quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A jovem Tina e o teto de vidro na pequena empresa

Na semana passada, tive a oportunidade de participar por dois dias do IV Colóquio Internacional de Cinema e História na UFPR. Obviamente, não esperava encontrar nada que fosse relacionado ao empreendedorismo ou a pequenas empresas no evento. Meu interesse era acompanhar o evento, apenas como ouvinte, na esperança de aprender um pouco mais sobre o campo dos estudos em cinema que também me interessam muito. O natural era que, talvez, eu estivesse escrevendo um post em meu blog Leitura em Cinema (https://leiturasemcinema.blogspot.com/), após uma noite e um dia imerso em apresentações, palestras e conferências sobre cinema. Mas, não. Aqui estou eu escrevendo no blog de Empreendedorismo e Estratégia em Pequenas Empresas!
Pois é! Quem poderia imaginar que um trabalho sobre mulheres, personagens e gênero no cinema poderia me inspirar um post sobre pequena empresa. Às vezes, me impressiono com as conexões que nossa mente faz, nos trazendo à lembrança memórias de décadas atrás.
Um dos trabalhos que assisti no dia 4 pela manhã foi o "Modos de subjetivação de mulheres negras em adaptações cinematográficas da literatura de Jorge Amado nos 1970 e 1980". De autoria de Renata Melo Barbosa do Nascimento, da UNB. O trabalho me trouxe à memória lembranças muito vívidas de alguns dos filmes que Renata usou para fazer sua análise. No entanto, mais que isso, foi no discurso de Reanta que surgiu algo que me fez lembrar de um episódio que envolveu uma das trabalhadoras do Supermercado Gimenez - a Tina - e eu, um dos filhos dos donos daquela pequena empresa. Tina não é o verdadeiro nome dela, mas no título desse post faço uma brincadeira com o nome de Tina e, aqueles que a conheceram, vão imediatamente lembrar do nome correto.
Na introdução de sua fala na sessão 3 do colóquio, Renata abordou a questão dos vários feminismos. Isso mesmo, no plural. E, em especial, fez uma distinção entre o feminismo geral e o feminismo negro. Não pretendo aqui sintetizar a fala dela, mas o que foi marcante para mim, foi a ideia de que as mulheres negras, além de terem que lidar com a discriminação de gênero, lidam ainda com a discriminação de raça. Foi nesse momento da fala de Renata que me veio à lembrança o episódio com Tina. Vamos a ele, então.
Isto deve ter ocorrido entre o final dos anos 70 ou começo dos anos 80 do século passado. Ou seja, lá já se vão perto de quatro décadas de história. Naquela época, eu ainda era estudante de administração, que havia decidido cursar porque tinha planos de ficar trabalhando com meus pais e irmãos no Supermercado Gimenez. Tina estava trabalhando conosco e, assim como eu, também era estudante de administração na UEL. Até onde eu me lembro, Tina foi uma das poucas trabalhadoras do Supermercado Gimenez que fez um curso universitário. Tina era um pouco mais jovem que eu e negra. Na época eu estava entre 23 e 24 anos. Pode ser que esta história tenha ocorrido no segundo semestre de 1981. Mas, não tenho certeza. Nesse momento, recém graduado, eu já estava atuando como professor. De qualquer forma, o ano preciso não afeta muito o singificado da história. Embora Tina não tivesse nenhum cargo formal de comando naquela pequena empresa, devido à sua formação em andamento, ela já nos ajudava na coordenação de algumas tarefas.
