Este blog é de autoria de Fernando Antonio Prado Gimenez. Destina-se a textos, reflexões, memórias e comentários sobre empreendedorismo e pequenas empresas.
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
sábado, 11 de agosto de 2012
"Tenda dos milagres" e "O que faz um cientista?" - esse pesquisador se revela.
Para Elza, Zig, Belmiro, Maria Alexandra e Jane
Há algum tempo esse texto vem amadurecendo em minha mente. Ontem, finalmente, um encontro com três amigas e um amigo, durante a defesa da tese de Elza Hofer, funcionou como o catalisador que faltava para que a escrita se concretizasse.
Desde minha infância fui um leitor voraz. Frequentador assíduo das bibliotecas do Colégio Londrinense e do Instituto Filadélfia, onde fiz meus estudos primários e ginasiais, hoje denominados fundamental e médio. Buscava semanalmente livros da literatura brasileira e estrangeira. Nos primeiros anos, guiado pelas professoras, mas na adolescência sendo capaz de exercitar minhas escolhas.
É da adolescência que me ocorrem duas lembranças de leituras: meu primeiro contato com Jorge Amado; e um livro com o título "O que faz em cientista?" de George H. Waltz Jr, publicado em 1964 no Brasil, mas cujo original em lingua inglesa é de 1959.
Em um dos meus aniversários, durante minha adolescência, minha mãe me presenteou com o "Tenda dos Milagres" de Jorge Amado, cujo centenário de nascimento se comemora em 2012. Embora não me lembre com detalhes da estória narrada por Jorge Amado, essa leitura foi tão marcante para mim que após seu término, comecei a buscar outros romance do autor. Li Jubiabá, Teresa Batista Cansada de Guerra, Capitães de Areia, Cacau, O País do Carnaval, entre outros. Capitães de Areia foi transformado em um filme pela neta de Jorge Amado, Camila Amado. Um filme muito bonito, que ao final faz, em minha interpretação, uma homenagem àqueles(as) que escolheram ser professores(as). Um dos meninos que fazia parte do bando "Capitães da Areia" tinha o apelido de Professor.
Em Tenda dos Milagres, há uma personagem central, intelectual negro pouco valorizado no Brasil, Pedro Archanjo, que é revelado aos brasileiros por um estrangeiro, ganhador do prêmio Nobel, que vem à Bahia em busca de quatro livros de Pedro Archanjo. Jorge Amado me conquistou pelo estilo, pela descrição de uma região brasileira, então quase desconhecida para mim, mas também pela constante oposição, em seus livros, entre um desejo libertário muito grande do autor e as forças conservadoras e preconceituosas da elite brasileira. É claro que a linguagem pouco convencional, com alto grau de erotismo em muitas passagens, também atraiu aquele adolescente no final dos anos 60 e inicio dos 70.
Na mesma época, não tenho certeza se foi no mesmo aniversário, Irma, amiga de minha irmã, levou-me de presente um livro que fora comprado por sua mãe, Dona Rina. O livro era o de George H. Waltz Jr. Me lembro até hoje de Irma me dizendo:
_ Fernando, foi minha mãe que comprou. Ela acha que você vai gostar muito.
Dona Rina estava certa! Naquela época já começava a surgir a preocupação que todos temos um dia: o que eu vou ser na vida? Esse livro apresenta pequenas histórias de vida de cientistas americanos. O livro surgiu no contexto da disputa entre Estados Unidos e União Soviética, que em 1959 havia lançado o satélite Sputinik. Segundo o autor a intenção era valorizar para o público em geral a carreira de cientista como uma opção profissional importante. Nas suas próprias palavras:
"Seu principal objetivo é apresentar ao leitor um retrato do cientista exatamente como ele é - uma pessoa que apenas aprecia a ciência, da mesma forma que um advogado gosta das leis, que um médico gosta da clínica ou que um homem de negócios aprecia o movimento quotidiano das transações."
Mas, voltando à minha reflexão, li o presente de Irma e Dona Rina com muita vontade. Tanto é que ele ficou em algum lugar de minha mente e, movido por essa lembrança, procurei um exemplar recentemente, já que o de minha infância sumiu. Tive a felicidade de encontrá-lo em um sebo atrás do teatro Guaíra. Meu primeiro vestibular acabou sendo para Engenharia.
Nessa mesma época, lembro-me que minha mãe decidiu levar todos os filhos para uma sessão de orientação vocacional. Era uma coisa nova que havia surgido e alguém estava oferecendo esse serviço em Londrina. Lá fomos nós para o Colégio Estadual Vicente Rijo, na avenida Higienópolis, pois a orientação vocacional estava sendo feita lá. Lembro-me de ter passado um bom tempo lidando com um formulário imenso. Tinha que indicar minhas escolhas entre conjuntos de palavras, responder perguntas, fazer associações de ideias, e sei lá o que! Depois disso, tinhamos uma sessão de orientação com uma profissional. As palavras que ouvi me perseguem desde então:
_ Fernando, parece que seus interesses lhe dão condições de buscar qualquer área de atuação. Você poderá ir bem nas ciências exatas, nas humanas ou nas biológicas. Ou seja, depois da sessão, apesar do ego inchado (sou um gênio, posso fazer qualquer coisa!), continuei do mesmo tamanho: o que que eu vou fazer?
Refletindo hoje sobre essa memória, talvez eu devesse ter ido atrás da Astrologia! Como todo geminiano, tenho pelo menos duas facetas muito fortes, razão e emoção estão constantemente em luta dentro de mim. É óbvio que isso se reflete em minha vida acadêmica. Pois é, virei professor, algo que nunca passou pela minha cabeça, e que só ocorreu porque em agosto de 1981, dois ex-professores, Nardir e Genésio, resolveram me convidar para ser docente do departamento de Administração da UEL. Costumo brincar que sou um pesquisador Macunaíma, assim como o anti-herói de Mário de Andrade, sem nenhum caráter! Diferentes abordagens de pesquisa, com métodos quantitativos ou qualitativos, me atraem de igual maneira.
E é nessa linha que ontem aprendi algo com Maria Alexandra Cunha, minha colega no PPAD da PUCPr. Maria Alexandra, ao fazer seus comentários e apreciação crítica sobre a tese da Elza, sugeriu que Elza deveria incluir uma sessão no seu trabalho onde ela se apresentasse como pesquisadora: quem é Elza Hofer? Essa sugestão decorreu do fato de Elza ter adotado uma abordagem interpretativa para estudar a influência da cultura local sobre a exploração de oportunidades empreendedoras. Segundo Maria Alexandra, para que um leitor possa apreciar de forma mais completa um trabalho desenvolvido sob uma perspectiva interpretativa, ele precisa conhecer melhor quem fez as interpretações. Extremamente lógico!
