domingo, 28 de junho de 2020

Entre viajantes e fregueses, o assobio de seu Gimenez

Na última história, me inspirei com a presença da vida em suas múltiplas facetas no cotidiano de uma pequena empresa. Ao narrar sobre dois momentos de compra e venda, na interação de meu pai com os viajantes, disse mais sobre o humano do que sobre o negócio. Me fez bem aquela escrita.
Fico aqui matutando em busca do que me levou a me tornar um contador de memórias. Não sei se tenho a resposta. Nem sei se há uma resposta. Talvez, haja muitas. Talvez, nenhuma. Mas, o que importa isso?
Se fosse pressionado a responder, diria que não há como negar que minhas histórias surgem de algo que sempre gostei de fazer: observar a vida. Quieto em meu canto. Quase não percebido. Meio escondido. Assim, a vida, talvez envergonhada, sem graça, ou ainda por pura exibição, para chamar minha atenção, não ficasse sem se mostrar para mim.
Pode ser que, observar a vida, às vezes não notado, pode ter ajudado a me tornar esse escrevinhador depois dos cinqüenta. Mas, não explica o porquê da escrita. Deixa isso pra lá. Há essa premência de fazê-lo. Recriar na mente, momentos lembrados. Me deu vontade de contar mais uma. A razão não importa! Quem sabe um dia, eu a descubra. Vamos a ela?
Então, enquanto narrava os dois momentos de compra e venda, na história anterior, tentei me lembrar dos nomes de alguns dos viajantes. Naquela hora lembrei-me apenas de seu Bino Fuganti. E de seu filho Carlos. Forcei a memória para lembrar outro nome. Mas, ele não veio. Embora sua imagem estivesse fresca na memória. Um homem de óculos. Assim, como seu Bino, muito próximo de meu pai. Pai de uma amiga de Kilda, também professora de inglês. De longa convivência. Décadas. Não me lembrei do nome. Hoje me veio o nome à lembrança: seu Tedeschi. Ah, a memória! Tem vontade própria.
Ele e seu Bino eram sempre bem humorados. A negociação entre eles e meu pai, sempre envolvia uma espécie de primeiro ato, com muitas piadas, trocadilhos, gozações e provocações mútuas. Ao final, quase sempre, algum pedido era tirado. Eu me divertia vendo aquele teatro. E aprendia com as conversas de homens mais experientes. Mesmo quando meu pai dizia não querer, em especial seu Bino, falava:
_ Christovam, vou mandar um pouco de mercadoria. Pra não faltar. Duplicata em carteira. Depois você dá um cheque pré-datado.
Meu pai preferia comprar assim. As duplicatas em banco eram mais difíceis de negociar um prazo adicional para pagamento.
Outra coisa que me lembro: havia uma divisão de trabalho entre meus pais. Alguns viajantes eram atendidos por ele. Outros por minha mãe. O trato com minha mãe era sempre mais racional. Envolvia um levantamento do estoque. Mesmo que no momento de atendimento do viajante. Uma estimativa de venda para o período de compra. Em geral mensal. Já com meu pai, era mais emocional. Se estava bem humorado, era fácil. Pedia para o viajante repetir o último pedido. Em caso de mal humor, a situação complicava. Negociação difícil. Às vezes, encasquetava. Não comprava.
Meu pai, quando estava nervoso, assobiava. Era um assobio nada melodioso. Sem ritmo. Na verdade, muito chato. Passava o dia emitindo aquele som irritante. No atendimento dos viajantes, embora houvesse uma divisão entre os dois, às vezes, quando um não estava, o outro atendia. Muitas vezes, os viajantes que minha mãe recebia, quando ela não estava, me perguntavam sobre o humor de meu pai. Se a resposta fosse:
_ Está assobiando muito hoje.
Eles, em geral, diziam:
_ Volto outra hora. Outro dia.
_ Acho melhor. Eu concordava.
