terça-feira, 27 de março de 2012

Janelas, Escadas e Esculturas

Para Paloma e Fernanda
Ontem à noite, Paloma, minha filha mais velha foi em casa para que eu a ajudasse com sua primeira declaração de imposto de renda. Seu primeiro encontro com o leão! Me trouxe um pequeno quadro de presente, uma gravura com duas janelas que davam visão a uma escada, dessas de pedreiro, usadas em construção. Adorei o presente! Paloma sabe que tenho uma atração muito forte por representações de janelas. Por que será?
Tenho algumas explicações. Guardo em minha memória um momento muito especial para mim e meus avós maternos. Quando adolescente, morava em Londrina com meus pais e irmãos. Nossa casa tinha uma ampla janela na sala que permitia enxergar o jardim de nossa casa, mas, mais além, no horizonte, um belíssimo vale que hoje se encontra escondido por uma barreira de prédios. Mas, não importa, há muito tempo meus pais mudaram-se para outro local. Um dia, lá pelos meus 15 anos, cheguei à sala e vi meus avós maternos abraçados, debruçados sobre janela, olhando para aquela paisagem e pensando. Sobre o quê não sei! Mas, guardei essa imagem do afeto mútuo que vó Ananisa e vó Arlindo demonstravam em um casamento de mais de 50 anos. Essa é uma lembrança que sempre me ocorre quando vejo uma pintura ou figura de janelas.
Mas, para além dessa razão afetiva, as janelas para mim representam a possibilidade de um olhar para o mundo que pode ser, paradoxalmente, muito estreito ou muito amplo, mas sempre incompleto. Minha compreensão do mundo é ajudada por imagens. As janelas atraem nossa atenção. Ao me aproximar de uma janela consigo ver mais da paisagem que ela enquadra, meu ângulo de visão se amplia. Ao me afastar, a janela estreita minha visão e enxergo menos do mudo lá fora. Assim, é minha relação com o conhecimento. Minha atenção acadêmica é atraída por diversas teorias (janelas), de algumas me aproximo mais e amplio meu entendimento. Outras não chamam minha atenção, ou me atraem pouco, assim, deixo de olhá-las ou vejo-as apenas à distância, com pouca clareza do que procuram nos dizer. Mas, a sensação de incompletude é permanente! Por mais que eu queira, não conseguirei olhar todas as janelas.
De igual forma, a escada é uma imagem poderosa! Algumas são mais amplas, confortáveis, rolantes até, e permitem que cheguemos a algum lugar com menor esforço. Outras são estreitas, inseguras, temos medo de nelas nos apoiarmos, mas algumas vezes elas nos permitem vislumbrar outros destinos que podemos alcançar. Assim, são as teorias, algumas nos dão certezas, que apesar de temporárias, parecem eternas. Parafraseando Vinicius, são eternas enquanto duram! Outras parecem tão fracas, improváveis, mas apelam por nossos pés: venha ver onde posso lhe levar! É o apelo! Precisamos coragem para atendê-lo, mas pode ser compensador. Podemos ampliar nosso entendimento.
Mas e as esculturas? O que elas estão fazendo no título acima? Alguém pode estar se pergutando... Com razão!
