quinta-feira, 6 de abril de 2023

Configurações de ecossistemas empreendedores municipais no Brasil: uma análise inicial

O relatório Índice de cidades empreendedoras: Brasil 2023, realizado pela Escola Nacional de Administração Pública com apoio da Endeavor, foi publicado há alguns dias. Assim como na edição de 2022, no documento encontra-se o ranqueamento das 101 cidades mais populosas no Brasil pela pontuação no Índice de Cidades Empreendedoras (ICE), bem como o posicionamento de cada cidade nos sete determinantes que compõem o ICE: Ambiente Regulatório; Infraestrutura; Mercado; Acesso a Capital; Inovação; Capital Humano; e Cultura Empreendedora. Cada um desses determinantes, por sua vez, é o resultado da combinação de uma ou mais dimensões que agregam dados de diversas variáveis. No quadro 1, exibo o resumo da composição do ICE. Detalhes sobre coleta e tratamento dos dados estão disponíveis no próprio relatório.

Quadro 1 – Composição do Índice de Cidade Empreendedoras

 

Determinante

Dimensão

Variáveis

Índice de Cidades Empreendedoras (ICE)

Ambiente Regulatório

Tempo de Processos

Tempo de viabilidade de localização

Tempo de registro, cadastro e viabilidade de nome

Taxa de congestionamento em tribunais

Tributação

Alíquota interna do ICMS

Alíquota interna do IPTU

Alíquota interna do ISS

Qualidade de gestão fiscal

Complexidade Burocrática

Simplicidade tributária

Cnds municipais

Atualização de zoneamento

Infraestrutura

Transporte Interurbano

Conectividade via rodovias

Número de decolagens por ano

Distância ao porto mais próximo

Condições Urbanas

Acesso à internet rápida

Preço médio do m2

Custo da energia elétrica

Taxa de homicídios

Mercado

Desenvolvimento Econômico

Índice de Desenvolvimento Humano

Crescimento real médio do PIB

Número de empresas exportadoras com

sede na cidade

Clientes Potenciais

PIB per capita

Proporção entre grandes/médias e médias/pequenas empresas

Compras Públicas

Acesso a Capital

Capital Disponível

Operações de crédito por município

Proporção relativa de capital de risco

Capital poupado per capita

Inovação

Inputs

Proporção de mestres e doutores em C&T

Média de investimentos do BNDES e FINEP

Infraestrutura tecnológica

Proporção de funcionários em C&T

Contratos de concessão

Outputs

Patentes

Tamanho da indústria inovadora

Tamanho da economia criativa

Tamanho das Empresas TIC

Quadro 1 – Composição do Índice de Cidade Empreendedoras (continuação

Índice de Cidades Empreendedoras (ICE)

Capital Humano

Acesso e qualidade da mão de obra básica

Nota do Ideb

Taxa líquida de matrícula no ensino médio

Nota Média no ENEM

Proporção de adultos com pelo menos o ensino médio completo

Proporção de matriculados no ensino técnico e

profissionalizante

Acesso e qualidade da mão de obra qualificada

Proporção de adultos com pelo menos ensino superior completo

Custo médio de salários de dirigentes

Proporção de alunos concluintes em cursos de alta qualidade

Cultura Empreendedora*

Iniciativa

Pesquisas por Empreendedora

Pesquisas por Empreendedorismo

Pesquisas por MEI

Instituições

Pesquisas por Sebrae

Pesquisas por Franquia

Pesquisas por SIMPLES Nacional

Pesquisas por Senac

* Dados obtidos no Google Trends (2022)

Fonte: Adaptado de Índice de cidades empreendedoras: Brasil (2023)

A manutenção de uma estrutura de dados e variáveis, com poucas modificações, nos dois relatórios, bem como a elevada consistência dos determinantes escolhidos para a composição do ICE com a literatura recente sobre ecossistemas empreendedores (ISENBERG, 2010; STAM, 2015; STAM; VAN DE VEN, 2021; WURTH, STAM. SPIEGEL, 2022), me levaram a considerar a média dos resultados nos determinantes do ICE de cada cidade como uma boa aproximação do status das dimensões mais relevantes de cada ecossistema empreendedor local nos dois últimos anos. Ademais, como comentei em post anterior neste blog, penso que o entendimento da estrutura e dinâmica de ecossistemas empreendedores é melhor captada sob uma lente da abordagem das configurações (https://3es2ps.blogspot.com/2023/02/uma-analise-de-configuracoes-nos.html).