Os fregueses mais assíduos também sabiam do humor de meu pai pelo assobio. Dona Letícia, mãe do Zezinho, era uma. Zezinho foi o personagem que me fez escrever a primeira história do Gimenez aqui nesse blog (Zezinho.... vai lá no Gimenez), quando ele me encontrou e a minha mãe, em outro supermercado, muitos anos depois que já venderamos o Gimenez,. Então, dona Letícia era uma que sempre percebia o assobio. E comentava:
_ O Gimenez, tá nervoso hoje, né?
Depois que alguma das moças que trabalhavam nos caixas confirmava, ela dizia:
_ Deixa quieto. Deve tá apertado.
Era verdade. Em geral, meu pai ficava nervoso quando o caixa ficava negativo. Muitos compromissos a pagar e pouco dinheiro no banco.
Em um desses dias, teve um incidente. Um pouco constrangedor. Mais um envolvendo um cachorro. Dessa vez, o cachorro de um freguês. Me lembro o nome dele, mas não vou revelar, por causa de um detalhe. Você logo vai entender. Era um homem muito baixo. Vinha ao mercado muitas vezes por semana. Morava perto. Sempre acompanhado de um pastor alemão imenso. Certa vez, o cachorro fez um monte de cocô bem em frente a uma das portas do mercado. Muita merda mesmo!
Por azar, nesse dia, meu pai já acordara assobiando. E, ele estava ali e viu o monte que o cachorro fez. Não deu outra. Falou para o freguês:
_ Fulano, você vai limpar essa sujeira.
E pediu para alguém:
_ Vai lá dentro e traz uma vassoura e uma pá.
O freguês, meio a contragosto, não teve escolha. Fez a limpeza. Tempos depois, a vida seguiu seu rumo. Uns dias com assobio, outros sem. Certo dia, uma descoberta desconfortável. O dono do pastor alemão estava fazendo pequenos furtos no mercado. Uma das funcionárias percebeu. Passou a observar. Ele escondia um ou outro produto nas roupas. O que fazer?
A filha dele, assim como o pai, também era freguesa do mercado. Casada, ela e o marido costumavam fazer compras conosco. Pra encurtar a história, conto logo a solução. Para evitar mais um constrangimento para o dono do pastor alemão, sempre que ele ia fazer compras, alguém o observava discretamente. Se algum produto era surrupiado, a gente anotava e depois a filha pagava.
Coisas da vida vivida em uma pequena empresa!

terça-feira, 23 de junho de 2020

Seu Gimenez, o senhor enxerga bem com estes óculos?

Durante parte do dia, eu costumava trabalhar no escritório do supermercado. Em geral fazia alguns registros de preços de custo de mercadorias. O fazia em uma escrivaninha de madeira que ficava em um canto, ao lado de um cofre de aço, verde, em que guardávamos documentos.
Era onde, também, eu separava e somava as notas de fiado dos fregueses que compravam por mês e as guardava em uma das gavetas, até o dia da cobrança.
Minnha mãe, que era contadora, havia criado um sistema de fichas para anotações de quantidades e preços de custo das mercadorias que eram comercializadas. Um controle de estoque muito rudimentar, que eu passei a alimentar. Permitia que resgatássemos o preço de alguma mercadoria que eventualmente se perdesse. Nas fichas registrávamos, também, dados sobre os fornecedores. Eram informações que tinham alguma utilidade eventualmente.
Era um espaço pequeno o do escritório. Ficava em uma espécie de pequena sobreloja, a que se chegava por uma escada de cimento um pouco ingreme. Devia ter, no máximo nove metros quadrados. A escrivaninha que eu usava ficava ao fundo desse espaço, em frente de quem saía da escada. Sentado, eu ficava de costas para quem subia.
Bem ao lado da escada, ficava a outra escrivaninha, de aço, usada por meu pai e minha mãe. Na escrivaninha de aço, havia um cofre em que se guardava o faturamento diário.