Pois então, certo dia, Tina e eu estávamos conversando e ela me informou que estava planejando pedir demissão da empresa. Eu fiquei surpreso com a notícia e tentei dissuadí-la. Falei dos planos que tinhamos e da ideia de uma possível filial para o supermercado em outro bairro da cidade. Na época, meus pais tinham adquirido alguns terrenos com o propósito de construir um prédio para a primeira filial do Supermercado Gimenez. Tinham até feito um esboço de planta. Mas, a ideia acabou não acontecendo. No entanto, naquele momento da conversa entre nós, ainda era uma possibilidade. Falei para Tina que, quando ela concluísse seu curso, talve pudesse vir a ocupar algum cargo de chefia na empresa. A resposta dela foi contundente. Tanto é que, quase 40 anos depois, ainda não esqueci. Não foram exatamente essas palavras, mas ela disse algo assim:
_Fernando, aqui eu nunca vou ter uma chance. Tem seus pais, tem você, tem seus irmãos! Nunca vou conseguir ser chefe aqui!
De fato, depois de algum tempo, ela pediu demissão. Mutos anos atrás, ouvi dizer que ela tinha falecido. Mas, para ser honesto com você, não tenho certeza. A memória da gente, às vezes, nos engana!
Mas, a essa altura, você deve estar se perguntando: 
_ E daí? O que é esse teto de vidro? O que isso tem a ver com feminismo? E com a Tina?
Então, vamos por partes:
Teto de vidro é uma expressão usada nos estudos de gênero no campo das organizações que, de forma resumida, significa que há uma barreira transparente (teto de vidro) que impede que as mulheres subam além de determinado nível hierárquico nas grandes organizacões. Elas são até capazes de "ver" os níveis superiores, já que o teto de vidro é transparente, mas não são promovidas para ocupar cargos nesses níveis. 
Em geral, este fenômeno é tratado em estudos sobre grandes empresas. Não me lembro de ter visto alguém discutindo essa ideia no âmbito de pequenas empresas.
O caso de Tina veio à minha memória quando ouvi a idéia dos feminismos múltiplos, em especial o feminismo negro. Tina era uma jovem mulher negra trabalhando em uma pequena empresa. No seu discurso, na época, só ouvi o lamento de alguém que não pertencia à família proprietária daquela pequena empresa. Mas, certamente, hoje, tenho certeza que o teto de vidro que Tina enxergava era tríplice: não ser da família, ser mulher e ser negra! Ou seja, apesar de transparente, muito mais difícil de romper!
A essa altura da minha vida, fica esse resgate de mais um episódio na história do Supermercado Gimenez, personagem frequente desse meu blog. Em especial, neste post que muito me emocionou: https://3es2ps.blogspot.com/2012/03/zezinhoooo-vai-la-no-gimenez.html.
E como sempre ocorre, a história acabou sendo muito diversa dos planos. Eu deixei de trabalhar com meus pais e me tornei professor. Tina, provavelmente, já morreu, mas trabalhou durante alguns anos em outras organizações de Londrina. Algumas poucas vezes, nos encontramos pelos caminhos da pequena Londrina dos anos 80. E o Supermercado Gimenez foi vendido há muitos anos também.
 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Empreendedores de si?


