia inglesa estava em declínio, e os dados que coletei indicaram que o número de pequenas empresas industriais e o total de empregos gerados por elas, em termos proporcionais, se elevaram quando comparados com as grandes empresas. Assim, por exemplo, as empresas que tinham entre 20 e 99 empregados, representavam 67% das empresas em 1976, e 71% em 1982. Por outro lado, as empresas maiores, com mais de 200 empregados, decresceram de 18% para 15% no mesmo período. Quanto à participação no total de empregos, observou-se fenômeno semelhante: as empresas menores passsaram de 18% para 21% dos empregos gerados e as grandes de 68% para 64%.
Outra informação interessante revelada por essa incursão nas estatísticas britânicas, foi que a taxa de decréscimo em termos de empresas e empregos, foi menor para as empresas menores. Por exemplo, as empresas industriais que tinham mais de 200 empregados diminuíram quase 6% no número de unidades e quase 7% no total de empregos gerados. Para as pequenas empresas, esses números foram, respectivamente, 2,38% e 2,31%.
Lembrei-me desse estudo, ao ler notícias sobre as perspectivas mais sombrias para a economia brasileira nos próximos meses. Se esse contexto negativo se afirmar, é bom refletir sobre a importância de reforçarmos os mecanismos de apoio às pequenas empresas. Elas são mais flexíveis e resistem mais aos tempos dificéis.
Desse período de estudos no País de Gales, trago na memória também um fato curioso. Como ficaríamos apenas seis meses na casa que alugamos da Mrs Smith, outra simpática velhinha galesa, Telma e eu resolvemos alugar uma televisão em uma pequena loja que encontrei no centro de Aberystwyth. O proprietário da loja não nos passou nenhuma informação sobre o sistema de licenciamento público para acesso aos canais abertos da televisão no Reino Unido. Passado algum tempo, estava assistindo tv sozinho em casa, e vi um anuncio assustador sendo transmitido. Alguma coisa assim:
"The van detectors are in your area. If you have not paid the tv tax, you may get into trouble" (As vans detectoras estão na sua área. Se você não pagou a taxa de tv, você pode arrumar problemas). Imagine, eu com meu pouco domínio da lingua inglesa naquela época, vendo essa mensagem. Quase que entrei em pânico. Mas, depois de respirar fundo, fui me informar. O dono da loja em que aluguei o aparelho de tv, me explicou que deveríamos pagar a taxa anual cobrada de todo proprietário de tv no Reino Unido. Essa taxa é que custeava a produção e os investimento da famosa BBC. Sabendo disso, regularizei a situação, mas mantive aquele sentimento inicial quando vi o anúncio pela primeira vez: o Big Brother previsto por George Orwell em seu livro 1984 estava se tornando realidade! O governo britânico era capaz de descobrir se eu estava assistindo tv em minha casa, mesmo com as portas fechadas! Esse sim era o verdadeiro Big Brother, não essa coisa ridícula que ocupa um tempo valioso de nossa televisão.


Primeiro número da REGEPE

É com satisfação que comunico a publicação do primeiro número da REGEPE - Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, iniciativa da ANEGEPE, fundada em fevereiro do ano passado.

Para leitura dos artigos é necessário cadastrar-se.

Estão todos convidados a acessar a REGEPE e, eventualmente, contribuir com artigos, resenhas ou casos para ensino: http://www.regepe.org.br/index.php/regepe

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Helena Ignez, cinema de arte e panificadora em Cuiabá: até onde pode nos levar a necessidade de realização?

