Certa vez fui procurado por uma
ex-aluna em Curitiba que estava enfrentando uma situação empresarial peculiar e
não estava muito segura de como agir. Ela era uma aluna que sempre participava
ativamente das aulas e, quando teve que enfrentar esta situação, lembrou-se de
um evento que contei em sala sobre a época em que trabalhei com meus pais. Era
uma situação que envolvia certo conflito com um fornecedor e que contei aos
alunos no dia em que estava falando das cinco forças competitivas do modelo de
análise da indústria de Michael Porter.
Depois de formada, Sofia, esse
é seu nome, abriu uma butique feminina localizada em um bairro de alto poder
aquisitivo em Curitiba em sociedade com sua irmã mais velha. As duas irmãs
aproveitaram o apoio financeiro oferecido pelo pai, comerciante bem sucedido em
outro ramo de negócio, que contava com a participação do filho mais velho na
gestão. Como algumas vezes acontece, as duas haviam percebido que não teriam
espaço em uma provável sucessão no negócio do pai quando esse se ausentasse.
Aliás, Sofia decidira fazer administração porque desejava iniciar um negócio
próprio. Sua irmã já havia trabalhado em uma butique quando brigara com o pai e
decidira ir atrás de seu próprio destino.
Assim, as duas acabaram unindo
forças - o conhecimento adquirido por Sofia na graduação e a experiência de
três anos da irmã - e abriram as portas da empresa voltada para um público
feminino de poder aquisitivo mais elevado, classe média-alta. Depois de anos
trabalhando, ficaram conhecidas no mercado, a empresa tinha se estabilizado, as
duas irmãs conseguiam ter um bom padrão de vida e sentiam-se realizadas. Além
disso, tinham conseguido devolver os recursos iniciais que o pai emprestara
para elas na abertura da empresa. A butique era uma loja multimarcas e graças
ao bom trabalho das duas, havia até alguma marcas que eram exclusivas delas na
região em que atuavam.
Foi então que, certo dia, Sofia
foi procurada por José Carlos que lhe fez uma proposta. José Carlos gostaria de
comprar 50 peças da marca NEWLOOK, um dos fornecedores da loja de Sofia. José
Carlos tentara fazer a compra diretamente com o fabricante, mas esse não
aceitou o pedido. Ocorre que José Carlos, além de varejista, é também
fabricante de roupas femininas e é conhecido por adotar uma prática não muito
legítima no mercado: comprar roupas de outros fabricantes e colocar sua marca
antes de revendê-las. Os clientes da fábrica de José Carlos são, na sua
maioria, as chamadas “sacoleiras” que compram de diversos fornecedores em shoppings
atacadistas para vender no varejo. Sofia é revendedora também das roupas
fabricadas pela empresa de José Carlos. E, além disso, a NEWLOOK era uma de
suas marcas exclusivas naquela região.
Pois é, não por acaso,
lembrei-me do filme “Escolha de Sofia” em que Meryl Streep faz o papel de uma
polonesa que viveu em um campo de concentração. Sob a direção de Alan J.
Pakula, esse filme de 1982 rendeu a Meryl Streep um dos diversos Oscars de sua
carreira. Atuando com Kevin Kline e Peter Macnicol, a personagem de Meryl tem
segredos que guardam uma escolha difícil que teve que fazer no passado. Prisioneira, em certo momento, teve que
escolher se a filha ou o filho deveria ser enviado para execução no campo de
concentração. Kevin Kline faz o papel de namorado de Sofia, Nathan, e Peter
Macnicol é Stingo, o novo vizinho que se torna amigo do casal e acaba se
apaixonando por Sofia. Um filme que deve ser revisitado!
É claro que a escolha de Sofia,
a empreendedora, não tem o mesmo nível de dificuldade que a da personagem
vivida por Meryl. Mas, Sofia queria minha ajuda: o que fazer?
A princípio a situação vivida
por Sofia e sua irmã apresentava um dilema moral: trair a confiança de um
fornecedor que havia dado exclusividade a elas na região, vendendo uma
quantidade de atacado para um empresário de comportamento não muito confiável.
Será que José Carlos retiraria as etiquetas da NEWLOOK e colocaria as de sua
própria marca?