Aliás, foi o que Jane Mendes Ferreira fez em sua tese de doutorado sobre mulheres empreendedoras. Jane também participou da banca junto com a Zig (Sieglinde Kindl da Cunha) e Belmiro Valverde Jobim Castor. Foi um privilégio para mim, e com certeza para a Elza também, ouvir as críticas, comentários e sugestões desses professores brilhantes.
Foi assim, nesse encontro com essas pessoas maravilhosas, que pude aprender um pouco mais sobre como pesquisar e apresentar o que descobrimos. Aliás, tenho que reconhecer que meus orientandos sofrem as consequencias de uma fraqueza minha: não consigo dar a devida atenção às questões de método e, invariavelemte, meus orientandos aprendem mais sobre isso quando já estão defendendo seus trabalhos.
Mas, a culpa não é minha! Sou geminiano e, mesmo na academia, não consigo resistir a outros apelos que não apenas aos da razão. Há poucos dias assisti no cinema a "Violeta foi para o céu". Filme emocionante que relata a vida de Violeta Parra, essa artista chilena, música e pintora, cujas composições foram imortalizadas por Mercedes Sosa. Violeta teve uma vida curta entre 1917 e 1967. Saiu voluntariamente da vida. No filme, uma frase sua me marcou profundamente: "a criação é um pássaro sem plano de voo, nunca voa em linha reta". Muitas vezes, na pesquisa, esqueço meu plano de voo.
Concluindo, espero que, ao final do esforço de realizar uma dissertação ou tese, além da coerência no discurso escrito e na consistência do relato, meus orientandos possam ter valorizado a trajetória e tenham feito escolhas que lhes foram significativas. Enquanto isso, esse orientador continua sua busca de equilíbrio entre razão e emoção: a sina de um geminiano!
domingo, 5 de agosto de 2012
Ensaio eloquente sobre o vazio e o nada no empreendedorismo
Inspirado por Yves Klein e sua exposição de salas vazias, Paris, 1950
sexta-feira, 27 de julho de 2012
Escolha de Sofia e modelo de forças competitivas de Porter
Certa vez fui procurado por uma
ex-aluna em Curitiba que estava enfrentando uma situação empresarial peculiar e
não estava muito segura de como agir. Ela era uma aluna que sempre participava
ativamente das aulas e, quando teve que enfrentar esta situação, lembrou-se de
um evento que contei em sala sobre a época em que trabalhei com meus pais. Era
uma situação que envolvia certo conflito com um fornecedor e que contei aos
alunos no dia em que estava falando das cinco forças competitivas do modelo de
análise da indústria de Michael Porter.
Depois de formada, Sofia, esse
é seu nome, abriu uma butique feminina localizada em um bairro de alto poder
aquisitivo em Curitiba em sociedade com sua irmã mais velha. As duas irmãs
aproveitaram o apoio financeiro oferecido pelo pai, comerciante bem sucedido em
outro ramo de negócio, que contava com a participação do filho mais velho na
gestão. Como algumas vezes acontece, as duas haviam percebido que não teriam
espaço em uma provável sucessão no negócio do pai quando esse se ausentasse.
Aliás, Sofia decidira fazer administração porque desejava iniciar um negócio
próprio. Sua irmã já havia trabalhado em uma butique quando brigara com o pai e
decidira ir atrás de seu próprio destino.
Assim, as duas acabaram unindo
forças - o conhecimento adquirido por Sofia na graduação e a experiência de
três anos da irmã - e abriram as portas da empresa voltada para um público
feminino de poder aquisitivo mais elevado, classe média-alta. Depois de anos
trabalhando, ficaram conhecidas no mercado, a empresa tinha se estabilizado, as
duas irmãs conseguiam ter um bom padrão de vida e sentiam-se realizadas. Além
disso, tinham conseguido devolver os recursos iniciais que o pai emprestara
para elas na abertura da empresa. A butique era uma loja multimarcas e graças
ao bom trabalho das duas, havia até alguma marcas que eram exclusivas delas na
região em que atuavam.
Foi então que, certo dia, Sofia
foi procurada por José Carlos que lhe fez uma proposta. José Carlos gostaria de
comprar 50 peças da marca NEWLOOK, um dos fornecedores da loja de Sofia. José
Carlos tentara fazer a compra diretamente com o fabricante, mas esse não
aceitou o pedido. Ocorre que José Carlos, além de varejista, é também
fabricante de roupas femininas e é conhecido por adotar uma prática não muito
legítima no mercado: comprar roupas de outros fabricantes e colocar sua marca
antes de revendê-las. Os clientes da fábrica de José Carlos são, na sua
maioria, as chamadas “sacoleiras” que compram de diversos fornecedores em shoppings
atacadistas para vender no varejo. Sofia é revendedora também das roupas
fabricadas pela empresa de José Carlos. E, além disso, a NEWLOOK era uma de
suas marcas exclusivas naquela região.
Pois é, não por acaso,
lembrei-me do filme “Escolha de Sofia” em que Meryl Streep faz o papel de uma
polonesa que viveu em um campo de concentração. Sob a direção de Alan J.
Pakula, esse filme de 1982 rendeu a Meryl Streep um dos diversos Oscars de sua
carreira. Atuando com Kevin Kline e Peter Macnicol, a personagem de Meryl tem
segredos que guardam uma escolha difícil que teve que fazer no passado. Prisioneira, em certo momento, teve que
escolher se a filha ou o filho deveria ser enviado para execução no campo de
concentração. Kevin Kline faz o papel de namorado de Sofia, Nathan, e Peter
Macnicol é Stingo, o novo vizinho que se torna amigo do casal e acaba se
apaixonando por Sofia. Um filme que deve ser revisitado!
É claro que a escolha de Sofia,
a empreendedora, não tem o mesmo nível de dificuldade que a da personagem
vivida por Meryl. Mas, Sofia queria minha ajuda: o que fazer?
A princípio a situação vivida
por Sofia e sua irmã apresentava um dilema moral: trair a confiança de um
fornecedor que havia dado exclusividade a elas na região, vendendo uma
quantidade de atacado para um empresário de comportamento não muito confiável.
Será que José Carlos retiraria as etiquetas da NEWLOOK e colocaria as de sua
própria marca?
Para dilemas morais, as ferramentas
de administração não oferecem muita ajuda. Talvez, Sofia poderia se inspirar
nas teorias que tratam da Responsabilidade Social Corporativa, ou nas que
abordam a visão de Stakeholders e decidir de forma a se sentir socialmente
responsável ou levando em consideração os interesses de todos os stakeholders.
Mais fácil falar do que fazer! Na essência é uma escolha entre o que julgamos
certo ou errado no mundo dos negócios.
Mas, se o dilema moral é posto
de lado, será que é possível analisar essa situação sob um ponto de vista de
qual seria a solução mais vantajosa para a empresa de Sofia? Ou seja, quais as consequências
de um sim ou de um não ao pedido de José Carlos?
