Em uma rotina que se repetia de segunda a sábado, meu pai ou minha mãe e um dos filhos, muitas vezes eu, abriam as portas por volta das seis e meia da manhã. As primeiras trabalhadoras, em geral, começavam a jornada de trabalho às sete horas. Duas ou três. Os demais chegavam às oito ou nove horas. No entanto, sempre havia algumas freguesas ou fregueses que precisavam comprar o pão fresco e um ou mais litros de leite antes das sete horas.
A rotina era sempre a mesma. Morávamos em frente ao mercado, do outro lado da rua Paranaguá. Atravessavamos a rua. Enquanto meu pai erguia uma das portas, um de nós trazia duas ou três caixas de leite que o leiteiro deixava de madrugada em um pequeno depósito de madeira em um canto da calçada. O leite, nesta época, vinha em saquinhos de plástico com um litro. Em cada caixa havia dez litros de leite. O leite era da Cativa e fazíamos o acerto com o leiteiro, na segunda entrega do dia que ocorria no meio da tarde.
Em seguida, um de nós pegava o balaio de pão francês que o entregador da padaria deixara minutos antes junto à porta e colocava ao lado de um dos check-outs. Os pães chegavam ainda quentes da padaria que foi, por muito tempo, a dos Pegoraro. Durante um tempo, também, tivemos outra padaria - O Pão Francano - nos fornecendo pães. As entregas eram feitas três vezes ao dia. Pela manhã, por volta do meio-dia e por volta das quatro horas da tarde. Pão sempre fresquinho!
O ritual matutino assim se repetia: enquanto um de nós fazia embalagens de dois, três ou quatro pães, as freguesas e fregueses pegavam os pães e os litros de leite que desejavam. E faziam o pagamento para minha mãe ou meu pai no caixa.
Os pães eram embrulhados em folhas de papel. Nós tínhamos uma boa agilidade em colocar os pães sobre o papel, juntar as bordas do papel em torno dos pães e, com um movimento das mãos girávamos o pacote duas ou três vezes fechando-o com laços nas extremidades. Tínhamos que ser rápidos pois freguesas e fregueses queriam ir para casa terminar de preparar o café da manhã familiar.
Havia um bom número de pessoas que nos aguardavam para essa primeira compra do dia. Na maioria das vezes, tudo corria bem. Mas, vez ou outra, o padeiro se atrasava. Algumas vezes, também, o atraso era do leiteiro. Nesses momentos havia uma ou outra cara feia ou emburrada. Mas, um pouco de conversa de Seu Christovam e Dona Kilda sempre desanuviava os ares.
Certa vez, meu pai e minha mãe viajaram. Não me lembro para onde. Eu e meus irmãos ficamos encarregados de cumprir o ritual matutino durante a ausência deles. Nessa época, tia Amélia, irmã de minha mãe, trabalhava conosco. Ela, tio Plínio e as quatro filhas e dois filhos, nossos primos, moravam na esquina da Belo Horizonte com a Goiás. Pouco mais de 200 metros do mercado.
Pois não é que, logo no primeiro dia da viagem de meus pais, eu e meus irmãos perdemos a hora. Me lembro de tia Amélia batendo na janela do quarto em que os três irmãos dormiam. Ela nos acordou, dizendo:
_ Christovinho! Fernando! Já são quase sete horas!
Foi uma correria! Nessa manhã, o ritual se atrasou. Mas, fora algumas caras feias e outras emburradas, entre mortos e feridos salvaram-se todos!
Mas, exceto por esta ocasião, não houve outros atrasos. Depois das sete horas, quando as primeiras trabalhadoras chegavam, era a nossa vez de ir para casa tomar nosso café com leite e comer um pãozinho com manteiga.
Lembranças do Gimenez! Quando menos se espera, alguma escorrega da alma para as pontas do dedo. Vira texto!
Lembranças do Gimenez! Quando menos se espera, alguma escorrega da alma para as pontas do dedo. Vira texto!
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