domingo, 5 de julho de 2020

Entre medos e conversas, a vida seguia no Supermercado Gimenez

Para contar memórias é preciso afeto. Essa frase me veio à mente, ontem à noite após assistir Divinas Divas de Leandra Leal. Neste documentário de 2017, Leandra Leal narra parte da trajetória de oito travestis pioneiras do show business brasileiro: Rogéria, Marquesa, Eloína dos Leopardos, Valéria, Camille K, Fujica de Holliday, Jane di Castro e Brigitte de Buzios. A história das oito é contada, a partir de memórias de Leandra sobre o Teatro Rival. Este foi de propriedade de seu avô, Américo Leal e depois herdado por sua mãe, Ângela Leal.
O documentário retrata parte dos preparativos e ensaios para um show das oito travestis que seria apresentado no Teatro Rival. Além do enorme afeto que Leandra Leal demonstra por suas personagens, saltam da história as memórias afetivas de Leandra por esse espaço, em que conviveu com as mesmas personagens desde criança. Uma obra prima este filme de Leandra!
Tenho dedicado alguns textos neste blog às minhas memórias do Supermercado Gimenez. Assim como o documentário de Leandra, embora em contexto muito diferenciado do Teatro Rival, minhas memórias vêem carregadas de afeto. Além do afeto, tento revelar em minhas memórias aprendizados da gestão de pequenas empresas que adquiri ao longo de cerca de oito anos trabalhando com meus pais e meus irmãos, Christovam e Arlindo, no Supermercado Gimenez. São memórias carregadas de afeto também!
As lembranças de hoje vêem da presença de outros atores nesta história. É provável que estas lembranças tenham sido aguçadas por dois textos.
O primeiro é a tese de doutorado de Raquel Monn de Camargo sobre o gerenciamento do medo na ação estratégica de proprietários/dirigentes de pequenas empresas. Medo! Emoção tão presente no dia a dia de pequenas empresas. Daqui dois dias Raquel estará defendendo sua banca frente a uma banca de professores, dos quais eu serei um.
O outro texto é um artigo que escrevi junto com Luiz Eduardo Araujo em que discorremos sobre conversas estratégicas de dirigentes de pequenas empresas como parte de suas decisões sobre ações competitivas no mercado. São histórias coletadas por Luiz Eduardo, professor da Universidade do Norte do Paraná no campus de Cornélio Procópio, cuja narrativa esperamos seja publicada em periódico brasileiro em breve. Estas histórias são sobre conversas que dirigentes de pequenas empresas têm com outras pessoas, tais como, clientes, fornecedores, e profissionais do mercado, que acabam auxiliando em suas decisões.
As histórias contadas por Raquel e por Luiz Eduardo e eu estão carregadas de emoções. Positivas ou negativas, elas fazem parte da vida em pequenas empresas.
Pois então, é desse emaranhado de narrativas que surgiram dois personagens da história do Gimenez: um advogado e um contador.
O primeiro, Dr. Diáoli Lopes Busse, que além de freguês, prestava serviços jurídicos a seu Gimenez e empresa quando necessário. O segundo, seu Agídio, cujo sobrenome esqueci, era nosso contador sempre disposto a resolver eventuais problemas do Supermercado Gimenez com o fisco e apoiando as atividades da empresa com os serviços contábeis e de registro e controle de empregados.
Deste, me lembro sempre da pergunta que vinha do outro lado do telefone quando meu pai me pedia para ligar para seu Agídio e pedir para ele preparar um balanço anual da empresa. Seu Agídio perguntava:
_ É para banco ou para o fisco?
Dependendo da resposta, vinha um balanço demonstrando uma boa situação da empresa, o que facilitaria a obtenção de um eventual empréstimo junto aos nossos bancos. Ou, de outra forma, um balanço menos favorável mostrando que a empresa já tinha recolhido os impostos devidos. Em qualquer situação, eram peças de ficção! É notória a impossibilidade de registros reais do desempenho de pequenas empresas. O supermercado Gimenez não era exceção a esta regra.
Do segundo, o advogado, me veio à lembrança um momento de crise. Meu pai andava nervoso com problemas de fluxo de caixa. Muitas duplicatas para pagar. Vendas andavam fracas. Algumas duplicatas já em cartório perto do protesto. Dr Diáloli apareceu para fazer compras. Depois, enquanto eu carregava as compras do Dr. Diáloli até seu carro, meu pai nos acompanhou. Ouvi a conversa. Meu pai queria que o advogado entrasse com um pedido de concordata. Achava que a situação estava muito difícil. Foi um momento de medo para mim. Será que a empresa da família fecharia?
Dr. Diáloli ponderou com meu pai:
_ Gimenez, tem certeza disso? É um processo complicado?
Meu pai respondeu:
_ Tenho muitas duplicatas a pagar. As vendas estão fracas.
Sensato, Dr. Diáloli perguntou sobre os salários dos empregados.
_ Estão em dia. Foi a resposta de meu pai.
Então Dr. Diáloli, completou:
_ Gimenez - era assim que ele sempre chamava meu pai - vou estudar o assunto. Mas, você também pense bem sobre a questão. É um passo delicado.
Dias depois, lá estava eu ligando pro Seu Agídio:
_ Seu Agídio, precisamos de um balanço do ano passado.
Do outro lado, a pergunta de sempre:
_ Pro banco ou pro fisco?
_ Pro banco. Foi minha resposta.
Meu pai tinha negociado um empréstimo de capital de giro no Banco do Brasil. O balanço era apenas uma formalidade. A história de seu Gimenez e do Supermercado Gimenez eram mais do que suficientes para o gerente aprovar o empréstimo. Mais uma crise e muitas emoções tinham sido vividas.
E por falar em telefonemas, um pouco de humor para finalizar esta história. Quando tínhamos que fazer algum contato com Dr. Diáoli, fosse em seu escritório ou na sua casa, depois do alô do outro lado da linha, vinha nossa pergunta:
_ O Dr. Busse tá?
A gente se divertia muito. Bom humor! Outra emoção indispensável no dia a dia das pequenas empresas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário