domingo, 30 de novembro de 2014

Estudos sobre empreendedorismo no Brasil - Parte 1: quem e onde se publica?

Entre e agosto e dezembro desse ano, fui convidado a ministrar uma disciplina de Empreendedorismo no curso de doutorado em Administração da Universidade Positivo. A abordagem que adotei junto com os dez doutorandos, a maioria deles professores e professoras da UEPG, foi fazer um estudo da produção recente em empreendedorismo no Brasil. Para isso, escolhemos 40 artigos publicados entre 2012 e 2014 em periódicos do campo da Administração. Discutimos quatro textos por encontro. Além dos textos selecionados, a discussão foi enriquecida por textos adicionais escolhidos pelos próprios doutorandos e por mim.

Está sendo um exercício interessante, embora algumas vezes um pouco frustrante. O último encontro será no próximo dia 2. A turma e eu estamos descobrindo que a qualidade da produção acadêmica sobre empreendedorismo no Brasil ainda é muito baixa. Entre os quarenta textos, talvez, 25% deles tenham sido conduzidos de forma cuidadosa e com resultados que ajudam a avançar no campo do conhecimento. Independente da abordagem de pesquisa adotada, quantitativa, qualitativa ou mista, mais da metade dos textos deixam a desejar quando são lidos com um olhar um pouco mais crítico. Onde será que nós, editores de revistas da área de Administração estamos errando? Há muito texto que não poderia ter sido publicado! Estamos ainda na infância do desenvolvimento dos estudos em empreendedorismo no Brasil? Será que a partir da quantidade conseguiremos chegar à qualidade?

Refletindo sobre estas questões, me coloquei uma tarefa: fazer uma revisão e avaliação da produção brasileira no campo do empreendedorismo. Um projeto de longo prazo, mas imagino quem em cerca de dezoito meses já possa ter alguns resultados que espero sejam uteis não só para mim, mas para a comunidade de pesquisadores do empreendedorismo no Brasil.

Dei a partida hoje nesse propósito. Comecei fazendo uma busca no SPELL (www.spell.org.br) para descobrir o tamanho recente da produção brasileira no tema. Usei um critério de busca simples, adotando o termo empreendedorismo e restringindo a busca por artigos que contivessem essa palavra no título ou em palavras-chave. No período entre 2009 e a data de hoje (30/11/2014) encontrei 275 artigos. Vai ser uma tarefa longa, mas tenho a impressão que me divertirei com ela! Vamos ver no que dará!

Uma primeira coisa me chamou a atenção. Ao fazer o download desses artigos fui prestando atenção nos títulos e tenho uma impressão, que ainda vou verificar é claro, de que boa parte desses textos estão falando de administração e não de empreendedorismo. Mas, por enquanto, vamos aceitar que todos tratem do empreendedorismo, já que este termo aparece nas palavras-chave ou nos títulos dos artigos. É uma evidência de que, pelo menos na visão dos autores, o empreendedorismo está sendo o foco da análise. Mas, o que significa o empreendedorismo e quando realmente o fazemos é uma ssunto que mereça nossa reflexão.

Pra começo de conversa, decidi fazer um primeiro levantamento de quantos autores estão envolvidos no estudo do empreendedorismo no Brasil. Decidi me concentrar, em primeiro lugar, na produção dos três últimos anos (2012 a 2014). Você pode querer saber por que? Fiz essa escolha, porque em 2012 foi quando surgiu a Revista de Empreendedorismo e Pequenas Empresas (REGEPE), da qual fui o primeiro editor e, agora, continuo apoiando a atual editora, Jane Mendes Ferreira, como editor adjunto. Minha intuição e experiência com o tema no Brasil me diziam que a REGEPE, depois desses três anos, já seria responsável por parte significativa da produção brasileira em empreendedorismo.

Vamos aos números então, pois acredito que você já deve estar se enchendo com essa introdução tão longa, não é mesmo?

Nesses quase três anos, foram publicados 155 artigos em 54 periódicos nacionais. Embora não seja, acredito, toda a produção brasileira, é um número razoavelmente grande de periódicos, o que me permite supor que seja representativo da produção brasileira total. A REGEPE publicou 27 artigos, ou seja, 17,4 % do total. Contando com a REGEPE, dez periódicos trouxeram a público pouco mais da metade dessa produção, 81 artigos. O restante dos trabalhos está pulverizado entre 44 revistas acadêmicas/científicas. Dezessete periódicos publicaram pelo menos três artigos sobre empreendedorismo entre 2012 e 2014. Estes podem ser um primeiro alvo para quem está pensando em publicar resultados de pesquisa ou reflexões sobre o empreendedorismo:

