sábado, 13 de maio de 2017

Empreendedorismo cultural: primeiras anotações de leituras

Um dos temas que tenho explorado, recentemente, é o do empreendedorismo cultural. Alguns empreendimentos no campo da cultura chamaram a minha atenção nos últimos anos e penso em fazer algum estudo empírico sobre eles no futuro. Por enquanto, comecei um programa de leitura e tenho encontrado algumas coisas interessantes. Neste post, reproduzo minha anotações iniciais.
Em primeiro lugar, alguns textos brasileiros têm discutido aspectos do empreendedorismo cultural no campo do cinema. Guerra e Paiva Júnior (2014) investigaram os aspectos que compõem a dimensão privada da ação do empreendedor cultural na produção de cinema. Para os autores a dimensão privada da ação empreendedora na produção cultural inclui: estruturas de sentido que abarcam aspectos subjetivos, socioculturais e políticos responsáveis pela construção de significados comuns por meio dos quais os atores se articulam; trajetórias individuais compostas por aspectos da subjetividade dos produtores relacionados com a dimensão privada de suas vida; e transformação de ideias em “produtos” que é elaboração de produtos (um conjunto de textos) objetivos e públicos (p. 60). 
Em texto anterior, com base em entrevistas de três cineastas pernambucanos, Guerra e Paiva Júnior (2011, p. 84) apontaram que “a ação do empreendedor cultural está relacionada com um esforço de emancipação de grupos profissionais, a melhoria de condições de produção e a absorção de recursos em meio à articulação em rede. Esse perfil de atuação auxilia a (re)discussão dos conceitos de competição e estratégia organizacional sob a perspectiva de um setor produtivo caracterizado pela agregação de pessoas em torno de projetos que expressam aspectos subjetivos de seus parceiros estratégicos”. Ademais, segundo os autores, o empreendedor cultural em Pernambuco faz uso da “brodagem”, neologismo associado a uma ação coletiva na produção cultural, recorrendo às suas experiências cotidianas com uma forte consciência de seu contexto sociocultural. 
Encontrei em minhas buscas, um periódico criado em 2012 que se dedica ao campo do empreendedorismo nas artes (Artivate: A Journal of Entrepreneurship in the Arts). Duas discussões são frequentes nos textos desse periódico. A primeira diz respeito ao próprio entendimento do que é um empreendedor nas artes e as resistências que os artista apresentam ao uso do termo empreendedor para descrever sua identidade profissional. A outra área de debate frequente nesse periódico está relacionada ao ensino do empreendedorismo no campo das artes.
Na primeira discussão, por exemplo, Bonin-Rodriguez (2012) comenta sobre a resistência no uso do termo empreendedor quando aplicado a artistas e sugere o termo “artista-produtor”. Para o autor, o termo “artista-produtor” reconhece a resistência política ao termo “empreendedor” e oferece uma moldura para o estreito conjunto de preocupações empreendedoras que são reconhecidas e promovidas pelo setor cultural que dispõe de poucos recursos e tenta multiplicar suas capacidades promovendo parcerias entre artistas e organizações do campo das Artes (p. 14).
Esta discussão surge, também, em um texto brasileiro (BRAGA, 2015) que faz uma análise crítica da noção de empreendedorismo cultural associado ao discurso da cultura inovadora. Para ele, "é forçoso reconhecer que é extremamente difícil estabelecer focos de resistência aos modelos de negócio e às formas de comportamento ativadas pelas instituições destinadas a promover o empreendedorismo e a inovação em cultura. No entanto, é absolutamente urgente repensar o modelo sobre o qual são construídas as indústrias culturais e criativas, demonstrando os limites dos discursos oficiais, enquanto se imaginam outras formas de relação com o campo cultural e a promoção da cultura e das artes (p. 233).
Por outro lado, a trajetória de Damien Hirst, o polêmico artista inglês que está na raiz da reurbanização do leste de Londres, é utilizada por Enhuber (2014) para ilustrar as dificuldades de distinção entre os conceitos de empreendedor cultural e econômico.
