segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Novo site da ANEGEPE

Vejam o novo site da Associação Nacional de Estudos em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas: http://www.anegepe.org.br/

Rotunda de Vitor Meireles: o primeiro crowdfunding da indústria criativa no Brasil

Há poucos anos, a literatura de empreendedorismo vem abordando um fenômeno aparentemente recente: o crowdfunding. Em poucas palavras, um empreendedor que tem uma idéia de negócio ou projeto social, mas não conta com recursos financeiros suficientes para iniciá-lo, busca o apoio de pequenos investidores que darão uma contribuição financeira em troca de alguma recompensa futura. O crowdfunding está sendo chamado de financiamento coletivo ou colaborativo no Brasil. Este tipo de financiamento parece ser ideal para projetos que demandam um investimento financeiro de menor porte.
A atividade tornou-se mais popular pelas facilidades de comunicação que o advento da INTERNET propiciou. Um exemplo interessante de espaço para busca de financiamento colaborativo é o site Impulso (http://www.impulso.org.br/pt/explore) criado pelos idealizadores da Aliança Empreendedora (http://www.aliancaempreendedora.org.br).
A indústria criativa é outro tema que tem atraído a atenção dos pesquisadores e estudiosos do empreendedorismo. Essa temática já é explorada há pelo menos duas décadas, mas recentemente tem atraído um nível mais intenso de atenção da academia. Uma das razões para isso é que as áreas de negócios relacionadas à indústria criativa - atividades onde o conhecimento e a criatividade são ingredientes fundamentais de empreendimentos bem sucedidos - são responsáveis por parcelas cada vez maiores da economia de muitos países.
Na indústria criativa, penso que um aspecto essencial que se une aos dois anteriores é a colaboração entre inúmeros parceiros. A aplicação da criatividade e do conhecimento em produtos ou serviços utéis à sociedade envolve o trabalho de muitas pessoas criativas. É o caso por exemplo, da indústria de software, da área de Design, e dos projetos nas atividades artísticas e culturais: teatro, cinema, literatura, museus, entre outros. Muitas iniciativas recentes na área de atividades artísticas e culturais têm buscado financiamento por meio do crowdfunding.
Tenho refletido sobre a junção desses dois fenômenos e estou iniciando uma investigação, ainda de forma preliminar, sobre como se configuram projetos e empresas culturais. Minha idéia é explorar as dimensões de recursos, estrutura e estratégia que se alinham em configurações bem sucedidas de empreendimentos culturais. Meu primeiro olhar será sobre as atividades teatrais e de cinema em Curitiba.
Essa reflexão inicial tem sido apoiada por leituras aleatórias de textos que encontro sobre o assunto. Nesses dias comecei a leitura de um livro de Vicente de Paula Araújo - A Bela Época do Cinema Brasileiro - cuja segunda edição foi publicada pela Editora Perspectiva em 1985, mas publicado originalmente em 1973. Nesse livro, o autor apresenta resultados de um pesquisa histórica situando a origem do cinema no Brasil. Para contar a chegada do cinema no Brasil, Araújo faz uma descrição muito interessante dos tipos de divertimento que a população do Rio de Janeiro tinha acesso no século XIX. O cinema surge como um novo divertimento para o povo. Só mais tarde é que irá adquirir um status de arte.
Surgido em 1895, com a criação do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, aparelho que tinha melhores capacidades técnicas que seus antecessores, o cinema chegou muito rápido ao Brasil. Vieira nos conta que já em 1896 aconteceram projeções de pequenos filmes usando aparelhos semelhantes ao cinematógrafo. A pesquisa de Vieira aponta o dia 08 de julho de 1896 como a data da primeira exibição de "vistas animadas" no Rio de Janeiro. Essas exibições eram feitas em espaços temporários. A primeira sala de exibição fixa no Rio de Janeiro foi fundada em 15 de julho de 1897 e chamava-se Salão de Novidades de propriedade de Germano Alves e Pascoal Segreto. Já em outubro do mesmo ano, Germano vendeu sua parte a Pascoal e foi para Petrópolis criar uma nova sala fixa chamada Salão Bragança, inaugurada em 11 de outubro de 1897. (p. 93-97).
