Foi há poucos anos que ouvi falar a respeito do romance A Montanha Mágica de Thomas Mann. Por que será que nos meus anos de formação esse livro não chegou às minhas mãos? Por que minhas professoras e meus professores não me contaram sobre esse livro? Ou será que eu não prestei atenção?
De Thomas Mann só conhecia A Morte em Veneza, pequeno romance transformado em filme inesquecível por Luchino Visconti em 1971. Presenças marcantes de Dick Bogarde como um compositor que vai a Veneza descansar e de Silvana Mangano que representa a mãe de Tadzio, adolescente que passa férias com a mãe e as irmãs naquela cidade italiana. O filme trata da paixão platônica do compositor pelo jovem e aborda a questão do ideal da beleza representado pelo jovem Tadzio e, de forma discreta, trata também do homossexualismo.
Mas, a Montanha Mágica chegou às minhas mãos apenas recentemente. Terminei a leitura, feita em doses homeopáticas quase que diárias, pois a edição em português que li chega às 957 páginas! Esforço prazeroso pois a história de Hans Katorp, jovem que vai visitar o primo Joachin internado em hospital para tubeculosos nos Alpes suíços é emocionante. Chegando lá, tem sua estadia prolongada em função do diagnóstico de que é portador da mesma doença do primo. O livro narra os setes anos em que Hans viveu nesse espaço e aborda, de forma sublime e magistral, a relação subjetiva que temos com o tempo e as inúmeras facetas dessa maravilhosa jornada que é a vida humana: amor, política, ciúme, prazer, dor, sexo, morte, guerra, religião, filosofia, artes, música, medo, humor, doença, saúde, desdém, repulsa, vingança, ou seja, quase tudo que se puder pensar que faça parte do ser humano. Até mesmo a sustentabilidade que parece uma discussão tão recente!
Pois é, em uma passagem do romance, Mann fala do projeto de um escultor austríaco que, em conversa com Hans Kastorp, se mostrara tão fanaticamente envolvido com idéia, mas não evidenciava propensão concreta a realizá-lo. Será que Mann, por meio desse personagem, já estava nos alertando sobre a dificuldade inerente à realização da busca da sustentabilidade em nossa sociedade?
Vejam o projeto que aparece às páginas 845 e 846 do romance:
Um antigo escultor, natural de uma província da Áustria, homem de certa idade, com um bigode branco, nariz adunco e olhos azuis, concebera um projeto político-finaceiro que caligrafara, sublinhando os trechos decisivos com pinceladas de tinta nanquim. Esse projeto tinha o seguinte objetivo: cada assinante de jornal deveria ser obrigado a entregar no primeiro dia de cada mês uma quantidade de papel de jornal velho que correspondesse a 40 gramas por dia. Isso importaria anualmente a cerca de 1.400 gramas, e em vinte anos em nada menos de 288 quilo, os quais, à base de um preço de 20 pfennigs por quilo, representaria um valor de 57,60 marcos. Cinco milhões de assinantes - assim prosseguia o memorando - entregariam, portanto, em vinte anos a soma formidável de 288 milhões de marcos, dois terços da qual poderiam ser deduzidos das assinaturas, ao passo que o resto, aproximadamente cem milhões de marcos, seriam aproveitados para fins humanitários, como por exemplo, o financiamento de sanatórios populares para tísicos, subvenções para talentos, pobres etc.
Mais à frente, Mann continua a descrição do projeto:
O gesto insensato e a destruição de papel de jornal, que a gente mal-avisada ainda desperdiçava em cloacas ou fogões, constituía alta traição às nossas florestas e um golpe contra a economia nacional. Poupar papel, guardar papel, significaria conservar e economizar celulose, árvores, máquinas, que a fabricação de pasta mecânica e de papel desgastava, como também seriam menos exigidos o capital e o material humano. Acrescia a isso o fato de o papel de jornal velho adquirir facilmente o quadruplo valor pela transformação em papel de embrulho ou em papelão, de maneira que seria capaz de se converter num fator econômico de vasta importância e em fundamento de rendosos impostos estaduais ou municipais, ao passo que os leitores de jornais veriam suas contribuições aliviadas.
Impressionante! Em 1924, em seu romance, Mann já defendia o que hoje denominanmos tripé da sustentabilidade: a preocupação econômica, ambiental e social. Está tudo aí!
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