Na semana passada, tive a oportunidade de participar por dois dias do IV Colóquio Internacional de Cinema e História na UFPR. Obviamente, não esperava encontrar nada que fosse relacionado ao empreendedorismo ou a pequenas empresas no evento. Meu interesse era acompanhar o evento, apenas como ouvinte, na esperança de aprender um pouco mais sobre o campo dos estudos em cinema que também me interessam muito. O natural era que, talvez, eu estivesse escrevendo um post em meu blog Leitura em Cinema (https://leiturasemcinema.blogspot.com/), após uma noite e um dia imerso em apresentações, palestras e conferências sobre cinema. Mas, não. Aqui estou eu escrevendo no blog de Empreendedorismo e Estratégia em Pequenas Empresas!
Pois é! Quem poderia imaginar que um trabalho sobre mulheres, personagens e gênero no cinema poderia me inspirar um post sobre pequena empresa. Às vezes, me impressiono com as conexões que nossa mente faz, nos trazendo à lembrança memórias de décadas atrás.
Um dos trabalhos que assisti no dia 4 pela manhã foi o "Modos de subjetivação de mulheres negras em adaptações cinematográficas da literatura de Jorge Amado nos 1970 e 1980". De autoria de Renata Melo Barbosa do Nascimento, da UNB. O trabalho me trouxe à memória lembranças muito vívidas de alguns dos filmes que Renata usou para fazer sua análise. No entanto, mais que isso, foi no discurso de Reanta que surgiu algo que me fez lembrar de um episódio que envolveu uma das trabalhadoras do Supermercado Gimenez - a Tina - e eu, um dos filhos dos donos daquela pequena empresa. Tina não é o verdadeiro nome dela, mas no título desse post faço uma brincadeira com o nome de Tina e, aqueles que a conheceram, vão imediatamente lembrar do nome correto.
Na introdução de sua fala na sessão 3 do colóquio, Renata abordou a questão dos vários feminismos. Isso mesmo, no plural. E, em especial, fez uma distinção entre o feminismo geral e o feminismo negro. Não pretendo aqui sintetizar a fala dela, mas o que foi marcante para mim, foi a ideia de que as mulheres negras, além de terem que lidar com a discriminação de gênero, lidam ainda com a discriminação de raça. Foi nesse momento da fala de Renata que me veio à lembrança o episódio com Tina. Vamos a ele, então.
Isto deve ter ocorrido entre o final dos anos 70 ou começo dos anos 80 do século passado. Ou seja, lá já se vão perto de quatro décadas de história. Naquela época, eu ainda era estudante de administração, que havia decidido cursar porque tinha planos de ficar trabalhando com meus pais e irmãos no Supermercado Gimenez. Tina estava trabalhando conosco e, assim como eu, também era estudante de administração na UEL. Até onde eu me lembro, Tina foi uma das poucas trabalhadoras do Supermercado Gimenez que fez um curso universitário. Tina era um pouco mais jovem que eu e negra. Na época eu estava entre 23 e 24 anos. Pode ser que esta história tenha ocorrido no segundo semestre de 1981. Mas, não tenho certeza. Nesse momento, recém graduado, eu já estava atuando como professor. De qualquer forma, o ano preciso não afeta muito o singificado da história. Embora Tina não tivesse nenhum cargo formal de comando naquela pequena empresa, devido à sua formação em andamento, ela já nos ajudava na coordenação de algumas tarefas.
Pois então, certo dia, Tina e eu estávamos conversando e ela me informou que estava planejando pedir demissão da empresa. Eu fiquei surpreso com a notícia e tentei dissuadí-la. Falei dos planos que tinhamos e da ideia de uma possível filial para o supermercado em outro bairro da cidade. Na época, meus pais tinham adquirido alguns terrenos com o propósito de construir um prédio para a primeira filial do Supermercado Gimenez. Tinham até feito um esboço de planta. Mas, a ideia acabou não acontecendo. No entanto, naquele momento da conversa entre nós, ainda era uma possibilidade. Falei para Tina que, quando ela concluísse seu curso, talve pudesse vir a ocupar algum cargo de chefia na empresa. A resposta dela foi contundente. Tanto é que, quase 40 anos depois, ainda não esqueci. Não foram exatamente essas palavras, mas ela disse algo assim:
_Fernando, aqui eu nunca vou ter uma chance. Tem seus pais, tem você, tem seus irmãos! Nunca vou conseguir ser chefe aqui!
De fato, depois de algum tempo, ela pediu demissão. Mutos anos atrás, ouvi dizer que ela tinha falecido. Mas, para ser honesto com você, não tenho certeza. A memória da gente, às vezes, nos engana!
Mas, a essa altura, você deve estar se perguntando:
_ E daí? O que é esse teto de vidro? O que isso tem a ver com feminismo? E com a Tina?
Então, vamos por partes:
Teto de vidro é uma expressão usada nos estudos de gênero no campo das organizações que, de forma resumida, significa que há uma barreira transparente (teto de vidro) que impede que as mulheres subam além de determinado nível hierárquico nas grandes organizacões. Elas são até capazes de "ver" os níveis superiores, já que o teto de vidro é transparente, mas não são promovidas para ocupar cargos nesses níveis.
Em geral, este fenômeno é tratado em estudos sobre grandes empresas. Não me lembro de ter visto alguém discutindo essa ideia no âmbito de pequenas empresas.
O caso de Tina veio à minha memória quando ouvi a idéia dos feminismos múltiplos, em especial o feminismo negro. Tina era uma jovem mulher negra trabalhando em uma pequena empresa. No seu discurso, na época, só ouvi o lamento de alguém que não pertencia à família proprietária daquela pequena empresa. Mas, certamente, hoje, tenho certeza que o teto de vidro que Tina enxergava era tríplice: não ser da família, ser mulher e ser negra! Ou seja, apesar de transparente, muito mais difícil de romper!
A essa altura da minha vida, fica esse resgate de mais um episódio na história do Supermercado Gimenez, personagem frequente desse meu blog. Em especial, neste post que muito me emocionou: https://3es2ps.blogspot.com/2012/03/zezinhoooo-vai-la-no-gimenez.html.
E como sempre ocorre, a história acabou sendo muito diversa dos planos. Eu deixei de trabalhar com meus pais e me tornei professor. Tina, provavelmente, já morreu, mas trabalhou durante alguns anos em outras organizações de Londrina. Algumas poucas vezes, nos encontramos pelos caminhos da pequena Londrina dos anos 80. E o Supermercado Gimenez foi vendido há muitos anos também.
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