Foi nesse ponto da conversa que
falei para Sofia:
_ Sofia, lembra-se das nossas
aulas de estratégia? Lembra-se do modelo das forças competitivas de Porter?
Sofia respondeu:
_ Sim, Fernando. Lembro-me que
nessa aula você contou da tentativa que fez de enfrentar a PepsiCo quando
estava trabalhando com seus pais. Eles mudaram as condições de negociação, não
foi? Não queriam mais vender a prazo, só a vista. Você disse que à vista não
comprava, buscou produtos substitutos, mas os clientes só queriam daquela
marca! Seus concorrentes tinham e seus clientes começaram a reclamar. Você teve
que rever sua decisão trinta dias depois para atender aos clientes. Foi bacana,
pois a gente percebeu a ideia de poder de negociação de fornecedores, ameaça de
produtos substitutos, intensidade de concorrência e poder de negociação de
clientes.
_ Pois é Sofia. Naqueles dias eu ainda não tinha chegado às aulas de estratégia na minha graduação. Talvez você
possa analisar a situação que está enfrentando pensando nessas forças: qual o
poder da NEWLOOK em relação a vocês? O que eles fariam se descobrissem que você
vendeu uma grande quantidade para o José Carlos? De igual forma, qual o poder
do José Carlos em relação a vocês, já que ele também é seu fornecedor? Se você
fizer essa venda poderá deixar alguns clientes na mão, isso é conveniente? Qual
o risco de irem atrás de outras butiques? Pense nessas coisas.
Depois de algum tempo reencontrei
Sofia. Curioso, perguntei o que ela e a irmã tinham feito. Sofia me respondeu:
_ Primeiro a gente se desfez do
dilema moral! Essa era uma decisão de negócios que tinha impactos a curto e
médio prazo. Podíamos fazer um grande venda e gerar caixa para nossa empresa,
que estava necessitando. Por outro lado, havia um risco muito grande, pois a
NEWLOOK representava 60% de nosso faturamento. A reação deles poderia nos colocar
em dificuldades no médio prazo. Poderiam, por exemplo, tirar nossa
exclusividade na região. Ou deixar de vender para nossa empresa. Por outro
lado, o fornecimento de José Carlos para nossa empresa era também significativo:
25% do faturamento.
_ E então? Eu perguntei. Ansioso
para saber o que tinha acontecido.
Sofia concluiu:
_ Nós atendemos ao pedido de
José Carlos. Além de resolver nossa questão financeira de curto prazo, nós
descobrimos que a NEWLOOK estava planejando abrir lojas próprias e uma das
primeiras seria em nossa região. A gente perderia o fornecimento deles em seis
meses Assim, fizemos a venda, pedimos peças extras para atender aos demais
clientes e continuamos indo bem.
Gosto dessa história da Sofia,
pois além de verdadeira, é um exemplo prático de dilemas que enfrentamos na
gestão de pequenas empresas no dia-a-dia. Não temos uma receita única, mas
quando aprendemos a pensar estrategicamente, podemos decidir de forma mais
consistente, acertar, errar, voltar atrás quando necessário. Além disso, essa
história realça a importância de estarmos sempre atentos aos movimentos de
nosso mercado. Afinal de contas, essas forças competitivas não são estáticas,
ao contrário, são muito dinâmicas.
P.S.: Se é você professor(a) use essa história como
uma atividade em sala. Já fiz isso muitas vezes, dá uma boa dinâmica em grupo.
Divida a turma em duas partes e apresente o parágrafo que conta a proposta feita
por José Carlos a Sofia. Um grupo deve buscar argumentos a favor e outro grupo
contra. Veja o que acontece!
terça-feira, 24 de julho de 2012
Pequenas empresas, Economia e Big Brother no País de Gales
Para Telma, que esteve presente nesse e em outros momentos
Telma foi no segundo semestre de 1984 e eu, que estava atuando como docente nessa época na UEL, consegui uma licença de seis meses para realizar estudos que se relacionavam com minha dissertação de mestrado que fazia junto à FEA-USP.
Foi a primeria vez que saí do Brasil para estudar. Descobri como meus estudos da lingua inglesa na adolescência tinham sido utéis, mas assim mesmo no começo tinha muitas dificuldades para me comunicar oralmente. Lembro-me de certa vez estar em frente da casa onde morávamos em Aberystwyth, quando uma senhora idosa se dirigiu a mim fazendo alguma pergunta. Eu estava de costas, virei-me e disse:
_ Sorry! Não havia entendido o que a senhora me havia perguntado.
Esta me respondeu:
_ Sorry! I didn´t know you were a foreigner. (Desculpe! Eu não sabia que você era estrangeiro.)
Pois é, com apenas uma palavra, a velhinha já me carimbou de estrangeiro. Telma, ao contrário, fluente em inglês, tinha uma habilidade impressionante de se comunicar e muitos chegaram a perguntar a ela, como se fosse inglesa:
_ Where did you meet this Brazilian? (Onde você encontrou esse brasileiro?)
Esse período foi muito significativo em minha vida pessoal e profissional. Foi nessa época que, após uma visita que fizemos à Cidade Luz (Paris), após algum tempo, descobrimos que Telma estava grávida de Paloma, que foi nascer em Londrina em janeiro de 1986.
Mas, minha ida ao País de Gales não foi só para passear e conhecer velhinhas galesas simpáticas. Fiz um estágio junto ao Departamento de Economia da University College of Wales que me deu acesso às instalações da universidade, e em particular à biblioteca. Aberystwyth era também a sede da Biblioteca Nacional do País de Gales, situada no alto de uma colina, não muito longe de onde morávamos. Um prédio belíssimo onde passei muitas horas lendo.
Nesse período, de forma muito autônoma, pude realizar essa pesquisa que me permitiu, por meio de um levantamento, identificar organizações e atividades de apoio à pequena empresa naquela época. Uma versão resumida do relatório de pesquisa que entreguei ao Departamento de Economia da UCW foi publicada em artigo na Revista de Administração, v. 21, n.4, em 1986, sob o título: Atividades de apoio à pequena empresa: a experiência britânica.
Além desse levantamento, tive a oportunidade de fazer um estudo com dados estatísticos sobre as pequenas empresas no Reino Unido entre 1976 e 1982 com base na Business Monitor's Analyses of United Kingdom Manufacturing (local) Units by Employment Size. Nesse período, a economia inglesa estava em declínio, e os dados que coletei indicaram que o número de pequenas empresas industriais e o total de empregos gerados por elas, em termos proporcionais, se elevaram quando comparados com as grandes empresas. Assim, por exemplo, as empresas que tinham entre 20 e 99 empregados, representavam 67% das empresas em 1976, e 71% em 1982. Por outro lado, as empresas maiores, com mais de 200 empregados, decresceram de 18% para 15% no mesmo período. Quanto à participação no total de empregos, observou-se fenômeno semelhante: as empresas menores passsaram de 18% para 21% dos empregos gerados e as grandes de 68% para 64%.
