Nem
sempre tudo foi tranquilo no Supermercado Gimenez. Aliás, em uma pequena
empresa, deve-se dizer, tranquilidade é um fenômeno pouco comum. As incertezas
sobre a continuidade do negócio, as dificuldades de fluxo de caixa, pressões
dos fornecedores, conflitos familiares, as visitas periódicas da fiscalização,
problemas de relacionamentos entre empregados, dos patrões com os empregados, clientes
insatisfeitos com algum produto ou atendimento, e assim a lista de situações
que afetam a tranquilidade de um pequeno empreendimento vai crescendo. Mas, no
geral, havia períodos de relativa estabilidade em que tudo corria como
esperado.
Foi
em um desses períodos, em que a vida corria tranquila, que passamos por um
susto muito grande. Meu pai tinha um hábito que se provou perigoso. Todo dia
pela manhã, de segunda a sexta, por volta das dez horas, ele pegava o dinheiro
do faturamento do dia anterior, colocava em um saquinho marrom, desses que são usados
ainda hoje pelo pequeno comércio, entrava no carro que ficava estacionado em
frente ao prédio do supermercado e ia para os bancos. Em geral, Banco do
Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco América do Sul. Os dois primeiros na Avenida
Paraná, que depois virou o calçadão. O último na Rua Sergipe.
Andava
pelo centro de Londrina com o dinheiro nesse saquinho! Só acabava quando saía
do último banco a ser visitado. Nesses momentos, fazia também o pagamento das duplicatas e outros compromissos. Eram tempos anteriores à Internet! Embora o faturamento não fosse muito volumoso,
eventuais necessidades de empréstimos, faziam com que o relacionamento com mais
de um banco, permitisse maiores chances de negociação e obtenção de alguma
condição mais favorável.
Era
uma rotina! Cinco vezes por semana. O mesmo comportamento se repetia no meio da
tarde. Certo dia, na saída pela manhã, uma segunda-feira, assim que meu pai
saiu pela porta, um homem deu voz de assalto. Pegou o dinheiro e fugiu em um
carro. A reação de meu pai foi inesperada e rápida. No mesmo momento, um
freguês habitual e amigo estava estacionando em frente. Meu pai correu até o
carro do freguês, entrou e falou:
_
Segue aquele carro!
Coisa
de filme policial, não? Minha mãe, os empregados e empregadas do supermercado
ficaram atônitos. Sem muita noção do que estava acontecendo. E sem como se
comunicar com meu pai. Não havia celulares naquela época. Horas depois, meu pai
chegou. Muito nervoso e contou o que tinha acontecido.
Conseguiram
seguir o carro dos bandidos. Eram dois. Foram até uma casa na Vila Casoni. Meu
pai e o cliente foram até a delegacia que ficava na Rua Sergipe. Levaram alguns
policiais até a casa. Os policiais entraram na casa. Os ladrões fugiram. Na
casa, na garagem, ficou o carro. Dentro do porta-malas do carro, meu pai encontrou
a escritura de uma propriedade em uma cidade do interior de São Paulo. Trouxe
com ele. Um dos policiais envolvidos era um renomado corrupto da cidade. Meu
pai desconfiou de algum acerto entre ele e os bandidos, mas não pode provar
nada.
Após
o relato, algumas das moças que trabalhavam nos caixas, lembraram-se da figura
do assaltante. Ele tinha ido várias vezes ao mercado fazer pequenas compras e
ficava algum tempo de conversa mole com as moças. Estava observando os hábitos
de meu pai. Felizmente, ninguém ficou ferido. Mas, meu pai teve que negociar um
empréstimo com um dos bancos para fazer face aos compromissos. O dinheiro
levado era de um final de semana, que sempre tinha um movimento maior. Não sei
em que banco ele conseguiu as melhores condições daquela vez.
A
escritura da propriedade que era de um dos bandidos, conhecido na sua cidade,
foi usada em um processo para tentar reaver o fruto do roubo. Muito tempo
depois, houve notícias de que um dos ladrões havia sido preso no interior de
São Paulo. Um deles procurou meu pai, certa noite, em nossa casa. Foi outro
susto! Minha mãe e eu também estávamos na casa. Mas, não houve violência. Ele
veio negociar algo a respeito do processo.
Nesse
ponto minha memória da história já não é confiável. Mas, me lembro de que havia
algo relacionado à mulher do que estava preso. Ela estava em dificuldades
financeiras e precisava negociar a propriedade que estava presa no processo. O
que lembro é que chegaram a um acordo. Meu pai conseguiu, muito tempo depois,
recuperar parte do que havia sido roubado.
Depois desse assalto,
passamos a variar os horários de saída para os bancos. Lembro-me que meu pai
passou a usar uma pasta de couro para carregar o faturamento e os documentos. Os saquinhos
marrons foram abandonados. Eu e meus irmãos, também, passamos a fazer este
trabalho. Tanto é que, certa vez, tinha ido de carro para fazer isso. Depois,
voltei a pé para casa. Esqueci o carro estacionado em algum lugar do centro da
cidade. A distância não era muito grande. Entre um quilômetro e meio e dois! Uma
caminhada agradável. Mas, esta é outra história.
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