Na verdade, o escritório era como se fosse uma caixa, sem vidros ou janelas, com paredes baixas, um metro e meio talvez, suportada por quatro pilares. Dava, a quem o ocupava, uma visão aérea de todo o salão em L do supermercado. Só não se conseguia ver, o que estava abaixo do escritório.
Meus pais, neste pequeno escritório, atendiam os viajantes. Os muitos representantes comerciais que, às vezes mensalmente, às vezes quinzenalmente, nos visitavam para "tirar" pedidos. Os viajantes sentavam em uma cadeira ao lado da escrivaninha de aço, em frente ao cofre verde. Era um leiaute apertado. A posição de meu pai ou minha mãe era de frente para o espaço maior do mercado, em direção às portas de entrada e checkouts. A cadeira dos viajantes fazia com que eles ficassem de costas para o salão, de frente para minha cadeira, e em diagonal com a posição de meu pai.
Era neste espaço pequeno, que a maioria dos pedidos eram feitos. E meu pai, uma vez me surpreendeu.
Estava eu lá no escritório e chegou um antigo viajante com o novo supervisor de vendas da empresa fornecedora que ele representava. Depois das apresentações, de um pouco de conversa jogada fora, meu pai disse que não faria nenhum pedido naquele dia. O supervisor insistiu, mas meu pai não cedeu.
Depois que eles foram embora, comentei com meu pai que estávamos com pouco estoque de alguns produtos daquela empresa. E perguntei por que ele não quis comprar.
_ Não gosto de comprar quando vem o supervisor junto. Foi a resposta de meu pai.
Eu perguntei por que? E ele me ensinou:
_ Às vezes, há supervisores arrogantes que acham que a venda acontece por causa deles. Mas quem sofre comigo sempre é o viajante. Não vou dar essa moleza pra supervisor nenhum. Eu compro é do viajante!
E ainda completou:
_ Se precisarmos, a gente faz uma compra de emergência em algum atacadista da cidade. E na próxima visita, faço um pedido melhor com o viajante.
Assim era Seu Gimenez!
Mas eu comecei este texto porque queria contar outra história. Um dia eu estava trabalhando no escritório e meu pai estava fazendo algo na sua escrivaninha. Chegou um viajante. Subiu a escada. Nos cumprimentou e se sentou.
Depois do bate-papo usual, tirado o pedido, o viajante que era conhecido de muito tempo de meus pais, perguntou:
_ Seu Gimenez, o senhor enxerga bem com estes óculos?
Meu pai respondeu:
_ Rapaz, engraçado você perguntar. Acho que preciso trocar. Às vezes, tenho dificuldades para ler com eles.
Nisso, o viajante pegou os óculos de meu pai, os embaçou com o próprio hálito e limpou com seu lenço. Rindo muito, devolveu os óculos a meu pai e disse:
_ Se o senhor os limpasse de vez em quando, poderia ler melhor.
Nós três caímos na gargalhada. Essa história engraçada e verdadeira, não pense que inventei, me trouxe à memória alguns desses homens que negociaram com meu pai ou minha mãe, às vezes por décadas. Alguns tornaram-se fregueses do Supermercado Gimenez também. Em alguns momentos, pude atendê-los quando nem minha mãe nem meu pai estavam presentes.
Gosto dessa memória, pois me revela como naquela pequena empresa, pela qual passou tanta gente, a vida se fazia presente em diversas formas. Não eram só momentos de trocas econômicas entre compradores e vendedores. Eram também momentos de amizade, camaradagem e de convivio humano. Tão ou mais importantes que comprar e vender.

