Momentos de minha primeira vida profissional. Em 1977, retornei a Londrina. Antes, em 1974, conclusão do colegial (antigo ensino médio) e cursinho. Na rua Tamandaré na Liberdade em São Paulo. Pensão da dona Genoveva e seu Orlando e cursinho Anglo. Do começo de 1975 até meados de 1976, engenharia no ITA. Me dedicava mais ao basquete que aos estudos. Depois de muitos anos, um calouro se juntava ao time principal do ITA. Sem muita modéstia, tinha minhas qualidades no esporte. Desenvolvidas no Canadá. Clube da minha infância e adolescência de classe média.
Em meados de 1976, desencantado com o curso de engenharia, fui para Campinas. Estudar Física. Durou apenas um semestre. Valeu mais pelas apresentações da Orquestra Sinfônica de Campinas que assistia no teatro da cidade uma vez por semana. À noite. Apreciava as viagens de ônibus gratuitas do centro até o campus em Barão Geraldo Sinal evidente de valorização do ensino superior. Tão diferente dos dias atuais!
Final de 1976, o retorno a Londrina. Em fevereiro de 1977, a pergunta: quando volta para Campinas? A difícil resposta: não voltaria. Decidido a ficar em Londrina. Começei a trabalhar com meus pais. No meio do ano, vestibular para Administração. Bem sucedido. Quatro anos depois, me torno professor após a graduação. Nove dias depois da formatura.
Nesses anos, a vida de trabalho na empresa familiar. Um breve afastamento de alguns meses. Mas, a pressão de pai e mãe levaram ao retorno. Uma experiência única. Em um breve período, sem a presença do pai. Fundador da pequena empresa, a nosso pedido, se afastara da gestão. Com mãe e irmãos, uma tentativa de independência da autoridade paterna. Depois de alguns meses, o inevitável retorno desta autoridade. O convívio se manteve até o afastamento para o mestrado. Entre 1982 e 1984. Depois,a escolha da carreira universitária. A princípio concomitante com a empresa familiar. Depois exclusiva.
Um período de duração imprecisa, esse meu trabalho na pequena empresa dos pais. A memória pode enganar. Além disso, como escrevi na introdução de meu primeiro livro - O estrategista na pequena empresa - na infância e adolescência houve a vivência no espaço da empresa dos pais. Espaço de brincadeiras e pequenos trabalhos. Ajuda que alguns desavisados, condenariam como trabalho infantil. Nada disso! Preparação para a vida, assim como a escola que frequentávamos.
Memórias de minha história. Memórias, também, que me contaram.
Me lembro do Professor Hermas, meu professor de matemática no colegial. Depois, colega da Universidade Estadual de Londrina. Ele na Economia. Eu na Administração. Volta e meia me contava da lembrança de meu pai, carroceiro, vendendo bananas no bairro.
Me lembro de minha mãe falando do tubarão da rua Paranaguá. Alcunha que um jornalista deu ao meu pai em algum momento dos anos 50 do século passado. Tempos de racionamento. Seu Gimenez escondia alguns produtos essenciais - arroz, farinha, açúcar - para seus clientes mais fiéis no bairro. Um dia, uma cliente chata e não atendida fez a denúncia. Não deu em nada, além da breve nota no jornal. Não era a Folha de Londrina.
Outra história que minha mãe contava. Sobre a freguesa cujo filho trabalhava na prefeitura. Apareceu oferecendo materiais escolares. De uma campanha escolar do governo do estado. Oferta polidamente recusada. Não dava para vender os produtos com marcas da campanha que algum funcionário subtraíra indevidamente das crianças em idade escolar.
Mas, nem sempre se conseguia resistir à corrupção. Me lembro de um funcionário de uma empresa estatal. Comprava em nome da empresa, produtos de uso cotidiano. Limpeza, café, açúcar. Pedia para superfaturar. Tirava a diferença em mercadorias para uso próprio. Eu fazia a nota fiscal. Um certo desconforto! Mas, sobrevivi a esta culpa. Tão pequena em comparação a outras culpas não minhas.
E o caso do fiscal da receita estadual! Conhecido da família. Freguês do mercado. A mordida foi grande. Em troca de uma multa menor, alguns meses de compra mensal. Gratuita e entregue na casa do próprio.
E a do marido fazendeiro. Também amigo da família. Quase parente. Mantinha a mulher quase presa em casa. Ela raramente podia sair pra visitar as amigas. Uma vez por mês, ele ia fazer compras. Duas compras praticamente iguais. Uma para a casa da família na cidade. Outra para a teúda e manteúda. Antiga denominação de amante. Esta vivia na fazenda. A primeira compra mandava entregar. A segunda, ele mesmo levava na caminhonete de fazendeiro. Esta memória era contada por minha mãe.
Outras memórias já apareceram em posts desse blog. Mas, além das acima, outras não. Quer conhecer mais uma?
Me lembro de meu irmão mais velho - Christovam. Ensinando Sebastião, entregador de bicicleta, a dirigir a Kombi do mercado. Sebastião, todo confiante, entrou com a Kombi na árvore que ficava na calçada. Bem na esquina. Ainda bem que os estragos materiais foram poucos. E nenhum dano corporal.
Christovam, também, misteriosamente, gostava de fazer algumas entregas. No lugar de José, o motorista. Em especial, quando as entregas eram na casa de uma loura da Juscelino Kubitschek. Eu não entendia. Ingênuo, perguntei para Graça o porquê. Ela atuava no caixa e era uma das mais antigas funcionárias do mercado. De confiança. Ela riu e me disse:
_ Não percebeu como demora essa entrega! Algo mais acontece além da entrega.
Graça não precisou dizer mais nada. Eu era ingênuo, mas não era tonto!
O convívio com meu pai nem sempre era pacífico. Algumas vezes, nos desentendíamos. Em poucas vezes, ele cedia a meus argumentos. Na maioria das vezes, encerrava o assunto com a frase: você tem muita gramática, mas pouca prática! Eu só podia me calar. Fazer o quê?
Certa época, todos os filhos casados, era necessário manter um esquema de remuneração adequada para cada um. Tentei convencer meu pai disso. Ele não aceitava. Dizia que podia ir pagando as despesas de cada filho conforme fosse necessário. Coisa de empresa familiar. Eu, na vã esperança de profissionalizar um pouco a empresa, combinei com meus irmãos uma retirada semanal para cada um. No sábado à noite, após o fechamento do mercado, eu recolhia o dinheiro dos caixas e fazia o registro do faturamento diário. Tirava a parte de cada um. Meu pai, contrariado, fingia que não via. Funcionou bem. Mas, algum tempo depois decidi ir para São Paulo fazer mestrado em Administração na Universidade de São Paulo. Quando voltei, acho que ainda trabalhei com meus pais e irmãos por algum tempo. Mas, a carreira universitária estava me chamando.
São memórias que guardo comigo. Algumas vividas. Outras contadas. Histórias de uma vida pequeno burguesa, que um intelectual pedante não hesitaria em assim adjetivar. Para mim, acima de tudo, são memórias de vida. Sem adjetivos. Que registro para que minhas filhas - Paloma e Fernanda- e meus enteados - Amanda e Marcelo - possam passar à frente.
Memórias que fazem parte de minha trajetória e que ajudam a compreender o homem que as viveu.
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