Sinal fechado. Uma esquina curitibana. Rapaz pendura seu produto no retrovisor dos carros que param. Por razão que desconheço, não usa o termo empreendedor. Escapa do modismo? Poderia ser um sinal de esperança! Mas, não é! Sintoma de uma sociedade cada vez mais excludente. Isso que é! Cada vez mais numerosos. Jovens sem chance! Alguém os convenceu das possibilidades da meritocracia. Esqueceram de avisá-los das impossibilidades da vida! Como competir com aqueles incluídos no sistema educacional? E seguimos celebrando as estatísticas nacionais sobre o empreendedorismo. Com poucos empreendedores! E um número cada vez maior de "se viradores"! Erroneamente chamados de "empreendedores de si".

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Lava Jato, empreendedorismo e a mulher de César

Empreendedorismo é uma das palavras mais usadas contemporaneamente. Vezenquando, gosto de alertar aqueles e aquelas que estudam o tema comigo sobre os limites que devem existir para uma ação empreendedora, bem como sobre as limitações desse fenômeno para a solução das desigualdades socioeconômicas de nossa sociedade.
Sobre os primeiros, o ato de empreender tem que ser realizado sob uma consciência ética. Não se pode empreender sem levar em consideração possíveis efeitos danosos que possam surgir quando qualquer empreendimento é criado. Previsíveis ou imprevisíveis, é obrigação da empreendedora ou empreendedor agir de forma a evitar danos previsíveis ou para compensar os efeitos dos imprevisíveis sobre pessoas ou comunidades.
No que diz respeito às limitações do empreendedorismo, não se pode ter uma fé cega sobre as receitas que sugerem que o empreendedorismo é o caminho para todos. E que só não são bem sucedidos aqueles e aquelas que não se empenham. Infelizmente, essa é uma visão ingênua do empreendedorismo que leva muitos a deixarem de lado a solidariedade com os que não conseguem empreender e "resolver" sua vida. Em especial, me alarma ver muitos jovens querendo empreender sem recursos e competências pata tanto. É um caminho para o desastre.
Mas, as notícias desse final de semana sobre os planos de negócios de procuradores da Lava Jato me levaram a outra reflexão. Esta notícia me fez pensar que o famoso provérbio sobre a mulher de César deveria ser um lema do empreendedorismo. Ou seja, ao empreendedor não basta ser honesto, é preciso parecer honesto.
Quero dizer com isso que aqueles que empreendem devem considerar, sempre, em primeiro lugar o bem estar coletivo e não o interesse pessoal. Difícil, mas não impossível.
Pena que parece que no caso dos procuradores, o provérbio só foi seguido na sua parte final. Isto é estavam querendo parecer honestos. Quanto à primeira parte do provérbio, me parece que foi deixada pra lá!

domingo, 5 de maio de 2019

Brasil Empreendedor?

Hoje, enquanto esperava um ônibus para ir ao aeroporto, li uma notícia sobre estudos do governo para incluir motoristas de aplicativos (uber e outros) entre as categorias de serviços  passíveis de enquadramento como Micro Empreendedor Individual (MEI).
Quem acompanha meus escritos no blog 3es2ps.blogspot.com, talvez tenha tido a oportunidade de ler um post em que critico a substituição de relações de trabalho por contratos de MEIs. Já faz alguns anos. A coisa parece piorar!
Essa decisão de incluir estes motoristas como MEIs, certamente, aumentará em alguns milhões o número de empreendedores brasileiros. Este acréscimo, fatalmente, acabará sendo comemorado em algum momento como um indicativo de um Brasil Empreendedor!
O que será, para mim, mais um falso brilhante nas estatísticas brasileiras!
Cansado de esperar o ônibus e com medo de me atrasar para o vôo, chamei um uber. Marcos chegou alguns minutos depois. Inevitavelmente, como sempre faço, pergunto há quanto tempo atua como motorista. A resposta: três meses. Segunda pergunta: como vão os negócios? Resposta: dá pra viver, mas trabalho de dez a doze horas por dia. Sem folga semanal. Não é a mesma coisa de trabalhar oito horas por dia em uma empresa, ele completa a resposta.
Comento com ele a notícia que li. Ele responde que já tinha ouvido falar. Esperançoso de que isso possa assegurar algum benefício futuro. Penso comigo: uma aposentadoria de um salário mínimo! Mas, guardo o pensamento para mim.
Alguém pode me dizer: assim como Marcos, muitas empreendedoras e muitos empreendedores têm longas jornadas diárias de trabalho.
Verdade? Pode ser. Mas, qual a diferença? Para mim, empreendedores e empreendedoras fazem suas escolhas sobre como atuar no mercado. Exercem sua autonomia criativa e empresarial. Marcos, não! Como motorista de aplicativo jamais será um empreendedor. Faz o que lhe mandam, nas condições que lhe determinam. É um empregado sem direitos trabalhistas!
Enquanto isso, seguimos celebrando o Brasil Empreendedor!
Me poupem!