Outra informação interessante revelada por essa incursão nas estatísticas britânicas, foi que a taxa de decréscimo em termos de empresas e empregos, foi menor para as empresas menores. Por exemplo, as empresas industriais que tinham mais de 200 empregados diminuíram quase 6% no número de unidades e quase 7% no total de empregos gerados. Para as pequenas empresas, esses números foram, respectivamente, 2,38% e 2,31%.
Lembrei-me desse estudo, ao ler notícias sobre as perspectivas mais sombrias para a economia brasileira nos próximos meses. Se esse contexto negativo se afirmar, é bom refletir sobre a importância de reforçarmos os mecanismos de apoio às pequenas empresas. Elas são mais flexíveis e resistem mais aos tempos dificéis.
Desse período de estudos no País de Gales, trago na memória também um fato curioso. Como ficaríamos apenas seis meses na casa que alugamos da Mrs Smith, outra simpática velhinha galesa, Telma e eu resolvemos alugar uma televisão em uma pequena loja que encontrei no centro de Aberystwyth. O proprietário da loja não nos passou nenhuma informação sobre o sistema de licenciamento público para acesso aos canais abertos da televisão no Reino Unido. Passado algum tempo, estava assistindo tv sozinho em casa, e vi um anuncio assustador sendo transmitido. Alguma coisa assim:
"The van detectors are in your area. If you have not paid the tv tax, you may get into trouble" (As vans detectoras estão na sua área. Se você não pagou a taxa de tv, você pode arrumar problemas). Imagine, eu com meu pouco domínio da lingua inglesa naquela época, vendo essa mensagem. Quase que entrei em pânico. Mas, depois de respirar fundo, fui me informar. O dono da loja em que aluguei o aparelho de tv, me explicou que deveríamos pagar a taxa anual cobrada de todo proprietário de tv no Reino Unido. Essa taxa é que custeava a produção e os investimento da famosa BBC. Sabendo disso, regularizei a situação, mas mantive aquele sentimento inicial quando vi o anúncio pela primeira vez: o Big Brother previsto por George Orwell em seu livro 1984 estava se tornando realidade! O governo britânico era capaz de descobrir se eu estava assistindo tv em minha casa, mesmo com as portas fechadas! Esse sim era o verdadeiro Big Brother, não essa coisa ridícula que ocupa um tempo valioso de nossa televisão.
Primeiro número da REGEPE
É com satisfação que comunico a publicação do primeiro número da REGEPE -
Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, iniciativa da
ANEGEPE, fundada em fevereiro do ano passado.
Para leitura dos artigos é necessário cadastrar-se.
Estão todos convidados a acessar a REGEPE e, eventualmente, contribuir com artigos, resenhas ou casos para ensino: http://www.regepe.org.br/index.php/regepe
Para leitura dos artigos é necessário cadastrar-se.
Estão todos convidados a acessar a REGEPE e, eventualmente, contribuir com artigos, resenhas ou casos para ensino: http://www.regepe.org.br/index.php/regepe
sexta-feira, 20 de julho de 2012
Helena Ignez, cinema de arte e panificadora em Cuiabá: até onde pode nos levar a necessidade de realização?
Saí em estado de graça da sessão de abertura da Mostra Rogério Sganzerla que se iniciou hoje no SESC Paço da Liberdade em Curitiba. Serão dez filmes desse.grande cineasta em exibição ao longo de nove dias. O primeiro da mostra foi Luz nas Trevas - A Volta do Bandido da Luz Vermelha, idealização de Helena Ignez, viúva de Sganzerla, atriz e cineasta que já realizou Canção de Baal, A miss e o dinossauro: bastidores da Belair e Reinvenção da rua.
A cineasta adaptou roteiro orginal de Sganzela e junto com Ícaro C. Martins dirigiu uma comédia de espírito altamente crítico com a participação de Ney Matogrosso, André Guerreiro Lopes, Djin Sganzerla, Sandra Corveloni, Bruna Lombardi, Paulo Goulart, Sérgio Mamberti, Arrigo Barnabé, Simone Spoladore, Mario Bortolotto, José Mojica Marins e outros mais. Um elenco impressionante que foi muito bem dirigido em um filme de trilha sonora inigualável, imagens inovadoras e visualmente impares.
Após a sessão houve um debate com Helena Ignez que começou falando sobre a realização do filme. Lembrando de forma emocionante, o período de oito meses entre a descoberta da doença de Sganzerla e sua morte, Helena Ignez contou sobre a tarefa de trabalhar 600 páginas de roteiro para a realização desse filme durante esses meses. Um trabalho de amor e dor segundo suas palavras. Que tinha que ser feito para honrar a obra de Sganzerla e continuar a sua trajetória de vanguarda, assim como a da própria Helena.
Mas, foi na sua fala que Helena Ignez disse algo que também chamou minha atenção. Ela disse que o filme é uma comédia, cinema de arte, e que a indústria não vai conseguir acabar com o cinema de arte. Voltando para casa, comecei a pensar nessa frase e como ela está associada à ideia que David McClelland nos apresentou no começo dos anos 60 do século passado: a necessidade de realização.
Para McClelland, a necessidade de realização é um dos motores da motivação humana que ajuda a entender a tendência empreendedora que as pessoas possuem. Dadas as condições adequadas, quanto maior a necessidade de realização de uma pessoa, maiores as chances dela se envolver na criação de um novo empreendimento. McClelland, psicólogo, deu uma contribuição importante para o campo de conhecimento sobre empreeendedorismo, ao notar a insuficiência das explicações de origem na economia sobre o comportamento empreendedor. Aliás, poucos notaram que Schumpeter, um dos chamados pais do estudo do empreendedorismo, ao escrever sobre a função empreendedora na economia, na introdução de seu livro, de forma bem humorada, reconhece que estava falando de um aspecto limitado da vida humana, pois estava se restringindo aos fatos econômicos. Esse grande pensador reconhecia, já no inicio dos anos 30, a limitação das explicações economicas, pois a vida tem muitas outras facetas e, segundo Schumpeter, talvez muito mais interessantes.
Enfim, as palavras de Helena Ignez ao contar sobre os esforços de fazer uma produção de baixo orçamento, buscando apoio em quatro editais e conseguindo recursos do Canal Brasil para finalizar sua comédia, contam também uma história empreendedora. Segundo ela, houve também um efeito positivo do período de governo Lula, quando os recursos para apoio ao cinema eram muito maiores que agora.
Pois é, foi o conjunto todo das palavras da cineasta que me levaram a essa reflexão: necessidade de realização, paixão, criatividade, recursos disponíveis, disposição para agir, um ambiente favorável, uma equipe competente e público! Tudo isso junto levaram à criação desse grande filme.
