domingo, 15 de fevereiro de 2015

Reflexões Carnavalescas III: Olhos Grandes, um professor de pós-graduação

Este texto que escrevi direto no celular, enquanto tomava um machiatto no Café da Catedral é minha terceira reflexão de carnaval. Uma ficção baseada em fatos reais misturados com alguns imaginários. Me diverti demais escrevendo esse texto. Vai dedicado a todos os meus ex-orientandos de pós-graduação, incluindo aqueles que até hoje não publicaram nada comigo.

Olhos Grandes é professor de pós-graduação. Desde que escrevera um artigo vinte anos atrás passou a enfrentar um bloqueio criativo. Recebera um parecer negativo quando tentou publicar este artigo no periódico científico mais famoso em seu campo de estudo. Para ele, o texto que escrevera era perfeito. Publicar naquela revista seria o auge de sua carreira. No seu país ninguém tinha conseguido tal façanha.
Mas, os pareceres dos avaliadores foram impiedosos. Grandes Olhos ficou arrasado. Pensou em mudar de profissão. Mas, como? Não sabia fazer outra coisa! Fora professor a vida toda.

Seu trabalho era avaliado pelo que escrevia. Até aquele dia conseguira manter uma produção aceitável. Dentro do padrão que era esperado. No começo do bloqueio criativo, não se preocupou muito. Outros colegas já haviam passado por isso e superado o bloqueio. Ele também seria capaz de fazê-lo.
Depois de doze meses, ficou desesperado. Pela primeira vez ficara abaixo do padrão esperado. Seu relatório chamou a atenção da chefia e de seus colegas. Grandes Olhos ficou muito envergonhado. O que fazer?
Felizmente, os deuses não abandonam os bons. Por essa época, o sistema nacional de avaliação da pós-graduação em seu país teve um grande redirecionamento. Os programas de pós-graduação seriam avaliados, também, pelo número de textos que seus alunos publicassem.
Isto foi uma revolução na pós-graduação. De repente, todos os professores passaram a exigir que os alunos escrevessem trabalhos para concluírem as disciplinas. Os trabalhos deveriam observar o formato de artigos que seriam submetidos a algum periódico.
Alem disso, em muitos programas de pós-graduação do país, passou-se a exigir que os pós-graduandos comprovassem o envio de um texto, em co-autoria com orientador ou orientadora, antes da realização das defesas publicas de suas dissertações ou teses.
Olhos Grandes achara sua salvação. Nada mais natural que ele passasse a ser co-autor dos artigos que os alunos escreviam para sua disciplina. Ora, sem seus ensinamentos os artigos não seriam escritos.
Faz vinte anos que Olhos Grandes não escreve uma linha. Mas, nunca publicou tanto em sua vida. Não precisou mudar de profissão.
Ultimamente anda muito empolgado. Em sua disciplina, encontrou uma jovem extremamente talentosa. Está pensando naquele periódico de novo. Eles que aguardem sua obra prima!
(Inspirado no filme Grandes Olhos de Tim Burton)

Reflexões Carnavalescas II: O que é a necessidade de empreender?

Manhã chuvosa de carnaval. Na sala de meu apartamento ouço o barulho da chuva caindo. Tobias, nosso gato, é a única companhia. Não me atrapalha. Agindo como todos os gatos, pelo menos os que conheci, está exercendo sua autonomia pela casa. Quando sentir fome virá miar ao meu lado. Sinal de que está incomodado por uma necessidade que não consegue resolver sozinho. Nessa hora sua autonomia não será suficiente! Enquanto Tobias não mia, quero lhes contar uma conversa com um empreendedor que encontrei no litoral paranaense no mês passado.

Em um dos finais de semana de janeiro, com previsão de tempo bom, Sara e eu decidimos descer para o litoral. Tinhamos a vontade de nos hospedar em uma pousada que Sara visitara brevemente em outra oportunidade. A pousada tem 10 apartamentos, de diferentes tamanhos, localiza-se na avenida em frente ao mar, e foi instalada em uma casa magnífica que antes fora a casa de veraneio de uma família muito rica. A decoração da pousada é magnífica e retrata o cuidado com que essa casa foi montada ao longo dos anos. Fiquei maravilhado com a pinacoteca da casa. Todos os ambientes são repletos de telas, dos mais variados estilo, de artistas mais conhecidos, menos conhecidos. Em uma manhã chuvosa como hoje, passear pela pousada apreciando os quadros é uma experiência inspiradora! Além dos quadros, há uma infinidade de objetos, louças, esculturas que povoam os espaços comuns da pousada. O serviço é muito bom. A pousada oferece todos os equipamentos necessários para aquele que desejar passar algumas horas sob o sol nas areias da praia. Café da manhã muito variado, de boa qualidade. Instalações dos apartamentos bem cuidadas, de boa qualidade também, com serviços de acesso a internet, televisão a cabo. Enfim, uma pousada de padrão elevado que vale o quanto pesa no bolso!

