Pude observar que o campo tem crescido anualmente, com uma diversidade muito grande de temas de estudos. Em geral, os estudos sobre empreendedorismo no Brasil adotam uma perspectiva de análise funcionalista, tentando evidenciar que o fenômeno é inerentemente positivo e traz contribuições econômicas e sociais muito positivas. O empreendedorismo é visto como algo que ocorre em diversos níveis, indo desde o indivíduo até a sociedade, passando por grupo, organizações e setores de atividade. Assim, muitos estudos procuram evidenciar a relação entre empreendedorismo e sucesso individual, organizacional e nacional. Chamou minha atenção, ainda, que dentro dessa lógica, um grande número de estudos tratou da questão da educação para o empreendedorismo.
Em mais de um milhar de textos que pude acessar, são raros aqueles que adotam uma perspectiva de análise mais crítica, tentando evidenciar que o empreendedorismo pode ter também resultados negativos em qualquer um destes níveis de análise.
Os treze textos que localizei estão listados ao final desse post. Serão objeto de uma análise um pouco mais detalhada que estou escrevendo para tentar publicar em algum periódico brasileiro. Mas, o que chamou a minha atenção é que, os autores destes textos não compõem o grupo de pesquisadores mais prolíficos do tema e, na maior parte, não são do campo de pesquisa da Administração. É claro, que o empreendedorismo, por ser um fenômeno social, pode ser abordado sob as lentes de diversos campos do conhecimento. Mas, é, no mínimo muito interessante, observar que as produções mais críticas sobre o empreendedorismo, não estão associadas à área de conhecimento a que a grande maioria dos autores brasileiros se vincula.
As análises mais críticas sobre o empreendedorismo surgiram mais recentemente no campo. O primeiro artigo que localizei foi publicado em 2007. Mas, é a partir de 2010 que eles se tornam mais frequentes, sendo que dez foram publicados entre aquele ano e 2015.
Em geral, estes estudos apontam aspectos negativos do empreendedorismo tentando evidenciar que este não é a panaceia geral que resolverá os problemas sociais e econômicos do mundo como é explícita ou implicitamente assumido por boa parte dos estudos no campo. As crítica feitas são, principalmente, dirigidas para considerações sobre o empreendedorismo como forma de trabalho autônomo que se insere em um aprofundamento da dinâmica neoliberal que transfere para o indivíduo a responsabilidade por criar e manter seu espaço produtivo laboral em nossa sociedade.
Apesar de variações em termos de profundidade e qualidade de análise, estes textos apontam para questões relevantes que me ajudaram a compreender um pouco mais esse objeto de estudo que me fascina.
BULGACOV, Y. L. M. et al Jovem empreendedor no Brasil: a busca do espaço da realização ou a fuga da exclusão? Revista de Administração Pública, v. 45, n. 3, p. 695-720, 2011.
BULGACOV, Y. L. M. et al Atividade empreendedora da mulher brasileira: trabalho precário ou trabalho decente? Psicologia Argumento, v. 28, n. 63, p. 337-349, 2010.
CASTRO, JÚLIO CESAR LEMES de. O amor virtual como instância de empreendedorismo e de reificação. Galaxia, n. 27, p. 72-84, 2014.
COLBARI, ANTÔNIA DE L. A retórica do empreendedorismo e a formação para o trabalho na sociedade brasileira. SINAIS - Revista Eletrônica - Ciências Sociais. v.1, n. 1, p.75-111, 2007.
COSTA, ALESSANDRA DE SÁ MELLO da; SARAIVA, LUIZ ALEX SILVA Ideologias organizacionais: uma crítica ao discurso empreendedor. Revista Brasileira de Estudos Organizacionais, v. 1, n. 2, p. 187-211, 2014.
COSTA, ALESSANDRA MELLO da; BARROS, DENISE FRANCA; MARTINS, PAULO EMILIO MATOS Linguagem, relações de poder e o mundo do trabalho: a construção discursiva do conceito de empreendedorismo. Revista de Administração Pública, v. 42, n. 5, p. 995-1018, 2008.
DE TOMMASI, LIVIA; VELAZCO, DAFNE A produção de um novo regime discursivo sobre as favelas cariocas e as muitas faces do empreendedorismo de base comunitária. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 56, p. 15-42, 2013.
GUIMARÃES JÚNIOR, EDWARD HUMBERTO; MACÊDO, KÁTIA BARBOSA Saúde e trabalho do empreendedor: um estudo em psicodinâmica do trabalho. Fragmentos de Cultura, v. 23, n. 3, p. 335-347, 2013.
HIRATA, DANIEL Street commerce as a ‘problem’ in the cities of Rio de Janeiro and São Paulo. Vibrant, v. 11, n.1, p. 96-117, 2014.
LEITE, ELAINE DA SILVEIRA; MELO, NATÁLIA MAXIMO e Uma nova noção de empresário: a naturalização do “empreendedor”. Revista de Sociologia e Política, v. 16, n. 31, p. 35-47, 2008.
LOURES, HAMILTON LOPES Empreendedorismo: uma visão política de seus fundamentos. Periódico Científico Negócios em Projeção, v.6, n.2, p. 93-104, 2015.
MARQUESAN, FÁBIO FREITAS SCHILLING; FIGUEIREDO, MARINA DANTAS de De artesão a empreendedor: a ressignificação do trabalho artesanal como estratégia para a reprodução de relações desiguais de poder. Revista de Administração Mackenzie, v. 15, n. 6, p. 76-97, 2014.
SALGADO, JULIA Corpo miserável, espírito empreendedor: empreendedorismo, pobreza e desemprego no Brasil. Em Pauta, v. 10, n. 30, p. 129-147, 2012.
Algo que sempre pensei: Será que empreendedorismo é impulsionado mais por características empreendedoras e a descobertas de excelentes oportunidades pelo indivíduo ou é produto de uma busca por colocação, aceitação, status, falta de bons empregos formais, respeito, renda...
ResponderExcluirQue bom ler esse seu texto Prof. Fernando, pois, eu sempre questionei essa credibilidade exacerbada ao empreendedorismo como propulsor do desenvolvimento econômico. Na prática, o que vejo em micro empresas de municípios pequenos, são "empreendedores" aprisionados no próprio negócio, sem muita opção na visão destes, sendo sub-remunerados em negócios não rentáveis, não por amarem demais o que fazem, mas por não conseguirem virar o jogo.
Obrigado pela reflexão.