Além de tudo, para mim houve um momento especial. Assisti ao filme na primera fila. Quando este estava terminando, Helena Ignez entrou e sentou-se ao meu lado. Na hora de dirigir-se ao centro da sala para iniciar a conversa, ela me deu um imã com a reprodução do cartaz do filme. Presente que ficará guardado junto a outras relíquias, de valor afetivo, que surgiram em minha história.
Ah! Estava esquecendo... Você quer saber por que no título desse post há uma "panificadora em Cuiabá"? Vai ter que assistir ao filme! Cena deliciosa do filme! Tão inesquecível quanto Ney Matogrosso cantando Sangue Latino em arranjo exclusivo para o filme.
A indústria cinematográfica não vai acabar com o cinema de arte, concordo com Helna Ignez.
A cineasta adaptou roteiro orginal de Sganzela e junto com Ícaro C. Martins dirigiu uma comédia de espírito altamente crítico com a participação de Ney Matogrosso, André Guerreiro Lopes, Djin Sganzerla, Sandra Corveloni, Bruna Lombardi, Paulo Goulart, Sérgio Mamberti, Arrigo Barnabé, Simone Spoladore, Mario Bortolotto, José Mojica Marins e outros mais. Um elenco impressionante que foi muito bem dirigido em um filme de trilha sonora inigualável, imagens inovadoras e visualmente impares.
Após a sessão houve um debate com Helena Ignez que começou falando sobre a realização do filme. Lembrando de forma emocionante, o período de oito meses entre a descoberta da doença de Sganzerla e sua morte, Helena Ignez contou sobre a tarefa de trabalhar 600 páginas de roteiro para a realização desse filme durante esses meses. Um trabalho de amor e dor segundo suas palavras. Que tinha que ser feito para honrar a obra de Sganzerla e continuar a sua trajetória de vanguarda, assim como a da própria Helena.
Mas, foi na sua fala que Helena Ignez disse algo que também chamou minha atenção. Ela disse que o filme é uma comédia, cinema de arte, e que a indústria não vai conseguir acabar com o cinema de arte. Voltando para casa, comecei a pensar nessa frase e como ela está associada à ideia que David McClelland nos apresentou no começo dos anos 60 do século passado: a necessidade de realização.
Para McClelland, a necessidade de realização é um dos motores da motivação humana que ajuda a entender a tendência empreendedora que as pessoas possuem. Dadas as condições adequadas, quanto maior a necessidade de realização de uma pessoa, maiores as chances dela se envolver na criação de um novo empreendimento. McClelland, psicólogo, deu uma contribuição importante para o campo de conhecimento sobre empreeendedorismo, ao notar a insuficiência das explicações de origem na economia sobre o comportamento empreendedor. Aliás, poucos notaram que Schumpeter, um dos chamados pais do estudo do empreendedorismo, ao escrever sobre a função empreendedora na economia, na introdução de seu livro, de forma bem humorada, reconhece que estava falando de um aspecto limitado da vida humana, pois estava se restringindo aos fatos econômicos. Esse grande pensador reconhecia, já no inicio dos anos 30, a limitação das explicações economicas, pois a vida tem muitas outras facetas e, segundo Schumpeter, talvez muito mais interessantes.
Enfim, as palavras de Helena Ignez ao contar sobre os esforços de fazer uma produção de baixo orçamento, buscando apoio em quatro editais e conseguindo recursos do Canal Brasil para finalizar sua comédia, contam também uma história empreendedora. Segundo ela, houve também um efeito positivo do período de governo Lula, quando os recursos para apoio ao cinema eram muito maiores que agora.
Pois é, foi o conjunto todo das palavras da cineasta que me levaram a essa reflexão: necessidade de realização, paixão, criatividade, recursos disponíveis, disposição para agir, um ambiente favorável, uma equipe competente e público! Tudo isso junto levaram à criação desse grande filme.
Além de tudo, para mim houve um momento especial. Assisti ao filme na primera fila. Quando este estava terminando, Helena Ignez entrou e sentou-se ao meu lado. Na hora de dirigir-se ao centro da sala para iniciar a conversa, ela me deu um imã com a reprodução do cartaz do filme. Presente que ficará guardado junto a outras relíquias, de valor afetivo, que surgiram em minha história.
Ah! Estava esquecendo... Você quer saber por que no título desse post há uma "panificadora em Cuiabá"? Vai ter que assistir ao filme! Cena deliciosa do filme! Tão inesquecível quanto Ney Matogrosso cantando Sangue Latino em arranjo exclusivo para o filme.
A indústria cinematográfica não vai acabar com o cinema de arte, concordo com Helna Ignez.
sábado, 14 de julho de 2012
Os Limites das Ferramentas na Administração
Considero impossível assistir a
qualquer filme de Krzysztof Kieslowski sem ser de alguma forma afetado pelo que
vemos. Esse cineasta polonês fez mais de 30 filmes em uma carreira que se
iniciou em 1966 e, voluntariamente, se encerrou em 1994. Seus últimos filmes
foram especialmente bem sucedidos, tanto em termos de público quanto de
crítica. Entre eles se destacam A Fraternidade é Vermelha (1994), A Igualdade é
Branca (1994), A Liberdade é Azul (1993) e A dupla vida de Verónique (1991). Os
três primeiros formam a Trilogia das Cores, que foi baseada nas cores da
bandeira francesa e no lema da Revolução Francesa do século XVIII: Liberdade,
Igualdade, Fraternidade.
No final dos anos 80, Kieslowski realiza para a TV Polonesa o filme Decálogo. Composto por dez histórias, o filme apresenta dilemas morais com inspiração nos Dez Mandamentos. Na trajetória de Kieslowski há um fato marcante, ocorrido em 1994, quando o cineasta comunica que estava se aposentando por sentir-se cansado de fazer cinema. Embora, tenha continuado trabalhando no roteiro de três filmes (Paraíso, Purgatório, Inferno) baseados na Divina Comédia de Dante Alighieri, Kieslowski faleceu em 1996 antes de realizar essa nova trilogia.
Tive a oportunidade de ver alguns dos filmes que compõem o Decálogo ontem e hoje no Paço da Liberdade em Curitiba. Assisti às partes de número sete, oito e nove, cujos títulos são “Não Furtarás”, “Não Levantarás Falso Testemunho” e “Não Cobiçarás a Mulher do Próximo”. Mais do que simplesmente reproduzir os mandamentos a que cada parte se refere, os filmes que compõem o decálogo criam situações de dilema moral que evidenciam as dificuldades que nós humanos enfrentamos quando temos que lidar com nossas escolhas cotidianas que nos apresentam interesses conflitantes muitas vezes.
Apesar de ter sido profundamente afetado pelos três filmes, foram os dois últimos que mais me fizeram refletir sobre a vida, sobre a administração, em especial sobre seu ensino. Em “Não Cobiçarás a Mulher do Próximo” temos a estória de um cirurgião que descobre que sua mulher está tendo um relacionamento amoroso com outro homem. Em uma cena, Roman, o cirurgião consegue posse da chave do apartamento onde Hanka, sua esposa, e Marius, o amante, se encontravam. Roman decide fazer uma cópia da chave e a cena da máquina de reproduzir chaves foi inspiradora para mim.