Anos atrás, quando Fernanda, minha segunda filha era ainda adolescente, ela me deu um presente de aniversário que consegui manter intacto (quase) ao longo do tempo. Uma escultura de um corpo masculino, sentado com as pernas dobradas, fazendo um ângulo quase reto, uma perna na horizontal e a outra na vertical, com os braços apoiados no joelho da perna na vertical. Essa escultura é muito bonita, e apesar de estática, a sua composição me passa uma imagem de movimento, ou pelo menos de potencial movimento. Ao contrário das janelas, que nos mostram partes, a escultura é uma totalidade. Ao admirá-la nós vemos a essência do que o artista quis representar, mas não somos capazes de isolar suas partes do todo. Janelas e esculturas me ajudam a visualizar e imaginar o mundo.
Assim, também é minha relação com o conhecimento. Algumas vezes, busco o olhar quantitativo das janelas. Estudos baseados na mensuração do fenômeno me permitem buscar a compreensão de paisagens amplas ou estreitas, dependo da quantidade de variáveis que estudo. Pode ser uma visão detalhada, pela amplitude das variáveis adotadas, mas é genérica, não permite conhecer as especificidades de cada caso. Por outro lado, o olhar qualitativo das esculturas me conta outra história. O que faz daquela empresa, daquele (a)  empreendedor(a), da sua trajetória, uma totalidade cuja compreensão me seria muito valiosa? Preciso de ambos os olhares, pois janelas e esculturas me mostram formas diferentes de enxergar o mundo, acessado pelas escadas.
Nessa altura desse texto, começo a me lembrar de uma passagem de um livro do Rubem Alves (Variações sobre o Prazer. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2011) em que ele comenta as três idades do professor segundo Roland Barthes (Ensinar o que sabe; ensinar o que não sabe; desaprender ou esquecer o que sabe). Nesse trecho, Alves exemplifica as duas primeiras fases:
“O navegador voltou de suas viagens trazendo nas mãos os mapas que desenhara dos mares onde navegara. Mapas são metáforas do mundo dos saberes. São úteis. Neles encontramos as rotas a serem seguidas, caso se deseje. Chegam os alunos. Desejam aprender os mares do mundo. O professor lhes mostra os seus mapas e fala sobre aquilo que sabe. Os alunos aprendem. Mas, de repente, um aluno inquieto aponta para um vazio indefinido, sem contornos, no mapa. _ Qual é o nome daquele mar? – ele pergunta. O professor responde: _ O nome daquele mar eu não sei. Nunca fui lá. Não o naveguei. Não o conheço. Por isso, nada tenho a dizer. É mar desconhecido, por navegar. Mas, com o que sei sobre os outros mares, vou lhe ensinar a se aventurar por mares desconhecidos: essa é a aventura suprema. Para isso nascemos...”
Enfim, quando reflito sobre isso tudo, me vem uma sensação de felicidade. Com minhas filhas, nessa relação de pai, busquei mostrar minhas escolhas de janelas, escadas e esculturas, com a esperança de que elas possam enxergar as coisas que vi, mas também, procurar por outras janelas, escadas e esculuras para enxergar o que querem e chegar aos destinos que escolherem. Aliás, os presentes que me deram, para minha alegria, mostram suas escolhas: Paloma se aproximando das imagens pela arte da fotografia e Fernanda explorando os limites do corpo e sua plasticidade na arte da dança.
Quanto aos meus orientados, numa relação diferente, mas igualmente afetiva, a esperança de que tenham tido a oportunidade de fazer suas escolhas e que elas tenham sido significativas nas suas vidas. Com certeza me ajudaram a conhecer outros mares...

