sexta-feira, 20 de julho de 2012

Helena Ignez, cinema de arte e panificadora em Cuiabá: até onde pode nos levar a necessidade de realização?

Saí em estado de graça da sessão de abertura da Mostra Rogério Sganzerla que se iniciou hoje no SESC Paço da Liberdade em Curitiba. Serão dez filmes desse.grande cineasta em exibição ao longo de nove dias. O primeiro da mostra foi Luz nas Trevas - A Volta do Bandido da Luz Vermelha, idealização de Helena Ignez, viúva de Sganzerla, atriz e cineasta que já realizou Canção de Baal, A miss e o dinossauro: bastidores da Belair e Reinvenção da rua.
A cineasta adaptou roteiro orginal de Sganzela e junto com Ícaro C. Martins dirigiu uma comédia de espírito altamente crítico com a participação de Ney Matogrosso, André Guerreiro Lopes, Djin Sganzerla, Sandra Corveloni, Bruna Lombardi, Paulo Goulart, Sérgio Mamberti, Arrigo Barnabé, Simone Spoladore, Mario Bortolotto, José Mojica Marins e outros mais. Um elenco impressionante que foi muito bem dirigido em um filme de trilha sonora inigualável, imagens inovadoras e visualmente impares.
Após a sessão houve um debate com Helena Ignez que começou falando sobre a realização do filme. Lembrando de forma emocionante, o período de oito meses entre a descoberta da doença de Sganzerla e sua morte, Helena Ignez contou sobre a tarefa de trabalhar 600 páginas de roteiro para a realização desse filme durante esses meses. Um trabalho de amor e dor segundo suas palavras. Que tinha que ser feito para honrar a obra de Sganzerla e continuar a sua trajetória de vanguarda, assim como a da própria Helena.
Mas, foi na sua fala que Helena Ignez disse algo que também chamou minha atenção. Ela disse que o filme é uma comédia, cinema de arte, e que a indústria não vai conseguir acabar com o cinema de arte. Voltando para casa, comecei a pensar nessa frase e como ela está associada à ideia que David McClelland nos apresentou no começo dos anos 60 do século passado: a necessidade de realização.
Para McClelland, a necessidade de realização é um dos motores da motivação humana que ajuda a entender a tendência empreendedora que as pessoas possuem. Dadas as condições adequadas, quanto maior a necessidade de realização de uma pessoa, maiores as chances dela se envolver na criação de um novo empreendimento. McClelland, psicólogo, deu uma contribuição importante para o campo de conhecimento sobre empreeendedorismo, ao notar a insuficiência das explicações de origem na economia sobre o comportamento empreendedor. Aliás, poucos notaram que Schumpeter, um dos chamados pais do estudo do empreendedorismo, ao escrever sobre a função empreendedora na economia, na introdução de seu livro, de forma bem humorada, reconhece que estava falando de um aspecto limitado da vida humana, pois estava se restringindo aos fatos econômicos. Esse grande pensador reconhecia, já no inicio dos anos 30, a limitação das explicações economicas, pois a vida tem muitas outras facetas e, segundo Schumpeter, talvez muito mais interessantes.
Enfim, as palavras de Helena Ignez ao contar sobre os esforços de fazer uma produção de baixo orçamento, buscando apoio em quatro editais e conseguindo recursos do Canal Brasil para finalizar sua comédia, contam também uma história empreendedora. Segundo ela, houve também um efeito positivo do período de governo Lula, quando os recursos para apoio ao cinema eram muito maiores que agora.
Pois é, foi o conjunto todo das palavras da cineasta que me levaram a essa reflexão: necessidade de realização, paixão, criatividade, recursos disponíveis, disposição para agir, um ambiente favorável, uma equipe competente e público! Tudo isso junto levaram à criação desse grande filme.
Além de tudo, para mim houve um momento especial. Assisti ao filme na primera fila. Quando este estava terminando, Helena Ignez entrou e sentou-se ao meu lado. Na hora de dirigir-se ao centro da sala para iniciar a conversa, ela me deu um imã com a reprodução do cartaz do filme. Presente que ficará guardado junto a outras relíquias, de valor afetivo, que surgiram em minha história.
Ah! Estava esquecendo... Você quer saber por que no título desse post há uma "panificadora em Cuiabá"? Vai ter que assistir ao filme! Cena deliciosa do filme! Tão inesquecível quanto Ney Matogrosso cantando Sangue Latino em arranjo exclusivo para o filme.
A indústria cinematográfica não vai acabar com o cinema de arte, concordo com Helna Ignez.

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