A primeira filmagem feita no Brasil foi obra de Afonso Segreto, irmão de Pascoal, que fora enviado por este à França para comprar equipamentos de filmagem, dando inicio às filmagens em 19 de junho de 1898. Chegando de navio, ao desembarcar, Afonso Segreto usou os equipamentos para filmar as fortalezas e navios de guerra (p. 108).
Mas, antes do cinema, havia vários divertimentos. Vieira aponta "as touradas, jogo da bola, cavalhadas, brigas de galo, circo de cavalinhos, concertos musicais, procissões, bailes de máscara, corridas de cavalo, representações teatrais...". Enforcamentos também eram uma espécie de divertimento da população! (p. 26).
Um divertimento muito diferente eram os panoramas. Segundo Araújo, o panorama "é um enorme quadro esférico em que o espectador, colocado no centro, como se estivesse no alto de um morro, vê todo o horizonte" (p. 31). Vitor Meireles teve seu primeiro panorama, segundo Araújo, exposto na Exposição Universal de Paris em 1989, retratando um panorama da cidade do Rio de Janeiro (p. 32).
Mas, a vida de Vitor Meireles não foi fácil, conforme nos conta Araújo. Com a implantação do regime republicano e a reforma do ensino artístico, Vitor Meireles foi exonerado de seu cargo de professor e passou a fazer exibições públicas de seu panorama para sobreviver. Ocupou um pavilhão no Largo do Paço cedido pela municipalidade em 1891. Nesse espaço fez um segundo panorama retratando a Entrada da Esquadra Legal, inaugurado em 1894. Mas, em 1898 Vitor Meireles teve que desocupar o espaço da prefeitura (p. 32-34).
Foi nesse momento de sua vida que Vitor Meireles resolveu empreender e construir uma rotunda panorâmica, que pretendia inaugurar em maio de 1900, para expor o quadro que estava pintando sobre o descobrimento do Brasil com 115 metros de circunferência. (p. 34).
Graças à investigação de Vicente de Paula Araújo para seu livro é que tomo conhecimento da, talvez, primeira iniciativa de crowdfunding da indústria criativa no Brasil. Pois, como relata Araújo, Vitor Meireles não dispunha dos meios para construir sua rotunda panorâmica e divulgou amplamente um plano para isso, exposto à página 35 do livro:
O artista nacional Vitor Meireles de Lima, professor aposentado da antiga Academia das Belas Artes do Rio de Janeiro, no empenho de concorrer para a comemoração do 4o. Centenário do Descobrimento do Brasil, em 1900, propôs-se a construir uma rotunda com dimensão igual à construída em 1890 na praça Quinze de Novembro, representando panoramicamente a memorável data histórica.
Essa rotunda, levantada nos terrenos da chácara do antigo Seminário de São José, com entrada para a rua de Santa Luiza no. 60, acha-se quase concluída. Estava o artista persuadido de poder levar a cabo o seu tentame, por esforço exclusivo seu e nesse empenho não hesitou em empregar todas as suas economias.
Acontece, porém, que, para a conclusão da rotunda, instalação da tela no interior, acessórios de pintura, da plataforma e do terreno natural, é forçoso ainda o dispêndio ou o emprego da soma de 30 contos.
Para evitar o fracasso da tentativa e o aniquilamento de tudo quanto já se acha feito, apela o mesmo artista para o auxílio dos seus compatriotas, amigos e propugnadores da comemoração do 4o. Centenário do Descobrimento do Brasil, solicitando a subscrição, por empréstimo da aludida soma de Rs. 30:000$000, para conclusão do referido panorama, devendo ser as quotas da referida subscrição ou empréstimo remidas em trimestres a partir do dia inicial da exposição, com inclusão de juros à razão de 10% ao ano, contados da data do recebimento das mesmas quotas. Os amigos do artista e subscritores do empréstimo-auxílio receberão um título creditório das quotas com que se dignarem concorrer, título remível com seus juros pelo modo acima indicado.
Para melhor conhecimento da praticabilidade desta idéia, cumpre-me cientificar que o primeiro panorama produziu no primeiro ano, Rs. 91:849$000, e o segundo panorama, logo no primeiro trimestre, Rs. 46:000$000.
Obsequiosamente serão recebidas as inscrições nos escritórios do Jornal do Comércio, Jornal do Brasil, O País, Gazeta de Notícias, Imprensa, Cidade do Rio, Tribuna e Notícia.
 