Em relação a todos, a esperança de que nas suas escolhas tenham preservado valores que me são caros: respeito ao diverso, humildade, consideração fraternal pelo outro e pela liberdade, igualdade e uma curiosidade infinita para tentar entender o que significa ser humano nesse planeta que nos acolheu.



quarta-feira, 14 de março de 2012

Vantagem competitiva na pequena empresa - Almoço no Candidu´s em Mossoró. Bom quissó!

Um grupo de doutorandos me levou hoje para almoçar no Candidu´s do bairro Abolição em Mossoró. Desfrutei da companhia agradável de Liana, Adriana, Thaiseany, Ana Maria e Álvaro e da saborosa comida regional. Carne de sol na nata, arroz de leite, baião de dois, torresmo, farofa de carne e outras delícias. A buchada de bode e sarapatel resolvi deixar para uma próxima visita! Além disso, os doces estavam bom quissó! Gargamel, cocadão e torta de banana e outros que não consegui experimentar. Já estava de bucho cheio! Correndo o risco de pegar umas carnes! Mas, haverá outras oportunidades...
O Cândidu´s existe há trinta anos conforme pude perceber em uma faixa comemorativa que estava na entrada. Essa longevidade de pequenas empresas é um estudo esperando para ser feito. O que explica que entre milhares de pequenas empresas que abrem suas portas, a grande maioria encerra atividades precocemente e poucas conseguem chegar à casa das dezenas de anos?
Do ponto de vista da literatura em estratégia, a permanência das empresas no mercado está associada à capacidade de criar e manter vantagem competitiva que leva a desempenhos superiores. Quando se fala de pequena empresa, parece que as opções de vantagens competitivas não são tão numerosas quanto as possíveis em médias e grandes empresas.
Mais de uma vez já defendi a idéia de que em uma pequena empresa, que assim permanece por longos períodos, na qual seus proprietários/dirigentes não manifestam a intenção de crescer, uma vantagem competitiva importante, embora pouco defensável, é a localização. Estar próximo a uma comunidade com população suficiente que precisa de produtos ou serviços adequados, mas que não valem um esforço muito grande de deslocamento, é uma característica de inúmeras pequenas empresas, tais como, panificadoras, açougues, farmácias, bazares, mercearias, pequenos supermercados, butecos, entre outros. Mas, assim como os dirigentes dessas empresas souberam escolher uma localização vantajosa, outros poderão fazê-lo e passarão a disputar o mesmo mercado, eliminando a vantagem competitiva.
Nesse momento, minha hipótese é que outras vantagens competitivas, ligadas à história e trajetória de cada empresa e seus dirigentes fazem valer seus efeitos positivos. São os frutos de uma história de proximidade junto aos clientes e de flexibilidade no atendimento às suas necessidades que levam às pessoas a manterem-se fiéis aos seus fornecedores de pequeno porte. É a relação afetuosa, com calor humano, que ainda se encontra no mundo dos negócios.
Poderia dizer que são as vantagens competitivas "path-dependent", mas acho essa expressão a manifestação mais exacerbada do pedantismo acadêmico tupiniquim na administração! Como se diria por aqui: _ É coisa de cabra que quer botar banca! Num sabe?
É bom mangar dos doutores de vez em quando. Mas eu vou parar por aqui, pois já estou falando mais que a preta do leite! Ôxente!

segunda-feira, 12 de março de 2012

Sleeve Juice e Pequeno Almoço! Atribulações linguísticas do turista e as oportunidades na hotelaria.

Estou no Rio Grande do Norte, na cidade de Mossoró, onde a PUCPR está iniciando um DINTER em parceria com a UFERSA. Hoje, pela manhã, fui me servir de suco no café-da-manhã e havia duas opções no hotel em que estou hospedado: laranja e manga. Em inglês: orange e sleeve juice! Fiquei pensando no falante de lingua inglesa tentando entender o que seria um sleeve juice e, ainda mais, se teria coragem de experimentar! Obviamente, a oferta era de mango juice, já que sleeve é outro tipo de manga, o de camisa.
Esse episódio me fez pensar sobre as oportunidades que muitos pequenos empreendimentos hoteleíros terão em 2014 e 2016 com a realização no Brasil de dois grandes eventos esportivos: Copa do Mundo e Olimpiadas. A afluência de turistas de muitos países do mundo trará chances de faturamento maior e, junto com eles, as dificuldades de comunicação.
Não é por acaso, que ocorreram iniciativas do governo para melhorar as competências linguisticas de trabalhadores, gestores e proprietários de empreendimentos turísticos no domínio do inglês, principalmente, mas também do espanhol. Programa desenvolvido pelo Ministério do Turismo, em parceria com uma grande Fundação privada brasileira, esteve recentemente na mídia porque a taxa de conclusão dos cursos ofertados à distãncia, pela internet, ficaram muito abaixo das metas estabelecidas. Forçando uma revisão dessa estratégia de capacitação.
Mas, o esforço importante de preparação dos empreendimentos de hotelaria, especialmente, com os pequenos não podem ser focados unicamente na capacidade de comunicação eficiente com o turistas. Devem envolver, também, esforços de melhoria de serviços de recepção, atendimento, hospedagem, infraestrutura, alimentação e entretenimento. A melhoria da gestão dessas pequenas empresas e de sua capacidade de prestar serviços é parte fundamental na consolidação de atrativos turísticos pelo Brasil afora.
Mas, voltando ao sleeve juice, as situações engraçadas na comunicação entre falantes de linguas diferentes podem ocorrer também entre falantes de uma lingua comum. Escrevendo esse post, lembrei-me de uma viagem a Portugal que fiz com familiares e amigos há muitos anos atrás quando estava na Inglaterra fazendo o doutorado. Chegando a Lisboa, fomos procurar acomodação para um grupo de nove pessoas e no primeiro hotel perguntamos se a diária incluía o café-da-manhã. A resposta da velha senhora portuguesa foi:
_ A diária inclui, hospedagem e pequeno almoço.
Levou alguns minutos e várias repetições da pergunta - E o café-da-manhã? - para que eu e meu amigo Fábio conseguissemos aprender que pequeno almoço em Portugal é o nosso café-da-manhã!

sexta-feira, 9 de março de 2012

Para que serve um TCC no curso de administração?