Em um final de tarde, sentado em uma das varandas da casa, converso com Júnior, filho da proprietária da casa, viúva de um empresário que teve empresa muito bem sucedida em Curitiba. Júnior me conta que a casa existe há mais de quarenta anos. Durante muito tempo foi a casa de praia da família. Ele passou a maior parte dos verões de sua infância, adolescência e juventude nessa casa. Os pais sempre gostaram de receber e a casa comportava muitas pessoas. Os amigos de Júnior e de suas irmãs sempre estavam por lá.

Mas, no mundo dos negócios, nem tudos são flores! A empresa que era bem sucedida, passou por momentos ruins, e  acabou falindo. Aos poucos a manutenção da casa na praia foi ficando muito custosa. Embora a família não tenha ficado "na miséria", não havia mais a possibilidade de custear uma residência de veraneio. O que fazer?

A mãe de Júnior, que sempre recebera os convidados e familiares nos verões, tomou uma decisão. Comunicou aos filhos que transformaria a casa em uma pousada. Para isso contava com a ajuda do casal que há muito tempo fora contratado para atuarem como caseiros. Cuidavam da casa quando a família não estava. 

Tudo ia bem, mas quis o destino que o casal, que era de extrema confiança para a dona da pousada, tivesse que mudar-se do litoral. Precisavam acompanhar uma filha em outra cidade. A mãe de Júnior pensou em fechar a pousada. Mas, nessa época, Júnior que era um executivo bem sucedido em outras atividades, queria mudar de vida. Falou para a mãe que viria trabalhar com ela na pousada. Isto causou algum espanto nos familiares. Mas, para Júnior, como ele disse, foi a coisa certa a ser feita. Está muito bem, obrigado! 

Lhe perguntei como estava o negócio da pousada. Se estavam tendo sucesso? A resposta dele foi positiva. A históriia da pousada já completou dez anos. Conseguiram fazer melhorias na casa de praia nesse período, manter a casa e ainda ganhar algum dinheiro. Não perguntei quanto. Para mim, o sucesso é sempre relativo aos objetivos que são buscados pelo que empreende. Se a pessoa me diz que é bem sucedida, não me importam os números. Me importa a sensação de sucesso.

Dessa conversa agradável com o Júnior me veio a reflexão de hoje. Já faz alguns anos que a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor investiga as motivações para empreender que as pessoas tem. Segunda consta no relatório de 2013, os empreendedores por necessidade são aqueles que iniciam um empreendimento autônomo por não possuírem melhores opções de ocupação, abrindo um negócio a fim de gerar renda para si e suas famílias ... os empreendedores por oportunidade são os que identificaram uma chance de negócio e decidiram empreender, mesmo possuindo alternativas de emprego e renda. Em 2013, na pesquisa GEM, 71% dos empreendimentos foram motivados por oportunidade e apenas 29% por necessidade.

Qual foi a motivação para a criação dessa pousada no litoral paranaense? Oportunidade ou necessidade? Ora, certamente não foi a necessidade com o significado que orienta as respostas do GEM, mas foi uma necessidade! Uma necessidade de outro tipo, talvez guiada muito mais por razões afetivas e emotivas do que por razões econômicas. Quanta história não há na vida daquela casa! Quantas emoções podem ser relembradas no seu interior?

O que aprendi com essa história? Mais uma vez, aprendi que há casos e casos, histórias e histórias! O que quero dizer para você que me lê é sobre a imcompletude de nossos esquemas mentais e modelos conceituais. A realidade vive nos mostrando que sempre há alguma coisa que foge ao padrão em que queremos colocá-la. Há mais significados de necessidade do que aquele que o GEM usa. Ele não é ruim. Provavelmente, serve para encaixar uma grande parte das experiências empreendedoras. Da mesma forma, o significado de empreender por oportunidade pode ir além do usado pelo GEM. Pode, por exemplo, signficar a oportunidade de mostrar-se útil à sociedade criando uma ONG.

Ainda bem que há diversidade nas histórias humanas! Seriam tão chato enquadrar tudo que me contam sobre experiências empreendedoras em apenas duas categorias, não é?

Ops! Tobias começa a miar. Felizmente quando estou chegando ao final dessa reflexão. Tenho mais uma decisão a tomar. Aguenta firme Tobias! Mais alguns minutos apenas.

