quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Turismo no Alemão - uma agência de turismo no meio da favela

Para Mariluce e Cleber, empreendedores do turismo.

Sara e eu tivemos a oportunidade de conhecer um empreendimento um pouco diferente. A passeio no Rio de Janeiro, no domingo, 29 de setembro, pela manhã, resolvemos ir conhecer o teleférico do Complexo do Alemão. Uma estrutura impressionante de transporte coletivo que serve aos moradores das nove comunidades do Complexo do Alemão, mas também é usada por turistas que se aventuram a conhecer esta parte menos glamourosa da Cidade Maravilhosa. São cinco estações: a primeira em Bonsucesso e a última chamada Palmeiras.

Na última estação o desembarque é obrigatório. No trajeto é possível visualizar a multitude de casas se esparramando pelos vales e encostas dos diferentes morros. A maioria delas inacabadas, em um processo contínuo de construção. No começo de setembro tive a oportunidade de fazer esse trajeto, e chamou a minha atenção a molecada empinando pipas. Um espetáculo colorido e cheio de graça e movimento! Nesse domingo, tempo nublado, não havias pipas no ar!

Aos pés da estação Palmeiras, a última, há uma feira de artesanato local e diversas barracas de comidas e bebidas. Em uma das barracas de artesanato, encontramos Cleber vendendo caixas de madeira de diversos tamanhos, ilustrados com pinturas feitas por Mariluce, sua esposa. Há telas pintadas por Mariluce também. Esta é uma delas:


Cleber e Mariluce são os proprietários da Turismo no Alemão, uma agência de turismo que tem sua sede na comunidade Nova Brasília. Pessoa de papo agradável, usou uma expressão que me deixou intrigado:

_ Que tal viver uma experiência na favela? Não ficar só no safári teleférico!

Safári teleférico é como Cleber descreve a visita que turistas fazem, sem descer das estações. Chegam a um determinado ponto e embarcam de volta. No trajeto ficam olhando "os bichinhos" (expressão de Cleber) lá embaixo. Eu já sabia dessa proposta de passeio pela favela organizado por Cleber e esposa. Em outra viagem que fiz ao Rio, tínhamos conversado, mas não foi possível retornar para fazer o passeio. Dessa vez deu certo.

Sara e eu dissemos a Cleber que gostaríamos de fazer o passeio. Ele, de imediato, ligou para Mariluce e perguntou se ela poderia nos ciceronear. Outra expressão deles, não são guias de turismo, mas cicerones. Combinamos de começar o passeio por volta das treze horas, assim ao final poderíamos almoçar no Bistro Estação, que fica em Nova Brasília. Um parceiro da Turismo no Alemão. Era quase meio dia.

Como teríamos que esperar pouco mais de uma hora, resolvemos sentar e beber uma cerveja em uma das barracas. Fomos os primeiros. Aos poucos mais fregueses foram chegando, o dono da barraca instalou caixas de som ao largo da praça, e ficamos bebendo e ouvindo música. Muito forró, samba, pagode e funk. Alguns até ensaiaram um passos de dança. Nossa experiência estava começando.

Um pouco antes tivemos a oportunidade de conhecer e conversar com dois garotos, pequenos vendedores de água mineral: Cassiano e Ricardo. Guris de prosa fácil também. Um deles veio com uma pegadinha:

_ Tinha o paçoca e o miçoca. O paçoca morreu. Quem sobrou?

Rindo muito, eu disse:

_ Miçoca, ué?

E Ruan fingiu que ia me socar. Espontâneos e carinhosamente cheios de amizade (carentes, será?), Cassiano e Ruan me inspiraram alguns versos que publiquei em http://umhaikaiaodia.blogspot.com.br/2013/09/notas-cariocas-ou-da-infancia.html

Mariluce chegou pouco depois das treze horas. Nos contou um pouco da história do Complexo do Alemão. Nos levou a passear por ladeiras, vielas e escadarias da Comunidade Nova Brasília. No meio do caminho uma parada para conhecer a laje onde foram filmadas as cenas da novela onde uma morena escultural ficava tomando banho de sol.

No caminho, um senhor, já idoso, veio me cumprimentar. Me reconhecera, mas não lembrava de onde nos encontráramos no passado. Teria sido em outros carnavais?

Passamos, também, pelo centro comercial da Comunidade na Avenida Nova Brasília onde há um Cinema e um Centro de Inclusão Digital. Muitas lojas de comércio. Mas, há também coisas que faltam nessa comunidade. Como Mariluce disse:

_ Há apenas uma escola que não é suficiente para atender todas as crianças que lá vivem. E nenhum hospital!

Mariluce tem uma consciência comunitária muito forte. Participa da associação da comunidade e relatou algumas experiências com políticos que prometem muito em tempos de eleição, mas depois desaparecem.

Pena que, ao final do passeio, descobrimos que o Bistro Estação não estava aberto naquele domingo. Mas, foi uma experiência turística agradável, guiados pela simpática Mariluce. Ao final fiquei com uma ponta de dúvida: será que tive mesmo uma experiência na favela, ou foi apenas um "safári mais de perto"?  O que me levou a esse passeio? A mera curiosidade do turista? A vontade de conhecer uma realidade menos enfeitada e diferente do meu cotidiano? Saber mais desse mundo desigual em que vivemos?

Ainda não tenho a resposta! Mas, ainda bem que Cleber e Mariluce se tornaram empreendedores do turismo no Complexo do Alemão. Sem eles, eu não teria passado esses momentos agradáveis. Vale aqui registrar o slogan e missão deles:

“Turismo no Alemão, mais que uma visita, uma experiência”

Missão
O turismo no Complexo do Alemão pode e deve se transformar numa experiência turística autêntica, apesar da imposição de alguns estereótipos, pois existem formas confortáveis e institucionalizadas no turismo que permitam fazer reflexões sobre estereótipos previamente assumidos. Existem formas diferentes de turismo e turistas, porém o Complexo do Alemão merece e condiciona-se como um lugar de encontro de identidades e de histórias, pessoais e coletivas, para torná-lo um espaço de proximidade humana e de multiplicidade social e cultural.

P.S.: Depois de copiar a missão da Turismo no Alemão, vi como o passeio que Sara e eu fizemos, teve muito pouco de safári e muito de encontro de identidades e histórias.
Cleber e Mariluce, obrigado por tornarem essa experiência possível.


3 comentários:

  1. E viva a alegria carioca!!! Gostei! Abraço, Fabiula

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  2. Parabéns pelo texto !!!! Imagino que a experiência tenha sido realmente inesquecível.

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