A
primeira edição da Revista Livre de Sustentabilidade e Empreendedorismo foi
publicada ao final de abril de 2016. Quase cinco anos atrás. Naquele momento,
eu já contava com uma experiência de dois anos como editor da Revista Livre de
Cinema, cuja história de criação contei em um artigo publicado na Revista de
Empreendedorismo e Inovação Sustentáveis (veja o texto aqui http://revista.isaebrasil.com.br/index.php/EGS/article/view/15).
As
duas publicações compartilham um princípio editorial que expressei, pela
primeira vez, ao conceber a Revista Livre de Cinema. Naquele momento, em 2014,
eu era aluno de um curso de especialização em cinema na Universidade Tuiuti do
Paraná. Refletindo sobre minha trajetória acadêmica até então, concentrada nos
campos do empreendedorismo e da gestão de pequenas empresas, havia algo que me incomodava.
Esse
incômodo estava associado à questão da prática usual de avaliação ad hoc dos textos publicados em
periódicos dessas duas áreas. Como em outras áreas de conhecimento, os textos
antes de serem publicados em periódicos passam por uma tripla avaliação. Em
primeiro lugar, em geral, um editor faz uma avaliação prévia. Caso o texto
esteja adequado aos requisitos do periódico e tenha qualidade suficiente, na
opinião do editor, este vai para uma segunda etapa de avaliação. Nesta etapa,
em geral, dois avaliadores tidos como experts
no tema do texto, são convidados a avaliarem o trabalho e emitirem uma
recomendação ao editor. Esta recomendação, em geral também, pode ser uma, entre
três alternativas: a) rejeitar o trabalho, pois não tem qualidade para ser
publicado; b) solicitar alterações, correções ou complementações no trabalho,
para uma posterior reavaliação; e c) aceitar o texto para publicação como foi
submetido.
Esses
procedimentos, se acredita, aumentam a qualidade daquilo que é publicado pelos
periódicos, pois só serão publicados textos que tenham sido aprovados por três experts e que atendam requisitos mínimos
de qualidade de redação e de rigor na construção do conhecimento.
Mas,
qual era o meu incômodo com isso? Pois é, como estudioso dos campos que
mencionei acima, por dever de profissão, ao longo dos últimos 40 anos, tenho
lido muita coisa que foi publicada em periódicos brasileiros e estrangeiros.
Muita vezes, encontrei conhecimento novo e valioso! No entanto, também, muitas
vezes, me deparei com textos que deixavam muito a desejar em termos de
qualidade de redação e rigor de construção de conhecimento. Ou seja, em minha
experiência, o sistema não funciona muito bem!
Assim,
em determinado momento do ano de 2013, comecei a pensar na possibilidade de
criar, com recursos próprios, um periódico no campo do Cinema, cujo estudo
estava me atraindo fortemente. Mas, sendo novato no campo – um ilustre
desconhecido – resolvi fazer algo diferente: criar um periódico onde não
haveria avaliação dos textos submetidos para publicação. O princípio central do
periódico seria este: O leitor é o juiz
da qualidade de qualquer texto que leia. E, com duas consequências desse
princípio. Se o leitor não gostar do texto, ele será esquecido. Se o leitor
gostar, pode ser que o texto seja citado por ele em algum momento.
Dessa
forma, meu papel enquanto editor se restringiria a decidir se os textos que
fossem encaminhados à Revista Livre de Cinema estavam no escopo editorial da
mesma. Caso positivo, os textos seriam publicados em ordem de recebimento. Por
outro lado, se o texto não fosse consistente com o escopo editorial da revista,
este seria rejeitado.
A
ideia era posicionar a Revista Livre de Cinema à margem do sistema tradicional
de publicação de periódicos. Um empreendimento quase marginal! Mas, ao longo do
tempo, você vai ver, o sistema é forte e acabaria arrastando o periódico para
suas franjas. O mesmo aconteceria com a Revista Livre de Sustentabilidade e
Empreendedorismo.
Ao
mesmo tempo, penso que esta experiência era quase anárquica! Quase sem regras!
No entanto, havia um mínimo necessário de regras próprias criadas por mim, bem
como externas, que tinham que ser seguidas para que a Revista Livre de Cinema
pudesse ser reconhecida como um periódico. Entre estas, por exemplo, a
existência de um comitê editorial e periodicidade regular para obter o ISSN.
