Passei dois dias
fazendo o relatório de um projeto de pesquisa sobre mulheres empresárias. Tivemos
a participação de quinze mulheres com empresas sediadas em Cascavel, Curitiba,
Londrina, Maringá e Ponta Grossa. Esse esforço de pesquisa foi feito por uma
equipe que envolveu, além de mim: Jane Mendes Ferreira, Simone Cristina Ramos, Juliana Noschang Costa,
Mario Nei Pacagnan e Karla Brunaldi.
Nossos objetivos foram,
entre outros, revelar a autopercepção
como empreendedora ou dirigente empresarial dessa mulheres e o significado que atribuem
ao papel de empresária. Ao finalizar essa tarefa, me dei conta
que aprendi muito com essas mulheres. É impressionante como conversar com elas
sobre o que fazem e por que fazem, nos ajuda a compreender que a prática empreendedora
e empresarial pode ser tão diversa, complexa e quase impermeável à um
explicação teórica muito abrangente. São tantas as questões envolvidas no fazer
empresarial dessas mulheres, que ao me dar conta delas, percebo a grande
limitação dos modelos teóricos do campo do empreendedorismo.
Ao longo dos últimos
anos, me distancio cada vez mais das grandes explicações universais e quero
entender as minúcias de cada história empreendedora. Só para ilustrar sobre o
que estou falando, deem uma olhada sobre o que significa ser empresária para
oito dessas mulheres que nos contaram parte de suas histórias:
Olha, é gratificante.
É uma sensação boa, e é uma sensação de uma coisa inacabada ainda. Inacabada
porque ainda tem bastante coisa a ser feita, a gente ainda tem bastante
sonho, bastante projeto, bastante vontade de modificar. Então, é uma sensação
bem gratificante. Eu só não diria que eu confirmo que é uma realização
inacabada, porque ainda a gente sempre está buscando mais. Mas se você for
olhar para trás, a gente vê que a gente pode não ter crescido, tanto. Mas
você olha, e você vê que você manteve, que você tem que você fez algumas benfeitorias. Então, isso aí é o que te deixa satisfeita vamos dizer assim.
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Acho que ser
empresária eu comparo com livre-arbítrio, em todos os sentidos. No sentido de
você ter a possibilidade de trabalhar com o que você realmente ama e arcar
com as consequências disso. De você ser uma empresária honesta ou de você ser
uma empresária desonesta, e também arcar com as consequências de um lado ou
de outro. De você ser uma empresária idônea ou não idônea e também arcar. E
você ser uma empresária que pode eventualmente... a gente estabeleceu três
fases, que é o que a gente quer que a empresa seja, que ela trabalhe na sua
estrutura, na sua visão de empresa: cultura, educação e cidadania; são os
três planos da empresa. E eu acho que ser empresária me permitiu trabalhar
com as coisas que eu mais respeito.
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Eu não era aquela que falava: “Vou ser empresária, empreender”. Quando
eu fazia Administração todo mundo falava: “Vou abrir uma empresa. Eu falava:
“Hum... Não, necessariamente!”. eu sou mais pé no chão, assim, acho. Ham...
Mas eu ainda sonho em um dia poder ter uma equipe. Assim, debaixo da minha
empresa, uma equipe, assim... Não sei se é uma utopia, mas de repente vai,
neh? Uma equipe engajada, sabe? Aquelas pessoas, assim: “Puxa, eu adoro o que
eu faço, eu ganho bem pra fazer, e eu não troco a empresa por nada”. Sabe
aquele tipo de sentimento, é essa empresa que eu quero ter! Foi pra essa
empresa que eu fiquei todos esses anos. Quando eu tinha minhas funcionárias
eu pensava: “Eu quero que elas se sintam bem, eu quero que elas tenham um ambiente
de trabalho gostoso, eu quero que elas ganhem bem”. Entendeu? Porque eu não
quero ganhar sozinha. Sabe aquele sentimento? E eu, como eu tinha essa
ideologia de trabalhar e de todo mundo ganhar pra todo mundo crescer, não dá
certo, ou não deu certo. Mas eu ainda sonho com isso! Pra mim, isso é ser um
bom empresário.
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Ser empresária pra
mim... Meu Deus do céu! É um redemoinho que chegamos para fazer dessa
maneira... O que é ser empresária?... Empresária, nossa! É estar no mercado.
Eu acho que eu não sou aquela empresária autoritária, aquela coisa assim,
sabe? Eu considero assim... A gente se considera ... muito mais parceiro das
indústrias, a gente tem essa civilidade como uma, vamos dizer, uma beneficie,
um foco, uma coisa por aí, uma cartilha mesmo. Eu acho que me considero muito
mais uma parceira.
