quarta-feira, 3 de junho de 2020

Amizade e freguesia nos tempos do Gimenez

Começo esta memória lembrando de Dona Alzira. Ela e o marido, Antônio Fernades, eram meus padrinhos. Moravam na Rua Goiás. Uma casa para cima da esquina com a Paranaguá. À esquerda de quem subia em direção à Santos, Belo Horizonte, Higienópolis. Depois era em direção ao centro. Caminho que devo ter feito infinitas vezes. Para resolver questões do Supermercado. Para ir ao cinema. Para ir ao correio. Mas, estes caminhos são de outras histórias. Aqui é a hora de lembrar freguesas e fregueses assíduos. De quase todo dia.
A primeira que me veio à mente foi minha madrinha. Meu pai e ela conversavam em espanhol. Dos filhos do velho Antonio Gimenez, imigrante da Espanha, meu pai era o único que falava a língua do pai. Nenhum dos outros tios e tias o fazia. Meu pai aprendera com seu padrinho. Bernardo Amor. Que nome! Bernardo Amor foi meu padrinho também. Alzira e Antônio de batismo. Bernardo, de crisma. Mas, esta é outra história também.
Hoje estou um pouco disperso. Mas, com memórias é assim. Nem sempre é o que você quer lembrar. Às vezes, é o que escorrega da alma para as pontas dos dedos. Ponta do lápis ou caneta, antigamente. A escrita no celular faço com a ponta do polegar. Digital!
Volto à minha madrinha, então. Dona Alzira. Lembro-me dela descendo os quinze a vinte metros que separavam sua casa do mercado. Chegando perto e cumprimentando o Christovam. Para ela, não era seu Gimenez. Sempre com alguma piada trocada entre os dois. Amizade antiga. Guardei na memória, uma pergunta repetida inúmeras vezes:
_ Christovam, tem cará e ajo?
Na rapidez da pergunta, em português com espanhol, cará e ajo misturados se transformando em carajo (caralho). Muitas risadas antes de Dona Alzira entrar porta adentro.
Da Goias para a Paranaguá. Em direção à Pará. Depois Piauí, seguida por Pio XII e Tupi. Caminho do Colégio Londrinense. Também percorrido infinitas vezes. Na maioria destas, à pé. Indo e voltando para o Londrinense. Com irmãos, com irmã, com amigos. Tempos de primário e ginásio.
Certa vez, ainda no primário, na saída da escola, um dos entregadores de bicicleta bem em frente ao Londrinense. Aquelas bicicletas grandes com uma estrutura à frente onde era amarrada a caixa com as mercadorias. Tempo ainda da Casa Gimenez. Entrega feita, meus irmãos e eu pegamos carona. Três ou quatro crianças montadas na bicicleta. Não lembro bem. Descendo pela Santos e depois Paranaguá. Pouco mais de um quilômetro. Inesquecível!
Mas, esta memória também é de outra história. A intenção era falar do seu Luís Morselli. Morava no meio da Paranaguá, à direita se afastando do mercado. Perto de vinte metros também. No máximo, trinta. Ao final da tarde, sempre dava as caras no mercado. Bater papo com Christovam. Mais um que não falava Seu Gimenez. Amigo para muitas parcerias. Socorria o Christovam com empréstimos de amigo, quando o fluxo de caixa entrava no vermelho. Marceneiro, foi seu Luís que fez as gôndolas e checkouts quando a Casa virou Supermercado Gimenez. Amizade duradoura.
Mais um dos que chamavam meu pai pelo nome foi seu Washington. Marido de dona Nancy. Professora de piano. Kilda, minha irmã, aprendeu com ela. Com as filhas, Thelma, Thaís e Thalita (já não lembro se tinham mesmo "h" nos nomes!), moravam na Goiás, três casas abaixo do Supermercado. Ao lado esquerdo de quem descia para a Antonina, depois JK ( de Juscelino Kubitschek). Mas, a mudança do nome de rua já contei em outra memória. Mesmo lado do mercado. Pra baixo da Antonina, o vale e a subida em direção à Maringá. Viraria caminho da UEL, depois da rotatória com o monumento ao Batata (busto do Castelo Branco). Mais um caminho percorrido inúmeras vezes. Mais vezes, depois que me tornei professor. Mas, esta é outra memória. Eita! Hoje, as memórias parecem querer surgir a qualquer custo!
Eu contava do seu Washington. Freguês diário também. Voltava do trabalho ao final da tarde. Descia a Goiás. Entrava para as compras diárias. Certa vez, quando criamos uma promoção regular no supermercado - quarta-feira da dona de casa - seu Washington reclamou. De brincadeira. Uma questão de gênero muito peculiar. Nessas quartas colocávamos muitos produtos em oferta. A preços bem menores que a concorrência. Seu Washington chegou para mim e minha mãe e disse:
_ Devia ser quarta-feira da dona de casa e do dono de casa. Eu estou sempre aqui.
Nós e eles rimos. De forma discreta. Seu Washington era um homem mais circunspecto. Mas era um freguês leal.
Em outro momento, já falei da proximidade entre empreendedores e clientes/amigos como algo típico da pequena empresa. Fator que ajuda a entender a longevidade de alguns desses negócios de menor porte. Com dona Alzira, seu Luís e seu Washington resgato algumas dessas figuras. Apenas três, entre inúmeros. Alguns foram lembrados quando escrevi "_ Zézinho, vai lá no Gimenez...". Outros poderão surgir em outras memórias. Como você viu, às vezes, no meio de uma história, outras teimam em aparecer. Nem sempre é o escritor que dita a escrita.

2 comentários:

  1. Fernando!! Que tempo!! E que canto de Londrina ao redor do Supermercado Gimenes juntou tanta tantos e tantas que são atuantes no contexto cultural de Londrina! Ali tinha um imã!!

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