Instigado por um
texto de Clóvis Gruner sobre a meritocracia
(http://www.chuvaacida.info/2014/02/a-meritocracia-e-uma-utopia.html),
registrei no Chuva Ácida uma observação
com o seguinte teor:
"Clóvis, esse trecho de comentário que você
usou é um tipo de argumento muito presente na literatura de empreendedorismo.
De forma simplória, reduzem o ato de empreender a simples questões de apetência
e competência, sem nenhuma referência a outros aspectos da desigualdade entre
pessoas. Isso me deixa muito angustiado com o nível das discussões acadêmicas
sobre o assunto. Obrigado pelo texto."
Eu
me referia ao seguinte texto que Clóvis usara como ilustração de uma forma de
pensar que deixa de levar em consideração a desigualdade de condições entre as
pessoas como reflexo de injustiças sociais:
Clóvis Gruner, em seu
texto no Chuva Ácida, nos apresenta brevemente
as condições históricas do surgimento da meritocracia. Reproduzo parte de seu
texto que, em minha opinião, é central para a discussão das condições para empreender:
“Diferente
do comentário que motivou esse texto, a meritocracia não é uma panaceia a
justificar a desigualdade social apelando à competência de alguns poucos
enquanto acusa, irresponsavelmente, a indolência da maioria. Ela contém, desde
o berço, a possibilidade utópica de que as condições objetivas mínimas de
igualdade serão asseguradas para que os indivíduos possam, livremente, exercer
seus talentos. Daí o projeto, acalentado pelos iluministas do setecentos, de uma
educação universal, entendida como condição primária à aquisição das
habilidades necessárias para que se pudesse, efetivamente, falar em uma
sociedade baseada no mérito.”
"Minha dúvida é como não ligar o conceito de empreendedorismo com o de meritocracia, visto q até na competição entre empresas entra o mérito"
Em seguida sugeriu
que esse poderia ser um tema de post neste blog.
Minha resposta ao
Vinicius foi:
"Sim, mas a
meritocracia tem que se dar a partir de uma igualdade de condições para
desenvolver competências. É uma boa sugestão de tema pro meu blog. Abcs."
Aceitando a sugestão
do Vinicius, fiquei pensando se haveria evidências desta minha afirmação. As
coincidências da vida, fizeram com que no dia seguinte chegasse às minhas mãos
um exemplar do Relatório Executivo do GEM 2013 – Empreendedorismo no Brasil. Neste
documento encontrei alguns dados interessantes que podem ser evidências do
efeito da desigualdade social no empreendedorismo brasileiro.
Na tabela 1.3, o relatório apresenta as taxas específicas de empreendedorismo inicial conforme algumas variáveis sociodemográficas. Essas taxas indicam o percentual da população brasileira entre 18 e 64 anos envolvidos com a criação ou gestão de um empreendimento inicial, ou seja, empreendimentos que surgiram há mais de três e menos de 42 meses.
Para os empreendedores
iniciais, a faixa de renda familiar indica que quanto maior esta for, maior é o
percentual de empreendedores neste segmento da população. Isto é, para rendas
familiares de menos de 3 salários mínimos (SMs), a taxa foi de 16,8% da
população entre 18 e 64 anos. Na faixa entre 3 e 6 SMs esta subiu para 18,3%.
Entre 6 e 9 SMs, chega a 22,6%, caindo para 18,8% para rendas familiares acima
de 9 SMs.
Ou seja, há quase que
uma relação linear positiva entre faixa de renda da família e envolvimento do
indivíduo com a criação de um novo empreendimento. Parece-me que isto pode
representar uma relação entre desigualdade social e condições para empreender.
Uma outra relação, em
forma de U, aparece quando se analisa o nível de escolaridade dos
empreendedores iniciais. Para aqueles cuja escolaridade é menor que o segundo
grau completo, a taxa foi de 17,0%. Com escolaridade de segundo grau completo,
a taxa subiu para 18,5%. No entanto, para as pessoas com escolaridade maior que
segundo grau completo, a taxa caiu para 15,8%.
De novo, uma possível
relação entre desigualdade, agora medida pelo acesso à educação e condições
para empreender.
Os estudos do GEM
apresentam uma segunda distinção relevante para essa exploração inicial entre
meritocracia e empreendedorismo. A motivação para empreender é dividida em duas
classes: por oportunidade ou por necessidade. Conforme exposto no próprio texto
do relatório, “os empreendedores por necessidade são aqueles que iniciam um
empreendimento autônomo por não possuírem melhores opções de ocupação, abrindo
um negócio a fim de gerar renda para si e suas famílias. Já os empreendedores
por oportunidade são os que identificaram uma chance de negócio e decidiram
empreender, mesmo possuindo alternativas de emprego e renda”.
Em geral,
empreendimentos motivados por necessidade têm menores chances de sobrevivência
do que aqueles motivados por oportunidade.
Na tabela 2.3, o
relatório apresenta a distribuição dos empreendedores iniciais segundo a
motivação para empreender e características sociodemográficas. Nessa relação, a
meu ver, surgem indicadores que podem revelar a falácia da meritocracia no
empreendedorismo como principal aspecto da explicação do sucesso empreendedor.
Em primeiro lugar,
quanto maior a escolaridade da pessoa, maior é a taxa de motivação por oportunidade.
Em segundo lugar, quanto maior a renda familiar do empreendedor inicial, maior
é a taxa de empreendedorismo por oportunidade. A tabela abaixo mostra essas
relações:
Característica Demográfica
|
Motivação para
Empreender
|
|
Oportunidade
|
Necessidade
|
|
Grau de Escolaridade
|
||
Menor que segundo
grau completo
|
61,2
|
38,8
|
Segundo grau
completo
|
77,5
|
22,5
|
Maior que segundo
grau completo
|
92,1
|
7,9
|
Faixa de Renda
|
||
Menos de três
salários mínimos
|
62,5
|
37,5
|
3 a 6 salários
mínimos
|
81,8
|
18,2
|
6 a 9 salários
mínimos
|
93,8
|
6,2
|
Mais de 9 salários
mínimos
|
92,2
|
7,8
|
Fonte: Extraído do
Relatório Executivo Empreendedorismo no Brasil 2013
Esta aí uma oportunidade de pesquisa que merece ser
explorada!
Vinicius Atz, muito obrigado pela sugestão de post.
Professor Fernando,
ResponderExcluirParabéns pelo texto "canavalesco"
Realmente esse tema é muito instigante e merece ser explorado.
Abraços,
Karla
Fernando, tema importante que desperta o interesse e merece ter continuidade de discussão, talvez se pudesse apresentar as regiões do País onde tem maior e menor incidência de empreendedores, o perfil deles, tipos de negócios, que tal? abs, Irene
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