Assim, com os dados apresentados nos relatórios de 2022 e 2023, decidi fazer uma análise qualitativa buscando verificar como se configuram os melhores ecossistemas empreendedores municipais do Brasil. Para isto, selecionei as 33 cidades mais bem ranqueadas em cada um dos seguintes seis determinantes: Ambiente Regulatório; Infraestrutura; Mercado; Acesso a Capital; Capital Humano; e Cultura Empreendedora. O determinante Inovação, como exposto no quadro 1, é composto por Inputs e Outputs. Todavia, penso que esta forma de combinar variáveis de natureza distintas (entradas e saídas) em um determinante de ecossistema empreendedor não é muito adequada. Como se diz popularmente, é “misturar alhos com bugalhos”.

Minha opinião é que os inputs de inovação, conforme apresentados nos relatórios de 2022 e 2023, possuem a mesma natureza dos demais determinantes. Isto é, são indicadores que permitem avaliar a qualidade de um ecossistema empreendedor no que diz respeito ao estímulo para novas ações empreendedoras. Quanto mais entradas das diversas naturezas apresentadas no quadro 1, maior a probabilidade de surgimento do empreendedorismo inovador ou produtivo.

Por outro lado, a dimensão de outputs é muito mais um indicador de desempenho do ecossistema empreendedor do que de condições favoráveis ao empreendedorismo. Conforme exposto no quadro 2, as variáveis que intergam a dimensão outputs, quantificam resultados de ações empreendedoras em termos de número de patentes e número de empresas inovadoras, da economia criativa e de TIC.

Assim, utilizei, em minha análise, os dois indicadores (inputs e outputs) e não o indicador único de Inovação para cada cidade.  Isso foi possível, pois, felizmente, nos relatórios do ICE, estão presentes os valores para cada cidade de inputs, outputs e inovação. No total, foram tabulados os dados de 71 cidades, visto que houve uma grande variação entre os posicionamentos relativos dos 101 municípios em cada um dos seis determinantes e das duas dimensões de inovação.

A tabulação desses dados permitiu dois tipos de análise. Em primeiro lugar, ao utilizar os resultados de outputs como um indicador de desempenho foi possível classificar as 71 cidades em posições de desempenho maior ou menor.  Em segundo lugar, para cada uma das cidades, foram identificados os determinantes do ICE em que essas de destacaram, ou seja, determinantes em que se posicionaram entre as 33 cidades mais bem pontuadas. Este segundo procedimento permitiu identificar os municípios que se encontraram no terço de melhor desempenho em cada uma das dimensões e determinantes analisados. Mostro os resultados de ambas as análises apenas para as 15 cidades com maior pontuação em outputs, por economia de espaço, no quadro 2.

Quadro 2 – Desempenho das cidades em termos de outputs de inovação (média de 2022 e 2023) e determinantes de maior destaque

Posição

Cidade

Output

Configuração dos Determinantes de melhor desempenho (número)

01

São Paulo

8,72

Ambiente Regulatório, Infraestrutura, Mercado, Acesso a Capital e /Inputs (5)

02

Caxias do Sul

8,27

Mercado e Inputs (2)

03

Campina Grande

7,82

Inputs (1)

04

Curitiba

7,81

Infraestrutura, Mercado, Acesso a Capital, Capital Humano, Cultura Empreendedora e Inputs (6)

05

Florianópolis

7,79

Ambiente Regulatório, Infraestrutura, Mercado, Acesso a Capital, Capital Humano, Cultura Empreendedora e Inputs (7)

06

Campinas

7,79

Infraestrutura, Acesso a Capital, Capital Humano e Inputs (4)

07

Limeira

7,66

Infraestrutura, Mercado e Capital Humano (3)

08

Porto Alegre

7,56

Infraestrutura, Mercado, Acesso a Capital, Capital Humano e Inputs (5)

09

Blumenau

7,55

Ambiente Regulatório, Mercado e Acesso a Capital (3)

10

Joinville

7,52

Ambiente Regulatório, Mercado, Capital Humano e Inputs (4)

11

São José dos Campos

7,52

Infraestrutura, Mercado, Capital Humano e Inputs (4)

12

Rio de Janeiro

7,36

Ambiente Regulatório, Mercado, Acesso a Capital e Inputs (4)

13

São Bernardo do Campo

7,36

Infraestrutura, Mercado, Acesso a Capital, e Capital Humano (4)

14

Diadema

7,31

Mercado e Inputs (2)

15

Santo André

7,14

Infraestrutura, Mercado e Capital humano (3)

Elaborado pelo autor

Utilizo o quadro 2 apenas para exemplificar como a abordagem das configurações pode ajudar a entender um pouco mais como diferentes ecossistemas empreendedores, com presença mais acentuada de um ou mais determinantes podem atingir desempenhos superiores. Ou seja, consistente com a abordagem das configurações não existe apenas um único caminho para obter bons resultados de ecossistemas empreendedores.

