Nesse
momento de pandemia do Covid 19, a ideia do delivery
se tornou obrigatória para a maioria dos empreendimentos comerciais. A
imposição ou recomendação de isolamento social em muitas cidades fez com que
essa forma de venda se expandisse muito. Com a disponibilidade dos aplicativos
e dos sites de vendas online, se
multiplicaram as possibilidades de atendimento às necessidades de consumo da
população. Mas, todo mundo sabe que isto já estava acontecendo há, pelo menos,
uns cinco anos ou mais. O delivery, com esse nome, pode ser uma novidade. Mas,
com outro nome, ele já acontecia há décadas.
Nesses
dias que tenho permitido à minha mente viajar por lembranças do tempo em que
trabalhei com meus irmãos e meus pais no Supermercado Gimenez, me veio à mente
mais uma história envolvendo o José, um dos motoristas que trabalharam no
Supermercado Gimenez. A principal função dos motoristas era fazer entregas a
domicílio com a Kombi do mercado, mas ajudavam em outras tarefas quando não
havia entregas a serem feitas.
Essas
entregas surgiam de duas maneiras: fregueses que faziam compras presencialmente
e solicitavam que fossem levadas para suas casas; ou compras feitas pelo
telefone, que eram preparadas por alguma de nossas funcionárias e depois encaminhadas
às casas dos clientes.
Esse
serviço de entrega a domicílio, o que hoje chamam delivery, era comum no comércio daquela época. Certo dia, José
chegou para mim, ou para minha tia Amélia, que trabalhou conosco por algum
tempo, e disse:
_
Não vou mais fazer entrega na casa da fulana (não vou usar os nomes
verdadeiros, para não criar nenhum constrangimento, apesar da fulana já estar
morta há muito tempo).
Essa
decisão do José foi uma surpresa para nós. O que será que teria acontecido? Foi
a pergunta feita a ele, que respondeu:
_
Então, lá naquela casa as pessoas andam só de calcinha e cueca. Eu não posso ir
fazer entregas lá.
José
era devoto de uma denominação religiosa muito rigorosa. E a casa da fulana era
conhecida por ser frequentada por muitos jovens, homens e mulheres, que eram
adeptos de uma vida mais livre, sem muito apego às convenções sociais. A fulana
era filha de um empresário bem sucedido da cidade. E as compras daquela casa
sempre eram muito volumosas. Além disso, eram compras feitas no velho sistema
de “assinar as notas” que seriam pagas no começo do outro mês pelo pai. “Assinar
as notas” era uma evolução das antigas cadernetas de fiado usadas pelo comércio
varejista. Uma prática que meu pai e minha mãe adotaram por muito tempo na
época da Casa Gimenez. Dia sim, dia não, a fulana ligava para o Supermercado
Gimenez e fazia um pedido de entrega.
Pois
então, não dava pra gente dizer para a fulana ou o pai dela que não faríamos mais
entregas naquela casa. No começo do mês a conta paga pelo pai da fulana era
significativa. Não podíamos abrir mão daquele faturamento. Felizmente, naquela
época os três irmãos – Christovam, Arlindo e eu – já éramos motoristas e
passamos a levar as compras na casa da fulana. Pelo menos no meu caso, não me
lembro de ver os jovens circulando pela casa de cueca ou calcinha. Em geral, a
empregada da casa era quem recebia as entregas. E, sempre, devidamente vestida,
até uniformizada! Assim, preservamos os princípios religiosos do José, que
continuou fazendo as demais entregas, exceto quando, como já contei em outro
texto, meu irmão mais velho fazia questão de fazer alguma entrega mais especial.
Tem
outra coisa relacionada às entregas a domicílio que me fez refletir sobre os
tempos do Supermercado Gimenez. Hoje a prática do delivery é tão comum, que não penso ser possível algum negócio
deixar de utilizá-la. Mas, naquela época os pedidos por telefone e posterior entrega
a domicílio foram foco de muito debate entre os supermercadistas de Londrina.
Nosso
supermercado era vinculado à associação de supermercados. Pelo menos uma vez
por mês, participávamos de reuniões com os demais para discutir assuntos da
classe. Volta e meia a questão das vendas por telefone, que continuávamos fazendo,
era lembrada e criticada. A lógica dessa crítica residia no fato de que a
criação das então chamadas “lojas de autosserviço” era uma inovação que deveria
estimular o cliente, ao circular livremente pela loja, fazer compras mais
volumosas. Nas antigas mercearias, o balcão que separava clientes e vendedores,
impedia o acesso mais amplo dos clientes às mercadorias. Os supermercados tentavam
estimular as chamadas compras por impulso. Algo que o cliente ao ver se lembraria
da necessidade ou compraria por ter despertado o desejo por aquele produto.
Foram
inúmeras as ocasiões em que tivemos, eu ou meu pai, de discordar dos demais
supermercadistas e manter o atendimento por telefone. Era um serviço que
marcava nosso supermercado de forma positiva. Um atendimento personalizado às freguesas e
fregueses. Estes, muitas vezes, eram conhecidos e amigos de décadas do seu
Gimenez e da dona Kilda. Não dava pra deixa-los na mão!
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