domingo, 15 de fevereiro de 2015

Reflexões Carnavalescas II: O que é a necessidade de empreender?

Manhã chuvosa de carnaval. Na sala de meu apartamento ouço o barulho da chuva caindo. Tobias, nosso gato, é a única companhia. Não me atrapalha. Agindo como todos os gatos, pelo menos os que conheci, está exercendo sua autonomia pela casa. Quando sentir fome virá miar ao meu lado. Sinal de que está incomodado por uma necessidade que não consegue resolver sozinho. Nessa hora sua autonomia não será suficiente! Enquanto Tobias não mia, quero lhes contar uma conversa com um empreendedor que encontrei no litoral paranaense no mês passado.

Em um dos finais de semana de janeiro, com previsão de tempo bom, Sara e eu decidimos descer para o litoral. Tinhamos a vontade de nos hospedar em uma pousada que Sara visitara brevemente em outra oportunidade. A pousada tem 10 apartamentos, de diferentes tamanhos, localiza-se na avenida em frente ao mar, e foi instalada em uma casa magnífica que antes fora a casa de veraneio de uma família muito rica. A decoração da pousada é magnífica e retrata o cuidado com que essa casa foi montada ao longo dos anos. Fiquei maravilhado com a pinacoteca da casa. Todos os ambientes são repletos de telas, dos mais variados estilo, de artistas mais conhecidos, menos conhecidos. Em uma manhã chuvosa como hoje, passear pela pousada apreciando os quadros é uma experiência inspiradora! Além dos quadros, há uma infinidade de objetos, louças, esculturas que povoam os espaços comuns da pousada. O serviço é muito bom. A pousada oferece todos os equipamentos necessários para aquele que desejar passar algumas horas sob o sol nas areias da praia. Café da manhã muito variado, de boa qualidade. Instalações dos apartamentos bem cuidadas, de boa qualidade também, com serviços de acesso a internet, televisão a cabo. Enfim, uma pousada de padrão elevado que vale o quanto pesa no bolso!

Em um final de tarde, sentado em uma das varandas da casa, converso com Júnior, filho da proprietária da casa, viúva de um empresário que teve empresa muito bem sucedida em Curitiba. Júnior me conta que a casa existe há mais de quarenta anos. Durante muito tempo foi a casa de praia da família. Ele passou a maior parte dos verões de sua infância, adolescência e juventude nessa casa. Os pais sempre gostaram de receber e a casa comportava muitas pessoas. Os amigos de Júnior e de suas irmãs sempre estavam por lá.

Mas, no mundo dos negócios, nem tudos são flores! A empresa que era bem sucedida, passou por momentos ruins, e  acabou falindo. Aos poucos a manutenção da casa na praia foi ficando muito custosa. Embora a família não tenha ficado "na miséria", não havia mais a possibilidade de custear uma residência de veraneio. O que fazer?

A mãe de Júnior, que sempre recebera os convidados e familiares nos verões, tomou uma decisão. Comunicou aos filhos que transformaria a casa em uma pousada. Para isso contava com a ajuda do casal que há muito tempo fora contratado para atuarem como caseiros. Cuidavam da casa quando a família não estava. 

Tudo ia bem, mas quis o destino que o casal, que era de extrema confiança para a dona da pousada, tivesse que mudar-se do litoral. Precisavam acompanhar uma filha em outra cidade. A mãe de Júnior pensou em fechar a pousada. Mas, nessa época, Júnior que era um executivo bem sucedido em outras atividades, queria mudar de vida. Falou para a mãe que viria trabalhar com ela na pousada. Isto causou algum espanto nos familiares. Mas, para Júnior, como ele disse, foi a coisa certa a ser feita. Está muito bem, obrigado! 

Lhe perguntei como estava o negócio da pousada. Se estavam tendo sucesso? A resposta dele foi positiva. A históriia da pousada já completou dez anos. Conseguiram fazer melhorias na casa de praia nesse período, manter a casa e ainda ganhar algum dinheiro. Não perguntei quanto. Para mim, o sucesso é sempre relativo aos objetivos que são buscados pelo que empreende. Se a pessoa me diz que é bem sucedida, não me importam os números. Me importa a sensação de sucesso.

Dessa conversa agradável com o Júnior me veio a reflexão de hoje. Já faz alguns anos que a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor investiga as motivações para empreender que as pessoas tem. Segunda consta no relatório de 2013, os empreendedores por necessidade são aqueles que iniciam um empreendimento autônomo por não possuírem melhores opções de ocupação, abrindo um negócio a fim de gerar renda para si e suas famílias ... os empreendedores por oportunidade são os que identificaram uma chance de negócio e decidiram empreender, mesmo possuindo alternativas de emprego e renda. Em 2013, na pesquisa GEM, 71% dos empreendimentos foram motivados por oportunidade e apenas 29% por necessidade.

Qual foi a motivação para a criação dessa pousada no litoral paranaense? Oportunidade ou necessidade? Ora, certamente não foi a necessidade com o significado que orienta as respostas do GEM, mas foi uma necessidade! Uma necessidade de outro tipo, talvez guiada muito mais por razões afetivas e emotivas do que por razões econômicas. Quanta história não há na vida daquela casa! Quantas emoções podem ser relembradas no seu interior?

O que aprendi com essa história? Mais uma vez, aprendi que há casos e casos, histórias e histórias! O que quero dizer para você que me lê é sobre a imcompletude de nossos esquemas mentais e modelos conceituais. A realidade vive nos mostrando que sempre há alguma coisa que foge ao padrão em que queremos colocá-la. Há mais significados de necessidade do que aquele que o GEM usa. Ele não é ruim. Provavelmente, serve para encaixar uma grande parte das experiências empreendedoras. Da mesma forma, o significado de empreender por oportunidade pode ir além do usado pelo GEM. Pode, por exemplo, signficar a oportunidade de mostrar-se útil à sociedade criando uma ONG.

Ainda bem que há diversidade nas histórias humanas! Seriam tão chato enquadrar tudo que me contam sobre experiências empreendedoras em apenas duas categorias, não é?

Ops! Tobias começa a miar. Felizmente quando estou chegando ao final dessa reflexão. Tenho mais uma decisão a tomar. Aguenta firme Tobias! Mais alguns minutos apenas.

Revelo o nome da pousada ou não? Júnior não me pediu confidencialidade na história que contou, mas ao mesmo tempo fico pensando se devo revelá-la. Acho que sim. A história é legal, a pousada é maravilhosa, e, talvez, você queira conhecê-la. É a Pousada Casa da Praia em Caiobá. Veja o site em http://www.pousadacasadapraia.com.br/casa/pousada.htm.

Nenhum comentário:

Postar um comentário