O
relatório Índice de cidades empreendedoras: Brasil 2023, realizado pela Escola
Nacional de Administração Pública com apoio da Endeavor, foi publicado há
alguns dias. Assim como na edição de 2022, no documento encontra-se o
ranqueamento das 101 cidades mais populosas no Brasil pela pontuação no Índice
de Cidades Empreendedoras (ICE), bem como o posicionamento de cada cidade nos
sete determinantes que compõem o ICE: Ambiente Regulatório; Infraestrutura; Mercado;
Acesso a Capital; Inovação; Capital Humano; e Cultura Empreendedora. Cada um
desses determinantes, por sua vez, é o resultado da combinação de uma ou mais
dimensões que agregam dados de diversas variáveis. No quadro 1, exibo o resumo
da composição do ICE. Detalhes sobre coleta e tratamento dos dados estão
disponíveis no próprio relatório.
Quadro 1 –
Composição do Índice de Cidade Empreendedoras
|
Determinante
|
Dimensão
|
Variáveis
|
Índice de Cidades
Empreendedoras (ICE)
|
Ambiente
Regulatório
|
Tempo
de Processos
|
Tempo
de viabilidade de localização
|
Tempo
de registro, cadastro e viabilidade de nome
|
Taxa de
congestionamento em tribunais
|
Tributação
|
Alíquota
interna do ICMS
|
Alíquota
interna do IPTU
|
Alíquota
interna do ISS
|
Qualidade
de gestão fiscal
|
Complexidade
Burocrática
|
Simplicidade
tributária
|
Cnds municipais
|
Atualização
de zoneamento
|
Infraestrutura
|
Transporte
Interurbano
|
Conectividade
via rodovias
|
Número
de decolagens por ano
|
Distância
ao porto mais próximo
|
Condições
Urbanas
|
Acesso
à internet rápida
|
Preço
médio do m2
|
Custo
da energia elétrica
|
Taxa de
homicídios
|
Mercado
|
Desenvolvimento
Econômico
|
Índice
de Desenvolvimento Humano
|
Crescimento
real médio do PIB
|
Número
de empresas exportadoras com
sede na
cidade
|
Clientes
Potenciais
|
PIB per
capita
|
Proporção
entre grandes/médias e médias/pequenas empresas
|
Compras
Públicas
|
Acesso
a Capital
|
Capital
Disponível
|
Operações
de crédito por município
|
Proporção
relativa de capital de risco
|
Capital
poupado per capita
|
Inovação
|
Inputs
|
Proporção
de mestres e doutores em C&T
|
Média
de investimentos do BNDES e FINEP
|
Infraestrutura
tecnológica
|
Proporção
de funcionários em C&T
|
Contratos
de concessão
|
Outputs
|
Patentes
|
Tamanho
da indústria inovadora
|
Tamanho
da economia criativa
|
Tamanho
das Empresas TIC
|
Quadro 1 –
Composição do Índice de Cidade Empreendedoras (continuação
Índice de Cidades
Empreendedoras (ICE)
|
Capital
Humano
|
Acesso
e qualidade da mão de obra básica
|
Nota do
Ideb
|
Taxa líquida
de matrícula no ensino médio
|
Nota
Média no ENEM
|
Proporção
de adultos com pelo menos o ensino médio completo
|
Proporção
de matriculados no ensino técnico e
profissionalizante
|
Acesso
e qualidade da mão de obra qualificada
|
Proporção
de adultos com pelo menos ensino superior completo
|
Custo médio
de salários de dirigentes
|
Proporção
de alunos concluintes em cursos de alta qualidade
|
Cultura
Empreendedora*
|
Iniciativa
|
Pesquisas
por Empreendedora
|
Pesquisas
por Empreendedorismo
|
Pesquisas
por MEI
|
Instituições
|
Pesquisas
por Sebrae
|
Pesquisas
por Franquia
|
Pesquisas
por SIMPLES Nacional
|
Pesquisas
por Senac
|
* Dados
obtidos no Google Trends (2022)
|
Fonte:
Adaptado de Índice de cidades empreendedoras: Brasil (2023)
|
A
manutenção de uma estrutura de dados e variáveis, com poucas modificações, nos
dois relatórios, bem como a elevada consistência dos determinantes escolhidos
para a composição do ICE com a literatura recente sobre ecossistemas empreendedores
(ISENBERG, 2010; STAM, 2015; STAM; VAN DE VEN, 2021; WURTH, STAM. SPIEGEL,
2022), me levaram a considerar a média dos resultados nos determinantes do ICE de
cada cidade como uma boa aproximação do status das dimensões mais
relevantes de cada ecossistema empreendedor local nos dois últimos anos. Ademais,
como comentei em post anterior neste blog, penso que o entendimento da estrutura
e dinâmica de ecossistemas empreendedores é melhor captada sob uma lente da
abordagem das configurações (https://3es2ps.blogspot.com/2023/02/uma-analise-de-configuracoes-nos.html).