Neste texto, assim como em outros, a própria definição do que seja o empreendedorismo cultural se mostra polêmica e de difícil precisão conforme indica Kolsteeg (2013). Este considera que o fenômeno ocorre nas organizações culturais ou artísticas que oferecem produtos e serviços que comunicam um valor simbólico e cultural. Já em Rea (2008), uma definição de empreendedorismo cultural é tentada na seguinte formulação: uma abordagem multifacetada à cultura como negócio, corporificada por sujeitos inventivos e empreendedores que ativamente se engajam em múltiplas formas de produção cultural, que incluem desde a escrita ficcional e tradução em drama, cinema, rádio, até a fabricação de produtos de consumo. Outra definição é a de Banks et al. (2000), “aquele diretamente relacionado com a produção de bens e serviços culturais: produtos cujo principal valor é simbólico, derivado da sua função como portadores de significados em imagens, símbolos, sinais e sons”.
No campo do ensino sobre o empreendedorismo, há contribuições interessantes no Artivate. Por exemplo, Roberts (2012) apresenta sugestões a partir de sua experiência no campo do ensino de empreendedorismo nas artes. Para ele, é necessário que o tema do empreendedorismo seja infundido no campo do ensino das artes, ou seja, a modificação dos objetivos de aprendizagem de disciplinas no campo das artes de forma a incluir conhecimento, habilidades e competências empreendedoras em planos de aulas. Contudo, este salienta que os estudantes no campo das artes são mais inclinados a se tornarem empreendedores individuais do que a construir empresas. Assim, há a necessidade de ajustes nos conteúdos de empreendedorismo que devem ser abordados na educação para empreendedorismo nas artes.
Em um ensaio, Essig (2012) sugere pedagogias para o ensino de empreendedorismo para estudantes de artes. Para a autora, o ensino de empreendedorismo pode ser mais efetivo se estiver focado no desenvolvimento de hábitos mentais empreendedores. Dessa forma, ela sugere três pedagogias: Mentoring; Projetos colaborativos em equipe; e Aprendizagem experiencial. 
Em outro artigo do mesmo periódico, White (2013) apresenta três tipos de barreiras para inclusão desse tipo de conteúdo nos cursos ofertados nos Estados Unidos: a) barreiras relacionadas ao reconhecimento de que este tipo de competência deve ser parte integrante do conjunto de disciplinas a ser ofertado aos estudantes; b) barreiras relacionadas à acreditação dos cursos, visto que os órgãos de acreditação não dão relevância a este tipo de competência; e, c) barreiras de avaliação, considerando as dificuldades de estabelecer um consenso sobre os conhecimentos que deve possuir um estudante de artes ao final de seu curso. 
No campo das artes brasileiras, a trajetória empreendedora de dois artistas – Ivaldo Bertazzo no campo da Dança e Chico Pelúcio no Teatro - foi descrita e analisada por Corá (2016). Em seu estudo, a autora abordou as estratégias para o empreendimento, a construção discursiva do valor do empreendimento e o uso da prática cultural como recurso para o empreendimento. Em síntese, o estudo revelou que "tais empreendedores só se tornaram referência nos setores artísticos em que atuam por serem artistas consagrados e, sobretudo, por serem visionários na construção de produtos culturais inovadores e que se tornam diferenciais no mercado cultural e artístico, tornando-os fonte de inspiração estética e de modelo de gestão (p. 87). Assim, como no texto que descreveu a trajetória de Damien Hirst, vejo nessas trajetórias uma forte aproximação entre o empreendedorismo cultural e econômico.
Uma reflexão de Smith e Gillett (2015) sobre sua própria experiência como membros de uma banda de rock mostra o que eles julgam uma experiência empreendedora no campo da música. Os principais aspectos relatados envolvem a cooperação entre os membros da banda, compartilhamento de recursos tangíveis e intangíveis, o uso de networking extensivo tanto para viabilizar os produtos musicais da banda quanto na sua comercialização e um processo coletivo de criatividade.
Também no campo da música, mas em contexto muito diverso, Nytch (2012) descreveu a transformação que houve na forma de atuação da Pittsburgh New Music Ensemble e a consequente criação do Teatro da Música como um caso bem-sucedido de empreendedorismo nas Artes. Para o autor, este tipo de empreendedorismo pode ser definido como o uso de estratégias empreendedoras dentro do próprio processo criativo. Nesse caso, transformações no modo de apresentar concertos de música de câmara contemporânea foram utilizadas como exemplos de ações consistentes com a abordagem efetual do empreendedorismo, do consumo hedonístico e da orientação para demandas incipientes.
A cada leitura que faço, vou ficando cada vez mais seduzido pelas discussões e possibilidades de investigação desse tema de estudo. Seguem abaixo, as referências citadas.

