segunda-feira, 16 de agosto de 2021

No Gimenez, um ritual matutino

Outro dia, ao receber pães, cuecas viradas e mini sonhos em casa, encomenda feita por um aplicativo em uma padaria curitibana, veio à minha lembrança momentos de minha vida no Supermercado Gimenez. A memória foi despertada pelo cheiro dos pães franceses que chegaram ainda quentinhos.
Em uma rotina que se repetia de segunda a sábado, meu pai ou minha mãe e um dos filhos, muitas vezes eu, abriam as portas por volta das seis e meia da manhã. As primeiras trabalhadoras, em geral, começavam a jornada de trabalho às sete horas. Duas ou três. Os demais chegavam às oito ou nove horas. No entanto, sempre havia algumas freguesas ou fregueses que precisavam comprar o pão fresco e um ou mais litros de leite antes das sete horas.
A rotina era sempre a mesma. Morávamos em frente ao mercado, do outro lado da rua Paranaguá. Atravessavamos a rua. Enquanto meu pai erguia uma das portas, um de nós trazia duas ou três caixas de leite que o leiteiro deixava de madrugada em um pequeno depósito de madeira em um canto da calçada. O leite, nesta época, vinha em saquinhos de plástico com um litro. Em cada caixa havia dez litros de leite. O leite era da Cativa e fazíamos o acerto com o leiteiro, na segunda entrega do dia que ocorria no meio da tarde.
Em seguida, um de nós pegava o balaio de pão francês que o entregador da padaria deixara minutos antes junto à porta e colocava ao lado de um dos check-outs. Os pães chegavam ainda quentes da padaria que foi, por muito tempo, a dos Pegoraro. Durante um tempo, também, tivemos outra padaria - O Pão Francano - nos fornecendo pães. As entregas eram feitas três vezes ao dia. Pela manhã, por volta do meio-dia e por volta das quatro horas da tarde. Pão sempre fresquinho!
O ritual matutino assim se repetia: enquanto um de nós fazia embalagens de dois, três ou quatro pães, as freguesas e fregueses pegavam os pães e os litros de leite que desejavam. E faziam o pagamento para minha mãe ou meu pai no caixa.
Os pães eram embrulhados em folhas de papel. Nós tínhamos uma boa agilidade em colocar os pães sobre o papel, juntar as bordas do papel em torno dos pães e, com um movimento das mãos girávamos o pacote duas ou três vezes fechando-o com laços nas extremidades. Tínhamos que ser rápidos pois freguesas e fregueses queriam ir para casa terminar de preparar o café da manhã familiar.
Havia um bom número de pessoas que nos aguardavam para essa primeira compra do dia. Na maioria das vezes, tudo corria bem. Mas, vez ou outra, o padeiro se atrasava. Algumas vezes, também, o atraso era do leiteiro. Nesses momentos havia uma ou outra cara feia ou emburrada. Mas, um pouco de conversa de Seu Christovam e Dona Kilda sempre desanuviava os ares.
Certa vez, meu pai e minha mãe viajaram. Não me lembro para onde. Eu e meus irmãos ficamos encarregados de cumprir o ritual matutino durante a ausência deles. Nessa época, tia Amélia, irmã de minha mãe, trabalhava conosco. Ela, tio Plínio e as quatro filhas e dois filhos, nossos primos, moravam na esquina da Belo Horizonte com a Goiás. Pouco mais de 200 metros do mercado.
Pois não é que, logo no primeiro dia da viagem de meus pais, eu e meus irmãos perdemos a hora. Me lembro de tia Amélia batendo na janela do quarto em que os três irmãos dormiam. Ela nos acordou, dizendo:
_ Christovinho! Fernando! Já são quase sete horas!
Foi uma correria! Nessa manhã, o ritual se atrasou. Mas, fora algumas caras feias e outras emburradas, entre mortos e feridos salvaram-se todos!
Mas, exceto por esta ocasião, não houve outros atrasos. Depois das sete horas, quando as primeiras trabalhadoras chegavam, era a nossa vez de ir para casa tomar nosso café com leite e comer um pãozinho com manteiga.
Lembranças do Gimenez! Quando menos se espera, alguma escorrega da alma para as pontas do dedo. Vira texto!

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