Assim,
com os dados apresentados nos relatórios de 2022 e 2023, decidi fazer uma
análise qualitativa buscando verificar como se configuram os melhores ecossistemas
empreendedores municipais do Brasil. Para isto, selecionei as 33 cidades mais
bem ranqueadas em cada um dos seguintes seis determinantes: Ambiente Regulatório;
Infraestrutura; Mercado; Acesso a Capital; Capital Humano; e Cultura Empreendedora.
O determinante Inovação, como exposto no quadro 1, é composto por Inputs e Outputs.
Todavia, penso que esta forma de combinar variáveis de natureza distintas
(entradas e saídas) em um determinante de ecossistema empreendedor não é muito
adequada. Como se diz popularmente, é “misturar alhos com bugalhos”.
Minha
opinião é que os inputs de inovação, conforme apresentados nos relatórios de
2022 e 2023, possuem a mesma natureza dos demais determinantes. Isto é, são
indicadores que permitem avaliar a qualidade de um ecossistema empreendedor no que
diz respeito ao estímulo para novas ações empreendedoras. Quanto mais entradas
das diversas naturezas apresentadas no quadro 1, maior a probabilidade de surgimento
do empreendedorismo inovador ou produtivo.
Por outro
lado, a dimensão de outputs é muito mais um indicador de desempenho do ecossistema
empreendedor do que de condições favoráveis ao empreendedorismo. Conforme
exposto no quadro 2, as variáveis que intergam a dimensão outputs, quantificam
resultados de ações empreendedoras em termos de número de patentes e número de
empresas inovadoras, da economia criativa e de TIC.
Assim,
utilizei, em minha análise, os dois indicadores (inputs e outputs) e não o indicador
único de Inovação para cada cidade. Isso
foi possível, pois, felizmente, nos relatórios do ICE, estão presentes os
valores para cada cidade de inputs, outputs e inovação. No total, foram tabulados
os dados de 71 cidades, visto que houve uma grande variação entre os posicionamentos
relativos dos 101 municípios em cada um dos seis determinantes e das duas dimensões
de inovação.
A
tabulação desses dados permitiu dois tipos de análise. Em primeiro lugar, ao
utilizar os resultados de outputs como um indicador de desempenho foi possível
classificar as 71 cidades em posições de desempenho maior ou menor. Em segundo lugar, para cada uma das cidades,
foram identificados os determinantes do ICE em que essas de destacaram, ou
seja, determinantes em que se posicionaram entre as 33 cidades mais bem
pontuadas. Este segundo procedimento permitiu identificar os municípios que se
encontraram no terço de melhor desempenho em cada uma das dimensões e determinantes
analisados. Mostro os resultados de ambas as análises apenas para as 15 cidades
com maior pontuação em outputs, por economia de espaço, no quadro 2.
Quadro 2 –
Desempenho das cidades em termos de outputs de inovação (média de 2022 e 2023)
e determinantes de maior destaque
Posição
|
Cidade
|
Output
|
Configuração
dos Determinantes de melhor desempenho (número)
|
01
|
São Paulo
|
8,72
|
Ambiente Regulatório, Infraestrutura, Mercado,
Acesso a Capital e /Inputs (5)
|
02
|
Caxias do
Sul
|
8,27
|
Mercado e Inputs (2)
|
03
|
Campina
Grande
|
7,82
|
Inputs (1)
|
04
|
Curitiba
|
7,81
|
Infraestrutura, Mercado, Acesso a Capital, Capital Humano, Cultura
Empreendedora e Inputs (6)
|
05
|
Florianópolis
|
7,79
|
Ambiente Regulatório, Infraestrutura, Mercado, Acesso a Capital,
Capital Humano, Cultura Empreendedora e Inputs (7)
|
06
|
Campinas
|
7,79
|
Infraestrutura, Acesso a Capital, Capital Humano e Inputs (4)
|
07
|
Limeira
|
7,66
|
Infraestrutura, Mercado e Capital
Humano (3)
|
08
|
Porto
Alegre
|
7,56
|
Infraestrutura, Mercado, Acesso a Capital, Capital Humano e
Inputs (5)
|
09
|
Blumenau
|
7,55
|
Ambiente Regulatório, Mercado e Acesso a Capital (3)
|
10
|
Joinville
|
7,52
|
Ambiente Regulatório, Mercado, Capital Humano e Inputs (4)
|
11
|
São José
dos Campos
|
7,52
|
Infraestrutura, Mercado, Capital Humano e Inputs (4)
|
12
|
Rio de
Janeiro
|
7,36
|
Ambiente Regulatório, Mercado, Acesso a Capital e Inputs (4)
|
13
|
São
Bernardo do Campo
|
7,36
|
Infraestrutura, Mercado, Acesso a Capital, e Capital Humano (4)
|
14
|
Diadema
|
7,31
|
Mercado e Inputs (2)
|
15
|
Santo
André
|
7,14
|
Infraestrutura, Mercado e Capital humano (3)
|
Elaborado
pelo autor
|
Utilizo o
quadro 2 apenas para exemplificar como a abordagem das configurações pode
ajudar a entender um pouco mais como diferentes ecossistemas empreendedores,
com presença mais acentuada de um ou mais determinantes podem atingir desempenhos
superiores. Ou seja, consistente com a abordagem das configurações não existe
apenas um único caminho para obter bons resultados de ecossistemas
empreendedores.