Para dilemas morais, as ferramentas
de administração não oferecem muita ajuda. Talvez, Sofia poderia se inspirar
nas teorias que tratam da Responsabilidade Social Corporativa, ou nas que
abordam a visão de Stakeholders e decidir de forma a se sentir socialmente
responsável ou levando em consideração os interesses de todos os stakeholders.
Mais fácil falar do que fazer! Na essência é uma escolha entre o que julgamos
certo ou errado no mundo dos negócios.
Mas, se o dilema moral é posto
de lado, será que é possível analisar essa situação sob um ponto de vista de
qual seria a solução mais vantajosa para a empresa de Sofia? Ou seja, quais as consequências
de um sim ou de um não ao pedido de José Carlos?
Foi nesse ponto da conversa que
falei para Sofia:
_ Sofia, lembra-se das nossas
aulas de estratégia? Lembra-se do modelo das forças competitivas de Porter?
Sofia respondeu:
_ Sim, Fernando. Lembro-me que
nessa aula você contou da tentativa que fez de enfrentar a PepsiCo quando
estava trabalhando com seus pais. Eles mudaram as condições de negociação, não
foi? Não queriam mais vender a prazo, só a vista. Você disse que à vista não
comprava, buscou produtos substitutos, mas os clientes só queriam daquela
marca! Seus concorrentes tinham e seus clientes começaram a reclamar. Você teve
que rever sua decisão trinta dias depois para atender aos clientes. Foi bacana,
pois a gente percebeu a ideia de poder de negociação de fornecedores, ameaça de
produtos substitutos, intensidade de concorrência e poder de negociação de
clientes.
_ Pois é Sofia. Naqueles dias eu ainda não tinha chegado às aulas de estratégia na minha graduação. Talvez você
possa analisar a situação que está enfrentando pensando nessas forças: qual o
poder da NEWLOOK em relação a vocês? O que eles fariam se descobrissem que você
vendeu uma grande quantidade para o José Carlos? De igual forma, qual o poder
do José Carlos em relação a vocês, já que ele também é seu fornecedor? Se você
fizer essa venda poderá deixar alguns clientes na mão, isso é conveniente? Qual
o risco de irem atrás de outras butiques? Pense nessas coisas.
Depois de algum tempo reencontrei
Sofia. Curioso, perguntei o que ela e a irmã tinham feito. Sofia me respondeu:
_ Primeiro a gente se desfez do
dilema moral! Essa era uma decisão de negócios que tinha impactos a curto e
médio prazo. Podíamos fazer um grande venda e gerar caixa para nossa empresa,
que estava necessitando. Por outro lado, havia um risco muito grande, pois a
NEWLOOK representava 60% de nosso faturamento. A reação deles poderia nos colocar
em dificuldades no médio prazo. Poderiam, por exemplo, tirar nossa
exclusividade na região. Ou deixar de vender para nossa empresa. Por outro
lado, o fornecimento de José Carlos para nossa empresa era também significativo:
25% do faturamento.
_ E então? Eu perguntei. Ansioso
para saber o que tinha acontecido.
Sofia concluiu:
_ Nós atendemos ao pedido de
José Carlos. Além de resolver nossa questão financeira de curto prazo, nós
descobrimos que a NEWLOOK estava planejando abrir lojas próprias e uma das
primeiras seria em nossa região. A gente perderia o fornecimento deles em seis
meses Assim, fizemos a venda, pedimos peças extras para atender aos demais
clientes e continuamos indo bem.
Gosto dessa história da Sofia,
pois além de verdadeira, é um exemplo prático de dilemas que enfrentamos na
gestão de pequenas empresas no dia-a-dia. Não temos uma receita única, mas
quando aprendemos a pensar estrategicamente, podemos decidir de forma mais
consistente, acertar, errar, voltar atrás quando necessário. Além disso, essa
história realça a importância de estarmos sempre atentos aos movimentos de
nosso mercado. Afinal de contas, essas forças competitivas não são estáticas,
ao contrário, são muito dinâmicas.
P.S.: Se é você professor(a) use essa história como
uma atividade em sala. Já fiz isso muitas vezes, dá uma boa dinâmica em grupo.
Divida a turma em duas partes e apresente o parágrafo que conta a proposta feita
por José Carlos a Sofia. Um grupo deve buscar argumentos a favor e outro grupo
contra. Veja o que acontece!
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