BANKS, M.; LOVATT, A.; O‘CONNOR, J.; RAFFO, C. Risk and trust in the cultural industries. Geoforum, n. 31, p. 453-464, 2000.

BONIN-RODRIGUEZ, P. What’s in a name? Typifying artist entrepreneurship in community based training. Artivate: A Journal of Entrepreneurship in the Arts, v. 1, n. 1, p. 9-24, 2012.

BRAGA, W. D. Novas identidades para o novo mundo do trabalho através da Cultura: o velho mantra do capitalismo revisitado. Revista Eptic, v. 17, n. 1, p. 218-235, 2015.

CORÁ, M. A. J. Empreendedores criativos: uma análise sobre o trabalho na cultura. Revista Interdisciplinar de Gestão Social, v. 5, n. 2, p. 71-89, 2016.

ENHUBER, M. How is Damien Hirst a cultural entrepreneur? Artivate: A Journal of Entrepreneurship in the Arts, v. 3, n. 2, p. 3-20, 2014.

ESSIG, L. Frameworks for educating the artist of the future: teaching habits of mind for arts entrepreneurship. Artivate: A Journal of Entrepreneurship in the Arts, v. 1, n. 2, p. 65-77, 2012.

GUERRA, J. R. F.; PAIVA JÚNIOR, F. G. Empreendedorismo cultural na produção cinematográfica: a ação empreendedora de realizadores de filmes pernambucanos. Revista de Administração e Inovação, v. 8, n. 3, p. 78-99,2011.

GUERRA, J. R. F.; PAIVA JÚNIOR, F. G. de O empreendedorismo no campo da produção cultural: analisando a dimensão privada da ação empreendedora no audiovisual. Revista Livre de Cinema, v. 1, n. 2, p. 55-73, 2014.

KOLSTEEG, J. Situated cultural entrepreneurship. Artivate: A Journal of Entrepreneurship in the Arts, v. 2, n. 1, p. 3-13, 2013.

NYTCH, J. The case of the Pittsburgh New Music Ensemble: an illustration of entrepreneurial theory in an artistic setting. Artivate: A Journal of Entrepreneurship in the Arts, v. 1, n. 1, p. 25-34, 2012.

REA, C. G. Comedy and cultural entrepreneurship in Xu Zhuodai's "Huaji Shanghai". Modern Chinese literature and culture, v. 20, n. 2, p. 40-91, 2008.

ROBERTS, J. S. Infusing entrepreneurship within non-business disciplines: preparing artists and others for self-employment and entrepreneurship. Artivate: A Journal of Entrepreneurship in the Arts, v. 1, n. 2, p. 53-63, 2012.

SMITH, G. D.; GILLETT, A. Creativities, innovation, and networks in garage punk rock: a case study of The Eruptörs. Artivate: A Journal of Entrepreneurship in the Arts, v. 4, n. 1, p. 9-24, 2015.

WHITE, J. C. Barriers to recognizing arts entrepreneurship education as essential to professional arts training. Artivate: A Journal of Entrepreneurship in the Arts, v. 2, n. 3, p. 28-39, 2013.

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