terça-feira, 15 de novembro de 2022

Ensaio para um ensaio - Ecossistemas empreendedores culturais: a intersecção de ecossistemas culturais e ecossistemas empreendedores

Neste reflexão inicial para um ensaio, a partir de análise da literatura sobre empreendedorismo cultural, ecossistemas empreendedores e ecossistemas culturais, argumento a favor da existência de um ecossistema empreendedor cultural na intersecção de ecossistemas empreendedores e culturais. Ademais, proponho um conjunto de elementos e fatores que integram um ecossistema empreendedor cultural e sugiro a necessidade de entendimento da dinâmica do surgimento e evolução dos ecossistemas empreendedores culturais. Finalizo, argumentando que a pesquisa sobre ecossistemas empreendedores culturais pode gerar conhecimento novo sobre o empreendedorismo cultural, numa perspectiva sistêmica, com resultados que podem ser úteis na formulação e implantação de políticas culturais em uma região.
Inicio com reflexões com base em meu conhecimento anterior das literaturas sobre empreendedorismo cultural, ecossistemas empreendedores e políticas públicas. A inspiração para o tema do ensaio surgiu na leitura da apresentação de uma antologia poética em que Freitas (2022: p. 7) afirmou que “muitos instrumentos precisam funcionar uníssonos para a criação de um ecossistema cultural fecundo”. Instigado pelo uso do termo “ecossistema cultural”, em livro de poesias, busquei no google acadêmico por textos que tratassem do tema a partir das palavras-chave “ecossistema empreendedor” e “ecosistema cultural”. Localizei pouquíssimos estudos prévios com esta terminologia: um no campo da linguística (Couto, 2018);  e um no campo da economia da cultura (Holden, 2015). A partir da leitura desses textos, identifiquei a similaridade de ecossistemas culturais com ecossistemas empreendedores, enxergando-os como sistemas ou conjuntos de elementos distintos em cuja intersecção estariam ecossistemas empreendedores culturais.
Ecossistemas Empreendedores é tema de pesquisa recente que procura explicar como uma região pode se tornar mais propensa ao surgimento de novas iniciativas empreendedoras. Centrada nos empreendedores, esta abordagem foca no entendimento dos determinantes culturais, sociais, políticos, institucionais e materiais que permitem a potenciais empreendedores aproveitarem oportunidades para empreender e criar valor para a sociedade a partir de inovações. Ecossistemas empreendedores são, em geral, tratados como multisetoriais e, recentemente, sustentáveis. No campo da economia da cultura, surgiu recentemente uma perspectiva de análise denominada de ecossistema cultural em que se procura enfatizar as condições que permitem que determinados produtos ou produtores culturais floresçam, enquanto outros não são bem-sucedidos. Por outro lado, empreendedorismo cultural é tema que tem atraído atenção crescente na literatura. Seria possível, então, que na intersecção de ecossistemas empreendedores e ecossistemas culturais, existam ecossistemas empreendedores culturais? E que implicações esta abordagem traria para formulação e implantação de políticas culturais?
Segundo Stam (2015), a abordagem dos ecossistemas empreendedores traz uma nova visão econômica de pessoas, redes e instituições em que se busca entender como determinada região torna-se um ambiente favorável para o surgimento de novos empreendedores que produzirão efeitos benéficos em termos de desenvolvimento social e econômico. Na literatura existente sobre ecossistemas empreendedores, muitos esforços têm sido direcionados para operacionalizar o conceito de ecossistema empreendedor, identificando e descrevendo seus componentes, apontando sua relevância para orientar a formulação e implementação de políticas públicas e debatendo o nível geográfico adequado para sua aplicação (Roundy, Brockman, & Bradshaw, 2018; Audretsch, & Belitski, 2017; Stam, & Van De Ven, 2021). 
Por sua vez, empreendedorismo cultural pode ser entendido como a exploração de oportunidades por meio da oferta de produtos e serviços que comunicam um valor simbólico e cultural (Rea, 2008; Kolsteeg, 2013). Por fim, a ideia de um ecossistema cultural, como apontado por Holden (2015), resulta de uma abordagem ecológica da cultura que enfatiza o entendimento das relações complexas e de interdependência entre os fatores sociais e de mercado que estão presentes na demanda e oferta de produtos culturais e artísticos. Centrais nessa abordagem são a emergência, crescimento, interdependência, redes e evolução do ecossistema cultural.
Ecossistemas empreendedores e ecossistemas culturais podem ser vistos como fenômenos complexos em que múltiplos elementos e atores interagem gerando valores de diversas naturezas para a sociedade. Ambos, são integrados por fatores materiais, sociais, políticos e institucionais que podem gerar um ambiente em que oportunidades empreendedoras sejam iniciadas. A intersecção desses dois tipos de ecossistema se constitui em um ecossistema empreendedor cultural. Dessa forma, a descrição de um ecossistema empreendedor cultural pode ser apreendida a partir de seus atores e elementos: empreendedores culturais (potenciais e existentes); políticas de apoio à produção e difusão culturais; acesso e disponibilidade de fontes de financiamento (recursos públicos, investidores, fontes de capital); demanda por bens culturais; infraestrutura tecnológica e física para a produção e disseminação de bens culturais; instituições de ensino e formação; e profissionais do campo da cultura. Relevante também é a discussão da dinâmica evolutiva de ecossistemas empreendedores culturais de forma sustentável. De que forma, as conexões entre os diversos atores e instituições que integram um ecossistema empreendedor cultural permitem que esta evolua ao longo do tempo e produza valores sociais e econômicos sustentáveis?
Em suma, ecossistemas empreendedores são espaços de empreendimentos de mercado em que predomina uma lógica de competição, enquanto os ecossistemas culturais se referem ao surgimento de ações que criam predominantemente valor simbólico e de compartilhamento social. Apesar de ocuparem espaços e papeis sociais distintos, ambos os tipos de ecossistemas podem apresentar uma dupla lógica de ação em que convivem aspectos de mercado e aspectos simbólicos. Essa dupla lógica presente em ambos os ecossistemas permite que se enxergue na sua interseção a presença de empreendedores culturais ofertando bens e/ou serviços carregados de valor simbólico e econômico ao mesmo tempo, contribuindo para o desenvolvimento da região em que se inserem.
Esses apontamentos ligeiros e iniciais sugerem a relevância de investigar quais aspectos do campo da economia criativa e do empreendedorismo cultural para ampliar o entendimento de ecossistemas empreendedores culturais. Por exemplo, o reconhecimento desse fenômeno e sua investigação científica podem trazer novos insights para o campo de políticas públicas culturais e de empreendedorismo. Assim, de seu aprofundamento podem surgir novos estudos de caráter teórico e empírico, tais como: a necessidade de entender os processos de liderança em ecossistemas empreendedores culturais, suas diversas configurações e impactos na criação de valor social e econômico. Por fim, enfatizo a necessidade de um olhar holístico de políticas públicas voltadas para ecossistemas empreendedores culturais.