Saí em estado de graça da sessão de abertura da Mostra Rogério Sganzerla que se iniciou hoje no SESC Paço da Liberdade em Curitiba. Serão dez filmes desse.grande cineasta em exibição ao longo de nove dias. O primeiro da mostra foi Luz nas Trevas - A Volta do Bandido da Luz Vermelha, idealização de Helena Ignez, viúva de Sganzerla, atriz e cineasta que já realizou Canção de Baal, A miss e o dinossauro: bastidores da Belair e Reinvenção da rua.
A cineasta adaptou roteiro orginal de Sganzela e junto com Ícaro C. Martins dirigiu uma comédia de espírito altamente crítico com a participação de Ney Matogrosso, André Guerreiro Lopes, Djin Sganzerla, Sandra Corveloni, Bruna Lombardi, Paulo Goulart, Sérgio Mamberti, Arrigo Barnabé, Simone Spoladore, Mario Bortolotto, José Mojica Marins e outros mais. Um elenco impressionante que foi muito bem dirigido em um filme de trilha sonora inigualável, imagens inovadoras e visualmente impares.
Após a sessão houve um debate com Helena Ignez que começou falando sobre a realização do filme. Lembrando de forma emocionante, o período de oito meses entre a descoberta da doença de Sganzerla e sua morte, Helena Ignez contou sobre a tarefa de trabalhar 600 páginas de roteiro para a realização desse filme durante esses meses. Um trabalho de amor e dor segundo suas palavras. Que tinha que ser feito para honrar a obra de Sganzerla e continuar a sua trajetória de vanguarda, assim como a da própria Helena.
Mas, foi na sua fala que Helena Ignez disse algo que também chamou minha atenção. Ela disse que o filme é uma comédia, cinema de arte, e que a indústria não vai conseguir acabar com o cinema de arte. Voltando para casa, comecei a pensar nessa frase e como ela está associada à ideia que David McClelland nos apresentou no começo dos anos 60 do século passado: a necessidade de realização.
Para McClelland, a necessidade de realização é um dos motores da motivação humana que ajuda a entender a tendência empreendedora que as pessoas possuem. Dadas as condições adequadas, quanto maior a necessidade de realização de uma pessoa, maiores as chances dela se envolver na criação de um novo empreendimento. McClelland, psicólogo, deu uma contribuição importante para o campo de conhecimento sobre empreeendedorismo, ao notar a insuficiência das explicações de origem na economia sobre o comportamento empreendedor. Aliás, poucos notaram que Schumpeter, um dos chamados pais do estudo do empreendedorismo, ao escrever sobre a função empreendedora na economia, na introdução de seu livro, de forma bem humorada, reconhece que estava falando de um aspecto limitado da vida humana, pois estava se restringindo aos fatos econômicos. Esse grande pensador reconhecia, já no inicio dos anos 30, a limitação das explicações economicas, pois a vida tem muitas outras facetas e, segundo Schumpeter, talvez muito mais interessantes.
Enfim, as palavras de Helena Ignez ao contar sobre os esforços de fazer uma produção de baixo orçamento, buscando apoio em quatro editais e conseguindo recursos do Canal Brasil para finalizar sua comédia, contam também uma história empreendedora. Segundo ela, houve também um efeito positivo do período de governo Lula, quando os recursos para apoio ao cinema eram muito maiores que agora.
Pois é, foi o conjunto todo das palavras da cineasta que me levaram a essa reflexão: necessidade de realização, paixão, criatividade, recursos disponíveis, disposição para agir, um ambiente favorável, uma equipe competente e público! Tudo isso junto levaram à criação desse grande filme.
Além de tudo, para mim houve um momento especial. Assisti ao filme na primera fila. Quando este estava terminando, Helena Ignez entrou e sentou-se ao meu lado. Na hora de dirigir-se ao centro da sala para iniciar a conversa, ela me deu um imã com a reprodução do cartaz do filme. Presente que ficará guardado junto a outras relíquias, de valor afetivo, que surgiram em minha história.
Ah! Estava esquecendo... Você quer saber por que no título desse post há uma "panificadora em Cuiabá"? Vai ter que assistir ao filme! Cena deliciosa do filme! Tão inesquecível quanto Ney Matogrosso cantando Sangue Latino em arranjo exclusivo para o filme.
A indústria cinematográfica não vai acabar com o cinema de arte, concordo com Helna Ignez.