Periódicos
Artigos
Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas
27
Revista Pensamento Contemporâneo em Administração
10
Revista de Administração
7
Revista de Administração Contemporânea
7
Revista de Ciências da Administração
7
Revista da Micro e Pequena Empresa
6
R. Adm. FACES Journal
5
Pretexto
4
Revista de Negócios
4
Revista Ibero-Americana de Estratégia
4
Administração Pública e Gestão Social
3
Cadernos EBAPE.BR
3
Desenvolvimento em Questão
3
Estratégia e Negócios
3
Rev. Adm. Pública
3
Revista de Administração e Inovação
3
Revista Gestão Organizacional
3

Esta produção toda deveu-se ao esforço de muitos pesquisadores! A produção acadêmica sobre empreendedorismo no Brasil é um esforço coletivo. Somente dez artigos foram de autoria de apenas um autor. O padrão mais comum está entre 2 e 3 autores, 99 artigos. Há uma razoável presença também de 4 e 5 autores por artigo, 43 publicações. Seis autores por artigo foram mais raros. Isto se deve, também, ao fato de que muitos periódicos não aceitam mais que cinco autores por texto. O que na minha opinião é uma bobagem! No total foram 378 estudiosos do empreendedorismo que conseguiram publicar entre 2012 e 2014 nessas revistas brasileiras. Já imaginou esse povo marcando presença no próximo Encontro sobre Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas!

Finalizando, talvez vocês queira saber quem são os pesquisadores que mais publicaram neste período. Pode ser uma boa estratégia se aproximar deles caso você seja um novato no campo. Quinze pesquisadores publicaram pelo menos um artigo por ano nesse período. Eles estão listados a seguir. Este escriba que vos escreve tem o prazer de estar entre eles. Mas, cá entre em nós, eu já estou perdendo o fôlego! É duro acompanhar essa tropa de elite! Especialmente as mulheres, que são quatro entre os cinco mais produtivos, ou deveria eu dizer entre as cinco mais produtivas, há apenas um pesquisador! Me perdoa essa Cândido?

Autor
Artigos
Rivanda Meira Teixeira
7
Candido Borges
6
Hilka Pelizza Vier Machado
6
Cristina Dal Prá Martens
4
Gláucia Maria Vasconcellos Vale
4
Alex Fernando Borges
3
Cristiana Fernandes De Muylder
3
Fernando Antonio Prado Gimenez
3
Henrique Mello Rodrigues de Freitas
3
Juvêncio Braga de Lima
3
Louis Jacques Filion
3
Marcos Hashimoto
3
Saulo Fabiano Amâncio Vieira
3
Tales Andreassi
3

Por enquanto é isso! Essa primeira parte é só para dar um gostinho do que vem por aí!

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A BELEZA NO EMPREENDER

Nessa vida de pesquisador vou buscando ver além daquilo que me mostram os olhos e minha razão interpreta. Para isso, me apoio na emoção, essa experiência humana que os cientistas teimam em afastar da explicação científica. Mas, como sou teimoso, também, de vez em quando dou espaço para que a emoção me ajude na busca do entendimento do empreendedorismo. Uma das realizações humanas, que por ser conscientemente intencional, nos distingue de outros seres viventes. Pelo menos daqueles que compartilham nossa jornada nesse planeta Terra, que por enquanto são os únicos que conhecemos.

No último sábado, dia 15, feriado nacional, estive em Londrina, cidade onde nasci e fiz meus estudos. Foi também nessa cidade que comecei minha carreira de professor e pesquisador da gestão de pequenas empresas e, depois, do empreendedorismo. Na Concha Acústica, próximo ao prédio de apartamentos no qual mora minha mãe teve uma apresentação da Orquestra de Londrina de Viola Caipira São Domingos Sávio. A orquestra é conduzida pelo maestro Edson, que na abertura do show comentou sobre a alegria de estarem se apresentando naquele espaço. A orquestra já conta com alguns anos de vida. Os ensaios semanais ocorrem em dois lugares. Um deles, por coincidência, é a antiga sede da Associação Médica de Londrina, hoje abrigando um espaço cultural do SESI, que fica em frente à praça onde está a Concha Acústica. Segundo o maestro, durante os ensaios da orquestra, ele, por muitas vezes, imaginou o dia em que os violeiros por ele conduzidos estariam na Concha Acústica que enxergava através das janelas da sala de ensaios. Para um bom observador, era visível nos olhos do maestro a emoção vivida naquela instante.