Entre as primeiras, algumas regras de formatação dos textos, extensão e
categorias de textos a serem publicados.
A
experiência foi bem sucedida. A Revista Livre de Cinema entrou, em 2020, no seu
sétimo volume, com publicações ininterruptas de três edições regulares ao ano. Entre
2014 e 2019 foram 18 edições regulares (quadrimestrais) e uma edição especial
em 2017. O primeiro número do volume 7 foi publicado em janeiro último (acesse
aqui http://relici.org.br/index.php/relici/issue/view/20).
Contando
com esta última edição, foram publicados 162 artigos, resenhas ou notas e
comunicações, cujo conteúdo integral foi acessado 7.706 vezes. Estes artigos foram
escritos por 191 autores, entre os quais alguns publicaram mais de um texto.
Em
2016, já com dois anos de experiência coma Revista Livre de Cinema, decidi
replicar a ideia no meu campo de atuação acadêmica principal. Foi então que
surgiu a Revista Livre de Sustentabilidade e Empreendedorismo. A princípio
segui a mesma estrutura: periodicidade quadrimestral, com muitos amigos e
amigas convidados para comporem o comitê editorial, e, assim, obtendo ISSN e
existência formal como periódico. Mas, aqui havia um risco maior. Eu não sou um
ilustre desconhecido nesse campo! Como meus colegas da academia encarariam esse
novo empreendimento? Tive reações mistas. Alguns gostaram e apoiaram. Outros se
mantiveram distante. Mas, não me lembro de nenhuma condenação da ideia. Pode
ser que tenham enxergado a Revista Livre de Sustentabilidade e Empreendedorismo
como uma excentricidade de um velho professor titular do campo. E, embora
estranha, deveria ser ao menos tolerada!
Talvez
devido a meu reconhecimento nos campos do empreendedorismo e gestão de pequenas
empresas, logo ao final do primeiro ano, percebi que havia espaço para alterar
a periodicidade da revista. Tinha um grande número de textos submetidos. Assim,
no segundo volume, a periodicidade passou a ser trimestral. Ao final do segundo
ano, o estoque de textos submetidos estava bem grande. Nova alteração de
periodicidade! Dessa vez, passou a ser bimestral. Entre 2016 e 2019, foram
publicados 19 edições regulares. Além disso, em 2018 houve uma edição especial
e em 2019, foram duas edições especiais. O primeiro número de 2020, também, já
foi publicado (acesse aqui http://www.relise.eco.br/index.php/relise/issue/view/22).
No
momento que escrevo este texto, há em estoque textos suficiente para mais cinco
edições. O mesmo ocorre com a Revista Livre de cinema, embora com menor
intensidade. Para esse ano, já conta com dez artigos programados, o que garante
o segundo número do ano integralmente e metade do terceiro. Penso que não pode
deixar de serem vistas como uma experiência bem sucedida!
Também
contando com a edição de janeiro, foram publicados 229 artigos, resenhas ou
notas e comunicações em todos os números da Revista Livre de Sustentabilidade e
Empreendedorismo. Nela, o número de acessos aos textos integrais chegou a
20.115. Nesse período, foram 569 autores, vinculados a 131 instituições de
ensino e pesquisa, das quais onze estrangeiras. A maioria dos autores com apenas
um artigo. Mas, observei algo que denomino uma disfunção: alguns autores
começaram a submeter inúmeros textos para publicação. Assim, acabei criando uma
regra adicional para a revista, limitando o número de artigos por autor a um
por ano, exceto se for o caso de alguma chamada temática. Mais uma quebra da
minha vontade de ser quase anárquico!
Contudo,
penso que agi de forma acertada. Minha ideia com ambas as revistas é que elas
se tornassem canais de divulgação de textos que não conseguem furar a barreira
da tripla avaliação. E, assim, gosto de pensar que esta oportunidade deve ser
amplamente utilizada e não se concentrar em poucos autores. Quando um autor
resolve concentrar suas publicações em minha revista, está tirando a
oportunidade de outros. Uma regra útil!