sábado, 14 de julho de 2012

Os Limites das Ferramentas na Administração

Considero impossível assistir a qualquer filme de Krzysztof Kieslowski sem ser de alguma forma afetado pelo que vemos. Esse cineasta polonês fez mais de 30 filmes em uma carreira que se iniciou em 1966 e, voluntariamente, se encerrou em 1994. Seus últimos filmes foram especialmente bem sucedidos, tanto em termos de público quanto de crítica. Entre eles se destacam A Fraternidade é Vermelha (1994), A Igualdade é Branca (1994), A Liberdade é Azul (1993) e A dupla vida de Verónique (1991). Os três primeiros formam a Trilogia das Cores, que foi baseada nas cores da bandeira francesa e no lema da Revolução Francesa do século XVIII: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
No final dos anos 80, Kieslowski realiza para a TV Polonesa o filme Decálogo. Composto por dez histórias, o filme apresenta dilemas morais com inspiração nos Dez Mandamentos. Na trajetória de Kieslowski há um fato marcante, ocorrido em 1994, quando o cineasta comunica que estava se aposentando por sentir-se cansado de fazer cinema. Embora, tenha continuado trabalhando no roteiro de três filmes (Paraíso, Purgatório, Inferno) baseados na Divina Comédia de Dante Alighieri, Kieslowski faleceu em 1996 antes de realizar essa nova trilogia.
Tive a oportunidade de ver alguns dos filmes que compõem o Decálogo ontem e hoje no Paço da Liberdade em Curitiba. Assisti às partes de número sete, oito e nove, cujos títulos são “Não Furtarás”, “Não Levantarás Falso Testemunho” e “Não Cobiçarás a Mulher do Próximo”.  Mais do que simplesmente reproduzir os mandamentos a que cada parte se refere, os filmes que compõem o decálogo criam situações de dilema moral que evidenciam as dificuldades que nós humanos enfrentamos quando temos que lidar com nossas escolhas cotidianas que nos apresentam interesses conflitantes muitas vezes.
Apesar de ter sido profundamente afetado pelos três filmes, foram os dois últimos que mais me fizeram refletir sobre a vida, sobre a administração, em especial sobre seu ensino.  Em “Não Cobiçarás a Mulher do Próximo” temos a estória de um cirurgião que descobre que sua mulher está tendo um relacionamento amoroso com outro homem. Em uma cena, Roman, o cirurgião consegue posse da chave do apartamento onde Hanka, sua esposa, e Marius, o amante, se encontravam. Roman decide fazer uma cópia da chave e a cena da máquina de reproduzir chaves foi inspiradora para mim.
A chave representa apenas uma ferramenta, vai permitir a Roman ter certeza do que desconfiava. Mas, como ferramenta, não vai além disso. A chave em nada pode ajudar Roman sobre como agir após a confirmação de suas suspeitas. De igual forma, para mim as ferramentas administrativas são limitadas. Elas ajudam o administrador a enxergar uma situação organizacional melhor, mas pouco podem fazer em relação ao agir administrativo. A prática da Administração é muito mais do que usar ferramentas de planejamento, diagnóstico e prospecção. A Administração depende da interpretação que o profissional faz daquilo que está vendo. Não é possível agir sempre da mesma maneira, pois no agir administrativo temos a interação com os outros, seus interesses, sua influência, sua propensão a colaborar ou sua inclinação à resistência. Ou seja, as ferramentas são como a chave de Roman, apenas abrem as portas, nada dizem sobre o que fazer depois da porta aberta.
Se reconhecermos essa limitação das ferramentas administrativas, temos que reconhecer as implicações disso para o ensino da Administração. Ora, não é suficiente ensinarmos o uso de ferramentas para o futuro profissional de Administração. Precisamos buscar formas de prepará-lo para um agir competente que extrapola o uso das ferramentas e que conduz a organização para o fim desejado. Ou seja, para que serve a Administração? Em outro post, já comentei que a Administração precisa ser repensada na direção de seu entendimento como uma prática social que busca o bem viver da humanidade.
É nesse ponto que me vem à mente uma cena do “Não Levantarás Falso Testemunho”. Nesse episódio do Decálogo somos apresentados a uma professora de Ética que recebe a visita de sua tradutora nos Estados Unidos. O que a professora não sabe é que sua vida está ligada à da tradutora de uma forma muito mais complexa do que a relação acadêmica. Em determinado momento do filme, a tradutora pergunta à professora sobre como ela ensina. A professora diz que procura auxiliar seus alunos de forma que eles possam chegar a suas próprias conclusões. A tradutora insiste: Para chegar onde? E a professora complementa de forma emocionante: para chegar ao bem. Às vezes o mal predomina, mas precisamos chegar ao bem.
Como disse no começo: É impossível assistir a Kieslowski sem ser afetado pelo que vemos! Uma obra que merece ser apreciada!

