Para Elza, Zig, Belmiro, Maria Alexandra e Jane
Há algum tempo esse texto vem amadurecendo em minha mente. Ontem, finalmente, um encontro com três amigas e um amigo, durante a defesa da tese de Elza Hofer, funcionou como o catalisador que faltava para que a escrita se concretizasse.
Desde minha infância fui um leitor voraz. Frequentador assíduo das bibliotecas do Colégio Londrinense e do Instituto Filadélfia, onde fiz meus estudos primários e ginasiais, hoje denominados fundamental e médio. Buscava semanalmente livros da literatura brasileira e estrangeira. Nos primeiros anos, guiado pelas professoras, mas na adolescência sendo capaz de exercitar minhas escolhas.
É da adolescência que me ocorrem duas lembranças de leituras: meu primeiro contato com Jorge Amado; e um livro com o título "O que faz em cientista?" de George H. Waltz Jr, publicado em 1964 no Brasil, mas cujo original em lingua inglesa é de 1959.
Em um dos meus aniversários, durante minha adolescência, minha mãe me presenteou com o "Tenda dos Milagres" de Jorge Amado, cujo centenário de nascimento se comemora em 2012. Embora não me lembre com detalhes da estória narrada por Jorge Amado, essa leitura foi tão marcante para mim que após seu término, comecei a buscar outros romance do autor. Li Jubiabá, Teresa Batista Cansada de Guerra, Capitães de Areia, Cacau, O País do Carnaval, entre outros. Capitães de Areia foi transformado em um filme pela neta de Jorge Amado, Camila Amado. Um filme muito bonito, que ao final faz, em minha interpretação, uma homenagem àqueles(as) que escolheram ser professores(as). Um dos meninos que fazia parte do bando "Capitães da Areia" tinha o apelido de Professor.
Em Tenda dos Milagres, há uma personagem central, intelectual negro pouco valorizado no Brasil, Pedro Archanjo, que é revelado aos brasileiros por um estrangeiro, ganhador do prêmio Nobel, que vem à Bahia em busca de quatro livros de Pedro Archanjo. Jorge Amado me conquistou pelo estilo, pela descrição de uma região brasileira, então quase desconhecida para mim, mas também pela constante oposição, em seus livros, entre um desejo libertário muito grande do autor e as forças conservadoras e preconceituosas da elite brasileira. É claro que a linguagem pouco convencional, com alto grau de erotismo em muitas passagens, também atraiu aquele adolescente no final dos anos 60 e inicio dos 70.
Na mesma época, não tenho certeza se foi no mesmo aniversário, Irma, amiga de minha irmã, levou-me de presente um livro que fora comprado por sua mãe, Dona Rina. O livro era o de George H. Waltz Jr. Me lembro até hoje de Irma me dizendo:
_ Fernando, foi minha mãe que comprou. Ela acha que você vai gostar muito.
Dona Rina estava certa! Naquela época já começava a surgir a preocupação que todos temos um dia: o que eu vou ser na vida? Esse livro apresenta pequenas histórias de vida de cientistas americanos. O livro surgiu no contexto da disputa entre Estados Unidos e União Soviética, que em 1959 havia lançado o satélite Sputinik. Segundo o autor a intenção era valorizar para o público em geral a carreira de cientista como uma opção profissional importante. Nas suas próprias palavras:
"Seu principal objetivo é apresentar ao leitor um retrato do cientista exatamente como ele é - uma pessoa que apenas aprecia a ciência, da mesma forma que um advogado gosta das leis, que um médico gosta da clínica ou que um homem de negócios aprecia o movimento quotidiano das transações."
Mas, voltando à minha reflexão, li o presente de Irma e Dona Rina com muita vontade. Tanto é que ele ficou em algum lugar de minha mente e, movido por essa lembrança, procurei um exemplar recentemente, já que o de minha infância sumiu. Tive a felicidade de encontrá-lo em um sebo atrás do teatro Guaíra. Meu primeiro vestibular acabou sendo para Engenharia.
Nessa mesma época, lembro-me que minha mãe decidiu levar todos os filhos para uma sessão de orientação vocacional. Era uma coisa nova que havia surgido e alguém estava oferecendo esse serviço em Londrina. Lá fomos nós para o Colégio Estadual Vicente Rijo, na avenida Higienópolis, pois a orientação vocacional estava sendo feita lá. Lembro-me de ter passado um bom tempo lidando com um formulário imenso. Tinha que indicar minhas escolhas entre conjuntos de palavras, responder perguntas, fazer associações de ideias, e sei lá o que! Depois disso, tinhamos uma sessão de orientação com uma profissional. As palavras que ouvi me perseguem desde então:
_ Fernando, parece que seus interesses lhe dão condições de buscar qualquer área de atuação. Você poderá ir bem nas ciências exatas, nas humanas ou nas biológicas. Ou seja, depois da sessão, apesar do ego inchado (sou um gênio, posso fazer qualquer coisa!), continuei do mesmo tamanho: o que que eu vou fazer?
