quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Sobre Desafios e Ganas ou Cabelo e Barba em uma Barbearia Portuguesa

Este texto foi escrito no dia 18 passado. Em meu celular dentro de um ônibus entre Faro e Lisboa:
Poder viajar para fora do Brasil é uma oportunidade de vida ímpar. Depois de sete dias em Portugal, estou a caminho de Lisboa para a viagem de retorno. Um problema no avião em Faro me colocou em um ônibus que segue pela autopista A2 há cerca de quarenta minutos. Sara cochila a meu lado.
Aproveito para refletir sobre essa semana em que reencontrei Fernanda. Há um mês fora do Brasil, passou por momentos desagradáveis quando, logo na primeira semana, teve sua bolsa furtada. Perdeu algum dinheiro, passaporte, cartões de banco e crédito. Estava desanimada quando nos encontramos em Sevilha. Aos poucos seu semblante foi desanuviando. Passeamos com Sara e Dona Aparecida uma noite e um dia por lá. Depois, no dia seguinte fomos a Lisboa onde passeamos por dez horas.
Hoje, ao deixá-la na rodoviária de Olhão, fiquei feliz ao vê-la pronta para a luta da vida de novo. Cheia de desafios! Com ganas de enfrentá-los! Ao falar com ela no meio da tarde, já estava na Universidade de Sevilha, fazendo seus trabalhos do Mestrado em Comunicação e Cultura.
Ver Fernanda pronta para recomeçar me trouxe à lembrança o encontro com Vitálio, técnico em cabelo, como me informou o crachá em seu guarda-pó. Na quarta pela manhã, dia 13, passeando pelo centro de Olhão, indago por uma barbearia. Um vendedor em uma praça sugere que vá a barbearia do Vitálio. Sigo suas indicações pelas vielas de Olhão e logo a encontro.
De imediato, lembrei-me de seu Lauro e sua barbearia. Personagem de minha infância e adolescência com seu pequeno salão onde eu e meus irmãos estivemos incontáveis vezes. Primeiro com nosso pai e, quando maiores, sozinhos.
O salão do Vitálio tem apenas uma porta. Duas cadeiras antigas de barbeiro ao fundo, de frente para um espelho. Paredes laterais emolduradas por espelhos na altura dos olhos. Abaixo dos espelhos, cadeiras para os clientes. Fotos, gravuras e pequenos quadros enfeitam as paredes.
Ao entrar, havia um par de clientes sendo atendidos e mais dois a esperar. Perguntei a um dos barbeiros se poderiam me atender. Diante da resposta positiva pus-me a esperar.
Vitálio, cujo nome só descobri quando foi me atender, conversava com um senhor mais idoso. De repente sai-me com uma pergunta ao idoso:
_ Quero ver se está com o cérebro a funcionar? O que vem primeiro: o Natal ou o Novo Ano?
A resposta do idoso foi:
_ Natal, ora pois.
_ Errado, disse o Vitálio. O novo ano vem sempre antes do Natal. O Natal vem sempre ao final do ano.
Continuou:
_ Que mês tem vinte e oito dias?
_ Fevereiro.
_ Não. Todos os meses têm vinte e oito dias.
Nesse momento, o outro barbeiro entrou na conversa:
_ Em que mês as mulheres mijam menos?
No meio da risada de todos, o próprio respondeu:
_ Fevereiro, pois tem menos dias.

Assim, o tempo foi passando e chegou minha vez de ser atendido. 
Expliquei como queria cabelo e barba. Não precisei falar muito. O barbeiro só me perguntou o número da máquina para aparar a barba. O resto foi como sempre tivesse me atendido. Perfeito!
Fiz algumas perguntas e descobri que Vitálio tem essa profissão desde os dez anos. Aprendeu com seu pai, que foi ensinado pelo pai também, que aprendera o ofício com seu pai. Há algumas gerações o ofício é transmitido de pai para filhos. Mais recentemente, algumas sobrinhas também se tornaram cabeleiras.
Vitálio no ano que vem completa sessenta e seis anos. Fundou seu salão ha quarenta e um anos. Está pensando em se aposentar. Caso isso ocorra, completará 56 anos de profissão e 42 anos com sua pequena empresa. Fico pensando nos desafios que enfrentou nessa jornada. Com certeza deve ter tido muita gana para enfrentá-los.
Tenho certeza que, além do serviço competente, o clima que vivenciei em cerca de uma hora é um dos aspectos que garantiram a permanência do Vitálio no mercado por tanto tempo.

Feliz de mim que tive o acaso a meu favor me permitindo conhecer Vitálio, o técnico em cabelo!


Nenhum comentário:

Postar um comentário