sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O estranho caso da autonomia alugada

Uma justificativa que se ouve com frequência de pessoas que buscam abrir sua própria empresa é o desejo de autonomia. Para muitos, ser dono do próprio negócio significa dispor de seu tempo como melhor lhe convir, sem ter que dar satisfações a ninguém, muito menos a um patrão.

No entanto, assim que o envolvimento com uma nova empresa se torna realidade, o(a) empreendedor(a) descobre que a autonomia de que dispõe é muito pequena. Há tantos compromissos a atender, seja em relação a fornecedores ou a clientes, que a sensação de liberdade que era buscada demonstra-se ilusória. Mas, há outros encantos que o empreendedorismo tem para atrair as pessoas, tais como, o senso de realização e a possibilidade de relacionamentos com pessoas. Mas, para aqueles que conseguem conquistar um pouco de liberdade ou autonomia, esta se torna muito valiosa. Ela representa a possibilidade de influir verdeiramente sobre o destino pessoal, como é o caso que relato a seguir.

Há poucos dias estive no Rio de Janeiro participando do encontro anual da ANPAD (Associação Nacional de Programas de Pós-graduação em Administração). No último dia do encontro, peguei um táxi para ir da Barra até o Aeroporto do Galeão. Viagem longa que se tornou muito prazeirosa pela simpatia e bom papo do Robinho do taxi, motorista que estava passando ao acaso em frente ao hotel em que me hospedara e respondeu ao aceno do porteiro do hotel para me pegar.

Logo no começo da viagem, Robinho começou a reclamar da vida:

_ A coisa não está fácil!

Disse ele, e começou a falar de um acidente que tivera no ano passado e de como tivera que se desfazer do carro em função do financiamento que não conseguia honrar todo mês. Imediatamente pensei com os meus botôes:

_ Ih! Lá vem conversa mole de carioca para me arrancar uma gorjeta ao final da corrida.

Mas, continuei ouvindo a história do Robinho. A certa altura ele me falou:

_ Tive que alugar minha autonomia para continuar na praça.

A princípio não entendi bem o que isso queria dizer. Mas, não quis perguntar o que era esse negócio de alugar a autonomia. Robinho continuou dizendo que pegava o carro de um empresário de taxis todo dia às seis da manhã e devolvia às 18 horas. Doze horas de trabalho! Ao final do dia ele tinha que entregar R$ 100,00 para o empresário e o restante da féria do dia era seu. Para mim, pareceu algo muito parecido com o que vários motoristas de taxi já me contaram em outras cidades. O mais recente foi o caso do Raimundo, no mês passado em Salvador, que tinha que pagar uma diária de R$ 150,00 por dia ao proprietário do carro que dirigia. Mas, a história de Robinho era diferente.

_ No final do mês - disse ele - o empresário me paga R$ 1.000,00. É o aluguel da autonomia.

Dessa vez resolvi perguntar:

_ O que é autonomia?

Foi então que Robinho me explicou que autonomia é a licença que ele possui para ser taxista na cidade do Rio de Janeiro. Quando ele passou pela situação ruim causada pelo acidente, quase vendeu a autonomia. Um sujeito lhe ofereceu R$ 150.000,00 por ela. Mas, se tivesse vendido, Robinho acabaria gastando esse dinheiro e acabaria tendo que buscar um outro emprego. Para ele, a autonomia significava a independência, não podia se desfazer dela. Foi então que associei a autonomia com a condição de trabalho autônomo como taxista.

Assim, ficou sabendo da possibilidade de alugar a autonomia. Fez um contrato com o empresário que lhe paga R$ 1.000,00 por mês pela autonomia por um prazo de 24 meses. O carro foi colocado no nome de Robinho que é quem tem o direito de ser taxista. A remuneração pelo carro que o empresário recebe é a diária de R$ 100,00 por dia, durante os 24 meses. Mais de R$ 60.000,00 se forem seis dias de trabalho por semana. Ao final desse prazo, o contrato se encerra, Robinho devolve o carro e volta a ter sua autonomia. E Robinho me disse:

_ Todo mês guardo o aluguel da autonomia. Vou poder voltar a ter meu carro.

E eu completei:

_ E sua autonomia.

Essa história representa de forma bem singela o valor de um recurso raro e dificil de imitar. A autonomia garante as condições de realizar um  trabalho decente, de acordo com as normas, sem precisar se sujeitar a possíveis multas da fiscalização. Representa, também, uma lição de persistência. Para o empreendedor, assegurar recursos essenciais para seu negócio e persistir na busca de sua realização são coisas muito importantes para o sucesso. Robinho, viu que para não se tornar empregado, precisaria alugar seu bem mais valioso naquele momento. E dar um  jeito de poupar essa renda para voltar a ter liberdade no futuro.

Robinho me falou de outras coisas durante a viagem: sua mãe e a reforma de sua casinha, sua esposa, sua filha, sua enteada e de como amarrou um gringo com seus encantos fisicos. A conversa foi tão boa que, além de dar a ele o último exemplar de meu livro, dei também uma boa gorjeta. Foi uma das melhores viagens que fiz até o aeroporto do Galeão!


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