sábado, 6 de junho de 2020

Mais sobre amizade e freguesia nos tempos do Gimenez


Em outro texto, comentei sobre a relação de amizade de fregueses com meu pai. Hoje, continuo nesta meada. Não que sempre tenha havido o surgimento de uma amizade, mas, ao menos o convívio, às vezes diário, às vezes, semanal, acabava levando a um relação respeitosa de conhecimento mútuo. Era uma relação que certamente ia além de uma eventual troca monetária entre clientes e comerciantes. Uma relação de confiança mútua. Em especial, uma relação que redundava, por exemplo, na troca de um cheque quando alguém precisava e não tinha tempo ou como ir aos bancos. Ou, na compra por fiado para pagar no final de semana. Ou, em um favor de algum cliente à nossa família, como, por exemplo, à época do Natal, Seu Luiz Pegoraro assar a leitoa e outras carnes, que comeríamos em família, nos fornos da padaria que a família dele possuía. Durante um certo tempo, era a padaria dos Pegoraro que fornecia os pães que vendíamos no supermercado.
Há várias famílias em que o convívio foi para além dos pais ou mães, e acabou gerando relações de amizades entre filhos e filhas. Em outros momentos, houve o desenvolvimento de uma proximidade muito grande que permitia, por exemplo, sabermos que tipo de produto não podíamos deixar de ter em estoque para atender a uma ou outra cliente. Vou escrever primeiro sobre duas dessas clientes, para depois lembrar o convívio entre filhos e filhas.
Outro dia, procurei no Google informações sobre um peixe chamado bonito. É que, naquele dia, me veio à lembrança um pedido de uma freguesa de muitos anos do Supermercado Gimenez. Como disse em outro texto, o problema ou a beleza de escrever sobre memórias é que uma puxa outra! Foi o que aconteceu.
Mas, como eu ia dizendo, a minha intenção ao fazer a busca no Google era descobrir se atum e bonito são o mesmo peixe. Naquela época, encontrar atum enlatado para colocar à venda nos supermercados não era muito fácil. O mais comum no mercado eram as sardinhas enlatadas, ainda assim, sem tanta variedade como se encontra hoje. Dona Elsa Furlanetto, cliente de muitos anos do Supermercado Gimenez, que foi dona da Cariza Tecidos, na esquina da Piauí com Belo Horizonte, era uma das que sempre comprava atum enlatado. Pelo menos uma vez por semana, Dona Elsa ia ao supermercado, ou fazia pedidos por telefone que mandávamos entregar na Cariza. Periódicamente pedia uma ou duas latas de atum. Então, certa vez, tínhamos comprado de uma das empresas atacadistas que eram nossas fornecedoras, uma caixa de bonito enlatado. Meu pai me disse que era a mesma coisa que atum. Eu acreditei. O atum estava em falta no mercado naquela semana. Dona Elsa chegou para fazer compras. Percorreu os corredores do mercado e, quando se aproximou do caixa para encerrar a compra, ela me disse:
_ Fernando, não encontrei atum. Não tem?
_ Tem sim, Dona Elsa, Vou pegar para a senhora. Foi minha resposta.
Fui até o corredor onde ficavam os enlatados e peguei uma lata do bonito que tinha chegado naquela semana. Quando cheguei com a latinha de bonito. Dona Elsa recusou, dizendo que não era atum. Eu ainda argumentei que era a mesma coisa. Mas, não teve jeito, ela não levou! Tempos depois, com atum enlatado de volta ao mercado, em outra ocasião, ela foi entrando e eu disse:
_ Dona Elsa, hoje temos atum enlatado.
Ela perguntou:
_ É atum mesmo?
Com minha resposta afirmativa, e mostrando o produto, ela então respondeu:
_ Desse eu levo.