O post abaixo me fez pensar nas experiências que tive com  projetos desse tipo  nesses 31 anos de carreira docente:

Universidade de Curitiba barra TCC voltado à inclusão de pessoas com deficiência

Já passei por cinco instituições de ensino e, em todas elas, era possível que os alunos e alunas desenvolvem-se projetos de conclusão de curso na forma de planos de negócios. Em pelo menos uma delas, havia essa restrição relacionada ao caráter inovador do novo negócio. O que parece ser uma boa idéia.
Mas, isso sempre me incomodou, pois enxergava nessa restrição uma ingerência sobre a vontade de pessoas que poderiam se dedicar com muita intensidade a um projeto que lhes interessase de forma genuína, mas se viam obrigadas a dedicar tempo e energia em algo que tivesse um caráter "inovador".
Assim, muitas vezes, os estudantes de administração eram empurrados a pensar em um projeto que fosse considerado inovador pelos docentes envolvidos nessa etapa da formação. E tiveram, muitas vezes, projetos "inovadores" recusados por coordenadores que por qualquer motivo consideravam a priori a inovação inviável. Ossos do ofício? Creio que esse osso poderia ser posto de lado, evitando o risco de julgamentos como o descrito no Blog de Rafael Bonfim.
O problema é que a formação em administração não é exclusivamente voltada para a inovação. E nem deve ser. Exigir de seus alunos que façam seus projetos de conclusão de curso orientados para a inovação parece que é algo bom, mas não é a única forma de empreender quando se toma essa idéia como a abertura de um novo negócio.
O plano de negócio pode ser uma experiência de aprendizagem integradora muito útil para alunos de administração. E essa experiência pode se dar na forma, até mesmo, de um projeto de um novo açougue, uma nova padaria, loja de confecções, pequeno supermercado (vejam o post "Zezinhooo... Vai lá no Gimenez"), entre outras, cujo caráter inovador é praticamente nulo. Mas, para a formação de uma administradora ou administrador, esse plano de um novo negócio "tradicional" permitirá uma reflexão e retomada de conhecimentos adquiridos ao longo de três anos ou mais, que darão a eles uma visão holística da profissão que passarão a exercer.
Deixemos a inovação surgir naturalmente nos projetos dos alunos, incluindo-a como um tópico sempre presente nas disciplinas do currículo. Minha intuição é que, quando isso acontecer poderemos alcançar uma taxa maior de projetos de conclusão de curso que são efetivamente transformados em novas empresas. Do ponto de vista social, creio que uma medida de eficácia da formação de administradores mais relevante é a sedução (sim, para mim a educação é um processo de sedução) desses alunos para uma carreira como dirigentes de novos negócios, pensados e planejados por eles, independente de seu grau de inovação. Minha experiência com esse tipo de atividade revela, infelizmente, que esse evento ainda é raro entre os alunos que dedicam seis meses ou mais de seus estudos a um projeto que é só para "inglês ver". Nas dezenas de bancas que participei em TCCs dessa natureza, sempre fiz essa pergunta:
_ E aí turma? Esse projeto é pra valer? Vai ser implantado?
A resposta, em mais de 95% das vezes foi algo assim:
_ Professor, a gente encarou isso apenas como mais uma exigência para obter o canudo!
É uma pena!

sábado, 3 de março de 2012

_ Zezinhoooo! Vai lá no Gimenez...

