segunda-feira, 27 de julho de 2020

Seu Gimenez se preocupava com a sustentabilidade?

Ontem, em um grupo do Facebook (Londrina - Memória Viva), dois participantes divulgaram fotografias do Supermercado Gimenez.
A primeira é uma imagem recente do prédio que continua a existir na esquina da Goiás com a Paranaguá. O prédio foi vendido por nós, herdeiros de meu pai, em 2018.
Em outra postagem, foram divulgadas duas fotografias do tempo da Casa Gimenez, antecedente do Supermercado Gimenez. Já escrevi um post com memórias deste tempo. Em uma dessas fotografias, estamos Kilda, Christovam Júnior e eu ainda crianças.
Como já aconteceu em outros momentos, muitos dos londrinenses que viram fotos do Gimenez, neste grupo ou em postagens individuais, comentaram com lembranças de seus tempos de criança e juventude quando viveram na região do Gimenez. As lembranças falam de pais, de mães, das idas ao Gimenez, das compras por fiado, e de amizades que surgiram no convívio entre vizinhos, fregueses e comerciantes.
Estes comentários sempre me trazem outras memórias. Foi o que aconteceu mais uma vez. Relembrei coisas que havia planejado contar, mas ficaram esperando o momento certo. O momento da saudade que se acalma com a contação de histórias.
Embora meus irmãos e eu tenhamos convivido com a empresa familiar desde crianças, o meu vinculo contínuo de trabalho com meus pais começou nos meus vinte anos, em 1977. Já contei isto em outro post. Naquela época, meu pai tinha hábitos que hoje enquadramos nesta tão falada "sustentabilidade". Eu nunca poderia imaginar que, 35 anos depois, eu viria a me tornar professor titular de Inovação e sustentabilidade da UFPR! E me lembrar de ações sustentáveis de meu pai. Mas, o que fazia meu pai naquele tempo que seria tão valorizado hoje em dia?
Me lembro de algumas coisas que, no trabalho diário, aprendíamos com meu pai. Eram, principalmente, ações relacionadas à economia de recursos. Pareciam tão irrelevantes naquele tempo. Mas, eram eficientes. E, hoje, lembrando delas, penso que seu Gimenez tinha razão. Nas pequenas ações de cada um é que a coletividade ganha. Ou, no dizer do ditado popular, é de grão em grão que a galinha enche o papo.
A primeira era o constante estímulo que meu pai dava às freguesas e fregueses mais assíduos a guardarem os sacos de papel em que eram embaladas as compras naquela época. Representavam uma boa parcela dos custos do supermercado. Quase sempre encomendados da Gráfica Ipê, cujos donos eram também fregueses do Gimenez. Periodicamente, alguns fregueses traziam as embalagens acumuladas quinzenalmente ou mensalmente. Meu pai dava algum agrado a eles por esta ação: um desconto, algum produto que o freguês costumava comprar ou algo para as crianças que acompanhavam os pais. Meu pai conseguia economizar alguns trocados e, como dizem hoje, fidelizar clientes.
Também no quesito economia, meu pai vivia apagando as lâmpadas do salão em certos períodos do dia. Como o prédio tinha um pé direito elevado, sem forro, durante boa parte da manhã e da tarde, a iluminação natural era suficiente. Mas, de vez em quando, havia alguma tensão. Meu pai ficava bravo quando alguém acendia as luzes muito cedo. A conta de luz sempre era salgada demais! Tínhamos que economizar, pois como dizia seu Gimenez, ele não era sócio da Copel!
Também relacionada à conta de luz, meu pai tinha adotado capas plásticas para cobrir as geladeiras de frutas, legumes, frios e laticínios, qur não tinham portas. Em especial no inverno, com a temperatura menor, meu pai mandava alguém desligar as duas geladeiras e baixar os plásticos que cobriam totalmente a frente das geladeiras. Isso diminuía a troca de calor entre as geladeiras e o ambiente, mantendo os produtos relativamente frescos. Diminuía a conta de luz no fim do mês. Era arriscado, mas não me lembro de termos tido algum problema. Nunca perdemos mercadorias estragadas por isso.
É claro que meu pai agia motivado por uma questão básica de economia de recursos. Não havia nenhuma preocupação com o que chamamos hoje de sustentabilidade. Tinha a ver sim, como bom comerciante que era, com a sustentabilidade econômica e financeira de nossa empresa familiar. Mas, as duas estão obviamente ligadas. Certa vez, alguns anos atrás, eu participava de um congresso científico e assisti uma palestra de uma jovem pesquisadora. Ela contava suas pesquisas sobre ações sustentáveis em pequenas empresas. Ao final, ela disse algo que me trouxe à lembrança o que meu pai fazia. Ela descobrira que os donos de pequenas empresas se sensibilizavam com a ideia da sustentabilidade apenas quando ela conseguia convencê-los de que teriam ganhos econômicos e financeiros com isto.
Graças a meu pai, eu já tinha aprendido esta lição nos anos 70 e 80 do século passado!