Embalado pelas músicas que a orquestra ia tocando fui tomado por uma inspiração: há no empreender uma beleza! Entre tradicionais canções caipiras, o maestro nos apresentou outros ritmos: o batuque ou samba caipira, o valseado, o cururu e outros cujo nome não guardei. À minha frente, eu via a beleza se materializando e não pude deixar de associá-la à necessidade de realização. Essa dimensão foi sugerida por David McClelland no começo dos anos 60 do século passado, como um dos principais motivadores do comportamento empreendedor. Mas, minha ousadia quase sexagenária, me fez pensar que há algo antecedente que ajuda a explicar o comportamento empreendedor da qual não falou McClelland. Antes da necessidade de realização, passei a acreditar que empreender é guiado pela nossa constante busca da beleza. Esse conceito tão relativo que a sabedoria popular já imortalizou no velho ditado: quem ama ao feio, bonito lhe parece.
                                                                                                                         
Mas, a leitora ou leitor, com certeza me alertaria:

_ Fernando, você está falando de um empreendimento cultural, que provavelmente não tem finalidade lucrativa. Além do mais é um empreendimento voltado para uma das artes que mais nos emocionam, a música. Assim é fácil enxergar a beleza no empreender. Mas, será que ela existe em outros tipos de empreendimentos mais tradicionais, vamos dizer, onde o dinheiro é a meta de resultado mais objetiva?

Pois é, o problema de escrever para gente inteligente é esse: nunca se dão por satisfeitos! Teimam em colocar senões, poréns, noentantos, vejabens, contudos e todavias no meio da conversa! Deixando-me em uma sinuca de bico, leitor e leitora espertos! Será que consigo sair dessa! Vou tentar. O máximo que pode acontecer é eu gastar um pouco mais da bateria do computador, enquanto exerço essa deliciosa arte de refletir e escrever aguardando o vôo que me levará de volta para Curitiba.

O que não escrevi no começo é que a apresentação da Orquestra de Viola Caipira estava acontecendo como uma das comemorações que marcavam os cinco anos de criação da Rota do Café. Esta é um roteiro turístico que foi criado no norte do Paraná por um conjunto de empreendedores rurais que preservam a história e cultura das antigas fazendas de café que fizeram a fama de Londrina e região nos anos 50 e 60. Café, o famoso ouro verde que tanta riqueza trouxe para esta parte do Paraná e que uma geada negra dizimou em um inverno mais rigoroso. Isto se deu no final da década de 50, se não me falha a memória. Memória que li nos livros é claro, pois nessa época eu ainda era uma criança com dois ou três anos.

Antes da apresentação da orquestra, a coordenadora desse grupo de empreendedores fez uma breve apresentação do que é a Rota do Café. Nesta apresentação, com a presença de sete representantes dos empreendimentos rurais, percebi nos olhos da oradora a mesma emoção que estava nos olhos do maestro. Ela discorreu sobre a Rota do Café de uma forma tão bela. De novo enxerguei em seu relato a busca da beleza guiando a necessidade de realização das mulheres e dos homens empreendedores ali presentes. A beleza dos objetivos e da forma como foi surgindo a Rota do Café.

Mas, sei que o amigo leitor e a amiga leitora ainda não estão satisfeitos. Assim, faço mais um esforço de memória e vou buscar no passado momentos de conversas com empreendedoras e empreendedores. Reencontro nessas memórias, outros exemplos em que a beleza se exibiu para meus olhos, mas não dei muita bola. Por exemplo, as cinco empreendedoras de Cascavel que entrevistei sobre as suas jornadas, dois ou três anos atrás. Algumas delas me mostraram o belo no que estavam empreendendo. Enxerguei esta beleza na forma como tentavam cativar clientes, estimular colaboradores, envolver filhos e filhas na empresa, na busca de um diferencial que marcasse a trajetória empresarial. A busca da beleza guiou essas mulheres também em suas ações empreendedoras.

Quer mais um exemplo? Na semana passada conduzi um debate com três jovens empreendedores: o criador de uma revista de disseminação científica, um dos fundadores de uma escola de empreendedorismo e uma consultora de empresas. Isto foi durante O V encontro sobre Inovação e Empreendedorismo na UFPR. Na história de cada um deles houve momentos em que a beleza se manifestou. Cada um a seu jeito, com seus empreendimentos, buscava um mundo melhor. Mas, você já parou pra pensar o que significa um mundo melhor? Entre outras coisas, um mundo melhor tem que ser um mundo mais belo!

O argumento ainda está fraco, pouco racional, eu sei! Além do mais, está chegando a hora do embarque. Vou parar por aqui. Prometo que não vou escrever nada depois, nem revisar o texto antes de postá-lo em meu blog.

Mas, você que me lê há de concordar: falar da beleza envolve muito mais a sensibilidade do que a razão. Não lhe convenci? Não importa, mas para mim, a partir de agora, tenho mais alguma coisa para observar em minhas conversas com as mulheres empreendedoras e com os homens empreendedores: a beleza no empreender. Afinal de contas, quem ama o feio, bonito lhe parece!

P.S.: Meu voo foi atrasado em três horas! Mas mantive a promessa feita acima. O texto não sofreu edição antes de vir parar aqui.