Quando
iniciei a Revista Livre de Cinema e, depois, a Revista Livre de
Sustentabilidade e Empreendedorismo, não tinha nenhuma preocupação ou intenção
de que ambas fizessem parte do famigerado Qualis da CAPES. Mesmo porque,
imaginava que seriam periódicos marginais ao sistema. No entanto, como as duas
revistas publicaram alguns textos cujos autores estavam vinculados a programas
de pós-graduação brasileiros, o inevitável aconteceu! Em 2017, as duas revistas
foram incluídas no Qualis 2013-2016. As qualificações variaram entre B4 e B5
para a Revista Livre de Sustentabilidade e Empreendedorismo, e B4, B5 e C para
a Revista Livre de Cinema, dependendo da área de conhecimento.
Independente
dessa qualificação, mantive o princípio básico das duas revistas: o leitor é o
juiz da qualidade dos textos que lê. Assim, se um texto for bom, este será
disseminado pelos leitores. Caso contrário, este cairá no esquecimento. Aliás,
como ocorre com muitos textos em periódicos mais ortodoxos.
Apesar
disso, por esses dias, fiquei curioso em avaliar qual tem sido a recepção dos
textos das duas revista junto aos leitores. Outra curiosidade minha, dizia
respeito aos motivos que levaram os autores a buscarem essas duas revistas “quase
marginais” para publicarem seus textos
Com
isso em mente, fiz dois levantamentos. O primeiro, no Google Acadêmico, para
verificar se havia textos das duas revistas que teriam recebido citações em
outras produções científicas. O segundo, por mensagem de correio eletrônico
para autores dos textos publicados, indaguei sobre os motivos que levaram a
escolher a revista para disseminação de seus textos. Os resultados, pelo menos
para mim, parecem interessantes! Vamos a eles.
No
caso da Revista Livre de Cinema, 22 artigos tiveram pelo menos uma citação. O
total de citações que estes artigos receberam chegou a 50, das quais treze
foram em outros artigos publicados em periódicos. Em segundo lugar, foram onze
citações em trabalhos apresentados em eventos científicos e onze citações em
dissertações de mestrado. Outras citações ocorreram em trabalhos de conclusão
de curso, monografias de graduação, teses de doutorado e capítulos de livro.
O
artigo mais citado da Revista Livre de Cinema e, também, um dos mais acessados
da revista foi o “O empreendedorismo no campo da produção cultural: analisando
a dimensão privada da ação empreendedora no audiovisual”. Por incrível que
pareça é um artigo no meu campo preferido de pesquisa – empreendedorismo – que trata
do setor de cinema. Excelente coincidência e um privilégio meu poder ter sido
seu editor (veja o texto aqui http://relici.org.br/index.php/relici/article/view/10).
Por
outro lado, no caso da Revista Livre de Sustentabilidade e Empreendedorismo, os
números foram um pouco maiores. Foram 56 artigos citados 104 vezes em outras
publicações. O maior número de citações foi em artigos de outros periódicos
(43), seguido por 24 citações em trabalhos apresentados em eventos científicos.
A seguir com 16 citações surgiram as dissertações de mestrado e igual número em
monografias de graduação. Também houve citações me capítulos de livros e teses
de doutorado.
O
artigo, “A gestão ambiental em Minas Gerais: uma análise do sistema de gestão
ambiental e do rompimento da barragem de rejeitos em Mariana, foi um dos mais
acessados e o mais citado, até o momento, entre os publicados na Revista Livre
de Sustentabilide e Empreendedorismo (veja o texto aqui http://www.relise.eco.br/index.php/relise/article/view/660.
Em
termos de percentuais, 13,7% dos artigos da Revista Livre de Cinema já
apresentaram algum impacto em termos de citação. Na Revista Livre de
Sustentabilidade e Empreendedorismo, foram 24,5%, ou seja, quase um quarto dos artigos
repercutiu em outra publicação.
Por
fim, quanto às motivações para publicar nas duas revistas, os autores foram
inquiridos com estas alternativas: 1. Para atender convite do editor; 2. Porque
a revista está incluída no QUALIS; 3. Por sugestão de um(a) colega de pesquisa
ou de co-autor; 4. Porque seu texto foi indicado para fast track de algum
evento científico; 5. Em função dos temas indicados pelo título da revista; 6.