Quando publiquei "O Estrategista na Pequena Empresa", na introdução relatei que meus irmãos e eu passamos boa parte da infância brincando no supermercado que nossos pais haviam criado na esquina da Paranaguá com Goiás em Londrina. Com o passar dos anos, a pequena empresa de meus pais deixou de ser um espaço de brincadeiras, tornando-se o local de nosso primeiro envolvimento com o trabalho.
Essa pequena empresa e as pessoas que nela trabalharam ou que foram seus clientes (fregueses no dizer de meus pais) povoam parte de minha memória com lembranças que, às vezes, ainda hoje, depois de muitos anos de seu fechamento, servem de exemplo para ilustrar um ou outro aspecto do empreendedorismo e da administração de pequenas empresas em minhas aulas.
Outro dia, quando estava acompanhando minha mãe nas compras em uma loja de uma grande rede de supermercados que se instalou em Londrina, encontramos o José Brunelli, irmão da Margarida, filho da Dona Letícia, que fora freguesa durante toda a existência do Supermercado Gimenez. O José, depois dos abraços e cumprimentos calorosos que marcam o reencontro de pessoas que se tornaram amigas, indo muito além da relação comercial, me disse:
_ Fernando, sabe que algo que nunca esqueço são os momentos em que minha mãe me chamava e dizia: "Zezinhooooo! Vai lá no Gimenez e me traz....".
E continuou:
_ Foram infinitas idas ao Gimenez...
Assim como o Zezinho, muitos outros filhas e filhos atenderam a esse chamado: "Vai no Gimenez e me traz uma caixa de sabão, uma lata de óleo, cinco pães e um litro de leite. Fala pro Seu Christovam ou pra Dona Kilda marcarem. Depois eu passo lá e pago."
Uma pequena empresa que existiu por algumas décadas no mesmo local, deixa de ser apenas um espaço de trocas comerciais e torna-se um lugar onde laços de amizade e companheirismo se formam e permanecem. Assim como os Brunelli, meus pais estabeleceram relações de amizade com os Fernandes, os Amaral, os Ferrari, os Gorini, aquela família de "turcos", como era mesmo o sobrenome? Além desses, a família do Prof. Samuel Fabri, do Dr. Moisés Godói, Seu Souza e Maria Luíza, Dona Catarina e seus filhos, Zanda Amaral e seu Arnaldo com os filhos, os Garcia Lopes, a família da Jane, Magali e Divina, os Gonçalves, e muitos outros que estão na minha memória e, certamente de minha mãe e meus irmãos.
Esse encontro com o Zezinho Brunelli me veio à mente quando estava lendo a edição especial da Entrepreneurship Theory and Practice, uma das revistas mais importantes do campo do Empreendedorismo que foi lançada em janeiro desse ano. O tema da edição especial é "O coração do empreendedorismo" e contém oito artigos que abordam os mais variados aspectos da relação das emoções com o empreendedorismo e a administração de pequenas empresas.
Essa leitura me fez lembrar de um livro publicado por Stafford Beer, uma das pessoas mais brilhantes que tive o privilégio de conhecer quando fiz meu doutoramento na Inglaterra. Em 1979, Stafford Beer publicou um livro cujo título era " O coração do empreendimento" (The heart of enterprise) cujo propósito foi complementar seu livro anterior "O cérebro da firma" (The brain of the firm) publicado em 1972. O professor Stafford Beer, nessas duas obras, defendia um modelo que tratava as organizações como sistemas viáveis e propunha princípios de administração. Mas, algo que aparentemente parecia embutir a frieza do conhecimento científico racional era carregado de emoções, pois para Stafford Beer "a administração que é profundamente baseada em quaisquer princípios científicos, e não tem 'coração', no sentido de consideração humana, não será bem sucedida".
Explicar a permanência de pequenas empresas durante décadas em um mercado que é cada vez mais competitivo e dominado por grandes redes não é uma tarefa acadêmica fácil. Há uma quantidade tão variada de coisas que podem se relacionar com o fracasso ou sucesso de uma pequena empresa, que até hoje, apesar dos esforços dos estudiosos, temos muitas certezas e, também, muitas dúvidas. Mas, nesses 30 anos que tenho dedicado a essa tarefa, carrego comigo uma certeza que não aprendi nos bancos escolares, mas sim no convívio com meus pais no tempo em que os ajudei no supermercado: tão importante quanto o sucesso financeiro e econômico, a administração de uma pequena empresa bem sucedida depende de laços afetivos entre os que nela trabalham e os que dela dependem para a aquisição de produtos ou serviços em sua vida.
Talvez, para explicar essa presença da pequena empresa em nossa sociedade, precisamos olhar além da academia e, por exemplo, refletir sobre os versos de Pablo Neruda: "Assim cada manhã de minha vida trago do sonho outro sonho".
Há na ação dos proprietários de pequenas empresas a representação de um sonho que é renovado a cada dia. Anos depois, é bom lembrar que os sonhos de Kilda e Christovam marcam as memórias de muitos Zezinhos, Joãozinhos e Mariazinhas.