domingo, 5 de julho de 2020

Entre medos e conversas, a vida seguia no Supermercado Gimenez

Para contar memórias é preciso afeto. Essa frase me veio à mente, ontem à noite após assistir Divinas Divas de Leandra Leal. Neste documentário de 2017, Leandra Leal narra parte da trajetória de oito travestis pioneiras do show business brasileiro: Rogéria, Marquesa, Eloína dos Leopardos, Valéria, Camille K, Fujica de Holliday, Jane di Castro e Brigitte de Buzios. A história das oito é contada, a partir de memórias de Leandra sobre o Teatro Rival. Este foi de propriedade de seu avô, Américo Leal e depois herdado por sua mãe, Ângela Leal.
O documentário retrata parte dos preparativos e ensaios para um show das oito travestis que seria apresentado no Teatro Rival. Além do enorme afeto que Leandra Leal demonstra por suas personagens, saltam da história as memórias afetivas de Leandra por esse espaço, em que conviveu com as mesmas personagens desde criança. Uma obra prima este filme de Leandra!
Tenho dedicado alguns textos neste blog às minhas memórias do Supermercado Gimenez. Assim como o documentário de Leandra, embora em contexto muito diferenciado do Teatro Rival, minhas memórias vêem carregadas de afeto. Além do afeto, tento revelar em minhas memórias aprendizados da gestão de pequenas empresas que adquiri ao longo de cerca de oito anos trabalhando com meus pais e meus irmãos, Christovam e Arlindo, no Supermercado Gimenez. São memórias carregadas de afeto também!
As lembranças de hoje vêem da presença de outros atores nesta história. É provável que estas lembranças tenham sido aguçadas por dois textos.
O primeiro é a tese de doutorado de Raquel Monn de Camargo sobre o gerenciamento do medo na ação estratégica de proprietários/dirigentes de pequenas empresas. Medo! Emoção tão presente no dia a dia de pequenas empresas. Daqui dois dias Raquel estará defendendo sua banca frente a uma banca de professores, dos quais eu serei um.
O outro texto é um artigo que escrevi junto com Luiz Eduardo Araujo em que discorremos sobre conversas estratégicas de dirigentes de pequenas empresas como parte de suas decisões sobre ações competitivas no mercado. São histórias coletadas por Luiz Eduardo, professor da Universidade do Norte do Paraná no campus de Cornélio Procópio, cuja narrativa esperamos seja publicada em periódico brasileiro em breve. Estas histórias são sobre conversas que dirigentes de pequenas empresas têm com outras pessoas, tais como, clientes, fornecedores, e profissionais do mercado, que acabam auxiliando em suas decisões.
As histórias contadas por Raquel e por Luiz Eduardo e eu estão carregadas de emoções. Positivas ou negativas, elas fazem parte da vida em pequenas empresas.
Pois então, é desse emaranhado de narrativas que surgiram dois personagens da história do Gimenez: um advogado e um contador.
O primeiro, Dr. Diáoli Lopes Busse, que além de freguês, prestava serviços jurídicos a seu Gimenez e empresa quando necessário. O segundo, seu Agídio, cujo sobrenome esqueci, era nosso contador sempre disposto a resolver eventuais problemas do Supermercado Gimenez com o fisco e apoiando as atividades da empresa com os serviços contábeis e de registro e controle de empregados.
Deste, me lembro sempre da pergunta que vinha do outro lado do telefone quando meu pai me pedia para ligar para seu Agídio e pedir para ele preparar um balanço anual da empresa. Seu Agídio perguntava:
_ É para banco ou para o fisco?
Dependendo da resposta, vinha um balanço demonstrando uma boa situação da empresa, o que facilitaria a obtenção de um eventual empréstimo junto aos nossos bancos. Ou, de outra forma, um balanço menos favorável mostrando que a empresa já tinha recolhido os impostos devidos. Em qualquer situação, eram peças de ficção! É notória a impossibilidade de registros reais do desempenho de pequenas empresas. O supermercado Gimenez não era exceção a esta regra.
Do segundo, o advogado, me veio à lembrança um momento de crise. Meu pai andava nervoso com problemas de fluxo de caixa. Muitas duplicatas para pagar. Vendas andavam fracas. Algumas duplicatas já em cartório perto do protesto. Dr Diáloli apareceu para fazer compras. Depois, enquanto eu carregava as compras do Dr. Diáloli até seu carro, meu pai nos acompanhou. Ouvi a conversa. Meu pai queria que o advogado entrasse com um pedido de concordata. Achava que a situação estava muito difícil. Foi um momento de medo para mim. Será que a empresa da família fecharia?
Dr. Diáloli ponderou com meu pai:
_ Gimenez, tem certeza disso? É um processo complicado?
Meu pai respondeu:
_ Tenho muitas duplicatas a pagar. As vendas estão fracas.
Sensato, Dr. Diáloli perguntou sobre os salários dos empregados.
_ Estão em dia. Foi a resposta de meu pai.
Então Dr. Diáloli, completou:
_ Gimenez - era assim que ele sempre chamava meu pai - vou estudar o assunto. Mas, você também pense bem sobre a questão. É um passo delicado.
Dias depois, lá estava eu ligando pro Seu Agídio:
_ Seu Agídio, precisamos de um balanço do ano passado.
Do outro lado, a pergunta de sempre:
_ Pro banco ou pro fisco?
_ Pro banco. Foi minha resposta.
Meu pai tinha negociado um empréstimo de capital de giro no Banco do Brasil. O balanço era apenas uma formalidade. A história de seu Gimenez e do Supermercado Gimenez eram mais do que suficientes para o gerente aprovar o empréstimo. Mais uma crise e muitas emoções tinham sido vividas.
E por falar em telefonemas, um pouco de humor para finalizar esta história. Quando tínhamos que fazer algum contato com Dr. Diáoli, fosse em seu escritório ou na sua casa, depois do alô do outro lado da linha, vinha nossa pergunta:
_ O Dr. Busse tá?
A gente se divertia muito. Bom humor! Outra emoção indispensável no dia a dia das pequenas empresas.