Por exemplo, ao se comparar São Paulo e Caxias do Sul, as duas cidades de melhor desempenho, se percebe que o conjunto das forças dos dois ecossistemas empreendedores são bem distintos. São Paulo se mostrou bem-posicionada em cinco determinantes (Ambiente Regulatório, Infraestrutura, Mercado, Acesso a Capital e Inputs), ao passo que Caxias do Sul em apenas dois (Mercado e Inputs). Apesar dessa diferença, o resultado de Caxias do Sul em Output foi apenas 0,5 ponto abaixo do de São Paulo.

Campina Grande, por outro lado, teve o terceiro melhor desempenho e teve como destaque apenas a dimensão Inputs. As três cidades têm em comum o bom posicionamento em Inputs, o que pode sugerir que esta dimensão seja muito relevante para ecossistemas empreendedores. De fato, esta dimensão esteve presente como destaque também em mais oito cidades do quadro 2.

O caso de Campina Grande pode ser comparado, também, a Curitiba e Florianópolis. Estas duas capitais apresentaram o maior número de determinantes com destaque em seus resultados, 6 e 7, respectivamente. E, curiosamente, tiveram um desempenho muito semelhante ao de Campina Grande no que diz respeito à dimensão de Outputs.

Uma última comparação demonstra, mais uma vez, que configurações semelhantes podem levar a desempenhos próximos. Limeira e Santo André, cujos resultados em output foram, respectivamente, 7,66 e 7,14, tiveram suas maiores forças relacionadas a Infraestrutura, Mercado e Capital Humano.

É claro que a análise que aqui apresento é muito limitada por se concentrar em um conjunto reduzido de 15 cidades, bem como considerando apenas os determinantes e dimensões em que estiveram no terço superior da amostra. Uma análise dos 101 municípios, com base, por exemplo em análise de clusters e análise multivariada das variáveis de posicionamento e desempenho, pode produzir um resultado que consiga identificar diferentes configurações de ecossistemas empreendedores locais no Brasil, com base em determinantes e dimensões com variados níveis de intensidade. Este é o tipo de análise que tenho realizado com um grupo de pesquisadores/amigos (Rafael Stefenon, Edmundo Inácio Júnior e Eduardo Avancci Dionísio). Outra possibilidade é utilizar as ferramentas de análise qualitativa comparativa (QCA ou fsQCA) que já foi testada em investigações de outros pesquisadores. E que planejamos experimentar nos estudos que estamos conduzindo.

Nesse momento, talvez, surja uma pergunta: esse esforço de análise vale a pena? Minha opinião é que os resultados de análises de configurações em ecossistemas empreendedores têm grande valia para formuladores de políticas públicas em empreendedorismo. Recentemente, Rafael Stefenon e eu publicamos um ensaio onde tentamos evidenciar os possíveis ganhos dessa abordagem (STEFENON; GIMENEZ, 2023).

Ainda nesse sentido de apoio à decisão de políticas de empreendedorismo, pode ser apontado um aspecto interessante. Para as 15 cidades apresentadas no quadro 2, é possível perceber que há alguns determinantes/dimensões mais frequentes. Mercado foi relevante para 13 cidades, Inputs esteve presente em 11, e Infraestrutura e Capital Humano em 9 cidades. Esta é a combinação de forças que posicionaram São José dos Campos em 11º. lugar nesta análise. Como usar esta informação do ponto de vista de política pública? Talvez, uma resposta possível seja na direção de que, em condições de escassez de recursos, dirigentes municipais podem enfatizar investimentos e apoio na consolidação de mercados, na diversidade de inputs de inovação, na melhoria de infraestrutura e no desenvolvimento de capital humano. Não é simples, nem exato, mas é uma direção a ser tentada.

 Referências

Índice de cidades empreendedoras: Brasil 2023 / Escola Nacional de Administração Pública; apoio de Endeavor. -- Brasília: Enap, 2023. 152 p.

Isenberg, D. J. How to start an entrepreneurial Revolution. Harvard Business Review, 88, p. 41-49, 2010.

Stam, E. Entrepreneurial ecosystems and regional policy: a sympathetic critique. European Planning Studies, v. 23, n. 9, p. 1759-1769, 2015.

Stam, E.; Van de Ven, A. Entrepreneurial ecosystem elements. Small Business Economics, v. 56, n. 2, p. 809-832, 2021.

Stefenon, R.; Gimenez, F. A. P. Entrepreneurial ecosystems: a configurational research approach. Revista Gestão em Análise, v. 12, n. 1, p. 7-22, 2023.

Wurth, B.; Stam, E.; Spigel, B.  Toward an Entrepreneurial Ecosystem Research Program. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 46, n. 3, 729-778, 2022.

Um comentário:

  1. Muito bom! E talvez olhar as cidades que ficaram no terço inferior da amostra evidencie a seus gestores o que precisa ser intensificado para atingirem melhores posições em classificações anuais futuras.

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