Revelo o nome da pousada ou não? Júnior não me pediu confidencialidade na história que contou, mas ao mesmo tempo fico pensando se devo revelá-la. Acho que sim. A história é legal, a pousada é maravilhosa, e, talvez, você queira conhecê-la. É a Pousada Casa da Praia em Caiobá. Veja o site em http://www.pousadacasadapraia.com.br/casa/pousada.htm.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Reflexões Carnavalescas I: Chefia ou administração consentida? Isso faz diferença em uma pequena empresa inovadora?

Faz tempo que não visito esse meu blog. Meu mais recente post foi escrito no último dia de 2014. Ou seja, quarenta e quatro dias atrás. Nesses meses iniciais de 2015, já me ocorreram algumas ideias, mas parece que os textos não estavam prontos para sair. Hoje, noite da sexta-feira de carnaval, aproveitando a solidão voluntária que enfrentarei nos próximos cinco dias, surgiu a vontade de colocar no ar as ideias que estão povoando meu cérebro. Todas elas estão associadas a pequenos fatos cotidianos que vivenciei recentemente. Assim, hoje vai ao ar a primeira reflexão que estou chamando de carnavalesca. O adjetivo refere-se apenas ao período em que elas estão sendo escritas. De carnaval, pelo menos em meu modo de enxergar, nada têm. Vamos à primeira?
Já tive a oportunidade de comentar um livro de Charles Handy em um de meus posts aqui nesse mesmo blog em 2012. Em um texto que dediquei à memória de meu pai - Pequena Empresa Familiar: um espaço conflituoso? - comentei sobre a visão que este pensador inglês nos deu a respeito de como as organizações parecem evoluir ao longo do tempo, passando por diferentes modos de cultura onde são percebidos, reproduzindo as palavras que usei no post de 2012, distintos "pressupostos sobre processos decisórios, aprendizagem, poder de influência, modos predominantes de mudança organizacional, motivação das pessoas e formas de recompensa". 
Retomando a descrição que fiz do livro "Os Deuses da Administração", o autor usou "a figura de quatro deuses da mitologia grega para diferenciar entre culturas de grupo ou clube, da função, da tarefa e existencial. No post de 2012, quis referenciar como em uma pequena empresa podemos encontrar a cultura de grupo ou de clube. Relembrando um pouco mais o que escrevi, "Handy associa a cultura de grupo ou clube a Zeus, poderosa entidade do Olimpo Grego que, segundo a tradição, tinha comportamentos muito enérgicos e emotivos. Quando Zeus estava irado com os humanos causava grandes tempestades, repletas de trovoadas aterrorizantes e infindáveis raios. Por outro lado, quando Zeus estava muito satisfeito, fazia chover ouro em pó sobre os humanos. Segundo Handy, esse tipo de cultura é frequentemente encontrado em empresas jovens e pequenas, com a presença de um líder muito poderoso. Essa cultura enfatiza a informalidade e empatia entre pessoas, acentua rapidez nas decisões, e é eficiente onde rapidez é mais importante que detalhe. A presença de Zeus nesse tipo de organização se nota pela forma com que o principal tomador de decisões na empresa, se for familiar seria o pai ou a mãe, trata a todos de forma paternalista, tentando reproduzir na empresa um clima de família. Nessas empresas, em geral, a aprendizagem ocorre por tentativa e erro ou baseada em modelos; a influência é exercida através do controle de recursos e carisma pessoal; a base da mudança é a substituição de pessoas; e a motivação é orientada pela busca dopoder sobre pessoas e acontecimentos".
Hoje, quero falar sobre a cultura existencial, que Handy associou ao deus Dionísio. Meu resumo no post de 2012 foi assim: "esse tipo de organização é excelente onde o talento ou habilidade individual é o recurso crucial da organização. Segundo Handy, a noção de chefia não faz sentido nesse tipo de organização, sendo mais consistente a ideia da presença de alguém que coordena as diferentes tarefas individuais. É o que Handy brilhantemente chama de administração consentida, com a coexistência de diversos estilos de pensamento e respeito integral ao indivíduo, sem paternalismo. Nesse tipo ideal de organização as pessoas são motivadas pela liberdade pessoal e autonomia".
Lembrei-me do livro de Handy outro dia quando participei de uma reunião de departamento na universidade. Como desde 2013, ocupo um cargo na Agência de Inovação da UFPR, tenho tido poucas oportunidades de participar das reuniões do departamento que geralmente ocorrem no meu horário de trabalho na Agência de Inovação. A última reunião ocorreu às 18:30, o que permitiu que estivesse presente à reunião, Uma coisa me surpreendeu! Observei que a lista de presença que sempre foi usada para registrar a presença dos professores nas reuniões tinha duas colunas: início e final. Indaguei qual a razão e fui informado de que este era um novo mecanismo de controle para garantir que os professores ficasssem presentes até o final da reunião. 
