sábado, 14 de julho de 2012

Os Limites das Ferramentas na Administração

Considero impossível assistir a qualquer filme de Krzysztof Kieslowski sem ser de alguma forma afetado pelo que vemos. Esse cineasta polonês fez mais de 30 filmes em uma carreira que se iniciou em 1966 e, voluntariamente, se encerrou em 1994. Seus últimos filmes foram especialmente bem sucedidos, tanto em termos de público quanto de crítica. Entre eles se destacam A Fraternidade é Vermelha (1994), A Igualdade é Branca (1994), A Liberdade é Azul (1993) e A dupla vida de Verónique (1991). Os três primeiros formam a Trilogia das Cores, que foi baseada nas cores da bandeira francesa e no lema da Revolução Francesa do século XVIII: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
No final dos anos 80, Kieslowski realiza para a TV Polonesa o filme Decálogo. Composto por dez histórias, o filme apresenta dilemas morais com inspiração nos Dez Mandamentos. Na trajetória de Kieslowski há um fato marcante, ocorrido em 1994, quando o cineasta comunica que estava se aposentando por sentir-se cansado de fazer cinema. Embora, tenha continuado trabalhando no roteiro de três filmes (Paraíso, Purgatório, Inferno) baseados na Divina Comédia de Dante Alighieri, Kieslowski faleceu em 1996 antes de realizar essa nova trilogia.
Tive a oportunidade de ver alguns dos filmes que compõem o Decálogo ontem e hoje no Paço da Liberdade em Curitiba. Assisti às partes de número sete, oito e nove, cujos títulos são “Não Furtarás”, “Não Levantarás Falso Testemunho” e “Não Cobiçarás a Mulher do Próximo”.  Mais do que simplesmente reproduzir os mandamentos a que cada parte se refere, os filmes que compõem o decálogo criam situações de dilema moral que evidenciam as dificuldades que nós humanos enfrentamos quando temos que lidar com nossas escolhas cotidianas que nos apresentam interesses conflitantes muitas vezes.
Apesar de ter sido profundamente afetado pelos três filmes, foram os dois últimos que mais me fizeram refletir sobre a vida, sobre a administração, em especial sobre seu ensino.  Em “Não Cobiçarás a Mulher do Próximo” temos a estória de um cirurgião que descobre que sua mulher está tendo um relacionamento amoroso com outro homem. Em uma cena, Roman, o cirurgião consegue posse da chave do apartamento onde Hanka, sua esposa, e Marius, o amante, se encontravam. Roman decide fazer uma cópia da chave e a cena da máquina de reproduzir chaves foi inspiradora para mim.
A chave representa apenas uma ferramenta, vai permitir a Roman ter certeza do que desconfiava. Mas, como ferramenta, não vai além disso. A chave em nada pode ajudar Roman sobre como agir após a confirmação de suas suspeitas. De igual forma, para mim as ferramentas administrativas são limitadas. Elas ajudam o administrador a enxergar uma situação organizacional melhor, mas pouco podem fazer em relação ao agir administrativo. A prática da Administração é muito mais do que usar ferramentas de planejamento, diagnóstico e prospecção. A Administração depende da interpretação que o profissional faz daquilo que está vendo. Não é possível agir sempre da mesma maneira, pois no agir administrativo temos a interação com os outros, seus interesses, sua influência, sua propensão a colaborar ou sua inclinação à resistência. Ou seja, as ferramentas são como a chave de Roman, apenas abrem as portas, nada dizem sobre o que fazer depois da porta aberta.
Se reconhecermos essa limitação das ferramentas administrativas, temos que reconhecer as implicações disso para o ensino da Administração. Ora, não é suficiente ensinarmos o uso de ferramentas para o futuro profissional de Administração. Precisamos buscar formas de prepará-lo para um agir competente que extrapola o uso das ferramentas e que conduz a organização para o fim desejado. Ou seja, para que serve a Administração? Em outro post, já comentei que a Administração precisa ser repensada na direção de seu entendimento como uma prática social que busca o bem viver da humanidade.
É nesse ponto que me vem à mente uma cena do “Não Levantarás Falso Testemunho”. Nesse episódio do Decálogo somos apresentados a uma professora de Ética que recebe a visita de sua tradutora nos Estados Unidos. O que a professora não sabe é que sua vida está ligada à da tradutora de uma forma muito mais complexa do que a relação acadêmica. Em determinado momento do filme, a tradutora pergunta à professora sobre como ela ensina. A professora diz que procura auxiliar seus alunos de forma que eles possam chegar a suas próprias conclusões. A tradutora insiste: Para chegar onde? E a professora complementa de forma emocionante: para chegar ao bem. Às vezes o mal predomina, mas precisamos chegar ao bem.
Como disse no começo: É impossível assistir a Kieslowski sem ser afetado pelo que vemos! Uma obra que merece ser apreciada!

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