Refletindo hoje sobre essa memória, talvez eu devesse ter ido atrás da Astrologia! Como todo geminiano, tenho pelo menos duas facetas muito fortes, razão e emoção estão constantemente em luta dentro de mim. É óbvio que isso se reflete em minha vida acadêmica. Pois é, virei professor, algo que nunca passou pela minha cabeça, e que só ocorreu porque em agosto de 1981, dois ex-professores, Nardir e Genésio, resolveram me convidar para ser docente do departamento de Administração da UEL. Costumo brincar que sou um pesquisador Macunaíma, assim como o anti-herói de Mário de Andrade, sem nenhum caráter! Diferentes abordagens de pesquisa, com métodos quantitativos ou qualitativos, me atraem de igual maneira.
E é nessa linha que ontem aprendi algo com Maria Alexandra Cunha, minha colega no PPAD da PUCPr. Maria Alexandra, ao fazer seus comentários e apreciação crítica sobre a tese da Elza, sugeriu que Elza deveria incluir uma sessão no seu trabalho onde ela se apresentasse como pesquisadora: quem é Elza Hofer? Essa sugestão decorreu do fato de Elza ter adotado uma abordagem interpretativa para estudar a influência da cultura local sobre a exploração de oportunidades empreendedoras. Segundo Maria Alexandra, para que um leitor possa apreciar de forma mais completa um trabalho desenvolvido sob uma perspectiva interpretativa, ele precisa conhecer melhor quem fez as interpretações. Extremamente lógico!
Aliás, foi o que Jane Mendes Ferreira fez em sua tese de doutorado sobre mulheres empreendedoras. Jane também participou da banca junto com a Zig (Sieglinde Kindl da Cunha) e Belmiro Valverde Jobim Castor. Foi um privilégio para mim, e com certeza para a Elza também, ouvir as críticas, comentários e sugestões desses professores brilhantes.
Foi assim, nesse encontro com essas pessoas maravilhosas, que pude aprender um pouco mais sobre como pesquisar e apresentar o que descobrimos. Aliás, tenho que reconhecer que meus orientandos sofrem as consequencias de uma fraqueza minha: não consigo dar a devida atenção às questões de método e, invariavelemte, meus orientandos aprendem mais sobre isso quando já estão defendendo seus trabalhos.
Mas, a culpa não é minha! Sou geminiano e, mesmo na academia, não consigo resistir a outros apelos que não apenas aos da razão. Há poucos dias assisti no cinema a "Violeta foi para o céu". Filme emocionante que relata a vida de Violeta Parra, essa artista chilena, música e pintora, cujas composições foram imortalizadas por Mercedes Sosa. Violeta teve uma vida curta entre 1917 e 1967. Saiu voluntariamente da vida. No filme, uma frase sua me marcou profundamente: "a criação é um pássaro sem plano de voo, nunca voa em linha reta". Muitas vezes, na pesquisa, esqueço meu plano de voo.
Concluindo, espero que, ao final do esforço de realizar uma dissertação ou tese, além da coerência no discurso escrito e na consistência do relato, meus orientandos possam ter valorizado a trajetória e tenham feito escolhas que lhes foram significativas. Enquanto isso, esse orientador continua sua busca de equilíbrio entre razão e emoção: a sina de um geminiano!
Fernando.
ResponderExcluirÀs vezes, ao escolher uma trajetória para uma viagem, tenho que escolher uma auto-estrada. É mais reta e, quando tem curvas, elas são suaves. É mais rápida, mais segura e cuidada, o trajeto é menor, os mapas são mais precisos. Mas, quando as circunstâncias não me obrigam, prefiro as estradas que foram sendo construídas pela vida do povo. Têm mais curvas, são mais lentas, o risco de acidentes é maior, podemos nos perder. Mas as paisagens são mais bonitas, as descobertas são melhores, entendemos melhor a vida das pessoas que as traçaram. É bom saber que há outras pessoas que, como eu, preferem os caminhos menos definidos. Só acho que não deves pôr a culpa nos astros. Sou capricorniana (só razão!) e, racionalmente, incluo-me no teu time. Mesmo na pesquisa, vale um percurso menos reto. Quase sempre as descobertas "durante" são muito melhores do que o destino que queríamos encontrar no fim da viagem.
Obrigada pelo teu texto,
Xana