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Fábulas de Esopo: lições para a gestão de pequenas empresas

Encontrei em um sebo, uma edição de bolso das Fábulas de Esopo publicada pela L&PM em 2002. Foi uma volta à infãncia! Muitas das fábulas foram transformadas em contos infantis que imagino ainda estejam no mercado livreiro. Entre várias que me fizeram recordar os dias de infância e minhas idas à Biblioteca do Colégio Londrinense, há duas que servem de lições para a gestão de pequenas empresas também.
A primeira é muito conhecida e se intitula "Os filhos do camponês". Naquela época, Esopo contava que:
A discórdia reinava entre os filhos de um camponês. Em vão, ele os exortava a mudar de comportamento; suas palavras não produziam nenhum efeito. Foi por isso que decidiu dar-lhes uma lição na hora:
_ Tragam-me - disse ele - um feixe de gravetos,
Os meninos foram buscar. O camponês pegou os gravetos e os uniu num feixe compacto e pediu que eles o partissem. Apesar de toda a força que botaram, não conseguiram. O pai então desfez o feixe e deu a cada um deles um graveto. As crianças os quebraram com facilidade.
_ Vejam, meus filhos, o mesmo acontece com vocês: se forem unidos, não temerão seus inimigos, mas se continuarem na discórdia, cairão nas mão deles. (Fábulas de Esopo. Porto Alegre: L&PM, 2002, p, 50-51).
Muitas vezes a união entre pequenas empresas é uma forma de aumentar sua competitividade. Uma das formas mais comuns de cooperação entre pequenas empresas são as centrais de compras, que permitem melhores condições de barganha junto a fornecedores e oferta de produtos ou serviços em condições mais competitivas ao mercado. No entanto, algumas vezes, algum graveto cede à tentação de sair do feixe. Isto é, uma pequena empresa pode ceder a tentações egoísticas e não compartilhar com as demais que estão unidas alguma oportunidade. Nesse momento, a união pode ser ameaçada e o feixe desfeito. Alguns poderão se quebrar!
Me lembro de um exemplo que aconteceu em uma associação de pequenos supermercados no norte do Paraná. Essa associação, semanalmente, publicava um folheto com as ofertas da semana que poderiam ser encontradas em todas as lojas dos supermercados da associação. Essa promoção semanal era combinada com antecedência de uma semana. Certa vez, um dos associados, se aproveitou dessa combinação antecipada de promoção, e no dia seguinte à definição de quais seriam as oferta da próxima semana, resolveu fazer uma promoção antecipada em suas lojas, antes de todos os membros da associação, já que estava com estoques altos da maioria dos produtos que seriam ofertados na semana seguinte. Esse comportamento egoístico, gerou muito conflito e discórdia no àmbito da associação. O feixe foi momentaneamente quebrado! A confiança entre os cooperados sofreu muito.
Outra fábula que eu gostava muito quando criança é a que conta sobre uma disputa entre o vento e o sol. Esse é o registro da fábula (Fábulas de Esopo. Porto Alegre: L&PM, 2002, p, 83):
O Vento e o Sol discutiam para ver quem era o mais forte. Ficou estabelecido que ganharia aquele que conseguisse arrancar o casaco de um viajante. O Vento começou: pôs-se a soprar violentamente e, como o homem segurasse o casaco com força, ele redobrou os ataques. Transido de frio, o viajante pôs um segundo casaco, de modo que o Vento, desencorajado, deu a vez ao Sol. Este a princípio brilhou moderadamente e o homem tirou o segundo casaco. O Sol lançou então seus raios mais fortes e, assim, sem suportar mais o calor, o viajante tirou toda a roupa e se jogou num rio próximo.
Esopo concluía:
Conseguirás o que queres pela persuasão, não pela violência.
Aqui a relação com pequena empresa não é tão direta como na fábula anterior. Creio que essa fábula nos permite refletir sobre dois aspectos da gestão que são relevantes para a pequena empresa. O primeiro, quando pensamos na ação do Vento, pode-se refletir sobre a importância de conhecer o nosso mercado. O Vento não sabia nada sobre porque o viajante usava um casaco! Quanto mais ventava, mais o viajante precisava do seu casaco. Assim, se queremos que o cliente prefira nossa empresa, preicamos saber o que o motiva, suas necessidades e de que forma podemos atendê-lo.
Por outro lado, a ação do Sol também é ilustrativa. Quando não sabemos bem o que o mercado quer, precisamos ser prudentes, agir devagar, analisar sua reação e persistir. Se fizemos algo que deu bons resultados, reforçamos esse comportamento, se os resultados não foram bons, vamos tentar entender porque não deu certo. E, depois, tentar algo diferente.
Para mim, quando lembro das pequenas empresas e de seus dirigentes que tive a oportunidade de conhecer ao longo da vida, um padrão surge entre as bem sucedidas. É o que chamei, certa vez, de experimentação estratégica. Na pequena empresa, é preciso juntar a ação cotidiana, em condições elevadas de incerteza, com a capacidade de refletir e experimentar ações alternativas, e reforçar aquelas que foram bem sucedidas. Para que isso funcione, algo é fundamental, e agora tomo emprestado as ideias de Edmilson Oliveira Lima. Segundo o Edmilson, os dirigentes de pequenas empresas precisam desenvolver a capacidade de realizar conversas estratégicas. Discutir os rumos da empresa com seu sócios, outros parceiros, empregados e, nessas conversas, ir (re)definindo os rumos da empresa. Essas conversas são uma base muito adequada para a experimentação estratégica.
Procurem textos do Edmilson sobre conversa estratégica, São muito interessantes. Um deles pode ser encontrado no livro "Empreendedorismo e estratégia de empresas de pequeno porte – 3Es2Ps", disponível gratuitamente em https://www.editorachampagnat.pucpr.br/ebook/.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Empreendedorismo Local

