domingo, 30 de setembro de 2012

Frustração, ruptura e medo: dimensões de análise pouco exploradas no empreendedorismo

J. C. Wyatt é uma um mulher de negócios bem sucedida. Executiva de uma grande empresa de consultoria, especializada em fusões e aquisições de empresas, é respeitada por todos e até mesmo temida por alguns. Em suma, protótipo da executiva contemporânea que disputa em pé de igualdade o espaço com seus adversários do sexo oposto. Tem um namorado, com quem divide o apartamento bem localizado em Nova Iorque. Certa noite, recebe uma ligação dizendo de uma herança que chegará no dia seguinte no aeroporto. Algo que sobrou da morte de uma prima distante na Inglaterra. Quando chega ao aeroporto, descobre que a herança é uma menina, ainda bebê e órfã, cujo único parente vivo era J. C. Wyatt.
Inicialmente, Wyatt tenta se desfazer da "herança". Procura uma agência de adoções, que logo arruma um casal que adotará a linda menina. Ao fim da entrevista com o casal, a executiva parece feliz com o resultado e sai caminhando decidida, a passos firmes, mas no meio do caminho, uma ponta de dúvida... Interrompe a caminhada, retorna e cancela a adoção. Uma ruptura na sua vida surge. A princípio ela acha que conseguirá conciliar a vida profissional com os cuidados da criança, mas as coisas não serão tão facéis! Em certo momento, descobre-se preterida na condução de um grande negócio na empresa onde trabalha. Seus constantes atrasos, em função dos cuidados com a criança, deixaram-na menos confiável para o chefe. Com orgulho ferido, ela decide pedir demissão e resolve mudar-se para o interior de Vermont. Compra uma propriedade que vira apenas em uma revista, ao chegar lá descobre que a mesma estava quase em ruínas, mas tinha uma bela e produtiva plantação de macieiras.
É provável que, a esta altura, muitos já tenham descoberto que estou relatando a história do filme Baby Boom, de 1987, com Diane Keaton no papel de J. C. Wyatt, dirigida por Charles Shyer, cujo título em português é Presente de Grego. Já utilizei essa deliciosa comédia romântica, dividida em duas partes, para comentar sobre aspectos do empreendedorismo. Na segunda metade do filme, Wyatt descobre o potencial que tem para construir uma nova empresa com a produção de maçãs de sua propriedade. Entra para o ramo de comidas para bebês. Os momentos iniciais dessa parte do filme, em um roteiro bem montado, nos mostram aspectos relevantes do empreender: a busca de informações sobre o mercado; a experimentação do produto; o desenvolvimento e teste de uma marca; a capacidade de resposta rápida a informações e  tendências de consumo; e a estruturação inicial da empresa. J. C. Wyatt consegue criar um empresa bem sucedida em um negócio dominado por grandes players. Esse sucesso atrai a atenção de uma empresa maior que contrata a antiga empresa de consultoria onde Wyatt trabalhara para negociar uma aquisição. É o momento da volta por cima! Wyatt recebe uma proposta aparentemente irrecusável! Mas, será mesmo? Em um brilhante trabalho de montagem, a personagem vivida por Keaton parece decidida a aceitar, pede licença, se ausenta da reunião, vai ao toalete, lava o rosto e diz:
_ Eu voltei!
Em seguida, sai caminhando decidida, a passos firmes, mas no meio do caminho, uma ponta de dúvida... Interrompe a caminhada, retorna e ... Veja o filme e descubra o final. A única coisa que posso adiantar é que Diane Keaton repete a cena da caminhada de forma magistral, coisa de grandes atrizes.
Hoje, no entanto, refletindo sobre o filme, vejo que o mesmo me permite explorar outros aspectos do empreender, além daqueles mais racionais que enxergava antes. Essa percepção me ocorreu quando estava vendo um documentário brasileiro sobre um poeta, cantor e compositor pernambucano de nome Siba. O documentário dirigido por Caio Jobim e Pablo Francischelli - Siba nos balés da tormenta - relata a trajetória desse artista em constante transformação. Ao tomar contato com a história de Siba, fui despertado para o papel que a frustração e a ruptura desempenham na trilha desse artista. Me pareceu que constantemente Siba busca romper com o que faz, movido talvez por uma frustração ou insatisfação pessoal. Mas, como ele mesmo diz, esses momentos são acompanhados pelo medo de errar.
Defendo a idéia de que empreender é um ato criativo. Assim, de forma metafórica, à semelhança da trajetória de Siba, penso que o empreender também pode surgir de momentos de frustração que levam a algum tipo de rompimento com a vida presente, na tentativa de contruir um futuro diferente. Sem dúvida, é o que aconteceu com J. C. Wyatt em Baby Boom. Mas, acompanhando essa ruptura, lá estava o medo marcando presença na segunda parte da trajetória da personagem.
Na literatura recente sobre empreendedorismo é comum encontrarmos uma distinção sobre a motivação para empreender: por oportunidade ou por necessidade. Empreendedimentos surgem porque alguém percebeu uma oportunidade não explorada no mercado. Mas, também, pessoas empreendem porque precisam sobreviver nessa sociedade capitalista que não lhes oferece um emprego decente. São categorias aparentemente muito abrangentes e bem distintas, mas nem sempre suficientes. Por exemplo, alguém pode empreender porque tem uma necessidade muito grande de transformar a sua vida. A necessidade não tem um caráter unicamente financeiro! Ou, o que parece ser uma necessidade financeira para alguns, para outros não é.
O que leva alguém a empreender por necessidade ou por oportunidade pode ter uma explicação antecedente: será que a frustração e a vontade de romper com a situação vivida podem nos ajudar a entender melhor a motivação para empreender? Eis aí uma questão interessante de pesquisa e, até onde eu sei, pouco explorada!
Junto com a frustração e a ruptura, pode ser que o medo seja uma emoção a ser analisada pelos pesquisadores, já que pelos empreendedores sei que ela é sempre sentida.


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