Pois é. Na memória me veem estes instantes do Supermercado Gimenez. Assim como Dona Elsa, havia outras freguesas que tinham necessidades ou desejos bem específicos e pouco comuns. Sempre que possível, fazíamos o possível para atender. Fazia parte do jeito de comerciar do Supermercado Gimenez. Lembro-me que muitas vezes, quando adolescente, acompanhei minha mãe em viagens a São Paulo para fazer compras na Rua 25 de Março. Eram compras de produtos de bazar e outras miudezas que trazíamos de volta nos ônibus da Garcia. Algumas vezes, se a compra era mais volumosa era despachada e entregue em Londrina. Lembro-me de minha mãe comentando, na compra de alguns produtos, sobre a preferência de fulana, beltrana ou sicrana e que como elas ficariam contentes em encontrar aqueles produtos em nosso supermercado.
Outra freguesa que tinha uma preferência por um produto que também não era muito comum era Dona Rina. Ela era esposa do doutor José Lorenzo Izquierdo, médico ortopedista de Londrina e um cineasta amador da época do Super 8. O casal tinham quatro filhos, três meninos e uma menina: Josski, Irma, Peter e outro irmão mais novo cujo nome me fugiu da memória. Esse é o caso de uma família cujos filhos tornaram-se amigos dos filhos da Dona Kilda e Seu Gimenez. Irma estudou com Kilda minha irmã, e se tornaram grandes amigas. O mesmo aconteceu com Peter e Arlindo, meu irmão caçula. Então, voltando ao produto que Dona Rina sempre procurava, mas raramente encontrava: couves- de-bruxelas. Não era muito comum na Londrina daquela época. E Dona Rina, assim como Dr. Lorenzo, imigrantes europeus,  tinha trazido alguns costumes de seu país de origem. Quando meu pai ou, depois de algum tempo, minha tia Amélia que trabalho conosco, ia ao Ceasa fazer a compra de hortifrutigranjeiros semanalmente, às vezes encontravam couve-de-bruxelas. Nesses dias, já telefonávamos para Dona Rina avisando, ou se ela viesse fazer compras neste dia, já era avisada logo na porta do mercado.
Irma, Peter, seus irmãos e pais moravam na Belo Horizonte, também, quase na esquina com a Alagoas. Assim como Irma e Peter, que fizeram amizade com Kilda e Arlindo, alguns outros filhos de freguesas ou fregueses se tornaram meus amigos. Isto aconteceu, principalmente, porque muitos de nós fomos estudantes no Colégio Londrinense na infância e adolescência e, também, porque morávamos todos em um quadrilátero formado pelas ruas Belo Horizonte, Antonina (JK), Alagoas e Pio XII. Havia, ainda, alguns mais distantes, nas proximidades do Colégio Canadá, e até mesmo na Avenida Higienópolis.
Assim para fechar este texto, lembro aqui de alguns amigos. Primeiro, Erich e Klaus, filhos de Dona Mausi, que tinha uma butique na Rua Antonina (JK), e que foram meus colegas de classe durante muitos anos no Londrinense. Eles moravam no mesmo endereço da butique, que ficava aos fundos do terreno onde tinha a casa deles, quase na esquina da Alagoas. Foi na casa deles que pude experimentar, pela primeira vez, salada de alface temperada com açúcar e outras comidas de origem alemã.
Outros amigos foram Daniel e Mário Tsujigushi, cujo nome da mãe não me recordo, mas que constantemente estava fazendo compras no Supermercado Gimenez. Os dois também estudaram no Londrinense e moravam na Goiás, logo depois da Santos, ao lado esquerdo de quem subia pela Goiás. Noemi, irmã deles, foi amiga de Kilda. Mário, Daniel, Erich, Klaus e eu costumávamos voltar do Colégio Londrinense descendo pela Rua Santos até chegar na Goiás. Ali nos despedíamos, e descíamos a Goiás. Eu ficava em casa na Rua Paranaguá e Klaus e Erich iam para a casa deles na Antonina (JK).