A chave representa apenas uma ferramenta, vai permitir a Roman ter certeza do que desconfiava. Mas, como ferramenta, não vai além disso. A chave em nada pode ajudar Roman sobre como agir após a confirmação de suas suspeitas. De igual forma, para mim as ferramentas administrativas são limitadas. Elas ajudam o administrador a enxergar uma situação organizacional melhor, mas pouco podem fazer em relação ao agir administrativo. A prática da Administração é muito mais do que usar ferramentas de planejamento, diagnóstico e prospecção. A Administração depende da interpretação que o profissional faz daquilo que está vendo. Não é possível agir sempre da mesma maneira, pois no agir administrativo temos a interação com os outros, seus interesses, sua influência, sua propensão a colaborar ou sua inclinação à resistência. Ou seja, as ferramentas são como a chave de Roman, apenas abrem as portas, nada dizem sobre o que fazer depois da porta aberta.
Se reconhecermos essa limitação das ferramentas administrativas, temos que reconhecer as implicações disso para o ensino da Administração. Ora, não é suficiente ensinarmos o uso de ferramentas para o futuro profissional de Administração. Precisamos buscar formas de prepará-lo para um agir competente que extrapola o uso das ferramentas e que conduz a organização para o fim desejado. Ou seja, para que serve a Administração? Em outro post, já comentei que a Administração precisa ser repensada na direção de seu entendimento como uma prática social que busca o bem viver da humanidade.
É nesse ponto que me vem à mente uma cena do “Não Levantarás Falso Testemunho”. Nesse episódio do Decálogo somos apresentados a uma professora de Ética que recebe a visita de sua tradutora nos Estados Unidos. O que a professora não sabe é que sua vida está ligada à da tradutora de uma forma muito mais complexa do que a relação acadêmica. Em determinado momento do filme, a tradutora pergunta à professora sobre como ela ensina. A professora diz que procura auxiliar seus alunos de forma que eles possam chegar a suas próprias conclusões. A tradutora insiste: Para chegar onde? E a professora complementa de forma emocionante: para chegar ao bem. Às vezes o mal predomina, mas precisamos chegar ao bem.
Como disse no começo: É impossível assistir a Kieslowski sem ser afetado pelo que vemos! Uma obra que merece ser apreciada!
No final dos anos 80, Kieslowski realiza para a TV Polonesa o filme Decálogo. Composto por dez histórias, o filme apresenta dilemas morais com inspiração nos Dez Mandamentos. Na trajetória de Kieslowski há um fato marcante, ocorrido em 1994, quando o cineasta comunica que estava se aposentando por sentir-se cansado de fazer cinema. Embora, tenha continuado trabalhando no roteiro de três filmes (Paraíso, Purgatório, Inferno) baseados na Divina Comédia de Dante Alighieri, Kieslowski faleceu em 1996 antes de realizar essa nova trilogia.
Tive a oportunidade de ver alguns dos filmes que compõem o Decálogo ontem e hoje no Paço da Liberdade em Curitiba. Assisti às partes de número sete, oito e nove, cujos títulos são “Não Furtarás”, “Não Levantarás Falso Testemunho” e “Não Cobiçarás a Mulher do Próximo”. Mais do que simplesmente reproduzir os mandamentos a que cada parte se refere, os filmes que compõem o decálogo criam situações de dilema moral que evidenciam as dificuldades que nós humanos enfrentamos quando temos que lidar com nossas escolhas cotidianas que nos apresentam interesses conflitantes muitas vezes.
Apesar de ter sido profundamente afetado pelos três filmes, foram os dois últimos que mais me fizeram refletir sobre a vida, sobre a administração, em especial sobre seu ensino. Em “Não Cobiçarás a Mulher do Próximo” temos a estória de um cirurgião que descobre que sua mulher está tendo um relacionamento amoroso com outro homem. Em uma cena, Roman, o cirurgião consegue posse da chave do apartamento onde Hanka, sua esposa, e Marius, o amante, se encontravam. Roman decide fazer uma cópia da chave e a cena da máquina de reproduzir chaves foi inspiradora para mim.
A chave representa apenas uma ferramenta, vai permitir a Roman ter certeza do que desconfiava. Mas, como ferramenta, não vai além disso. A chave em nada pode ajudar Roman sobre como agir após a confirmação de suas suspeitas. De igual forma, para mim as ferramentas administrativas são limitadas. Elas ajudam o administrador a enxergar uma situação organizacional melhor, mas pouco podem fazer em relação ao agir administrativo. A prática da Administração é muito mais do que usar ferramentas de planejamento, diagnóstico e prospecção. A Administração depende da interpretação que o profissional faz daquilo que está vendo. Não é possível agir sempre da mesma maneira, pois no agir administrativo temos a interação com os outros, seus interesses, sua influência, sua propensão a colaborar ou sua inclinação à resistência. Ou seja, as ferramentas são como a chave de Roman, apenas abrem as portas, nada dizem sobre o que fazer depois da porta aberta.
Se reconhecermos essa limitação das ferramentas administrativas, temos que reconhecer as implicações disso para o ensino da Administração. Ora, não é suficiente ensinarmos o uso de ferramentas para o futuro profissional de Administração. Precisamos buscar formas de prepará-lo para um agir competente que extrapola o uso das ferramentas e que conduz a organização para o fim desejado. Ou seja, para que serve a Administração? Em outro post, já comentei que a Administração precisa ser repensada na direção de seu entendimento como uma prática social que busca o bem viver da humanidade.
É nesse ponto que me vem à mente uma cena do “Não Levantarás Falso Testemunho”. Nesse episódio do Decálogo somos apresentados a uma professora de Ética que recebe a visita de sua tradutora nos Estados Unidos. O que a professora não sabe é que sua vida está ligada à da tradutora de uma forma muito mais complexa do que a relação acadêmica. Em determinado momento do filme, a tradutora pergunta à professora sobre como ela ensina. A professora diz que procura auxiliar seus alunos de forma que eles possam chegar a suas próprias conclusões. A tradutora insiste: Para chegar onde? E a professora complementa de forma emocionante: para chegar ao bem. Às vezes o mal predomina, mas precisamos chegar ao bem.
Como disse no começo: É impossível assistir a Kieslowski sem ser afetado pelo que vemos! Uma obra que merece ser apreciada!
sexta-feira, 13 de julho de 2012
Fábulas de Esopo: lições para a gestão de pequenas empresas
Encontrei em um sebo, uma edição de bolso das Fábulas de Esopo publicada pela L&PM em 2002. Foi uma volta à infãncia! Muitas das fábulas foram transformadas em contos infantis que imagino ainda estejam no mercado livreiro. Entre várias que me fizeram recordar os dias de infância e minhas idas à Biblioteca do Colégio Londrinense, há duas que servem de lições para a gestão de pequenas empresas também.
