Para Telma, que esteve presente nesse e em outros momentos
Telma foi no segundo semestre de 1984 e eu, que estava atuando como docente nessa época na UEL, consegui uma licença de seis meses para realizar estudos que se relacionavam com minha dissertação de mestrado que fazia junto à FEA-USP.
Foi a primeria vez que saí do Brasil para estudar. Descobri como meus estudos da lingua inglesa na adolescência tinham sido utéis, mas assim mesmo no começo tinha muitas dificuldades para me comunicar oralmente. Lembro-me de certa vez estar em frente da casa onde morávamos em Aberystwyth, quando uma senhora idosa se dirigiu a mim fazendo alguma pergunta. Eu estava de costas, virei-me e disse:
_ Sorry! Não havia entendido o que a senhora me havia perguntado.
Esta me respondeu:
_ Sorry! I didn´t know you were a foreigner. (Desculpe! Eu não sabia que você era estrangeiro.)
Pois é, com apenas uma palavra, a velhinha já me carimbou de estrangeiro. Telma, ao contrário, fluente em inglês, tinha uma habilidade impressionante de se comunicar e muitos chegaram a perguntar a ela, como se fosse inglesa:
_ Where did you meet this Brazilian? (Onde você encontrou esse brasileiro?)
Esse período foi muito significativo em minha vida pessoal e profissional. Foi nessa época que, após uma visita que fizemos à Cidade Luz (Paris), após algum tempo, descobrimos que Telma estava grávida de Paloma, que foi nascer em Londrina em janeiro de 1986.
Mas, minha ida ao País de Gales não foi só para passear e conhecer velhinhas galesas simpáticas. Fiz um estágio junto ao Departamento de Economia da University College of Wales que me deu acesso às instalações da universidade, e em particular à biblioteca. Aberystwyth era também a sede da Biblioteca Nacional do País de Gales, situada no alto de uma colina, não muito longe de onde morávamos. Um prédio belíssimo onde passei muitas horas lendo.
Nesse período, de forma muito autônoma, pude realizar essa pesquisa que me permitiu, por meio de um levantamento, identificar organizações e atividades de apoio à pequena empresa naquela época. Uma versão resumida do relatório de pesquisa que entreguei ao Departamento de Economia da UCW foi publicada em artigo na Revista de Administração, v. 21, n.4, em 1986, sob o título: Atividades de apoio à pequena empresa: a experiência britânica.
Além desse levantamento, tive a oportunidade de fazer um estudo com dados estatísticos sobre as pequenas empresas no Reino Unido entre 1976 e 1982 com base na Business Monitor's Analyses of United Kingdom Manufacturing (local) Units by Employment Size. Nesse período, a economia inglesa estava em declínio, e os dados que coletei indicaram que o número de pequenas empresas industriais e o total de empregos gerados por elas, em termos proporcionais, se elevaram quando comparados com as grandes empresas. Assim, por exemplo, as empresas que tinham entre 20 e 99 empregados, representavam 67% das empresas em 1976, e 71% em 1982. Por outro lado, as empresas maiores, com mais de 200 empregados, decresceram de 18% para 15% no mesmo período. Quanto à participação no total de empregos, observou-se fenômeno semelhante: as empresas menores passsaram de 18% para 21% dos empregos gerados e as grandes de 68% para 64%.
Outra informação interessante revelada por essa incursão nas estatísticas britânicas, foi que a taxa de decréscimo em termos de empresas e empregos, foi menor para as empresas menores. Por exemplo, as empresas industriais que tinham mais de 200 empregados diminuíram quase 6% no número de unidades e quase 7% no total de empregos gerados. Para as pequenas empresas, esses números foram, respectivamente, 2,38% e 2,31%.
Lembrei-me desse estudo, ao ler notícias sobre as perspectivas mais sombrias para a economia brasileira nos próximos meses. Se esse contexto negativo se afirmar, é bom refletir sobre a importância de reforçarmos os mecanismos de apoio às pequenas empresas. Elas são mais flexíveis e resistem mais aos tempos dificéis.
Desse período de estudos no País de Gales, trago na memória também um fato curioso. Como ficaríamos apenas seis meses na casa que alugamos da Mrs Smith, outra simpática velhinha galesa, Telma e eu resolvemos alugar uma televisão em uma pequena loja que encontrei no centro de Aberystwyth. O proprietário da loja não nos passou nenhuma informação sobre o sistema de licenciamento público para acesso aos canais abertos da televisão no Reino Unido. Passado algum tempo, estava assistindo tv sozinho em casa, e vi um anuncio assustador sendo transmitido. Alguma coisa assim:
"The van detectors are in your area. If you have not paid the tv tax, you may get into trouble" (As vans detectoras estão na sua área. Se você não pagou a taxa de tv, você pode arrumar problemas). Imagine, eu com meu pouco domínio da lingua inglesa naquela época, vendo essa mensagem. Quase que entrei em pânico. Mas, depois de respirar fundo, fui me informar. O dono da loja em que aluguei o aparelho de tv, me explicou que deveríamos pagar a taxa anual cobrada de todo proprietário de tv no Reino Unido. Essa taxa é que custeava a produção e os investimento da famosa BBC. Sabendo disso, regularizei a situação, mas mantive aquele sentimento inicial quando vi o anúncio pela primeira vez: o Big Brother previsto por George Orwell em seu livro 1984 estava se tornando realidade! O governo britânico era capaz de descobrir se eu estava assistindo tv em minha casa, mesmo com as portas fechadas! Esse sim era o verdadeiro Big Brother, não essa coisa ridícula que ocupa um tempo valioso de nossa televisão.
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