Qual é a lógica desse mecanismo de controle? Participar em reuniões, segundo as normas da universidade, é um dever do professor. Assim, como alguns colegas tinham o hábito de vir para a reunião, assinar a lista de presença e sair antes que ela acabasse, foi criada esta solução de uma lista de presença com dupla assinatura, no começo e ao término da reunião.
Nessa altura desse texto, a leitora e o leitor já deve estar se perguntando:
_ O que isso tem a ver com uma pequena empresa inovadora?
Eu compreendo sua angústia, mas tenha um pouco de paciência, minha leitora ou meu leitor, que já vou unir os pontos dessa trama. Quando vi isto acontecendo em meu departamento lembrei-me do livro de Handy, pois este, em sua introdução comenta que a cultura existencial era para ele um ideal a ser atingido pelas organizações. Além disso, ele disse que as universidades tinham que ser vistas como esse modelo. No pensamento de Handy, em um departamento de uma universidade temos um conjunto de pares, cujo recurso mais valioso é seu talento ou conhecimento que contribui para atingir as finalidades de uma universidade. É um espaço onde a chefia não faz sentido, mas sim a administração consentida.
Mas, onde está o problema? O que faz um departamento tentar controlar a presença de seus professores em uma reunião? O problema, sob meu ponto de vista, está em considerar a participação em reunião um dever. Isto é um equívoco! Em uma organização que reune pares, participar de reunião é um DIREITO! Cada um dos pares tem o direito de contribuir nas discussões, na resolução de problemas, nas escolhas de caminhos, nas tomadas de decisões. Assim, apesar de estar na norma que esta atividade é um dever, coletivamente ganhamos todos quando passamos a enxergá-la como um direito. A lista de presença deve ser apenas um registro de quem esteve presente no dia em que um conjunto de assuntos foi discutido e deliberado. Quando não posso estar em uma reunião, não me sinto deixando de cumprir um dever. Muito pelo contrário! Sinto que não estou exercendo um direito!
Todavia, há um outro problema. Muitos de meus colegas dizem que participar de reuniões de departamento é muito chato! Em geral, temos que decidir sobre um conjunto de processos que são meras formalidades. Não há discussões relevantes! Isso, sem dúvida é verdadeiro. A universidade pública, para garantir seu funcionamento, tem um conjunto de regras a serem observadas e muitas das decisões tem que ser aprovadas nas diferentes instâncias colegiadas. O departamento é a primeira delas. Mas, esse é um fardo que todos compartilhamos, faz parte de nosso vínculo com a universidade. Mas, nada impede que usemos as reuniões de departamento para decidirmos sobre aspectos mais substantivos de nossa atuação enquanto professores e pesquisadores. Não há nada de chato em contribuir na discussão dos caminhos que queremos trilhar coletivamente. As reuniões de departamento podem servir para isso também.
Enfim, qual é a relação dessa situação de administração universitária com uma pequena empresa inovadora? Eu acho que é a seguinte:
Minha experiência como coordenador de empreendedorismo e incubação de empresas da Agência de Inovação UFPR me permitiu conhecer algumas pequenas empresas que têm a inovação como um caráter dominante em suas estratégias. No meu entendimento, para que elas possam funcionar efetivamente e serem bem sucedidas a longo prazo, elas precisam incorporar em seu modo de funcionar as ideias que Handy associou à cultura existencial. Essas empresas são, antes de qualquer coisa, uma reunião de pessoas que trazem para a organização seus talentos, habilidades e conhecimentos que são essenciais para a empresa manter-se inovadora. Elas são um agrupamento de pares que precisam ser coordenados e não chefiados! Todos podem contribuir para as decisões estratégicas da empresa. Isso me leva à noção da liderança criativa que comentei recentemente em uma entrevista que dei ao Cultura Colaborativa (http://www.culturacolaborativa.com/especialista-aponta-como-a-inovacao-e-essencial-para-o-sucesso-as-empresas/).
Pequenas empresas inovadoras precisam de líderes criativos, não de chefes!

P.S.: Pensando bem, este texto pode ter um espírito carnavalesco. Alguém pode achar que é uma fantasia imaginar que um departamento possa ser uma cultura dionísiaca. Há algo mais carnavalesco que uma fantasia?