Rio de Janeiro, 23 de junho de 1899.
(a) Vitor Meireles de Lima.
 

Maravilhoso! Nesse primeiro projeto a apelar pelo crowdfunding pode-se ver a preocupação em expor claramente a idéia, o apelo à responsabilidade social e cultural (comemoração do 4o. Centenário do Descobrimento), a demonstração da competência do empreendedor (professor aposentado) e experiência anterior (dois panoramas), a recompensa aos investidores e a viabilidade do projeto.
Não é belíssimo?



terça-feira, 11 de dezembro de 2012

sábado, 1 de dezembro de 2012

Sustentabilidade e A Montanha Mágica de Thomas Mann

Foi há poucos anos que ouvi falar a respeito do romance A Montanha Mágica de Thomas Mann. Por que será que nos meus anos de formação esse livro não chegou às minhas mãos? Por que minhas professoras e meus professores não me contaram sobre esse livro? Ou será que eu não prestei atenção?

De Thomas Mann só conhecia A Morte em Veneza, pequeno romance transformado em filme inesquecível por Luchino Visconti em 1971. Presenças marcantes de Dick Bogarde como um compositor que vai a Veneza descansar e de Silvana Mangano que representa a mãe de Tadzio, adolescente que passa férias com a mãe e as irmãs naquela cidade italiana. O filme trata da paixão platônica do compositor pelo jovem e aborda a questão do ideal da beleza representado pelo jovem Tadzio e, de forma discreta, trata também do homossexualismo.

Mas, a Montanha Mágica chegou às minhas mãos apenas recentemente. Terminei a leitura, feita em doses homeopáticas quase que diárias, pois a edição em português que li chega às 957 páginas! Esforço prazeroso pois a história de Hans Katorp, jovem que vai visitar o primo Joachin internado em hospital para tubeculosos nos Alpes suíços é emocionante. Chegando lá, tem sua estadia prolongada em função do diagnóstico de que é portador da mesma doença do primo. O livro narra os setes anos em que Hans viveu nesse espaço e aborda, de forma sublime e magistral, a relação subjetiva que temos com o tempo e as inúmeras facetas dessa maravilhosa jornada que é a vida humana: amor, política, ciúme, prazer, dor, sexo, morte, guerra, religião, filosofia, artes, música, medo, humor, doença, saúde, desdém, repulsa, vingança, ou seja, quase tudo que se puder pensar que faça parte do ser humano. Até mesmo a sustentabilidade que parece uma discussão tão recente!

Pois é, em uma passagem do romance, Mann fala do projeto de um escultor austríaco que, em conversa com Hans Kastorp, se mostrara tão fanaticamente envolvido com idéia, mas não evidenciava propensão concreta a realizá-lo. Será que Mann, por meio desse personagem, já estava nos alertando sobre a dificuldade inerente à realização da busca da sustentabilidade em nossa sociedade?

Vejam o projeto que aparece às páginas 845 e 846 do romance:

Um antigo escultor, natural de uma província da Áustria, homem de certa idade, com um bigode branco, nariz adunco e olhos azuis, concebera um projeto político-finaceiro que caligrafara, sublinhando os trechos decisivos com pinceladas de tinta nanquim. Esse projeto tinha o seguinte objetivo: cada assinante de jornal deveria ser obrigado a entregar no primeiro dia de cada mês uma quantidade de papel de jornal velho que correspondesse a 40 gramas por dia. Isso importaria anualmente a cerca de 1.400 gramas, e em vinte anos em nada menos de 288 quilo, os quais, à base de um preço de 20 pfennigs por quilo, representaria um valor de 57,60 marcos. Cinco milhões de assinantes - assim prosseguia o memorando - entregariam, portanto, em vinte anos a soma formidável de 288 milhões de marcos, dois terços da qual poderiam ser deduzidos das assinaturas, ao passo que o resto, aproximadamente cem milhões de marcos, seriam aproveitados para fins humanitários, como por exemplo, o financiamento de sanatórios populares para tísicos, subvenções para talentos, pobres etc.

Mais à frente, Mann continua a descrição do projeto:

O gesto insensato e a destruição de papel de jornal, que a gente mal-avisada ainda desperdiçava em cloacas ou fogões, constituía alta traição às nossas florestas e um golpe contra a economia nacional. Poupar papel, guardar papel, significaria conservar e economizar celulose, árvores, máquinas, que a fabricação de pasta mecânica e de papel desgastava, como também seriam menos exigidos o capital e o material humano. Acrescia a isso o fato de o papel de jornal velho adquirir facilmente o quadruplo valor pela transformação em papel de embrulho ou em papelão, de maneira que seria capaz de se converter num fator econômico de vasta importância e em fundamento de rendosos impostos estaduais ou municipais, ao passo que os leitores de jornais veriam suas contribuições aliviadas.

Impressionante! Em 1924, em seu romance, Mann já defendia o que hoje denominanmos tripé da sustentabilidade: a preocupação econômica, ambiental e social. Está tudo aí!