A primeira é muito conhecida e se intitula "Os filhos do camponês". Naquela época, Esopo contava que:
A discórdia reinava entre os filhos de um camponês. Em vão, ele os exortava a mudar de comportamento; suas palavras não produziam nenhum efeito. Foi por isso que decidiu dar-lhes uma lição na hora:
_ Tragam-me - disse ele - um feixe de gravetos,
Os meninos foram buscar. O camponês pegou os gravetos e os uniu num feixe compacto e pediu que eles o partissem. Apesar de toda a força que botaram, não conseguiram. O pai então desfez o feixe e deu a cada um deles um graveto. As crianças os quebraram com facilidade.
_ Vejam, meus filhos, o mesmo acontece com vocês: se forem unidos, não temerão seus inimigos, mas se continuarem na discórdia, cairão nas mão deles. (Fábulas de Esopo. Porto Alegre: L&PM, 2002, p, 50-51).
Muitas vezes a união entre pequenas empresas é uma forma de aumentar sua competitividade. Uma das formas mais comuns de cooperação entre pequenas empresas são as centrais de compras, que permitem melhores condições de barganha junto a fornecedores e oferta de produtos ou serviços em condições mais competitivas ao mercado. No entanto, algumas vezes, algum graveto cede à tentação de sair do feixe. Isto é, uma pequena empresa pode ceder a tentações egoísticas e não compartilhar com as demais que estão unidas alguma oportunidade. Nesse momento, a união pode ser ameaçada e o feixe desfeito. Alguns poderão se quebrar!
Me lembro de um exemplo que aconteceu em uma associação de pequenos supermercados no norte do Paraná. Essa associação, semanalmente, publicava um folheto com as ofertas da semana que poderiam ser encontradas em todas as lojas dos supermercados da associação. Essa promoção semanal era combinada com antecedência de uma semana. Certa vez, um dos associados, se aproveitou dessa combinação antecipada de promoção, e no dia seguinte à definição de quais seriam as oferta da próxima semana, resolveu fazer uma promoção antecipada em suas lojas, antes de todos os membros da associação, já que estava com estoques altos da maioria dos produtos que seriam ofertados na semana seguinte. Esse comportamento egoístico, gerou muito conflito e discórdia no àmbito da associação. O feixe foi momentaneamente quebrado! A confiança entre os cooperados sofreu muito.
Outra fábula que eu gostava muito quando criança é a que conta sobre uma disputa entre o vento e o sol. Esse é o registro da fábula (Fábulas de Esopo. Porto Alegre: L&PM, 2002, p, 83):
O Vento e o Sol discutiam para ver quem era o mais forte. Ficou estabelecido que ganharia aquele que conseguisse arrancar o casaco de um viajante. O Vento começou: pôs-se a soprar violentamente e, como o homem segurasse o casaco com força, ele redobrou os ataques. Transido de frio, o viajante pôs um segundo casaco, de modo que o Vento, desencorajado, deu a vez ao Sol. Este a princípio brilhou moderadamente e o homem tirou o segundo casaco. O Sol lançou então seus raios mais fortes e, assim, sem suportar mais o calor, o viajante tirou toda a roupa e se jogou num rio próximo.
Esopo concluía:
Conseguirás o que queres pela persuasão, não pela violência.
Aqui a relação com pequena empresa não é tão direta como na fábula anterior. Creio que essa fábula nos permite refletir sobre dois aspectos da gestão que são relevantes para a pequena empresa. O primeiro, quando pensamos na ação do Vento, pode-se refletir sobre a importância de conhecer o nosso mercado. O Vento não sabia nada sobre porque o viajante usava um casaco! Quanto mais ventava, mais o viajante precisava do seu casaco. Assim, se queremos que o cliente prefira nossa empresa, preicamos saber o que o motiva, suas necessidades e de que forma podemos atendê-lo.
Por outro lado, a ação do Sol também é ilustrativa. Quando não sabemos bem o que o mercado quer, precisamos ser prudentes, agir devagar, analisar sua reação e persistir. Se fizemos algo que deu bons resultados, reforçamos esse comportamento, se os resultados não foram bons, vamos tentar entender porque não deu certo. E, depois, tentar algo diferente.
Para mim, quando lembro das pequenas empresas e de seus dirigentes que tive a oportunidade de conhecer ao longo da vida, um padrão surge entre as bem sucedidas. É o que chamei, certa vez, de experimentação estratégica. Na pequena empresa, é preciso juntar a ação cotidiana, em condições elevadas de incerteza, com a capacidade de refletir e experimentar ações alternativas, e reforçar aquelas que foram bem sucedidas. Para que isso funcione, algo é fundamental, e agora tomo emprestado as ideias de Edmilson Oliveira Lima. Segundo o Edmilson, os dirigentes de pequenas empresas precisam desenvolver a capacidade de realizar conversas estratégicas. Discutir os rumos da empresa com seu sócios, outros parceiros, empregados e, nessas conversas, ir (re)definindo os rumos da empresa. Essas conversas são uma base muito adequada para a experimentação estratégica.
Procurem textos do Edmilson sobre conversa estratégica, São muito interessantes. Um deles pode ser encontrado no livro "Empreendedorismo e estratégia de empresas de pequeno porte – 3Es2Ps", disponível gratuitamente em https://www.editorachampagnat.pucpr.br/ebook/.
A primeira é muito conhecida e se intitula "Os filhos do camponês". Naquela época, Esopo contava que:
A discórdia reinava entre os filhos de um camponês. Em vão, ele os exortava a mudar de comportamento; suas palavras não produziam nenhum efeito. Foi por isso que decidiu dar-lhes uma lição na hora:
_ Tragam-me - disse ele - um feixe de gravetos,
Os meninos foram buscar. O camponês pegou os gravetos e os uniu num feixe compacto e pediu que eles o partissem. Apesar de toda a força que botaram, não conseguiram. O pai então desfez o feixe e deu a cada um deles um graveto. As crianças os quebraram com facilidade.
_ Vejam, meus filhos, o mesmo acontece com vocês: se forem unidos, não temerão seus inimigos, mas se continuarem na discórdia, cairão nas mão deles. (Fábulas de Esopo. Porto Alegre: L&PM, 2002, p, 50-51).
Muitas vezes a união entre pequenas empresas é uma forma de aumentar sua competitividade. Uma das formas mais comuns de cooperação entre pequenas empresas são as centrais de compras, que permitem melhores condições de barganha junto a fornecedores e oferta de produtos ou serviços em condições mais competitivas ao mercado. No entanto, algumas vezes, algum graveto cede à tentação de sair do feixe. Isto é, uma pequena empresa pode ceder a tentações egoísticas e não compartilhar com as demais que estão unidas alguma oportunidade. Nesse momento, a união pode ser ameaçada e o feixe desfeito. Alguns poderão se quebrar!