Lendo um texto sobre desenvolvimento local (A construção social da cidade: desenvolvimento local e projetos urbanos, de Nadia Somekh, no livro Políticas para o desenvolvimento local, organizado por Ladislau Dowbor e Marcio Pochmann), encontrei uma adjetivação do empreendedorismo que ainda não connhecia: empreendedorismo local.

O estímulo a esse tipo de empreendedorismo, segundo a autora, é defendido pelo geógrafo David Harvey em artigo publicado em 1996 na revista Espaço & Debates, número 39, cujo título é "Do gerenciamento ao empresariamento: transformação da administração urbana no capitalismo tardio". Segundo Nadia Somekh, o empreendedorismo local é a capacidade de articulação de atores e forças sociais e o desenvolvimento de formas das chamadas parcerias entre poder público e setor privado.

Ainda, para ela, este tipo de empreendedorismo se faz necessário visto que "as cidades e as regiões estão se tornando os agentes efetivos de desenvolvimento econômico" (p. 24) e, quando aliadas aos Estados Nacionais, são "as regiões e as cidades, mais flexíveis e adaptáveis a condições mutáveis...[que] estão mais próximas da resposta necessária ao desenvolvimento....capazes de desenvolver projetos urbanísticos de requalificação, bem como de negociar com empresários de modo que seja possível influir em suas decisões, estimular a abertura de pequenas e médias empresas e, ainda, criar condições para desenvolver novas fontes de riqueza, prestígio e poder" (p. 25).

Nesse momento de reflexão local, com as futuras eleições municipais que escolherão novos prefeitos e vereadores, é algo que merece nossa atenção.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

O que diferencia a pequena empresa da grande empresa?