Voltando para a Antonina (JK), lembrei-me da família de Aldo e Zélia Ferrari, com os filhos. Eram dois irmãos e uma irmã: Rossana, Paulo e Beto. Alguns anos atrás, quando minha mãe ainda vivia, eu encontrei Dona Zélia e Rossana na feira de domingo na Rua São Paulo. Foi muito bom poder lembrar dos tempos do mercado e trocar notícias sobre os amigos. A lembrança que guardo de Dona Zélia é a de uma mulher muito bem humorada. Eu e meus irmãos frequentávamos muito a casa deles.
Descendo a Goiás, tinha família da Jane, Magali, Divina, e as outras duas irmãs. A mãe e pai delas também estavam sempre pelo mercado. Em outros textos lembrei das filhas e filhos de Dona Catarina – Marcelo, Tiemi e irmã mais velha cujo nome também me fugiu. Eita memória fugidia!
Mas, guardei para o final desse texto, a lembrança de dona Nádia e seu filho Ricardo Sahão. Ricardo tem duas irmã e e um irmão. Vitória, a irmã mais velha, reencoetrei em Curitiba, no tempo em que ela trabalhou com Nitis Jacon no Teatro Guaíra. O outro irmão e irmã tive menos contato. Dona Nádia, também, era freguesa constante de nosso supermercado. A lembrança que guardo dela é de uma mulher sempre muito discreta, extremamente educada e atenciosa, fosse conosco ou com os empregados e empregadas do supermercado. Com Ricardo desenvolvi uma amizade mais duradoura. Houve um tempo em que Ricardo ia praticamente todo o dia ao mercado e ficávamos um bom tempo conversando. Éramos dois sonhadores falando de tudo da vida, mas especialmente dos planos de escrevermos uma peça de teatro juntos. Era uma ideia constante em nossas conversas. O plano nunca foi realizado¸ mas, algum tempo atrás, no ano passado, encontrei Ricardo em um evento que ele organizou na Ciranda, loja de Denise Gentil. Era uma apresentação de viola caipira. Edra me convidou para ir, pois ela queria rever a amiga que não encontrava há tempos. Lá chegando, para minha surpresa, vi o Ricardo conduzindo a apresentação do violeiro. Não escrevemos a peça de teatro juntos, mas cada um manteve seu contato com o mundo da cultura. Ele através da música. Eu por meio desses textos que vou rabiscando e postando em meus blogs

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Amizade e freguesia nos tempos do Gimenez

Começo esta memória lembrando de Dona Alzira. Ela e o marido, Antônio Fernades, eram meus padrinhos. Moravam na Rua Goiás. Uma casa para cima da esquina com a Paranaguá. À esquerda de quem subia em direção à Santos, Belo Horizonte, Higienópolis. Depois era em direção ao centro. Caminho que devo ter feito infinitas vezes. Para resolver questões do Supermercado. Para ir ao cinema. Para ir ao correio. Mas, estes caminhos são de outras histórias. Aqui é a hora de lembrar freguesas e fregueses assíduos. De quase todo dia.
A primeira que me veio à mente foi minha madrinha. Meu pai e ela conversavam em espanhol. Dos filhos do velho Antonio Gimenez, imigrante da Espanha, meu pai era o único que falava a língua do pai. Nenhum dos outros tios e tias o fazia. Meu pai aprendera com seu padrinho. Bernardo Amor. Que nome! Bernardo Amor foi meu padrinho também. Alzira e Antônio de batismo. Bernardo, de crisma. Mas, esta é outra história também.
Hoje estou um pouco disperso. Mas, com memórias é assim. Nem sempre é o que você quer lembrar. Às vezes, é o que escorrega da alma para as pontas dos dedos. Ponta do lápis ou caneta, antigamente. A escrita no celular faço com a ponta do polegar. Digital!
Volto à minha madrinha, então. Dona Alzira. Lembro-me dela descendo os quinze a vinte metros que separavam sua casa do mercado. Chegando perto e cumprimentando o Christovam. Para ela, não era seu Gimenez. Sempre com alguma piada trocada entre os dois. Amizade antiga. Guardei na memória, uma pergunta repetida inúmeras vezes:
_ Christovam, tem cará e ajo?