domingo, 10 de março de 2019

O primeiro artigo sobre empreendedorismo publicado em um periódico brasileiro

Em dezembro de 2014, em um post neste blog, mencionei um texto do Profressor Bresser Pereira como uma das primeiras referências a falar de empreendedorismo em periódicos brasileiros (https://3es2ps.blogspot.com/2014/12/estudos-sobre-empreendedorismo-no_5.html). Naquele ano, eu estava envolvido em estudos sobre o campo de pesquisa em empreendedorismo no Brasil que continuaram nos anos seguintes.
O momento mais significativo destes estudos, ao menos para mim, ocorreu em maio de 2017, quando publiquei um ebook com os resultados: Empreendedorismo - uma bibliografia de artigos publicados em periódicos brasileiros. Na introdução do livro, comentei, mais uma vez, sobre o artigo do Professor Breser Pereira poder ser visto como fundador do campo de estudos em empreendedorismo no Brasil. O livro pode ser acessado neste link: https://www.dropbox.com/s/8bayerejmtevqpv/Empreendedorismo%20-%20uma%20bibliografia%20de%20artigos%20publicados%20em%20peri%C3%B3dicos%20brasileiros.pdf?dl=0.
Em 2019, decidi fazer uma revisão dos resultados que publiquei em 2017. Retomei as buscas nnas bases SPELL, SCIELO e Google Acadêmico usando os mesmos procedimentos adotados para a publicação do livro em 2017. Sabia que encontraria mais artigos publicados ao longos dos anos 2000, visto que muitos periódicos brasileiros estão colocando na Internet os arquivos de suas edições que, antigamente, eram apenas impressas. De fato, tendo completado a revisão dos artigos publicados até 2007, localizei mais 140 artigos que não estão listados em meu livro. Minha intenção é publicar ao final de 2019, uma edição revista e ampliada do livro com a listagem dos artigos publicados até 2018. Estou no meio do caminho dessa tarefa!
O que eu não esperava, no entanto, era encontrar qualquer artigo publicado antes dos anos 60 em periódicos braisleiros. Todavia, ao fazer uma busca ontem no Google Acadêmico, usando empreendedor como termo de busca e restringindo o período de publicação para entre 1900 e 1970, localizei um artigo de 1955 publicado na Revista Brasileira de Economia. O artigo é de autoria de Yale Brozen, que até ontem me era um ilustre desconhecido. Naturalmente, fiz uma googlada e localizei informações sobre o mesmo. Yale Brozen foi professor da Universidade de Chicago e, segundo a Foundation for Economic Education, foi um economista reconhecido como defensor do livre mercado, tendo falecido em 04/03/1998 aos 80 anos. 
Dessa forma, como acontece com frequencia em estudos históricos, a partir de ontem tive que reconhecer que o primeiro artigo sobre empreendedorismo publicado em periódico brasileiro foi intitulado Os determinantes da capacidade do empreendedor. Nele Brozen argumenta sobre o que denomino Condicionantes ambientais do empreendedorismo, um tema de pesquisa em que Bresser Pereira publicou o, até ontem, primeiro artigo em periódico brasileiro na Revista de Administração de Empresas em 1963 (O empresário industrial e a revolução brasileira). 
Assim, a partir desse registro, fica reconhecido o artigo de Brozen como o primeiro a tratar de empreendedorismo em periódico brasileiro, inaugurando um dos 36 temas de pesquisa no campo que categorizei em meu livro. Todavia, Breser Pereira se mantém como o primeiro pensador brasileiro a publicar em periódicos brasileiro artigos sobre empreendedorismo, o que ele fez em 1962, 1963 e 1964. Além disso, Bresser Pereira inaugurou dois temas de pesquisa no campo do empreendedorismo conforme mencionei em meu livro: Empreendedorismo e desenvolvimento, com o artigo Desenvolvimento econômico e o empresário de 1962; e Atributos e tipologias de empreendedores com o artigo Origens étnicas e sociais do empresário paulista de 1964.
Um aspecto interessante do artigo de Brozen é que este, ao desenvolver seu argumento sobre as condições sociais e culturais que condicionam a capacidade do empreendedor, inicia suas ideias com uma tipologia de empreendedores proposta por Clarence Danhof em texto de 1949. Esta tipologia apresenta quatro tipos de empreendedores, que derivam de sua relação com o esforço de inovação tecnológica: inovadores; imitativos; fabianos; e retrógrados. Apesar de ser um texto com 64 anos de idade, podem ser encontradas nele, ideias ainda desposadas por pesquisadores contemporãneos. Por fim, qualquer leitor atento poderá perceber que, mesmo falando em possíveis ações governmanetais entre os determinantes da capacidade do empreendedor, Brozen se mantém fiel aos princípios de um defensor do livre mercado nesse texto inaugural do campo do empreendedorismo no Brasil. Ele chega a reconhcer a possibilidade do governo empreender, mas apenas temporariamente até que surja um ou mais empreendedores que passem a atuar no setor do empreendimento governamental. O texto pode ser acessado na íntegra em http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/view/2338/2617.

