quarta-feira, 11 de julho de 2018

EMPREENDEDORISMO CULTURAL: DUAS BREVES HISTÓRIAS


O tema do empreendedorismo cultural tem me atraído nos últimos anos. Minha primeira aproximação se deu quando, ao preparar um trabalho de conclusão de curso de especialização em Cinema, relatei minha experiência com a criação da Revista Livre de Cinema. Este texto, com algumas modificações, foi publicado em formato de artigo na Revista de Empreendedorismo e Inovação Sustentáveis (http://revista.isaebrasil.com.br/index.php?journal=revise&page=article&op=view&path%5B%5D=7&path%5B%5D=GIMENEZ-v1n12016).
Antes desse artigo, embora eu não tenha usado o termo empreendedorismo cultural, esta noção surgiu de forma embrionária em meu modelo mental sobre o empreendedorismo quando comentei a palestra dada por Lucia Murat em Curitiba no post A pequena empresa como espaço expressivo do empreendedor (http://3es2ps.blogspot.com/2013/05/a-pequena-empresa-como-espaco.html). Nesse momento, enxerguei a cineasta como uma empreendedora, ao mesmo tempo em que avançava a ideia de que empreender pode ser visto como um ato de expressão para o mundo, ou seja, um momento de criatividade. Ora, os empreendedores culturais são o tipo de empreendedor onde essa vontade de se expressar para o mundo se manifesta cotidianamente em suas manifestações culturais.
Desde então, tenho refletido sobre o tema e, vez ou outra, escrevo algo. Uma das questões que tenho intenção de explorar de forma mais aprofundada se relaciona com a identidade empreendedora dos que empreendem no campo da cultura. Por ser um campo de atuação que envolve a constante aplicação de processos criativos, ao mesmo tempo em que, demanda o domínio de uma lógica de articulação de recursos de forma sustentável, independente da natureza lucrativa ou não das ações empreendedoras nesse campo, penso que o empreendedorismo cultural pode gerar um conflito existencial naqueles que empreendem no campo.
Assim, pode ser que os atores desse campo não se sintam muito confortáveis quando são identificados como empreendedores. Por exemplo, em janeiro deste ano, publiquei outro post em que falo de Nitis Jacon como uma empreendedora cultural (http://3es2ps.blogspot.com/2018/01/nitis-jacon-uma-empreendedora-cultural.html). Não sei se Nitis concordaria com esta qualificação, mas tenho certeza que sua trajetória profissional, especialmente à frente do Festival Internacional de Londrina, é um ótimo exemplo de empreendedorismo cultural.
No ano passado, publiquei um livro com os resultados de levantamento que fiz sobre a produção brasileira no campo do empreendedorismo disseminada na forma de artigos. Criei também uma tipologia de temas de pesquisa no campo do empreendedorismo brasileiro. O empreendedorismo cultural é um campo que surgiu recentemente e ainda não tem uma produção numerosa. O livro pode ser acessado em (https://www.dropbox.com/s/8bayerejmtevqpv/Empreendedorismo%20-%20uma%20bibliografia%20de%20artigos%20publicados%20em%20peri%C3%B3dicos%20brasileiros.pdf?dl=0).
Neste momento, desejo comentar sobre dois empreendimentos culturais que conheço. Um deles de Curitiba, que conheçi há alguns anos. O outro é de São Paulo, que pude visitar dias atrás. São empreendimentos em campos distintos, literatura e teatro, mas demonstram, em minha percepção alguns aspectos dessa dualidade que é empreender no campo da cultura.
Há alguns anos, conheci o Jornal Relevo que encontrei em uma biblioteca. Distribuído gratuitamente, ele existe desde setembro de 2010. Conforme descrito em sua página no Facebook (https://www.facebook.com/pg/jornal.relevo/about/?ref=page_internal), é um impresso mensal de cultura, sobretudo de literatura, editado pelo jornalista Daniel Zanella. Uma das coisas que me chamou a atenção, além do conteúdo do Relevo, é o cuidado e a transparência em prestar contas do volume de recursos arrecadados e gastos com cada edição. Por esses números, é possível verificar que não há uma finalidade lucrativa no empreendimento, mas este já se mostrou viável, pois existe há oito anos. As edições do Relevo podem ser acessadas em (https://issuu.com/jornalrelevo/docs).
O outro empreendimento cultural que conheci recentemente é o Teatro e Bar Cemitério de Automóveis (https://www.facebook.com/cemiteriodeautomoveis1/). Assisti a uma peça de Mário Bortolotto no teatro e junto com Edra Moraes passei algum tempo no bar. Foi uma comédia deliciosamente escrachada, mas que, ao mesmo tempo, nos convida à reflexão. Foi uma experiência de teatro muito agradável.
Mário nasceu em Londrina, onde criou o grupo de teatro Cemitério de Automóveis, que foi transferido para São Paulo anos atrás. Além de ator, Mário é dramaturgo e, em minha percepção, empreendedor. Empreendimentos culturais no campo do teatro são muito comuns, mas o Cemitério de Automóveis me parece um pouco distinto da maioria das casas de teatro. Além de combinar bar e teatro, o espaço do teatro é muito pequeno com apenas 26 lugares, dedicando-se a um repertório menos tradicional na dramaturgia brasileira. Se fosse usar um linguajar da administração, é um empreendimento diferenciado que atende a um nicho mais restrito de público. Ao contrário do Jornal Relevo, creio que o Cemitério de Automóveis tenha finalidade lucrativa.
Os dois empreendimentos são distintos, mas possuem atributos semelhantes. Em primeiro lugar, são iniciativas de profissionais do campo da cultura que atendem a nichos específicos de público. Dessa forma, pode ser que os seus criadores tenham que constantemente equilibrar uma lógica criativa com uma lógica de empreender com viabilidade. Em segundo lugar, dependem de uma capacidade de articulação de recursos e pessoas que garantem sua existência ao longo do tempo. O Relevo tem uma ampla rede de colaboradores que produzem conteúdo, ao mesmo tempo em que consegue financiamento, de forma convencional, por meio de anúncios e venda de assinaturas. O Cemitério de Automóveis, ao que me parece tem uma equipe de colaboradores no bar, conta com o trabalho de atrizes, atores e outros profissionais na montagem e exibição das peças. De forma mais convencional, obtém sua renda por meio de venda de produtos e ingressos.
Tenho muita curiosidade de conversar com empreendedoras(es) culturais. As poucas informações que consegui sobre esses dois empreendimentos culturais me indicam que este é um espaço que merece ser mais explorado nos estudos sobre empreendedorismo no Brasil. Em especial, o que gostaria de explorar incialmente é o que motiva estes empreendedores culturais, como lidam com diferentes lógicas de pensar e agir,e como se deu o processo de empreender. É um campo. de pesquisa fascinante!


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