Referências:

Audretsch, D. B., & Belitski, M. (2017). Entrepreneurial ecosystems in cities: establishing the framework conditions. The Journal of Technology Transfer, 42(5), 1030-1051.

Brown, R., & Mason, C. (2017). Looking inside the spiky bits: a critical review and conceptualisation of entrepreneurial ecosystems. Small Business Economics, 49(1), 11-30.

Couto, H. H do (2018). Ecosistema cultural. Ecolinguística: Revista Brasileira de Ecologia e Linguagem, 4(1), 12-26.

Freitas, C. (2022). Apresentação. In C. Vianna (Org.) Nova Antologia de Poetas Londrinenses. Londrina: Atrito Arte, 2022.

Holden, J. (2015). The Ecology of Culture. Swindon, Wiltshire: Arts and Humanities Research Council.
Kolsteeg, J. (2013). Situated cultural entrepreneurship. Artivate: A Journal of Entrepreneurship in the Arts, 2(1), 3-13.

Rea, C. G. (2008). Comedy and cultural entrepreneurship in Xu Zhuodai’s “Huaji Shanghai”. Modern Chinese Literature and Culture, 20(2), 40-91.

Roundy, P. T., Brockman, B. K., & Bradshaw, M. (2018). The resilience of entrepreneurial ecosystems. Journal of Business Venturing Insights, 8, 99-104.

Stam, E. (2015). Entrepreneurial ecosystems and regional policy: a sympathetic critique. European Planning Studies, 23(9), 1759-1769.

Stam, E., & Van De Ven, A. (2021). Entrepreneurial ecosystem elements. Small Business Economics, 56(2), 809-832.

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