sábado, 9 de março de 2019

Empreendedorismo cultural: um exemplo

Há alguns anos, enveredei por uma nova linha de pesquisa em que tento construir meu conhecimento no campo do empreendedorismo cultural. Aos poucos, com leituras e conversas, vou refletindo sobre o assunto.
Vezenquando, tenho a oportunidade de compartilhar o que me vem à cabeça. Seja em posts nesse blog, seja em formatos mais acadêmicos.
Por exemplo, em janeiro do ano passado publiquei esse post sobre Nitis Jacon, uma empreendedora cultural (https://3es2ps.blogspot.com/2018/01/nitis-jacon-uma-empreendedora-cultural.html?m=1).
No formato de ensaio, recentemente, consegui publicar um texto sobre a identidade empreendedora no campo da cultura. O texto foi publicado na Políticas Culturais em Revista e pode ser acessado aqui (https://portalseer.ufba.br/index.php/pculturais/article/view/24410).
No post de hoje, retomo o tema do empreendedorismo cultural. Dessa vez para compartilhar esse depoimento da Chris, uma das criadoras do Londrix Festival Literário de Londrina cuja história começou em 2005 (https://m.youtube.com/watch?v=Vk3B1GMYwLs&list=PLQgJvn04KXksQ3JolANkFBUNGdZzYYhJV&index=14).
Nesse ano, eu já residia em Curitiba, depois de ter passado sete anos em Maringá, entre 1998 e 2004. Apesar de minhas frequentes visitas a Londrina, só tomei conhecimento do Londrix no ano passado quanfo tive o prazer de conhecer Chris.
Ao assistir o depoimento da Chris, não pude deixar de vê-la como uma empreendedora cultural. Já tive a oportunidade de dizer que empreender é um ato criativo em que aquele que empreende expressa sua visão de mundo e como quer transformá-lo. Para isso realiza, de forma solitária, às vezes, mas principalmente em colaboração com outros ações e atividades que são guiados por sua visão.
Chris faz isso muito bem. É uma articuladora de pessoas, recursos materiais e financeiros na construção do Londrix. São muitos projetos orientados por um caráter de formação do cidadão por meio desta fantástica arte que é a literatura. Vida longa ao Londrix!

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Políticas públicas de empreendedorismo: jovens e mulheres