Por
exemplo, ao se comparar São Paulo e Caxias do Sul, as duas cidades de melhor
desempenho, se percebe que o conjunto das forças dos dois ecossistemas
empreendedores são bem distintos. São Paulo se mostrou bem-posicionada em cinco
determinantes (Ambiente Regulatório, Infraestrutura, Mercado, Acesso a Capital
e Inputs), ao passo que Caxias do Sul em apenas dois (Mercado e Inputs). Apesar
dessa diferença, o resultado de Caxias do Sul em Output foi apenas 0,5 ponto
abaixo do de São Paulo.
Campina
Grande, por outro lado, teve o terceiro melhor desempenho e teve como destaque
apenas a dimensão Inputs. As três cidades têm em comum o bom posicionamento em
Inputs, o que pode sugerir que esta dimensão seja muito relevante para
ecossistemas empreendedores. De fato, esta dimensão esteve presente como destaque
também em mais oito cidades do quadro 2.
O caso de
Campina Grande pode ser comparado, também, a Curitiba e Florianópolis. Estas
duas capitais apresentaram o maior número de determinantes com destaque em seus
resultados, 6 e 7, respectivamente. E, curiosamente, tiveram um desempenho
muito semelhante ao de Campina Grande no que diz respeito à dimensão de
Outputs.
Uma
última comparação demonstra, mais uma vez, que configurações semelhantes podem
levar a desempenhos próximos. Limeira e Santo André, cujos resultados em output
foram, respectivamente, 7,66 e 7,14, tiveram suas maiores forças relacionadas a
Infraestrutura, Mercado e Capital Humano.
É claro
que a análise que aqui apresento é muito limitada por se concentrar em um
conjunto reduzido de 15 cidades, bem como considerando apenas os determinantes
e dimensões em que estiveram no terço superior da amostra. Uma análise dos 101
municípios, com base, por exemplo em análise de clusters e análise multivariada
das variáveis de posicionamento e desempenho, pode produzir um resultado que
consiga identificar diferentes configurações de ecossistemas empreendedores locais
no Brasil, com base em determinantes e dimensões com variados níveis de intensidade.
Este é o tipo de análise que tenho realizado com um grupo de pesquisadores/amigos (Rafael Stefenon, Edmundo Inácio Júnior e Eduardo Avancci Dionísio). Outra possibilidade é utilizar as ferramentas de análise qualitativa
comparativa (QCA ou fsQCA) que já foi testada em investigações de outros
pesquisadores. E que planejamos experimentar nos estudos que estamos
conduzindo.
Nesse
momento, talvez, surja uma pergunta: esse esforço de análise vale a pena? Minha
opinião é que os resultados de análises de configurações em ecossistemas empreendedores
têm grande valia para formuladores de políticas públicas em empreendedorismo.
Recentemente, Rafael Stefenon e eu publicamos um ensaio onde tentamos evidenciar
os possíveis ganhos dessa abordagem (STEFENON; GIMENEZ, 2023).
Ainda
nesse sentido de apoio à decisão de políticas de empreendedorismo, pode ser
apontado um aspecto interessante. Para as 15 cidades apresentadas no quadro 2,
é possível perceber que há alguns determinantes/dimensões mais frequentes. Mercado
foi relevante para 13 cidades, Inputs esteve presente em 11, e Infraestrutura e
Capital Humano em 9 cidades. Esta é a combinação de forças que posicionaram São
José dos Campos em 11º. lugar nesta análise. Como usar esta informação do ponto de vista de política pública? Talvez, uma resposta possível seja na direção de
que, em condições de escassez de recursos, dirigentes municipais podem
enfatizar investimentos e apoio na consolidação de mercados, na diversidade de
inputs de inovação, na melhoria de infraestrutura e no desenvolvimento de
capital humano. Não é simples, nem exato, mas é uma direção a ser tentada.
Referências
Índice de
cidades empreendedoras: Brasil 2023 / Escola Nacional de Administração Pública;
apoio de Endeavor. -- Brasília: Enap, 2023. 152
p.
Isenberg, D. J. How to start an entrepreneurial
Revolution. Harvard Business Review, 88, p. 41-49, 2010.
Stam, E. Entrepreneurial ecosystems and regional
policy: a sympathetic critique. European Planning Studies, v. 23, n. 9, p. 1759-1769,
2015.
Stam, E.; Van de Ven, A. Entrepreneurial ecosystem
elements. Small Business Economics, v. 56, n. 2, p. 809-832, 2021.
Stefenon, R.; Gimenez, F. A. P. Entrepreneurial
ecosystems: a configurational research approach. Revista Gestão em Análise, v.
12, n. 1, p. 7-22, 2023.
Wurth, B.; Stam, E.; Spigel, B. Toward an Entrepreneurial Ecosystem Research Program.
Entrepreneurship Theory and Practice, v. 46, n. 3, 729-778, 2022.