Na rapidez da pergunta, em português com espanhol, cará e ajo misturados se transformando em carajo (caralho). Muitas risadas antes de Dona Alzira entrar porta adentro.
Da Goias para a Paranaguá. Em direção à Pará. Depois Piauí, seguida por Pio XII e Tupi. Caminho do Colégio Londrinense. Também percorrido infinitas vezes. Na maioria destas, à pé. Indo e voltando para o Londrinense. Com irmãos, com irmã, com amigos. Tempos de primário e ginásio.
Certa vez, ainda no primário, na saída da escola, um dos entregadores de bicicleta bem em frente ao Londrinense. Aquelas bicicletas grandes com uma estrutura à frente onde era amarrada a caixa com as mercadorias. Tempo ainda da Casa Gimenez. Entrega feita, meus irmãos e eu pegamos carona. Três ou quatro crianças montadas na bicicleta. Não lembro bem. Descendo pela Santos e depois Paranaguá. Pouco mais de um quilômetro. Inesquecível!
Mas, esta memória também é de outra história. A intenção era falar do seu Luís Morselli. Morava no meio da Paranaguá, à direita se afastando do mercado. Perto de vinte metros também. No máximo, trinta. Ao final da tarde, sempre dava as caras no mercado. Bater papo com Christovam. Mais um que não falava Seu Gimenez. Amigo para muitas parcerias. Socorria o Christovam com empréstimos de amigo, quando o fluxo de caixa entrava no vermelho. Marceneiro, foi seu Luís que fez as gôndolas e checkouts quando a Casa virou Supermercado Gimenez. Amizade duradoura.
Mais um dos que chamavam meu pai pelo nome foi seu Washington. Marido de dona Nancy. Professora de piano. Kilda, minha irmã, aprendeu com ela. Com as filhas, Thelma, Thaís e Thalita (já não lembro se tinham mesmo "h" nos nomes!), moravam na Goiás, três casas abaixo do Supermercado. Ao lado esquerdo de quem descia para a Antonina, depois JK ( de Juscelino Kubitschek). Mas, a mudança do nome de rua já contei em outra memória. Mesmo lado do mercado. Pra baixo da Antonina, o vale e a subida em direção à Maringá. Viraria caminho da UEL, depois da rotatória com o monumento ao Batata (busto do Castelo Branco). Mais um caminho percorrido inúmeras vezes. Mais vezes, depois que me tornei professor. Mas, esta é outra memória. Eita! Hoje, as memórias parecem querer surgir a qualquer custo!
Eu contava do seu Washington. Freguês diário também. Voltava do trabalho ao final da tarde. Descia a Goiás. Entrava para as compras diárias. Certa vez, quando criamos uma promoção regular no supermercado - quarta-feira da dona de casa - seu Washington reclamou. De brincadeira. Uma questão de gênero muito peculiar. Nessas quartas colocávamos muitos produtos em oferta. A preços bem menores que a concorrência. Seu Washington chegou para mim e minha mãe e disse:
_ Devia ser quarta-feira da dona de casa e do dono de casa. Eu estou sempre aqui.
Nós e eles rimos. De forma discreta. Seu Washington era um homem mais circunspecto. Mas era um freguês leal.
Em outro momento, já falei da proximidade entre empreendedores e clientes/amigos como algo típico da pequena empresa. Fator que ajuda a entender a longevidade de alguns desses negócios de menor porte. Com dona Alzira, seu Luís e seu Washington resgato algumas dessas figuras. Apenas três, entre inúmeros. Alguns foram lembrados quando escrevi "_ Zézinho, vai lá no Gimenez...". Outros poderão surgir em outras memórias. Como você viu, às vezes, no meio de uma história, outras teimam em aparecer. Nem sempre é o escritor que dita a escrita.