Os pesquisadores que investigam a administração de pequenas empresas, muitas vezes, têm que justificar por que esse tipo de organização deve ser estudado em separado das grandes empresas. Em 1981, John Welsh e Jerry White argumentaram em artigo publicado na Harvard Business Review que as pequenas empresas enfrentam uma escassez de recursos, o que limita em muito a aplicabilidade dos modelos administrativos desenvolvidos para grandes empresas. Com um título provocador, A small business is not a little big business (Uma pequena empress não é uma pequena grande empresa), os dois autores criticaram aqueles que defendiam o uso dos modelos e ferramentas administrativas que serviam para as grandes empresas, de forma indiscriminada em organizações de menor porte.

Por coincidência, no mesmo ano, Arnold Cooper escreveu sobre a questão estratégica em pequenas empresas e em novas empresas. Para Cooper, de igual forma, o contexto das pequenas empresas é diverso do das grandes empresas. Assim, a formulação e implantação de estratégia nesse tipo de organização tem que considerar duas características principais: o tipo de pequena empresa e o estágio no ciclo de vida. Nessa linha de estudo, alguns anos atrás, Daniela Torres, Sara Gimenez e eu fizemos uma pesquisa sobre a formação de estratégia em pequenos hotéis localizados em Curitiba que foi publicado em artigo na Revista Brasileira de Estratégia. Nesse artigo, apresentamos uma síntese das ideias de Cooper que reproduzo a seguir:

“As pequenas empresas variam em diversas dimensões, tais como disponibilidade de recursos, experiência anterior dos fundadores, sofisticação administrativa e desempenho. Estas diferenças podem ser representadas por arquétipos que foram denominadas por Cooper (1981), assim:

·         empresas de casais (mom and pop companies), que, em geral, têm poucos empregados ou até mesmo nenhum, sistemas administrativos pouco desenvolvidos, proprietários com habilidades técnicas, mas pouco conhecimento gerencial, e baixo retorno aos proprietários, que podem voltar a ser empregados em outras empresas nos momentos de crise;

·         empresas estáveis de alto retorno (stable high pay-off companies), que possuem sistemas administrativos mais formalizados, desfrutam de vantagens competitivas mais sólidas, com um desempenho mais estável, fornecendo um padrão de vida adequado aos seus proprietários;

·         empresas orientadas para o crescimento (growth-oriented companies), que são, em geral, iniciadas por grupos, seus administradores têm maior experiência gerencial e educação formal, enfatizam a inovação constante e estão posicionadas em mercados crescentes.

No que diz respeito ao estágio de desenvolvimento das pequenas empresas, Cooper (1981) distingue três períodos. O primeiro é o de criação da empresa (start-up), que envolve as decisões estratégicas de fundar uma empresa e posicioná-la em uma indústria com uma estratégia competitiva específica. O segundo estágio, denominado de crescimento inicial (early-growth), é o período em que a estratégia inicial de produtos e mercados está sendo testada e o empreendedor se envolve diretamente em todas as atividades da empresa. Para Cooper (1981), muitas pequenas empresas se estabilizam nesse estágio. O terceiro estágio é o de crescimento tardio (later-growth), que se caracteriza pela existência de múltiplos locais de operação para empresas varejistas e de serviços ou diversificação de produção para empresas industriais. Nesse estágio, a estrutura administrativa é mais complexa, com um ou mais níveis médios de gerenciamento.”

As ideias de Cooper são mais completas em relação ao argumento de Welsh e White e permitem aprofundar o entendimento das limitações que ferramentas de administração podem enfrentar quando usadas indiscriminadamente sem consideração pelo contexto de sua aplicação. Nesse sentido, acredito que podemos contribuir com os gestores de pequenas empresas quando simplificamos ferramentas complexas usadas em grandes empresas, permitindo a difusão de uma forma de pensar a administração dessas organizações de forma mais sistematizada, planejada e orientada por princípios que valorizem a convivência humana com acesso à riqueza de forma justa e equilibrada.

COOPER, A. C. Strategic management: new ventures and small business. Long Range Planning, v. 14, n. 5, p. 39-45, 1981.

ROCHA. D. T. da; GIMENEZ, S. C.; GIMENEZ, F. A. P. Revista Brasileira de Estratégia, v. 1, n. 3, p. 319-329, 2008.

WELSH, J. A.; WHITE, J. F. A small business is not a little big business. Harvard Business Review, jul/aug, 1981