Me lembro de um exemplo que aconteceu em uma associação de pequenos supermercados no norte do Paraná. Essa associação, semanalmente, publicava um folheto com as ofertas da semana que poderiam ser encontradas em todas as lojas dos supermercados da associação. Essa promoção semanal era combinada com antecedência de uma semana. Certa vez, um dos associados, se aproveitou dessa combinação antecipada de promoção, e no dia seguinte à definição de quais seriam as oferta da próxima semana, resolveu fazer uma promoção antecipada em suas lojas, antes de todos os membros da associação, já que estava com estoques altos da maioria dos produtos que seriam ofertados na semana seguinte. Esse comportamento egoístico, gerou muito conflito e discórdia no àmbito da associação. O feixe foi momentaneamente quebrado! A confiança entre os cooperados sofreu muito.
Outra fábula que eu gostava muito quando criança é a que conta sobre uma disputa entre o vento e o sol. Esse é o registro da fábula (Fábulas de Esopo. Porto Alegre: L&PM, 2002, p, 83):
O Vento e o Sol discutiam para ver quem era o mais forte. Ficou estabelecido que ganharia aquele que conseguisse arrancar o casaco de um viajante. O Vento começou: pôs-se a soprar violentamente e, como o homem segurasse o casaco com força, ele redobrou os ataques. Transido de frio, o viajante pôs um segundo casaco, de modo que o Vento, desencorajado, deu a vez ao Sol. Este a princípio brilhou moderadamente e o homem tirou o segundo casaco. O Sol lançou então seus raios mais fortes e, assim, sem suportar mais o calor, o viajante tirou toda a roupa e se jogou num rio próximo.
Esopo concluía:
Conseguirás o que queres pela persuasão, não pela violência.
Aqui a relação com pequena empresa não é tão direta como na fábula anterior. Creio que essa fábula nos permite refletir sobre dois aspectos da gestão que são relevantes para a pequena empresa. O primeiro, quando pensamos na ação do Vento, pode-se refletir sobre a importância de conhecer o nosso mercado. O Vento não sabia nada sobre porque o viajante usava um casaco! Quanto mais ventava, mais o viajante precisava do seu casaco. Assim, se queremos que o cliente prefira nossa empresa, preicamos saber o que o motiva, suas necessidades e de que forma podemos atendê-lo.
Por outro lado, a ação do Sol também é ilustrativa. Quando não sabemos bem o que o mercado quer, precisamos ser prudentes, agir devagar, analisar sua reação e persistir. Se fizemos algo que deu bons resultados, reforçamos esse comportamento, se os resultados não foram bons, vamos tentar entender porque não deu certo. E, depois, tentar algo diferente.
Para mim, quando lembro das pequenas empresas e de seus dirigentes que tive a oportunidade de conhecer ao longo da vida, um padrão surge entre as bem sucedidas. É o que chamei, certa vez, de experimentação estratégica. Na pequena empresa, é preciso juntar a ação cotidiana, em condições elevadas de incerteza, com a capacidade de refletir e experimentar ações alternativas, e reforçar aquelas que foram bem sucedidas. Para que isso funcione, algo é fundamental, e agora tomo emprestado as ideias de Edmilson Oliveira Lima. Segundo o Edmilson, os dirigentes de pequenas empresas precisam desenvolver a capacidade de realizar conversas estratégicas. Discutir os rumos da empresa com seu sócios, outros parceiros, empregados e, nessas conversas, ir (re)definindo os rumos da empresa. Essas conversas são uma base muito adequada para a experimentação estratégica.
Procurem textos do Edmilson sobre conversa estratégica, São muito interessantes. Um deles pode ser encontrado no livro "Empreendedorismo e estratégia de empresas de pequeno porte – 3Es2Ps", disponível gratuitamente em https://www.editorachampagnat.pucpr.br/ebook/.
sexta-feira, 6 de julho de 2012
Empreendedorismo Local
Lendo um texto sobre desenvolvimento local (A construção social da cidade: desenvolvimento local e projetos urbanos, de Nadia Somekh, no livro Políticas para o desenvolvimento local, organizado por Ladislau Dowbor e Marcio Pochmann), encontrei uma adjetivação do empreendedorismo que ainda não connhecia: empreendedorismo local.
O estímulo a esse tipo de empreendedorismo, segundo a autora, é defendido pelo geógrafo David Harvey em artigo publicado em 1996 na revista Espaço & Debates, número 39, cujo título é "Do gerenciamento ao empresariamento: transformação da administração urbana no capitalismo tardio". Segundo Nadia Somekh, o empreendedorismo local é a capacidade de articulação de atores e forças sociais e o desenvolvimento de formas das chamadas parcerias entre poder público e setor privado.
Ainda, para ela, este tipo de empreendedorismo se faz necessário visto que "as cidades e as regiões estão se tornando os agentes efetivos de desenvolvimento econômico" (p. 24) e, quando aliadas aos Estados Nacionais, são "as regiões e as cidades, mais flexíveis e adaptáveis a condições mutáveis...[que] estão mais próximas da resposta necessária ao desenvolvimento....capazes de desenvolver projetos urbanísticos de requalificação, bem como de negociar com empresários de modo que seja possível influir em suas decisões, estimular a abertura de pequenas e médias empresas e, ainda, criar condições para desenvolver novas fontes de riqueza, prestígio e poder" (p. 25).
Nesse momento de reflexão local, com as futuras eleições municipais que escolherão novos prefeitos e vereadores, é algo que merece nossa atenção.
O estímulo a esse tipo de empreendedorismo, segundo a autora, é defendido pelo geógrafo David Harvey em artigo publicado em 1996 na revista Espaço & Debates, número 39, cujo título é "Do gerenciamento ao empresariamento: transformação da administração urbana no capitalismo tardio". Segundo Nadia Somekh, o empreendedorismo local é a capacidade de articulação de atores e forças sociais e o desenvolvimento de formas das chamadas parcerias entre poder público e setor privado.
Ainda, para ela, este tipo de empreendedorismo se faz necessário visto que "as cidades e as regiões estão se tornando os agentes efetivos de desenvolvimento econômico" (p. 24) e, quando aliadas aos Estados Nacionais, são "as regiões e as cidades, mais flexíveis e adaptáveis a condições mutáveis...[que] estão mais próximas da resposta necessária ao desenvolvimento....capazes de desenvolver projetos urbanísticos de requalificação, bem como de negociar com empresários de modo que seja possível influir em suas decisões, estimular a abertura de pequenas e médias empresas e, ainda, criar condições para desenvolver novas fontes de riqueza, prestígio e poder" (p. 25).
Nesse momento de reflexão local, com as futuras eleições municipais que escolherão novos prefeitos e vereadores, é algo que merece nossa atenção.
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