Porque os textos submetidos à revista não passam por avaliação duplo-cega e são
publicados, após decisão do editor, caso estejam no escopo da mesma; 7. Para
atender algum requisito de avaliação da instituição à qual você está(va)
vinculado. O motivo de número 4 foi perguntado apenas para os autores da
Revista Livre de Sustentabilidade e Empreendedorismo que já integrou o fast
track de alguns eventos. Mais uma forma de entrar nas franjas do sistema!
Devo
confessar que esperava que o motivo “6 - Porque os textos submetidos à revista
não passam por avaliação duplo-cega e são publicados, após decisão do editor, caso
estejam no escopo da mesma” estivesse entre os mais frequentes. Mas, ao mesmo
tempo, de vez em quando percebo que os autores dos textos encaminhados ás duas
revistas nem sempre se dão conta dessa regra. Apesar dela ser explícita no site
das duas revistas, Muita gente submete textos sem ler as normas dos periódicos,
não é? Mas, então quais foram os resultados dessa enquete?
Cada
autor poderia indicar até três motivos para ter enviado textos para publicação
nas revistas. A amostra de autores que responderam não foi muito grande, mas me
sinto satisfeito, pois parece indicar um padrão. Apesar de surpreendente!
O
motivo mais citado foi em função dos temas sugeridos pelos títulos das (32,7%)
do total. Isto me parece ser um bom
resultado. As revistas conseguem atrair interessados em seus campos de
conhecimento. Mas, o segundo motivo, com 27,9% do total foi o fato das revistas
estarem no Qualis. Olha o sistema puxando as revistas para suas franjas! Em
terceiro lugar vieram as submissões de texto por sugestão de colega de pesquisa
ou co-autor (15,4%).
Em
quarto lugar, há o motivo de atender algum requisito de avaliação da instituição
de vínculo dos autores (8,6%). Tenho percebido que, no caso da Revista Livre de
Sustentabilidade e Empreendedorismo, tem havido alguma concentração de textos
oriundos de algumas instituições. Me parece que são instituições exigindo que
seus pesquisadores, em diferentes níveis de atuação, comprovem publicações em
periódicos. Por esse motivo, também, tenho controlado o número de artigos
publicados por autores de uma mesma instituição ao longo do ano. Mais uma
regra! É difícil ser anárquico!
O
antepenúltimo motivo na lista foi o atendimento de convite do editor com 6,7%
das respostas. Esta é uma prática que exercito de forma regular nos dois
periódicos. Quando leio textos apresentados em evento científico que julgo
interessantes para minhas revistas, mando mensagem de correio eletrônico
convidando os autores para submeterem seus textos.
Mas,
o motivo ligado ao princípio central das revistas veio em penúltimo lugar dos
indicados. O fato dos textos submetidos às revistas não passarem por avaliação
duplo-cega e serem publicados, após decisão do editor, foi apontado em apenas
5,8% das respostas. Será que os autores ficaram constrangidos de indicar esta
resposta?
Por
fim, a indicação para fast-track foi o útlimo motivo apontado. Memso porque,
ainda foram poucos os eventos em que a Revista Livre de Sustentabilidade e
Empreendedorismo integrou o conjunto de periódicos para fast track.
Encerrando
este texto, devo registrar que esta jornada empreendedora de criação,
manutenção e edição de dois periódicos quase marginais e quase anárquicos tem
sido uma experiência de vida gratificante. Quase todo dia, dedico algum tempo a
essa tarefa que me atribui. Quando me perguntam sobre o que me leva a fazer
isso, penso na famosa oposição entre razão instrumental e razão substantiva. A
vida é muito melhor quando conseguimos guiá-la por motivações substantivas, não
é?
As
duas revistas têm acesso livre e não cobram nenhuma taxa dos autores para
publicação de seus textos. Não há motivação instrumental para fazê-las. Por
outro lado, são as motivações substantivas que são gratificadas quando autores,
ao serem indagados sobre outros motivos para submeterem seus textos às revistas
fazem comentários como estes:
Gosto
muito do escopo da sua revista. Creio que tem um potencial muito bom para disseminar
conhecimento científico. (um autor da Revista Livre de sustentabilidade e
Empreendedorismo)
Porque sempre gostei
de ler os textos publicados na RELICI e queria compartilhar alguns pensamentos
nela (um autor da Revista Livre de Cinema).