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Me enxergar? Faz
pouco tempo! Então é bem assim... Ser empresária é você ter essa afinidade em
conseguir identificar quando alguma coisa está sendo feita de maneira errada,
ou que você poderia identificar e fazer algo melhor e tentar transformar essa
realidade. Essa é a autonomia de você ir lá e falar, isso aqui realmente pode
ser feito assim, deve ser feito assado. De você poder tentar fazer diferente,
errar porque logicamente a gente vai levar umas pauladas e vai tentar fazer
as coisas de maneira diferente, e ter essa autonomia de não fazer assim,
porque agora não deu certo, mas posso fazer de outro jeito. Eh... Você
conseguir transformar vidas também, porque na minha empresa eu pego pessoas
que estão ou se formando ou pra se formar e eu movo essas pessoas pra poder fazer a empresa do jeito conciliado que inda tem
muito essa coisa de paixão, de amor.
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Eu amo de paixão
desde que eu sou criança, desde os meus 15 anos quando eu comecei a trabalhar
firme com meu pai eu sou apaixonada em conversar com gente, em entrar em
contato toda hora com pessoas, eu não consigo me imaginar – a gente fala
assim “nós temos o dinheiro do dia, do mês e do ano” – aquele dinheiro do
mês, não consigo imaginar. Então essa movimentação financeira, esse contato
direto com pessoas, isso sempre me encantou. E isso é o que eu vejo num
empresário. Eu não sou aquele empresário por trás dos panos, eu sou aquele que
está de cara.
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Para mim ser
empresária é uma pessoa que está sempre dentro do ramo dela, mas está sempre
buscando novos horizontes, está sempre se atualizando. Eu acho que nós sempre
procuramos isso, porque veja, nós estamos fazendo 50 anos de loja esse ano,
em Cascavel, e eu acho que a gente ainda está sempre no topo, eu acho que nós
estamos sendo empresários dentro do nosso ramo. Por exemplo, na imobiliária
nós não acompanhamos tanto esse ritmo, e nem na construtora, porque surgiram
novos grandes construtores, e ouve os booms
aí. Mas na loja nós estamos sempre procurando modificar, agora estamos
fazendo essa reforma imensa.
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Primeiro eu acho que
é conduzir todo o processo produtivo..., é o conduzir, é eu estar disposta a
desenvolver todas as atividades. Para mim não é só coordenar o processo e
delegar funções, é eu planejar, é eu executar o processo, eu estar inteirada
de todo esse processo, ter um relacionamento com as pessoas que me dão esse
resultado; acho que empresária é uma pessoa aberta à sociedade em que ela
vive, acima de tudo. Porque se você for uma pessoa introvertida, isso vai
causar um impacto negativo. E na mesma forma na condução dos seus
funcionários, eu acho que você tem que ter essa abertura. Então desde a
organização, planejamento, condução, administração; pra mim ela é um leque
que se abre e que você tem que procurar atender esse grande leque. Ele é às
vezes um pouco pesado, não é tão leve como o próprio leque.
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Quando me deparei com
esses depoimentos, fiquei maravilhado! Seja sincero comigo, faz sentido
transformar esses depoimentos em alguma forma de medida? Eu me convenço cada
vez mais que não! A busca das regularidades quantitativas nesse campo me diz
tão pouco, fica na superfície daquilo que quero entender! É muito melhor eu ir
montando um caleidoscópio de fragmentos históricos e cada vez que olhar para
eles, conforme eu gire o caleidoscópio, uma nova figura se forma, uma nova
compreensão que não substitui as anteriores, mas que se junta a elas nessa
compreensão inacabada e continuamente em transformação que minha memória vai
armazenando.
Muito parecido com o
que uma delas disse: É uma sensação boa,
e é uma sensação de uma coisa inacabada ainda. Inacabada porque ainda tem
bastante coisa a ser feita, a gente ainda tem bastante sonho, bastante projeto,
bastante vontade de modificar. Então, é uma sensação bem gratificante.
O que ficou evidente para mim, nesse momento, é que esses significados
carregam uma alta carga de subjetividade, mas ao mesmo tempo revelam um
compartilhamento emotivo em relação aos efeitos que essa escolha de carreira
profissional significa para essas mulheres. Vai além da competência
administrativa e de negócios e apresenta, no seu âmago, um conjunto de emoções
que parecem dar significado à própria vida. É um processo contínuo, inacabado,
em construção, onde se pratica o livre arbítrio, novos horizontes são buscados,
tentar transformar para melhor a realidade. É gratificante, é paixão, é
redemoinho, é um leque que se abre, é uma realização inacabada...
Agradeço a essas mulheres por terem nos contado
o que pensam sobre ser empresária.
Fernando,
ResponderExcluirConcordo plenamente que a ciência não necessariamente precisa fornecer explicações universais para os fenômenos. O Erving Goffman já dizia a esse respeito: é muito melhor que eu faça um casaco para cada criança do que uma tenda esplêndida onde todas treman de frio.
Fernando,
ResponderExcluirLendo este post me ocorreu que os estudos sobre linguagem podem ser uma perspectiva adicional às análises. Vejo que há uma predominância de verbos de sensação indicando que a pergunta foi respondida com foco nas emoções. Seria esta uma característica feminina? Se fossem homens também usariam tantos verbos associados a emoção?
Telma, não havia pensado nisso. Bacana! Uma pergunta interessante!
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