Recentemente, iniciei um novo foco de estudos: políticas públicas de empreendedorismo. Este movimento se relaciona à minha entrada no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Paraná, que ocorreu no ano passado.
Políticas públicas de empreendedorismo, no passado, era objeto de minha atenção de forma muito esporádica. De vez em quando, algum texto chamava a minha atenção enquanto pesquisador do campo de empreendedorismo. Como parte de minhas atividades nesse novo tema, estabeleci um programa de leituras que vão me ajudar a desenvolver uma compreensão mais aprofundada da literatura sobre fomento ao empreendedorismo. Obviamente, essas leituras me ajudarão a formular algum projeto de pesquisa em breve.
Assim, de forma disciplinada, começo meus dias de trabalho com a leitura de dois textos: um brasileiro e outro estrangeiro. Nem sempre as leituras são muito úteis, mas hoje foi um dia especialmente valioso. Tanto o texto brasileiro, quanto o estrangeiro, além de muito bem escritos, me forneceram informações sobre duas facetas das políticas públicas de empreendedorismo que têm atraído alguma atenção de estudiosos do campo: o empreendedorismo juvenil e o empreendedorismo feminino.
Aliás, Lundström e Stevenson (2005), ao apresentarem uma tipologia de políticas públicas de empreendedorismo, incluíram as políticas de estímulo a grupos específicos de empreendedores como uma das possibilidades de ações governamentais de apoio ao empreendedorismo. A tipologia desses autores inclui: 1. promoção do empreendedorismo; 2. educação para o empreendedorismo; 3. ambiente para start-ups; 4. financiamento de start-ups; 5. organizações de apoio a start-ups; e 6. estratégias de grupos específicos.
O texto brasileiro, de autoria de Yára Bulgacov, Sieglinde Cunna, Denise Camargo, Maria Lucia Meza e Sergio Bulgacov, aborda o caso do empreendedorismo jovem. Com base em uma análise crítica das possibilidades de empreender que se abrem aos jovens no Brasil, as autoras apontaram que "é necessário diferenciar as políticas para o jovem empreendedor por necessidade e por oportunidade... por um lado, é papel do Estado apoiar e criar as condições socioeconômicas para a potencialização da ação empreendedora do jovem brasileiro que empreende por oportunidade, buscando sua realização pessoal e sua inserção competitiva na economia. Para este grupo de empreendedores, a ação do Estado deve voltar-se para criar as condições para a inovação e o crescimento do empreendimento, através de cursos de gestão, assistência técnica, financiamento, apoio logístico, entre outros... por outro, deve, mediante políticas sociais de educação, treinamento e outras formas de inserção social, induzir o jovem que empreende por necessidade a buscar outras formas de inserção no mundo do trabalho, através de instrumentos que transformem seu “comportamento” empreendedor em “ação” de empreender, compreendida como parte de valorização da pessoa e enquanto possibilidade inerente à condição humana, que envolve consciência, imaginação, criatividade, exploração do desconhecido e aprendizagem. (BULGACOV, CUNHA, CAMARGO, MEZA, BULGACOV, 2011, p. 716).
Nesse texto, é muito relevante a distinção que as pesquisadoras fazem sobre comportamento empreendedor e ação empreendedora. O primeiro basicamente é um agir condicionado, sem escolha, a partir de restrições ou condições sociais Por outro lado, a segunda reflete uma capacidade de escolha dirigida por consciência, reflexão e proação.
Já, no caso do texto estrangeiro, Helene Ahl e Teresa Nelson fazem uma análise comparativa das políticas dirigidas ao empreendedorismo feminino na Suécia e Estados Unidos. Surpreendentemente, contrariando as expectativas das autoras, as diferenças estruturais dos dois países no que diz respeito à conformação de um "welfare state" não levaram a visões distintas das motivações das políticas de apoio ao empreendedorismo feminino. Vale a reprodução de suas conclusões, em minha tradução:
"Nós comparamos o discurso do governo sobre o empreendedorismo feminino na Suécia e nos Estados Unidos. Por causa do estado de bem-estar familiar generoso da Suécia, esperávamos encontrar uma diferença em como as mulheres eram posicionadas na política de empreendedorismo. Ao contrário das expectativas, descobrimos que o discurso sobre empreendedorismo feminino refletido na política dos dois países tendia a reproduzir a posição secundária das mulheres na sociedade, em vez de melhorá-la. Isto é o resultado de inúmeros pressupostos inquestionáveis: o imperativo do crescimento econômico, a norma masculina do empreendedorismo, o pressuposto da mulher como diferente, pressupostos individualistas sobre empreendedorismo e a exclusão da família, dos homens e do trabalho reprodutivo. Um sistema de estado de bem estar no qual parte do trabalho reprodutivo é pago e organizado publicamente, liberando as mulheres para participar do mercado de trabalho, não fez diferença em como as mulheres eram posicionadas (AHL; NELSON, 2015, p. 289).

Referências:

AHL, HELENE; NELSON, TERESA How policy positions women entrepreneurs: A comparative analysis of state discourse in Sweden and the United States. Journal of Business Venturing, v. 30, n. 2, p. 273-291, 2015. (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0883902614000755)

BULGACOV, YÁRA LÚCIA M.; CUNHA, SIEGLINDE KINDL DA; CAMARGO, DENISE DE; MEZA, MARIA LUCIA; BULGACOV, SERGIO Jovem empreendedor no Brasil: a busca do espaço da realização ou a fuga da exclusão? Revista de Administração Pública, v. 45, n. 3, p. 695-720, 2011. (http://www.spell.org.br/documentos/ver/2426/jovem-empreendedor-no-brasil--a-busca-do-espaco-da-realizacao-ou-a-fuga-da-exclusao-)

LUNDSTRÖM, ANDERS; STEVENSON, LOIS A. Entrepreneurhsip policy: theory and practice. International Studies in Entrepreneurship, v. 9, 2005, 310p. (https://link.springer.com/book/10.1007/b104813).